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Primeira Edição: Escrito para apresentação do texto "Sobre o Fascismo" na Revista Marxismo Militante Exterior N° 1, outubro de 1975, publicado em Heidelberg, Alemanha.
Fonte: Centro de Estudos Victor Myer.
Transcrição: Pery Falcón
HTML: Fernando A. S. Araújo
Com o célebre trabalho de August Thalheimer, "Sobre o Fascismo", inauguramos uma seção permanente desta Revista, na qual pretendemos publicar matérias inéditas em língua portuguesa. Selecionaremos este material histórico sob o ponto de vista da atualidade, isto é, fornecer subsídios para debates, que atualmente estão sendo travados ou que merecem ser travado em vista da problemática da luta que enfrentamos.
"Sobre o Fascismo", originalmente uma contribuição de Thalheimer à Comissão de Programa da Internacional Comunista, da qual o Autor, como menciona, fez parte, foi publicado pela primeira vez em 1930, em "Gegen der Strom" (Contra a Corrente), órgão teórico da recém fundada Oposição Comunista Alemã (KPO), sigla sob a qual a Oposição se tornou conhecida. A Oposição foi fundada em 1928/29 depois do VI Congresso da Internacional Comunista ter adotado um programa ultra-esquerdista, que inaugurou a luta contra o "social-fascismo".
A publicação do artigo desencadeou um debate prolongado sobre o caráter do fascismo, e contribuiu para a elaboração de uma teoria, comprovada nas duras lutas que se seguiram e que até hoje não perdeu sua atualidade. Naquela época o KPO foi a única organização na Alemanha (e provavelmente no mundo) que tinha noção real do fascismo e uma estratégia para enfrentá-lo - numa época em que o Partido Comunista oficial ainda via na Social-Democracia o inimigo principal e Trotsky ainda achava "menosprezível" o perigo nazista na Alemanha. O único teórico marxista, que na análise do fascismo partiu de premissas semelhantes a Thalheimer, foi Gramsci. As suas conclusões, porém, conhecidas somente depois da guerra mundial, não são tão claras e nem poderiam ser, pois escreveu na prisão, sob os olhos dos seus censores fascistas.
Até que ponto nos interessa hoje esses debates travados há mais de quarenta anos? Interessa-nos muito. Não só porque os maoistas, por exemplo, na sua luta contra o neo-revisionismo dos PCs oficiais, procuram reviver justamente o vocabulário ultra-esquerdista referente ao social-fascismo e, dessa maneira, cuidam da atualidade do problema. Na América Latina, o debate sobre o fascismo revive, de uma ou outra maneira, com todo novo golpe, com toda nova ofensiva de repressão da burguesia — e estas, nos últimos anos, não foram poucas.
Acontece, entretanto, que nós, no subcontinente, ainda não conhecemos o fenômeno fascista. Pelo menos não o conhecemos no poder Os movimentos fascistas, na medida em que existiram ou existem entre nós, nunca passaram de instrumentos auxiliares da reação. Nem mesmo a ditadura militar chilena repartiu o poder com "Patria y Libertad" e não há dúvida que foi justamente no Chile onde as contradições da luta de classe chegaram a ser as mais agudas. Em regra geral, na América Latina, a tarefa da repressão foi confiada às Forças Armadas.
Mas — pode-se perguntar — mesmo que as ditaduras militares não sejam fascistas, qual é a diferença para nós? Essa pergunta, de fato se ouve com freqüência, pois não é indiferente ser preso, torturado ou morto por uma repressão militar ou uma reconhecidamente de caráter fascista? Sim e não, se consideramos a questão do ângulo da luta que temos a travar contra essas forças.
O que a ditadura militar (do tipo que conhecemos no Brasil desde 1964) tem em comum com o fascismo (e com o bonapartismo) é o fato de se tratar nos três casos de ditaduras indiretas da burguesia. Essa terminologia só será compreensível para alguém que aceite a teoria de Estado de Marx e Lênin. Para estes, as repúblicas burguesas, parlamentares-democráticas, nunca passaram de ditaduras veladas da burguesia. Executivo, Legislativo e Judiciário, os Três Poderes, são justamente os três instrumentos mediante os quais a classe dominante impõe seus interesses na política diária. A burocracia estatal e as Forças Armadas são a grande reserva, que entra em funcionamento quando o jogo dos poderes não mais funciona como deveria. Mas, também na república democrática, o governo da burguesia é exercido, em última instância, sob a liderança da sua fração mais forte, o capital financeiro ou monopolista. Outra forma de democracia — o predomínio do forte sobre o fraco — o capitalismo não conhece. Portanto, achamos completamente insuficiente a definição que, por exemplo, nos dão os companheiros da redação do "Brasil Socialista" em sua carta (BS N° 3, p. 90). Querendo estabelecer o caráter do Estado brasileiro, de um lado e, de outro, do norte-americano, peruano, etc, dizem:
"A ditadura militar brasileira é a expressão da hegemonia do capital monopólico no interior da classe capitalista".
Achamos insuficiente essa definição, porque os monopólios têm hegemonia no seio da burguesia, tanto no Brasil como nos Estados Unidos. A diferença real consiste no fato de os monopólios norte-americanos poderem assegurar a sua hegemonia dentro do quadro de uma democracia burguesa, no fato da ditadura da burguesia norte-americana poder se esconder atrás de estruturas democrático-burguesas. E somente quando estas estruturas não funcionarem mais, quando não permitirem mais a ditadura da burguesia (sob a hegemonia do capital monopolista) a classe dominante procurará outros meios para perpetuar o seu domínio.
Os "outros meios", já o dissemos, são formas de ditadura aberta da burguesia, já que esta renuncia ou é forçada a renunciar ao véu democrático-burguês. Mas com isso, a burguesia paga um preço, pois o "véu" democrático — parlamento, partidos políticos, "liberdade de imprensa", etc — eram instrumentos do seu domínio direto. É forçada a abandoná-los, quando entrega o governo e o aparelho de Estado ao Exército ou a um movimento de massa, fascista ou bonapartista. A ditadura, agora aberta e despida, torna-se indireta para a classe dominante. O Estado aparentemente está acima das classes. O Executivo, o único Poder que realmente restou, se autonomiza — nas palavras de Marx — conclusão a que chegou na sua análise do bonapartismo de Napoleão III.
O mérito de Thalheimer foi justamente reviver este método de Marx, e desenvolvê-lo de modo criador na época do fascismo e do aguçamento das lutas de classe em escala mundial.
Thalheimer mostra que a análise de Marx do regime bonapartista fornece a chave de um fenômeno que iria se repetir com muito mais freqüência na fase da decadência do capitalismo, o da incapacidade da burguesia de exercer diretamente o poder político. Na América Latina, então, as fases de governo direto burguês, de democracia burguesa foram curtas. No momento representam exceções. No Brasil, a organização Política Operária, praticamente desde a sua fundação, enfrentou o problema vivo da decomposição da precária democracia burguesa existente. Retomando a análise de Thalheimer e procurando aplicá-la às condições específicas do país, foi também a única organização de esquerda que não foi surpreendida pelo golpe.
Resta a pergunta, porque na América Latina não houve e não há ditadura fascista propriamente dita? Conhecemos formas de ditadura bonapartista, como Getúlio no Brasil e Perón na Argentina, para mencionar as mais conhecidas. Mas não existiu nenhum movimento de massa capaz de competir com as Forças Armadas tradicionais. Mesmo o integralismo no Brasil, só era tido como perigo real enquanto existia a perspectiva de uma aliança com o getulismo.
Acontece que a burguesia não escolhe de livre vontade os seus instrumentos de poder (se pudesse, não abandonaria o domínio direto). As formas de poder burguês são produtos das relações de força existentes entre as classes. O problema chave do surgimento de um movimento fascista de massas reside na situação da pequena-burguesia. Qualquer movimento burguês de repressão do proletariado tem de basear-se nessa classe média, pois a própria burguesia não tem, nem de longe, o necessário peso quantitativo para poder dispensar essa aliança. Vimos isso no Brasil, da mesma maneira como no Chile. Mas para o surgimento de um movimento fascista não basta que a classe média seja reacionária. Por paradoxo que possa parecer, a pequena-burguesia com predisposições fascistas é antimonopolista, perdeu as esperanças de poder galgar os obstáculos da hierarquia da propriedade e se sente esmagada pela concentração do capital. Em fases de decepção com o movimento de esquerda, em fases de recesso, acompanhadas de crise econômica, produz um "socialismo" e um "coletivismo" compatíveis com os preconceitos da sua classe, que nunca ultrapassam as fronteiras nacionais e que distinguem entre propriedade "boa" e "má". É semelhante pequena-burguesia, que fornece os ideólogos e a massa para movimentos fascistas e suas milícias armadas. E é justamente o dinamismo dessa ideologia "anticapitalista" primária, que permite ao fascismo atrair e mobilizar camadas mais atrasadas do proletariado, coisa que as ditaduras militares não conseguem.
O fascismo coloca, portanto, problemas de luta de classe, que nós não conhecemos ainda. Se nós não somos forçados a enfrentá-los, é porque em nenhum país da América Latina o desenvolvimento do capitalismo atingiu um grau de saturação, para produzir semelhante pequena burguesia. Mas isso não quer dizer que estejamos imunes contra tal perigo.
O presente artigo de Thalheimer não esgota nem pretende esgotar o problema do fascismo. Trata principalmente do relacionamento burguesia / fascismo, isto é, do fascismo como forma de governo burguês. Concentra-se justamente nessa questão, porque sobre as origens e o caráter de classe desse movimento não havia mais muitas dúvidas. Outro problema, que se impunha evidentemente era o da estratégia e tática a seguir na luta contra essa nova forma da ofensiva do capital. Prosseguiremos com a publicação de matérias sobre esses assuntos.
Finalmente queremos lembrar que "Sobre o Fascismo" foi redigido em 1928 e que também as menções à América Latina se referem às condições existentes entre nós naquela época. Cabe a nós aplicar criticamente o método de análise à realidade de hoje. Ninguém de fora pode cumprir essa tarefa no nosso lugar.
Uma colaboração do |
Inclusão | 10/05/2013 |