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Primeira Edição: The Liberator, Outubro de 1918. Título original: Soviets in Action.
Fonte: Los Soviets en acción, na Secção em Espanhol do MIA
Tradução para o português do Brasil: Marcelo Barbão.
Transcrição: Alexandre Linares
HTML: Fernando A. S. Araújo,
Janeiro 2009.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.
No meio de todo o coro de abusos e deturpações dirigidas contra os Soviets russos pela imprensa capitalista, existem vozes gritando em pânico: Não há governo na Rússia! Não há organização entre os trabalhadores russos! Não vai funcionar! Não vai funcionar!
Há um método por trás dessa calúnia.
Como todo socialista verdadeiro sabe, e o que presenciaram a Revolução Russa podem testemunhar, há hoje em Moscou e em todas as cidades e vilas das terras russas, uma estrutura política altamente complexa, apoiada pela vasta maioria das pessoas e que funciona tão bem quanto qualquer governo popular recém-instituído pode funcionar. Os trabalhadores da Rússia também construíram uma organização econômica a partir de suas necessidades e reivindicações vitais, que está se desenvolvendo e se transformando em uma verdadeira democracia industrial. Em meu último artigo, falei um pouco do aspecto externo da Rússia proletária. Neste, pretendo desenhar a estrutura do Estado soviético.
O Estado soviético está baseado nos Soviets – ou Conselhos – de Trabalhadores e Camponeses. Esses Conselhos – instituições tão características da Revolução Russa – foram criadas em 1905 quando, durante a primeira greve geral de trabalhadores, as fábricas de Petrogrado e as organizações sindicais enviaram delegados a um Comitê de Greve Central. Este Comitê de Greve foi chamado de Conselho dos Deputados dos Trabalhadores. Ele organizou a segunda greve geral no outono de 1905, enviou organizadores para toda a Rússia e, por um pequeno período de tempo, foi reconhecido pelo Governo Imperial como o porta-voz autorizado da classe trabalhadora revolucionária da Rússia.
Depois do fracasso da Revolução de 1905, os membros do Conselho fugiram ou foram enviados à Sibéria. Mas este tipo de organismo político provou ser tão efetivo que todos os partidos revolucionários(1) incluíram o Conselho de Deputados dos Trabalhadores em seus planos de levante.
Em março de 1917 quando o Czar abdicou frente ao levante que tomou toda a Rússia, o Grão-Duque Michael recusou o trono e a relutante Duma foi forçada a assumir as rédeas do governo, o Conselho de Deputados Trabalhadores retomou vida de forma fulminante. Em poucos dias, ele foi ampliado para incluir delegados do Exército e passou a se chamar Conselho de Deputados dos Trabalhadores e Soldados.
Com exceção de Kerensky, o Comitê da Duma era composto por burgueses e não tinha nenhuma conexão com as massas revolucionárias. A guerra precisava ser travada, a ordem restabelecida, o front guardado. Os membros da Duma não tinham como executar essas tarefas, portanto foram obrigados a apelar para os representantes dos trabalhos e soldados – em outras palavras, o Soviet. Foi o Soviet que realizou o trabalho da revolução, coordenando as atividades do povo, preservando a ordem. Além disso, ele assumiram a tarefa de garantir os avanços da revolução contra a traição da burguesia.
A partir do momento em que a Duma foi forçada a apelar para o Soviet, dois governos existiam na Rússia e esses dois governos lutaram pelo controle do poder até novembro de 1917(2), quando os Soviets, sob controle dos bolcheviques, derrubaram o Governo de Coalizão (a Duma). Havia, como eu falei, Soviets de deputados de trabalhadores e soldados. Um pouco mais tarde, surgiram os Soviets de deputados dos camponeses. Na maioria das cidades, os Soviets de trabalhadores e soldados se reuniam em conjunto, além de organizarem Congressos dos Soviets de toda a Rússia. Os Soviets de camponeses, no entanto, eram dirigidos separadamente por elementos reacionários e só se juntaram aos trabalhadores e soldados na revolução de novembro e durante o estabelecimento do governo soviético.
O Soviet é baseado diretamente nos trabalhadores dentro das fábricas e nos camponeses no campo. Até a primavera de 1918, existiam Soviets de deputados dos soldados. Esses foram abolidos depois da desmobilização do antigo exército com o tratado de Brest-Litovsk,(3) quando os soldados foram incorporados às fábricas ou no campo.
No começo, os delegados dos Soviets de trabalhadores, soldados e camponeses eram eleitos a partir de regras que variavam de acordo com as necessidades e a população das várias localidades. Em algumas cidades, os camponeses escolhiam um delegado a cada 50 eleitores. Os soldados nas guarnições tinham direito a certo número de delegados para cada regimento, independente do número. O exército no campo de batalha, no entanto, tinha um método diferente de eleger seus Soviets. Os trabalhadores nas grandes cidades logo descobriram que os Soviets ficariam ingovernáveis a não ser que o número de deputados ficasse restrito a um para cada quinhentos trabalhadores. Da mesma forma, os dois primeiros Congressos de Soviets de toda a Rússia foram organizados com a eleição de mais ou menos 1 delegado a cada 25.000 eleitores mas, na verdade, os delegados representavam distritos de tamanhos variados.
Até fevereiro de 1918, qualquer um poderia votar nos delegados dos Soviets. Até burgueses foram aceitos, quando se organizaram e exigiram representação nos Soviets. Por exemplo, durante o regime do Governo Provisório, havia uma representação burguesa no Soviet de Petrogrado – um delegado da União dos Profissionais Liberais, que reunia médicos, advogados, professores etc.
Em março último, a formação dos Soviets foi organizada em detalhes e aplicada universalmente. Ela restringiu o direito de voto aos “cidadãos da República Socialista Russa de ambos os sexos com dezoito anos completos no dia da eleição…”. “Todos que adquirem seus meios de vida através do trabalho produtivo e útil à sociedade e que são membros dos sindicatos…”
Sem direito a voto estavam os: empregadores que viviam de lucro; pessoas que viviam de rendas; mercadores e agentes de empresas privadas, empregadores de comunidades religiosas, antigos membros da polícia e da gendarmeria, ex-membros da dinastia dominante, os deficientes mentais, os surdos e mudos, e aqueles que foram punidos por egoísmo ou contravenções desonrosas.
Em relação aos campo, cada 100 camponeses nas vilas elegiam um representante do Soviet da Volost (distrito). Esse Soviets de Volost enviavam delegados para o Soviet do Uyezd (condado) que, por sua vez, enviava delegados para o Soviet do Oblast ou província, que também elegia delegados para os Soviets dos trabalhadores nas cidades.
O Soviet de Deputados de Trabalhadores e Soldados de Petrogrado, que estava em operação quando eu estive na Rússia, é um exemplo de como as unidades urbanas do governo funcionam sob um Estado socialista. Ele era formado por 1200 deputados, aproximadamente, e, em circunstâncias normais, se reunia a cada duas semanas. No período entre as sessões, elegia um Comitê Executivo Central de 110 membros, baseados na proporcionalidade dos partidos e esse Comitê Executivo Central podia convidar delegados dos comitês centrais de todos os partidos políticos, dos sindicatos, dos comitês de fábrica e outras organizações democráticas.
Além do grande Soviet da cidade, havia também os Soviets de Rayon (bairros). Esses eram formados pelos deputados eleitos em cada bairro do Soviet da cidade e administrava sua respectiva parte da cidade. Naturalmente, alguns bairros não tinham fábricas e, assim, não elegiam representantes da região nem para o Soviet da cidade nem para o dos bairros. Mas o sistema dos Soviets é extremamente flexível e se os cozinheiros, garçons, lixeiros, jardineiros ou motoristas de táxi daquele bairro se organizassem e exigissem representação, poderiam eleger delegados.
A eleição de delegados baseia-se na representação proporcional, o que significa que os partidos políticos são representados na proporção exata ao número de votos conquistados em toda a cidade. E são os partidos e seus programas que são eleitos – não os candidatos. Estes são designados pelos comitês centrais dos partidos políticos que pode substituí-los. Os delegados também não são eleitos por um mandato especificado, podendo ser revogados a qualquer momento.
É difícil que apareça algum organismo político tão sensível e receptivo à vontade popular do que esse. E era necessário algo assim porque no momento revolucionário a opinião popular muda com grande rapidez. Por exemplo, durante a primeira semana de dezembro de 1917, houve marchas e manifestações a favor da Assembléia Constituinte – quer dizer, contra o poder soviético. Uma dessas marchas foi atacada por alguns guardas vermelhos irresponsáveis e várias pessoas morreram. A reação a essa violência estúpida foi imediata. Em doze horas a formação do Soviet de Petrogrado mudou. Mais de uma dúzia de deputados bolcheviques foi revogada e substituída por mencheviques.(4) E demorou três semanas para que o povo se acalmasse e os mencheviques fossem substituídos, um a um, pelos bolcheviques.
Pelo menos duas vezes por ano, os delegados são eleitos em todo o país para o Congresso dos Soviets de toda a Rússia. Teoricamente, esses delegados são escolhidos por eleição popular direta: das províncias, um a cada 125 mil votantes – das cidades, um a cada 25 mil; na prática, entretanto, eles são escolhidos pelos Soviets provinciais e urbanos. Uma sessão extraordinária do Congresso pode ser convocado a qualquer momento por iniciativa do Comitê Executivo Central de toda a Rússia ou por exigência dos Soviets representando 1/3 dos trabalhadores da Rússia.
Esse organismo, consistindo em aproximadamente 2 mil delegados, se reúne na capital como um grande Soviet e decide o essencial da política nacional. Ele elege um Comitê Executivo Central como o Comitê Central do Soviet de Petrogrado que pode convidar delegados dos comitês centrais de todas as organizações democráticas. Esse Comitê Executivo Central dos Soviets russos é o parlamento da República Russa e consiste em 350 pessoas, aproximadamente. Entre os Congressos, funciona como autoridade suprema, não podendo agir fora das linhas desenhadas pelo Congresso e é responsável por seus atos até o próximo Congresso.
Por exemplo, o Comitê Executivo Central pôde ordenar que o tratado de paz com os alemães fosse assinado (e ordenou). Mas ele não poderia impô-lo sobre a Rússia. Somente o Congresso dos Soviets tem o poder para ratificar o tratado. O Comitê Executivo Central elege 11 Comissários, para dirigirem os comitês responsáveis pelas diferentes áreas do governo, como se fossem ministros. Esses Comissários podem ser revogados a qualquer momento. Eles respondem diretamente ao Comitê Executivo Central. Esses Comissários elegem um presidente. Desde que o governo Soviético foi formado, esse presidente – ou premiê – foi Nicolai (Vladimir Ilyitch ou V. I.) Lenin. Se sua liderança fosse insatisfatória, Lenin poderia ser revogado a qualquer momento pelos delegados das massas do povo russo ou, em algumas semanas, diretamente pelo próprio povo russo.
A função central dos Soviets é a defesa e consolidação da revolução. Eles expressam a vontade política das massas, não só a dos Congressos, para todo o país, mas também nas suas localidades, onde a autoridade deles é praticamente suprema. Essa descentralização existe porque os Soviets locais criam o governo central e não o contrário. Apesar da autonomia local, no entanto, os decretos do Comitê Executivo Central e as ordens dos Comissários, são válidos em todos o país porque sob a República Soviética não existem interesses setoriais ou privados a servir e a causa da revolução é a mesma em todos os lugares.
Observadores mal informados, principalmente intelectuais de classe média, gostam de afirmar que estão a favor dos Soviets mas contra os bolcheviques. Isso é um absurdo. Os Soviets são o mais perfeito órgão de representação da classe trabalhadora, é verdade, mas também são as armas da ditadura proletária, contra a qual todos os partidos anti-bolcheviques se opõem ressentidamente. Assim, o apoio do povo à política da ditadura do proletariado não pode ser medida somente pela filiação ao Partido Bolchevique – ou, como ele se chama agora, ao Partido Comunista – mas também pelo crescimento e atividade dos Soviets locais em toda a Rússia.
O exemplo mais impressionante disso pode ser visto entre os camponeses, que não dirigiram a revolução e cujos interesses eram primariamente (e quase com exclusividade) a confiscação das grandes fazendas. Os Soviets de deputados camponeses não tinham, no começo, quase nenhuma outra função a não ser resolver a questão da terra. Foi a incapacidade de resolver isso sob o governo de coalizão (capitalista) que despertou a atenção da grande massa de camponeses para as razões sociais por trás dessa incapacidade – isso, junto com a propaganda incessante da ala esquerda do Partido Socialista Revolucionário, dos bolcheviques e o retorno dos soldados revolucionários às vilas.
O partido tradicional dos camponeses é o Partido Socialista Revolucionário. A grande massa inerte dos camponeses cujo único interesse sempre foi a terra, e nunca teve vigor para lutar nem iniciativa política, recusou a princípio participar dos Soviets. Aqueles camponeses, no entanto, que participaram começaram a perceber o que era a ditadura do proletariado. E invariavelmente entravam no Partido Socialista Revolucionário de esquerda, tornando-se partidários do governo Soviético. No Comissariado da Agricultura em Petrogrado está pendurado um mapa da Rússia, marcado de pontos vermelho. Cada um desses pontos representa um Soviet de Deputados Camponeses. Quando eu vi esse mapa pela primeira vez, pendurado na velha sede dos Soviets de deputados na rua Fontanka 6, os pontos vermelhos apareciam de forma esparsa pelo vasto país e os números não cresciam. Pelos primeiros oito meses da revolução existiam volosts, uyezds, províncias inteiras onde somente uma ou duas cidades maiores tinham um Soviet de camponeses, além de umas poucas vilas. Depois da revolução de novembro, no entanto, toda a Rússia tinha ficado mais vermelha: cada vila, condado, província começou a despertar e formar seu Conselho de camponeses.
Na época da insurreição bolchevique, uma Assembléia Constituinte conseguiu se eleger com uma maioria anti-soviética; um mês depois, teria sido impossível. Eu participei de três Convenções de camponeses de toda a Rússia em Petrogrado. Os delegados chegaram – a vasta maioria deles era Socialistas Revolucionários de direita. Começaram a sessão – e elas sempre eram muito tumultuadas – sob a presidência de conservadores do tipo de Avksentiev e Peshekhanov. Poucos dias depois, elas acabavam girando à esquerda e eram dominadas por pseudo-radicais como Tchernov. Mais alguns dias e a maioria já tinha ficado bem radical e Maria Spiridonova era eleita presidente. Depois, a minoria conservadora iria se separar e chamar a formação de uma convenção fantasma, que acabaria se desfazendo. E o órgão principal acabava mandando delegados para se unir aos Soviets no Smolny. Isso aconteceu em todas elas.
Eu nunca vou esquecer a Conferência de camponeses que aconteceu no final de novembro e como Tchernov lutou para controlá-la mas acabou perdendo. Nem me esquecerei daquela procissão de grisalhos proletários da terra marchando para o Smolny através das ruas cheias de neve, cantando, suas bandeiras vermelhas balançando ao vento. Era uma noite escura. Aos pés do Smolny, centenas de trabalhadores esperavam para receber os irmãos camponeses e sob a luz fraca as duas massas se moveram juntas, correram de encontro uma à outra e se abraçaram, choraram e comemoraram.
Os Soviets podem passar decretos com mudanças econômicas fundamentais, mas elas devem ser realizadas pelas organizações populares locais. O confisco e a distribuição da terra, por exemplo, foram deixadas para os Comitês da Terra dos camponeses. Esse Comitês foram eleitos pelos camponeses por sugestão do Príncipe Lvov, o primeiro premiê do (capitalista) Governo Provisório. Era preciso fazer algo com a questão agrária; as grandes fazendas deveriam ser divididas e as terras distribuída entre os camponeses. O Príncipe Lvov pediu que os camponeses elegessem os Comitês da Terra que deveriam, além de determinar suas próprias necessidades agrícolas, pesquisar e avaliar as grandes fazendas. Mas quando esses Comitês tentaram funcionar, os latifundiários prenderam seus membros.
Quando os soviets tomaram o poder, o primeiro ato foi promulgar o Decreto da Terra. Esse decreto não era um projeto bolchevique, mas do Partido Socialista Revolucionário de direita (ou moderado), escrito com base em várias centenas de pedidos de camponeses. O decreto abolia para sempre os títulos privados sobre a terra e os recursos naturais da Rússia e passava a tarefa de dividi-la entre os camponeses, até que a Assembléia Constituinte resolvesse definitivamente a questão. Depois da dissolução da Assembléia Constituinte, o decreto tornou-se irrevogável.
Além dessas poucas propostas gerais e uma decisão de providenciar a emigração da população nas regiões com excedentes, os detalhes do confisco e distribuição foram deixados inteiramente para os Comitês da Terra locais. Kalagayev, o primeiro Comissário da Agricultura, elaborou um conjunto de regras para guiar a ação dos camponeses. Mas Lenin, em um discurso no Comitê Executivo Central, persuadiu o governo a deixar os camponeses organizar o assunto de forma revolucionária, simplesmente aconselhando os camponeses pobres para se unirem contra os ricos. (“Que dez camponeses pobres se oponham a cada camponês rico”, dizia Lenin). É claro que nenhum camponês poderia ser o dono da sua própria terra, mas mesmo assim, ele podia tomar a terra que lhe era dada e tratá-la como se fosse propriedade privada. Mas a política do governo, agindo através dos Comitês da Terra locais, era a de desencorajar essa tendência. Os camponeses que quisessem se tornar fazendeiros privados poderiam fazê-lo, mas não recebiam assistência do governo. Por outro lado, aqueles que trabalhassem de forma cooperativa recebiam crédito, sementes, implementos e treinamento.
Ligados aos Comitês da Terra estão técnicos agrícolas e florestais. Para coordenar os Comitês locais, um órgão central foi eleito a partir deles e ficou conhecido como o Comitê Principal da Terra, situado na capital, trabalhando próximo ao Comissariado da Agricultura.
Os sindicatos na Rússia, do jeito que estão formados, têm menos de vinte anos. Antes da Revolução de 1905 havia muito pouca organização econômica entre os trabalhadores e a que havia era ilegal. Durante a Revolução de 1905 os sindicatos profissionais reuniam apenas 50 mil trabalhadores e a reação de 1906 tornou-os ilegais.
Os sindicatos russos foram criados artificialmente por intelectuais que fizeram um estudo científico da organização trabalhista em outros países, construindo no papel o sindicato ideal (no caso, uma combinação de sindicatos franceses com o sistema alemão) e colocando isso na prática. Os sindicatos russos, no entanto, são organizados por indústrias – por exemplo, em uma fábrica de canhões, os marceneiros que fazem as rodas são membros do Sindicato dos Metalúrgicos.
Nos primeiros três meses da Revolução, a sindicalização cresceu para mais de duzentos mil. Cinco meses depois, o número de trabalhadores organizados passou de 1 milhão e, dois meses depois, para mais de três milhões. Da mesma forma que os sindicatos de empregados, as uniões de profissionais assumiram a luta por melhores salários, diminuição da jornada de trabalho e melhores condições, exigiram Tribunais de Arbitragem e conseguiram representação no Ministério do Trabalho do Governo Provisório.
Isso não foi o suficiente para os trabalhadores russos na Revolução. Apesar do grande número de sindicalizados, ainda existiam lugares sem representação, vários trabalhadores não viam a necessidade de se organizar e a luta entre a massa e os patrões da indústria era confusa e enfraquecida pelos sindicatos.
Assim, como os Comitês do Exército criados pelos soldados, a constituição dos sindicatos era feita de forma a garantir o controle pelos reacionários, contra a pulsação mutável da base. Assim, quando ocorreu a insurreição bolchevique, a liderança dos trabalhadores de telefonia, correios e telégrafos junto com os ferroviários puderam chamar uma greve contra os bolcheviques no Instituto Smolny e isolá-los, temporariamente, do resto da Rússia. Isso, apesar da maioria revolucionária dos trabalhadores, que logo organizaram convenções e reverteram a política de seus líderes ultrapassados, elegendo novos comitês.
No momento, a função dos sindicatos é a de padronizar salários, horas e condições em toda e qualquer indústria, além de manter laboratórios para experimentos de eficiência e redução de trabalho. Mas os sindicatos ocupam um papel secundário na organização dos trabalhadores russos. A precedência pertence a outra organização, um produto das condições da própria revolução – os Comitês de Fábrica.
Quando a revolução de março estourou, os proprietários e administradores de várias fábricas fugiram ou foram expulsos pelos trabalhadores, principalmente nas fábricas do governo, onde os trabalhadores sofriam nas mãos de burocratas irresponsáveis nomeados pelo Czar. Sem superintendentes, supervisores e, em muitos casos, engenheiros e contadores, os trabalhadores encontraram-se frente à alternativa de manter o trabalho funcionando ou morrer de fome. Um comitê foi eleito, um delegado de cada seção ou departamento, para dirigir a fábrica. É claro que no começo esse plano parecia absurdo. As funções dos diferentes departamentos até poderiam ser coordenados dessa forma, mas a falta de treinamento técnico dos trabalhadores produziram resultados grotescos.
Finalmente, houve uma reunião do comitê em uma das fábricas, onde um trabalhador se levantou e disse:
“Camaradas, por que precisamos nos preocupar? A questão do conhecimento técnico não é difícil. Lembremo-nos que o patrão não era um expert, ele não conhecia nada de engenharia ou química ou contabilidade. Tudo que ele sabia era ser dono. Quando ele queria ajuda técnica, contratava gente para fazer isso para ele. Bem, nós agora somos os patrões. Vamos contratar engenheiros, contadores e eles vão trabalhar para nós!”
Nas fábricas do governo, o problema era relativamente mais simples, já que a Revolução automaticamente removeu o “patrão” que nunca foi substituído. Mas quando os Comitês de Fábrica se espalharam para as empresas privadas, foram violentamente atacados pelos seus donos, cuja maioria tinha acordos com os sindicatos.
Nas indústrias privadas, também, os comitês de fábrica eram o produto da necessidade. Depois dos três primeiros meses da Revolução, durante a qual as organizações da classe média e do proletariado trabalharam em conjunto em uma harmonia utópica, os capitalistas industriais começaram a ficar com medo do poder crescente e da ambição das organizações dos trabalhadores – assim como os latifundiários tinham medo dos Comitês da Terra e os oficiais dos Comitês e Soviets dos soldados. Durante a primeira parte de junho, começou uma campanha mais ou menos consciente de toda a burguesia que visava acabar com a revolução e quebrar as organizações democráticas. Começando com os Comitês de Fábrica, os patrões planejavam fazer uma limpeza geral, incluindo os soviets. O exército estava desorganizado; suprimentos, munições e comida eram desviados; e havia até muita traição em favor dos alemães – como em Riga. No interior, os camponeses eram convencidos a esconder os grãos ou eram provocados por desordeiros, o que servia como desculpa para os Cossacos “restaurarem a paz”. E, na indústria, o setor mais importante de todos, as máquinas e a operação das fábricas eram sabotadas, o transporte eram atacado e as minas de carvão, de metais e de matéria-prima eram danificadas o máximo possível. Todos os esforços eram feitos para fechar as fábricas e forçar os trabalhadores a voltar à posição de submissão do antigo regime.
Assim, os trabalhadores eram forçados a resistir. Os Comitês de Fábrica se espalharam e ganharam força. No começo, é claro, os trabalhadores russos cometiam erros absurdos, como já foi contado muitas vezes. Eles exigiam salários impossíveis – tentavam realizar processos fabris complicados sem a experiência necessária; em alguns casos, chegaram a pedir a volta de seus patrões. Mas tais casos eram minoritários. Na grande maioria das fábricas, os trabalhadores tinham recursos suficientes para conseguir conduzir a empresa sem patrões.
Os proprietários tentaram falsificar os livros de contabilidade para esconder pedidos, o Comitê de Fábrica era forçado a encontrar formas de controlar os livros. Os proprietários também tentavam roubar os produtos – tanto que o comitê precisou criar a regra de que nada deveria entrar ou sair da fábrica sem a devida permissão. Quando a fábrica estava começando a fechar por falta de combustível, matéria-prima ou pedidos, o Comitê de Fábrica teve que mandar homens por toda a Rússia até as minas, ou até o Cáucaso em busca de petróleo, para a Criméia para conseguir algodão; e vários agentes foram enviados pelos trabalhadores para tentar vender os produtos. Com o colapso das estradas de ferro, os agentes do Comitê tiveram que entrar em acordo com o sindicato dos ferroviários para o transporte de mercadorias. Para evitar fura-greves, o comitê passou a controlar a contratação e demissão de trabalhadores. O Comitê de Fábrica foi criado pela situação anárquica da Rússia, forçados pela necessidade de aprender a dirigir as indústrias, assim quando chegou o momento, os trabalhadores russos conseguiram tomar o controle da situação com pouco atrito.
Para exemplificar como as massas trabalharam juntas, podemos citar os 200 mil poods de carvão que foram tomados dos bunkers da frota báltica em dezembro e entregues pelo comitês de marinheiros para manter as fábricas de Petrogrado funcionando durante o período de escassez do produto. A Obukhov era uma fábrica metalúrgica que produzia suprimentos para a Marinha. O presidente do comitê da fábrica era um russo-americano, chamado Petrovsky, muito conhecido aqui por ser anarquista. Um dia, o supervisor do departamento de torpedos falou para Petrovsky que o departamento teria que fechar porque não estavam conseguindo tubos pequenos usados na produção dos torpedos. Os tubos eram feitos por uma fábrica do outro lado do rio, cujos produtos eram pedidos com três meses de antecedência. O fechamento do departamento de torpedos significaria que quatrocentos homens ficariam sem trabalho.
- Eu vou conseguir os tubos, disse Petrovsky.
Ele foi direto na fábrica de tubos, onde, ao invés de falar com o gerente, ele procurou o presidente do Comitê de Fábrica. “Camarada”, disse, “se não conseguirmos os tubos em dois dias, nosso departamento de torpedos terá que fechar e quatrocentos rapazes ficarão sem emprego”. O presidente chamou os responsáveis pelos pedidos e descobriu que alguns milhares de tubos tinham sido pedidos por três fábricas privadas na vizinhança. Ele e Petrovsky, então, visitaram essas três fábricas e conversaram com os presidentes dos Comitês. Descobriram, em duas dessas fábricas, que os tubos não eram necessários imediatamente. No dia seguinte, as peças foram entregues a Obukhov e o departamento de torpedos não precisou ser fechado.
Em Novgorod, havia uma fábrica têxtil. No início da revolução, o dono pensou: “Aqui vem problema. Não poderei lucrar enquanto durar essa revolução. Vou fechar a fábrica até que tudo tenha passado”. Ele, então, fechou a fábrica e junto com os funcionários administrativos, químicos, engenheiros e gerentes, pegou o trem para Petrogrado. Na manhã seguinte, os trabalhadores abriram a fábrica.
Esses trabalhadores eram, talvez, um pouco mais ignorantes do que a média. Eles não sabiam nada sobre os processos técnicos de manufatura, contabilidade e gerenciamento ou de vendas.
Elegeram um Comitê de Fábrica e descobriram uma certa quantidade de combustível e matéria-prima estocada, podendo, assim, iniciar a fabricação de roupas de algodão. Sem saber o que era feito com a roupa depois de fabricada, eles primeiro guardaram o suficiente para suas famílias. Depois, por terem alguns teares quebrados, enviaram um delegado a uma empresa de conserto de máquinas dizendo que dariam roupas em troca de assistência técnica. Feito isso, fizeram um acordo com a Cooperativa local, trocando roupas por comida. Eles ampliaram o escambo chegando a trocar roupas por combustível com o mineiros de Kharkov e por transporte com o sindicato de ferroviários.
Mas, finalmente, tinham abarrotado o mercado com roupas de algodão e se depararam com uma demanda que as roupas não poderiam satisfazer – o aluguel. Eram os dias do Governo Provisório, quando ainda existiam senhorios. O aluguel tinha que ser pago em dinheiro. Assim, eles carregaram um trem com roupas e mandaram, sob a responsabilidade de um membro do Comitê, para Moscou. Quando ele chegou na estação, foi até uma loja de alfaiates e perguntou se eles precisavam de roupas.
- Quanto?, perguntou o alfaiate.
- Um trem carregado, respondeu o membro do comitê.
- Quanto custa?
- Eu não sei. Quanto você paga normalmente pelas roupas?
O alfaiate conseguiu a roupa por muito pouco e o trabalhador, que nunca tinha visto tanto dinheiro de uma só vez, voltou a Novgorod muito feliz. O comitê de fábrica tinha calculado, com base na produção média, por quanto eles precisavam vender o excesso de produção para conseguir dinheiro suficiente para pagar o aluguel de todos os trabalhadores!
Assim por toda a Rússia, os trabalhadores estavam aprendendo os fundamentos da produção industrial e até da distribuição, de modo que quando a revolução de novembro aconteceu, eles conseguiram se ajustar ao controle operário da indústria.
Foi em junho de 1917 que aconteceu a primeira reunião dos delegados dos comitês de fábrica. Nesse momento, os comitês já tinham se espalhado para além de Petrogrado. Foi uma reunião inesquecível, composta de delegados de base, a maioria deles bolcheviques, muitos anarco-sindicalistas. E a reunião acabou tomando a forma de um protesto contra as táticas dos sindicatos. Na arena política, os bolcheviques defendiam que nenhum socialista deveria ter o direito de participar no governo de coalizão com a burguesia. O encontro dos delegados de fábrica tomou a mesma atitude em relação à indústria. Em outras palavras, a classe empresarial e os trabalhadores não tinham interesses em comum; nenhum trabalhador consciente pode ser membro de um tribunal de arbitragem ou conciliação a não ser para informar os patrões das demandas dos trabalhadores. Nenhum contrato entre patrões e trabalhadores. A produção industrial deve ser controlada totalmente pelos trabalhadores.
No começo, os sindicatos combateram os Comitês de Fábrica. Mas estes, que estavam controlando o coração da indústria, ampliaram e consolidaram seu poder com facilidade. Vários trabalhadores não viam a necessidade de se afiliar a um sindicato, mas todos viam a necessidade de participar nas eleições do comitês de fábrica, que controlava seus empregos. Por outro lado, os comitês reconheciam a importância dos sindicatos – nenhum trabalhador novo era empregado se não fosse filiado. Eram os comitês que aplicavam localmente as regulamentações dos diferentes sindicatos. No momento, os sindicatos e os comitês de fábrica trabalham em perfeita harmonia, cada um em seu lugar.
A propriedade privada da indústria na Rússia ainda não foi abolida. Em várias fábricas, o dono ainda detém a propriedade e tem o direito a um lucro limitado sobre seu investimento, sob a condição de que trabalhe para o sucesso e o aumento do empreendimento ou o controle será tirado dele. As indústrias cujo dono tentem fazer locaute contra os trabalhadores ou que, através de fraude ou força, tentem atrasar ou obstruir as operações da fábrica, são imediatamente confiscadas pelos trabalhadores. Condições, horas e salários em todas as indústrias, privadas ou governamentais, são uniformes.
O motivo para a sobrevivência desse semi-capitalismo, em um Estado proletário, está no atraso da vida econômica russa, os Estados capitalistas fronteiriços bem organizados e a necessidade de produção industrial imediata, para combater as pressões da indústria estrangeira.
A agência através da qual o Estado controla a indústria, tanto a mão-de-obra quanto a produção, é chamada de Conselho de Controle Operário. Esse órgão central, situado na capital, é composto de delegado eleitos nos Conselhos de Controle Operário locais, que são formados por membros dos Comitês de Fábrica, sindicatos e engenheiros e experts técnicos. Um comitê executivo central dirige as questões de cada localidade, composto por trabalhadores comuns, mas a maioria é composta de trabalhadores de outros distritos, para que as decisões não sejam prejudicadas pelos interesses de cada setor. Os conselhos locais recomendam ao Conselho de toda a Rússia o confisco de fábricas, informam sobre as necessidades de combustível, matéria-prima, transporte e mão-de-obra nos seus distritos, além de ajudar os trabalhadores a aprenderem a dirigir as várias indústrias. O Conselho de toda a Rússia tem o poder para confiscar fábricas e equalizar os recursos econômicos das diferentes localidades.
Ligado ao Conselho de Controle Operário está a chamada Câmera de Seguro. Os trabalhadores têm um seguro contra falta de trabalho, doença, velhice e morte. Todos os prêmios são pagos pelo empregador – tanto privado como o Estado. A compensação paga ao trabalhador é sempre o valor total dos seus salários. Sob o Governo Soviético, o sistema de salários é visto como uma acomodação necessária ao mundo capitalista, mas os mecanismos para sua abolição já estão em funcionamento e o sistema completo está sob controle dos próprios trabalhadores. Lenin afirma com muita clareza que a manutenção de formas capitalistas é um passo para trás, uma derrota temporária para a Revolução, mas que precisa ser mantida até que os trabalhadores consigam se auto-organizar e estejam suficientemente auto-disciplinados para competir com a indústria capitalista.
A tendência da República Soviética Russa, como o próprio Lenin mostrou, é se distanciar de qualquer tipo de governo político e seguir em direção a uma democracia industrial. Lenin chegou a prever o desaparecimento, em algum momento, dos Soviets em favor de um organismo econômico, puramente administrativo.
O protótipo desse futuro “parlamento” econômico já existe na Rússia. Ele é chamado de Conselho Supremo da Economia Pública e é formado pelos delegados do Comitê da Terra e pelo Conselho de Controle Operário. Esse Conselho tem o poder de regular a vida econômica do país, controlar o fluxo da produção, administrar de forma ampla os recursos naturais pertencentes ao governo, além de controlar as exportações e importações. Só ele tem o direito a iniciar novas indústrias, ou novos projetos de construção de estradas de ferro e rodovias, abertura de novas minas, construção de novas fábricas ou o desenvolvimento de hidrelétricas.
O comitê de ação do Conselho é composto de quinze homens, cada um deles responsável por um dos quinze setores da vida econômica do país, como estradas de ferro, agricultura, etc. Esses homens são escolhidos da seguinte forma: as várias organizações profissionais – como o Instituto de Engenheiros de Mineração, – designam seus homens mais qualificados e esses candidatos são eleitos pelos delegados dos Comitês de Terra e pelas organizações de Controle Operário. Os quinze membros do comitê dirigem comissões técnicas trabalhando nos vários campos de trabalho. Eles ficam juntos, no mesmo edifício, com os representantes dos soviets, do Comissariado do Trabalho, do Comissariado do Comércio e da Indústria, das Finanças, representantes dos comitês de fábrica, os soviets de camponeses, cooperativas, etc.
Os projetos são trazidos. Por exemplo, vamos imaginar o projeto de uma estrada de ferro entre Moscou e Novgorod (já existe uma, mas vamos usar esse exemplo). O plano é apresentado para os membros do comitê responsável pelas estradas de ferro. Se ele rejeitar o projeto, há um comitê de apelação. Se ele aceitar, as comissões técnicas são chamadas e os problemas de engenharia são trabalhados. Outras comissões, junto com os representantes das organizações operárias das fábricas metalúrgicas e os sindicatos, calculam os custos. Depois, os delegados das organizações locais de trabalhadores e camponeses são chamadas à discussão. Eles querem a estrada de ferro? Eles precisam dela? Qual a quantidade de viagens que serão feitas? Qual a quantidade de tráfego em combustível, matéria-prima e produtos manufaturados usarão a estrada? Em produtos para as fazendas e transporte de grãos?
Em outras palavras, o desenvolvimento econômico deve estar a serviço das necessidades da população. E as coisas mais necessárias são feitas primeiro. Desde dezembro, apesar de estar despedaçada, apesar de estar em guerra com todos os países no planeta, a Rússia ainda consegue organizar vastos projetos e começar a trabalhar neles – como a ligação de trezentas minas nos Urais por uma rede de estradas de ferro e a produção de energia em seis grandes rios do norte da Rússia para o fornecimento de luz, calor e aumentar a potência industrial.
Se não fossem as organizações democráticas, que já existiam antes da revolução, não há dúvida que a revolução russa teria morrido de fome há muito tempo. Os mecanismos comerciais normais de distribuição foram completamente esmagados. Somente as sociedades de cooperativa de consumidores conseguiram alimentar as pessoas e o sistema deles foi adotado, a partir de então, pelas municipalidades e até pelo governo.
Antes da revolução, havia mais de 12 milhões de membros das sociedades cooperativas da Rússia. É uma forma natural de organização para os russos, por causa da similaridade com a cooperação primitiva existente nas vilas russas por séculos. Na fábrica Putilov, onde mais de 40 mil trabalhadores estão empregados, a sociedade cooperativa alimentou, deu casa e até roupas para mais de 100 mil pessoas – comprando roupas até na Inglaterra.
Esta é uma qualidade nos russos que é esquecida por pessoas que acham que a Rússia não tem governo, porque não há uma força central e imaginam que o país é um comitê de servos em Moscou, dirigido por Lenin e Trotsky, e mantido por mercenárias da Guarda Vermelha.
A verdade é o oposto disso. As organizações que eu descrevi são reproduzidas em quase todas as comunidades na Rússia. E se qualquer parte considerável do país fizesse uma oposição séria ao governo soviético, os Soviets não poderiam durar nem um minuto.
Os críticos do governo soviético estão agora rindo triunfantes com o artigo de Lenin publicado em abril no Pravda, traduzido e publicado aqui como um panfleto, “O trabalho dos Soviets”. Nele, o grande estadista proletário afirma que os trabalhadores russos devem parar de conversar, parar de fazer greves, parar de roubar, manter uma disciplina rígida e aumentar a produção. Ele defende o sistema taylorista de gerenciamento científico. Ele aponta a inexperiência e falta de educação das massas russas, analisa a anarquia que prevalece na indústria e na agricultura. O proletariado, vitorioso sobre a burguesia, agora precisa voltar sua atenção para o problema de “gerenciar a Rússia”, sem o qual a revolução será derrotada.
O que é isso, gritam os críticos – entre eles os socialistas – senão a aplicação da velha tirania sobre as massas por um conjunto novo de mestres? E vejam! O próprio Lenin admite que os russos são incapazes de dirigir o Estado utópico que eles construíram…
Nem tanto. O objetivo do Estado socialista não é retornar à simplicidade primitiva mas, ao contrário, construir um sistema de sociedade mais eficiente do que o Estado capitalista. Na Rússia, em particular, a tarefa imediata dos trabalhadores é ser capaz de competir com a pressão do capital estrangeiro, bem como suprir suas necessidades. O que é verdade na Rússia, além disso, é verdade para os trabalhadores de todos os países. A diferença é que em nenhum outro país os trabalhadores possuem líderes com tanta visão como Lenin. Em nenhum outro país os trabalhadores estão tão unidos e conscientes. E na Rússia há grupos de indústrias, como as minas dos Urais, como as fábricas de Vladivostok, onde o controle operário conseguiu melhorar a produção em relação ao gerenciamento capitalista. E não nos esqueçamos de que a indústria pertence aos trabalhadores – seu objetivo é o lucro dos trabalhadores.
Em junho de 1918, Lenin contou a um americano que o povo russo ainda não era revolucionário.
“Se as massas não se tornarem revolucionárias em três meses”, ele disse, “a revolução fracassará”.
Nós sabemos, agora, o que ele quis dizer. “Revolucionárias” não significa rebeldia. O que deve ser destruído deve ser destruído, mas o mundo novo deve ser construído com ansiedade e esforço.
Em todo o mundo, nós assistimos as grandes mudanças na Rússia e seus resultados. Em nossos ouvidos soa “a marcha regular dos batalhões de ferro do proletariado”.
Notas:
(1) No momento da revolução russa, havia muitos partidos revolucionários. (retornar ao texto)
(2) Até a revolução, o antigo calendário juliano era diferente do usado no Ocidente (o calendário gregoriano). Isso levou a uma discrepância de 12 dias no século XIX e 13 dias no século XX. Os bolcheviques modernizaram o calendário, entre outras coisas. Assim, o que era conhecido como a revolução de fevereiro de acordo com o calendário juliano, na verdade aconteceu em março de 1917. E a famosa revolução de outubro que os bolcheviques fizeram em 25 de outubro (juliano), ocorreu em 7 novembro, de acordo com o calendário gregoriano.
A palavra czar no texto de Reed também foi traduzida do alfabeto cirílico russo como tzar e tsar. A palavra é derivada de um antigo dirigente romano, Julius Caesar. (retornar ao texto)
(3) Também traduzido como Brest-Litovsk. (retornar ao texto)
(4) “Mencheviki” é mais comumente traduzida como “Menchevique”. Bolcheviques e Mencheviques referia-se às facções Majoritárias e Minoritárias na seção russa da Segunda Internacional. Em 1919, o Partido Bolchevique mudou seu nome para Partido Comunista quando foi fundada a Terceira Internacional (ou Comunista). (retornar ao texto)
Fonte |
Inclusão | 22/01/2009 |