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A revolução de 1830 tinha infligido o primeiro golpe sério à supremacia da Santa Aliança mas não tinha minado o seu poder em definitivo. Os grandes bastiões da Aliança eram o império Russo com Nicolau I, a Áustria de Metternich e o Rei da Prússia. Mesmo o país onde se tinha dado a revolução de 1830 tornar-se-ia em breve uma fortaleza da reacção. O rei Luís Filipe tentou limpar do espírito dos seus súbditos qualquer recordação da origem revolucionária da monarquia de Julho. E assim, depois de ter esmagado cruelmente durante os anos trinta, várias revoltas populares, sucedeu-se um novo período de conservadorismo social e político e de repressão policial. A França tornou-se íntima da Áustria — país que era um dos pilares da Santa Aliança. Guizot, primeiro-ministro de Luís Filipe, e_o príncipe Metternich, chanceler austríaco, eram da opinião de que só com a cooperação da França conservadora se poderia conter com êxito a anarquia e a revolução, e preservar a velha ordem europeia.
Entretanto, nem as forças combinadas da reacção europeia eram capazes de combater a revolução com o grau de sucesso que Guizot, ministro de Luís Filipe, ansiava. As forças da emancipação social, de há muito relegadas para a sombra, estavam a ganhar alento e a adquirir pouco a pouco importância. Em 1848, o vulcão explodiu. Toda a Europa ficou em fermentação revolucionária e a Santa Aliança foi irreparavelmente abalada.
A primeira eclosão revolucionária deu-se na Sicília. O odiado Rei Bourbon, Fernando II, conhecido por esmagar cruelmente os movimentos populares, temendo o colapso do seu oscilante trono, promulgou à pressa uma série de concessões: todos os ministros reaccionários foram demitidos e prometeu uma constituição.
Em 22 e 24 de Fevereiro estalou a revolução em França. Um incidente trivial foi suficiente para trazer à rua milhares de trabalhadores. Em breve se erguiam barricadas e não tardou que a cidade estivesse nas mãos dos revoltosos. O orgulhoso Guizot, que de início chamou à revolta uma tempestade num copo de água, foi obrigado a fugir de Paris revolucionária disfarçado de mulher. No dia seguinte seguiu-se-lhe Luís Filipe numa carruagem comum. Depois de invadirem o palácio real, os revoltosos de Paris arrastaram o trono do rei pelas pedras das ruas da cidade até à Bastilha onde foi ritualmente queimado entre o regozijo geral.
Em 13 de Março apareceram barricadas nas ruas de Viena e foi a vez de Metternich fugir. Budapeste e Praga seguiram o exemplo de Viena e logo todo o multinacional Império Austríaco fervilhava de actividade revolucionária. Em 18 de Março, uma revolta popular tomou Berlim. Esta vitória tinha sido precedida de vitórias revolucionárias em alguns Estados alemães. Uma poderosa vaga revolucionária começava a varrer também os Estados da Itália. Na Lombardia, os revoltosos italianos derrotaram as forças de ocupação austríaca, e o exército do Marechal Radetzky foi destruído durante uma revolta popular. Os austríacos foram expulsos, da Veneza, que então foi proclamada república independente. Em Inglaterra o movimento cartista estava no seu auge. O movimento revolucionário também se estendeu à Espanha, à Suíça e à Bélgica. Os Polacos ergueram-se em protesto contra a divisão do seu país. A vaga revolucionária ia varrer toda a Europa, provocando a queda de regimes políticos odiados, de monarcas e de ministros, desde a costa da Atlântica às fronteiras do Império do czar Nicolau.
O notável comentador político revolucionário russo Alexander Herzen escreveu em 20 de Abril de 1848:
«Estes são tempos notáveis. A minha mão treme quando agarro nos jornais; cada dia acontece qualquer coisa de inesperado, cada dia se ouve um novo trovão: está a chegar um radiante renascimento da humanidade ou o dia do juízo final. Uma nova energia se apoderou do coração dos homens, velhas Esperanças voltaram a erguer-se e uma coragem que nada detém está na ordem do dia.»
De início eram justificadas todas as esperanças. Em Paris, no princípio da revolução, o verdadeiro poder estava nas mãos da classe operária revoltada, que desempenhou o papel decisivo no derrube da monarquia. Os trabalhadores estavam ainda armados e eram os senhores das ruas da capital. A partido do proletariado e contrariamente às intenções dos políticos burgueses, a França foi proclamada República em 24 de Fevereiro. Assim a revolução de Fevereiro de 1848 conseguiu no segundo dia o que a revolução de 1789 levara três anos a conseguir. Uma roseta vermelha foi presa à bandeira tricolor, como concessão feita ao proletariado, que pedia uma bandeira vermelha para lembrar aos homens o facto de que a Segunda República tinha de ser «uma república democrática de justiça social».
A fraqueza do proletariado francês estava no facto de que a sua vaga de entusiasmo revolucionário não estava suficientemente organizada ou consciente das suas tarefas e objectivos. Não só os proletários não tinham o seu próprio partido, que podia ter trazido organização e direcção à sua luta, mas nem sequer tinham sindicatos. Apareceram, é certo, muitos clubes políticos, mas tinham poucos objectivos comuns e havia conflitos entre eles. Nem o proletariado tinha verdadeiros líderes. A maioria dos trabalhadores seguia cegamente Louis Blanc, socialista utópico, que esperava por meio de negociação e da persuasão arrancar reformas sociais ao governo burguês.
Os líderes políticos burgueses, que tinham tremido de medo na fase inicial da revolta e tinham hipocritamente assegurado aos operários os seus sentimentos fraternais, utilizaram astutamente a sua cega confiança e a sua falta de organização. Como no início da revolução os políticos burgueses não dispunham de verdadeiro poder, tinham sido obrigados a recorrer à intriga e a astuciosas manobras. Mas conseguiram estabelecer um governo provisório dirigido por uma figura da confiança do povo, Dupont de l’Éure, que tinha tomado parte na revolução de 1789 e era um veterano do movimento democrático. Era contudo um homem com a idade de 81 anos, quase cego, fraco e incapaz de exercer uma influência apreciável na política do governo. O Ministro dos Negócios Estrangeiros e principal porta-voz do governo era Alphonse Lamartine, poeta famoso e um dos melhores oradores do seu tempo, a quem foi dada a tarefa de reprimir a onda revolucionária com a sua eloquência. Louis Blanc, que representava os interesses dos trabalhadores também foi eleito para o governo provisório. Devia chefiar a Comissão do Luxemburgo para estudar as reformas sociais no magnífico palácio de Luxemburgo, à qual no entanto não foram atribuídos fundos ou direitos concretos.
Vendo que o «seu» herói, Louis Blanc, tinha sido nomeado ministro no governo provisório, os operários confiaram no novo governo e em vez de insistirem nas suas anteriores exigências, esperavam que Louis Blanc negociasse com os colegas e conseguisse resultado que aliviassem as suas condições de vida. No entanto, o verdadeiro centro do poder estava nas mãos dos astutos representantes da burguesia, que ao recuperarem do seu pânico inicial começaram logo a empreender a contra-ofensiva contra o proletariado, mascarando as suas verdadeiras intenções, dando proeminência, aos olhos do público, a figuras populares como Dupont de l’Éure, Lamartine e Louis Blanc, que utilizaram com grande satisfação para atingirem os seus próprios fins.
A principal preocupação da burguesia e dos seus líderes políticos, embora astutamente disfarçada, era conseguir que a classe operária se submetesse, e tirar-lhe o poder recentemente adquirido. O problema era como manter o proletariado afastado, nas condições de uma revolução democrática. Os políticos burgueses compreenderam que a melhor maneira era isolar o proletariado dos seus aliados potenciais.
A revolução tinha herdado da monarquia de Julho um tesouro vazio e grandes dívidas. Depois da revolução, os grandes financeiros recusaram-se a cooperar com o governo para o ajudar a resolver as suas dificuldades. A solução para a crise financeira era muito simples, se os que lucravam com os empréstimos do Estado — os banqueiros e os ricos industriais — fossem obrigados a contribuir à custa dos seus privilégios. Contudo, o governo provisório, de acordo com os desejos da burguesia, escolheu um caminho diferente e decretou o imposto dos 45 cêntimos. Isto significava um aumento do imposto de 45 cêntimos em cada franco. O principal fardo do novo imposto era suportado pelos camponeses e pela pequena burguesia urbana. Assim, em vez das melhorias que estes dois grupos sociais esperavam, a revolução só lhes trouxe impostos mais elevados e condições materiais ainda mais difíceis.
Os políticos burgueses no aparelho de estado e a imprensa burguesa apresentaram este aumento de impostos ao povo como uma medida tornada necessária pelas crescentes exigências do proletariado. Em Paris, perante o grande número de desempregados, estabeleceram-se as chamadas oficinas nacionais, onde por 2 francos por dia os trabalhadores podiam empregar-se como serventes, etc. Os políticos burgueses insinuavam que se estavam a fazer grandes despesas com estas oficinas e com as sessões da Comissão de Luxemburgo, e que era, assim, por causa dos operários, que decretavam, forçados os aumentos de impostos. Tais eram os métodos utilizados pela burguesia para indispor os camponeses e os pequenos burgueses urbanos contra o proletariado.
Os verdadeiros líderes do proletariado francês, como Louis Auguste Blanqui (1805-1881) um revolucionário leal e um crítico violento de todos os regimes burgueses, protestaram contra esta política de provocação, seguida pelo Governo Provisório. Contudo Blanqui não tinha poder para fazer fosse o que fosse, porque a maioria dos operários ainda seguia docilmente Louis Blanc que era membro do Governo Provisório e consequentemente, na sua defesa da política desse governo, a apresentava a uma luz mais aceitável à classe operária, apoiado na autoridade de que ainda gozava entre esta.
Acontecia ainda que, em 17 de Março, quando os clubes revolucionários organizavam uma manifestação em Paris como protesto contra a nova política do Governo Provisório, Louis Blanc veio à varanda da Câmara e apelou para os trabalhadores para que tivessem confiança no Governo Provisório. A sua tremenda influência entre o proletariado foi suficiente para assegurar o pacífico dispersar da manifestação.
Assim a burguesia, utilizando astuciosamente a popularidade de Louis Blanc para conseguir os seus fins, conseguiu fazer o isolamento entre o proletariado e a campesinato. Este facto influenciaria o resultado das eleições à Assembleia Constituinte reunida em Abril de 1848, a primeira desde o tempo da Primeira República organizada numa base de sufrágio universal. Os candidatos propostos pelo proletariado sofreram uma derrota esmagadora. Os camponeses, que constituíam a maioria dos votantes, votaram pelos protegidos da burguesia. Agora que a sua posição no país tinha sido efectivamente consolidada, os políticos burgueses decidiram que tinha chegado a altura de desfechar o golpe decisivo sobre o proletariado.
Em 4 de Maio abriu a primeira sessão Constituinte. O Governo Provisório ia ser substituído por um comité executivo, que era completamente burguês. Dupont de l’Éure, Lamartine e Louis Blanc já não eram úteis à burguesia e ficaram na prateleira. A burguesia então entregou-se a toda uma série de manobras destinadas a enfraquecer mais a posição do proletariado, pondo os camponeses e a pequena burguesia contra os trabalhadores.
Em 15 de Maio um grupo de trabalhadores de Paris tentou dissolver a Assembleia Constituinte reaccionária, mas os seus esforços foram vãos. Como resultado desta tentativa, os clubes revolucionários foram encerrados e Blanqui foi preso.
Em 21 de Junho o governo fez sair um decreto ordenando que fossem fechadas as oficinas nacionais e milhares de operários saíram à rua a protestar. O governo sabia que os operários não aceitariam indiferentes um tal decreto e na verdade contavam com nova revolta numa situação em que as vantagens fossem contra os trabalhadores.
Como era de prever, a classe operária aceitou o desafio. Marx, contemporâneo destes acontecimentos revolucionários, comentaria: «aos operários não restava escolha; ou morriam de fome ou passavam ao ataque. Responderam em 22 de Junho com uma tremenda insurreição na qual se travou a primeira grande batalha entre as duas classes que separaram a sociedade moderna. Era uma luta pela conservação ou pela aniquilação da ordem burguesa.»
Todo o proletariado de Paris ocupou as barricadas com os seus irmãos das oficinas nacionais. Os trabalhadores ofereceram uma luta heróica, prontos a sacrificarem as suas vidas pela causa. Revelaram notáveis aptidões e iniciativa ao lidarem por instinto com problemas militares e quase sempre acertavam. As mulheres e as crianças ajudavam os maridos, os irmãos e os pais, sem temerem a chuva de balas. A coragem e determinação do proletariado revoltado espantou o mundo.
Contudo a situação estava contra eles. Todos os interesses dos proprietários do país estavam concentrados contra os operários. A alta burguesia lançou um furioso ataque contra o seu inimigo de classe numericamente fraco e foi ajudada pelos camponeses e pela pequena burguesia urbana, iludidos como estavam pelos políticos burgueses; estes aliados naturais dos trabalhadores lançaram-se com um zelo furioso contra aquilo que, na verdade, era também a causa deles.
O general Cavaignac, que ganhara a confiança da burguesia depois do seu impiedoso tratamento dos Argelinos em luta contra os conquistadores franceses, foi investido de poderes extraordinários: o exterminador de povos coloniais foi igualmente cruel para com a classe operária. A crueldade sem limites com que Cavaignac reprimiu a revolta provocaria a indignação de todos os progressistas da época.
O «massacre estava na ordem daqueles dias terríveis», escreveu Alexander Herzen. «Qualquer indivíduo cujas mãos não estivessem manchadas com sangue proletário era suspeito aos olhos dos filisteus.»
Os corpos de quinhentos trabalhadores ficaram nas ruas de Paris depois de os assassinos de Cavaignac terem derrubado as últimas barricadas a tiro de canhão. A burguesia ia manifestar toda a sua fúria depois da revolta ter sido esmagada: onze mil trabalhadores — vinte e duas vezes mais do que tinham sido mortos na luta propriamente dita — foram fuzilados depois de os poderosos terem uma vez mais garantido o seu domínio.
A classe operária era o mais leal defensor da democracia e do progresso social, e a sua derrota na revolta de Junho de 1848 preparou o caminho para uma nova vaga de reacção.
Este facto tornou-se evidente durante as eleições para a presidência da República que tiveram lugar em Dezembro de 1848. Um dos muitos candidatos foi o príncipe Luís Napoleão Bonaparte. Este, sobrinho de Napoleão, era um hedonista sem princípios, à procura de sensações e de melodramas em qualquer meio que se encontrasse, tanto nas fileiras das organizações secretas na Itália, tentando participar em impraticáveis golpes e sendo por isso preso, como na sua vida vagabunda entre a população de Londres. Quando chegou a França depois da revolução, cheio de planos ambiciosos e sequioso de riquezas, decidiu jogar tudo no seu famoso nome e em tudo o que lhe estava associado. Ninguém no país sabia nada acerca deste carreirista político ou sequer o tomava a sério. No entanto, para espanto de todos os seus contemporâneos, foi esta nulidade política, «o pequeno sobrinho do grande tio», que conquistou mais votos.
Luís Bonaparte foi eleito para governar a França burguesa. Ele, ou antes, o seu grande nome associado às vitórias militares e ao firme domínio imperial atraíram os votos da grande burguesia, dos sectores mais prósperos do campesinato e mesmo da pequena burguesia das cidades que se mostrou muito susceptível à barulhenta propaganda chauvinista.
A eleição de Luís Bonaparte para a presidência da Segunda República teve como consequência a queda da república. Luís Bonaparte lançou mão de todas as oportunidades que tinha como chefe de estado para abolir a república. Em 3 de Dezembro de 1851, com a ajuda do exército, tomou o poder absoluto. Em Paris e nas províncias, pequenos grupos de republicanos tentaram oferecer alguma resistência mas foram logo esmagados. O principal defensor da democracia, o proletariado, não estava em estado de pegar em armas depois do massacre de Junho e não ficou ninguém para salvar a república. Foi abolida formalmente um ano mais tarde, em Dezembro de 1852. O regime monárquico foi estabelecido mais uma vez em França — e Luís Napoleão declarou-se Imperador do Segundo Império, Napoleão III.
Assim, a Segunda República, que havia sido recebida com tanto entusiasmo e que tivera aquilo que aparecera como o apoio unânime em Fevereiro de 1848, estava destinada a acabar, apenas quatro anos mais tarde, e a ser substituída por um Império Bonapartista reaccionário e militar.
Ao contrário da revolução de 1789 que tinha avançado de conquista em conquista, a de 1848 desde o princípio parecia destinada a cair, porque a burguesia francesa que odiava e temia a classe operária já representava nesse tempo uma força contra-revolucionária. Ao proletariado, embora tivesse mostrado a sua força e determinação na revolta de Junho, ainda faltava a experiência política necessária para unir e conduzir a maioria dos trabalhadores.
Na Alemanha a revolução também estalou na primavera de 1848. Era a primeira revolução da Alemanha e muitos dos problemas que tinham sido resolvidos em França no final do século XVIII eram agora enfrentados pelos alemães pela primeira vez.
A tarefa mais importante era a unificação do país e o estabelecimento de um Estado da nação alemã. Enquanto a Inglaterra e a França eram, havia muito, países estabelecidos e unidos, a Alemanha era ainda um conceito mais ou menos abstracto. Havia trinta e oito Estados alemães, grandes e pequenos, todos com os seus monarcas, todos constantemente em conflito uns com os outros. Entre os mais poderosos estavam a Prússia, a Baviera, a Saxónia, Wurtemberg e Hesse. Em todos estes Estados — tanto os grandes como os pequenos — os governantes e os nobres agarravam-se desesperadamente aos seus privilégios medievais, estando ainda vigentes as práticas feudais, as antigas tradições e uma disciplina de ferro. A disseminação administrativa e económica criavam sérios obstáculos ao desenvolvimento económico da Alemanha. Embora já houvesse muitas máquinas na indústria e os primeiros caminhos de ferro estivessem abertos, a Alemanha permanecia ainda muito atrás da França e da Inglaterra no que se refere ao desenvolvimento económico. A falta de um poder central unificado era o sinal que apontava mais claramente para os vestígios do feudalismo, que ainda desempenhava um papel tão importante na vida da Alemanha. A campanha contra o domínio feudal — a erradicação e a abolição de todas as práticas feudais, particularmente na agricultura, onde conseguiram deter o avanço de um campesinato que contava muitos milhões de pessoas era a segunda tarefa vital da revolução alemã, e estava indissoluvelmente ligada à primeira.
A literatura alemã dos anos 30 e 40, e particularmente as obras do grande poeta alemão Heinrich Heine (1797-1856) e o grupo de poetas, romancistas e dramaturgos progressistas conhecido por «Junges Deutchland» (Jovem Alemanha) denunciaram e ridicularizaram corajosamente as hediondas e repelentes características das monarquias pomposas e reaccionárias dos pequenos Estados e a tacanha arrogância prussiana. A sua ousada poesia política desempenhou um papel importante na agitação da consciência social dos seus compatriotas.
As explosões revolucionárias teriam lugar primeiro nos Estados ocidentais. Em Baden, Wurtemberg, Baviera e Hesse-Darmstadt, comícios de rua e manifestações pedindo reformas políticas começaram no princípio de Março de 1848. «Unidade Alemã» e «Liberdade» foram os principais slogans destes dias de Março. Em Baden um pequeno grupo de democratas pediu o estabelecimento de uma república, mas esta exigência foi pouco apoiada.
Esta vaga de actividade revolucionária foi tão poderosa que os governantes dos estados ocidentais acabaram por compreender que não tinham outra alternativa que não fosse fazer imediatamente algumas concessões políticas. Assim o rei Guilherme I de Wurtemberg apressou-se a promulgar a lei da liberdade de imprensa, a demitir os seus antigos ministros e a substituí-los pelos líderes da burguesia liberal. Na Baviera, onde as manifestações populares eram particularmente amplas, o Rei Luís I decidiu abdicar a favor do filho. Em Baden, depois de o Ministério dos Negócios Estrangeiros ter sido queimado em Karlsruhe, a capital, o Duque Leopoldo demitiu imediatamente os ministros reaccionários mais odiados e designou liberais locais para os substituir.
Em breve a atmosfera política da Prússia se tornaria tensa também. Aqui, eram os operários de Berlim a força revolucionária mais activa. E antes mesmo de a revolução começar a actuar, já a burguesia alemã, aterrorizada, chegava à conclusão de que se preparava uma tempestade que faria com que a agitação em França parecesse uma festa. Isto era, evidentemente, um exagero, mas o estado de alarme revelava a posição contraditória ambivalente da burguesia alemã. Os liberais burgueses alemães que estavam privados de direitos políticos e eram desprezados pelos junkers prussianos (nobres políticos locais), aspiravam naturalmente a tornar-se a principal força política do país. Contudo, embora odiassem e temessem a monarquia e a nobreza, odiavam e temiam ainda mais o operariado. Daí as hesitações e a fraca indecisão da burguesia alemã durante este período de fermentação revolucionária.
O rei da Prússia, Frederico Guilherme IV, e particularmente o príncipe herdeiro Guilherme, não tinham vontade de fazer concessões à burguesia. Confiavam no apoio das tropas leais que foram a pouco e pouco juntando em Berlim, e na ajuda do czar Nicolau I da Rússia, a quem pediram, no princípio de Março, que mandasse tropas para a Alemanha. Entretanto Frederico Guilherme ia jogando com o tempo, fazendo várias e vagas promessas.
Depois de medir o risco que corria se continuasse a resistir às exigências políticas dos súbditos, na noite de 17 de Março, Frederico Guilherme anunciou que daria à Prússia uma constituição e prometeu outras reformas liberais. Na manhã de 18 de Março, grandes multidões de operários, artesãos e habitantes das cidades saíram à rua para celebrar a sua primeira vitória. No entanto, esta, manifestação pacífica seria reprimida diante do palácio real, por tropas governamentais, e logo as ruas ficariam cheias de mortos e feridos.
A notícia desta cruel represália suscitou uma onda de indignação. Os operários e outros habitantes de Berlim ergueram barricadas por toda a parte. Apesar dos reforços pedidos à pressa, as tropas do governo foram derrotadas na dura luta de rua que se seguiu. Um político liberal fez notar ao Rei, na noite de 19 de Março, que a coroa estava quase a cair-lhe da cabeça. O monarca prussiano ficou muito perturbado e sentiu que já não podia confiar na força bruta. Na manhã de 19 de Março fez sair um apelo «Aos meus Queridos Berlinenses». Prometeu retirar imediatamente as tropas da capital e deu ordens nesse sentido nesse mesmo dia. Quando no dia seguinte se realizou o funeral público daqueles que tinham sido mortos nas lutas da rua, o rei foi obrigado a apresentar as últimas homenagens às vítimas das suas próprias tropas.
A vitória conseguida pelo povo da Prússia em 18 e 19 de Março no seu primeiro encontro com a monarquia seria a primeira e a última.
A burguesia acautelou-se depois do susto que apanhara em consequência da valorosa acção dos operários de Berlim. Os ministros recentemente designados pelo rei e chefiados pelo banqueiro Camphausen e pelo industrial Hansemann queriam sobretudo ganhar a confiança do monarca. E tudo fizeram para combinar os seus esforços para reprimir o fervor revolucionário dos trabalhadores. Um comportamento semelhante observar-se-ia por parte de quase toda a burguesia alemã, que receava o povo e traiu os seus interesses. Os camponeses pobres e sem terra, que esperavam ser libertados pela revolução da cruel opressão feudal e receber terras de graça também viam as suas ilusões abaladas. A Assembleia Nacional da Prússia que abriu em Maio de 1848 em Berlim recusou estas justas reivindicações dos camponeses. Em breve os líderes burgueses voltaram-se para o rei pedindo que as tropas voltassem à capital, pedido a que ele acedeu de boa vontade.
O proletariado alemão era demasiado fraco, inexperiente e mal organizado para oferecer uma resistência eficaz às forças combinadas da monarquia, da nobreza e da burguesia.
Os grandes fundadores do comunismo científico, Marx e Engels, apressaram-se a voltar à sua Alemanha natal logo que a revolução começou. Nenhum destes dois líderes do proletariado era revolucionário de gabinete disposto a refugiar-se num pacífico isolamento das tempestuosas torrentes dos desenvolvimentos políticos: estavam sempre ambos na frente da actividade revolucionária. Vamos encontrá-los em Colónia, importante centro industrial.
O seu problema agora era como chegar a um grande público e organizar forças revolucionárias progressistas. Em Colónia, Marx começou a publicar um jornal, o Neue Rheinische Zeitung, que ia revelar-se um órgão militante eficaz da democracia revolucionária. Marx e Engels elaboraram um claro programa de acção para o povo alemão, incitando-o ao derrube de todos os governos alemães feudais, à abolição da sociedade feudal nas terras alemãs e ao estabelecimento de uma República Alemã Democrática Unida. Este programa era a condição fundamental para a fase seguinte da luta, a luta pelo socialismo. Este coerente, activo e esclarecido programa, elaborado por Marx e Engels nas páginas do Neue Rheinische Zeitung ia atrair muitos discípulos. Contudo, nessa fase específica na história do movimento operário alemão, este jornal não podia reunir todas as forças progressistas do país. E assim, o jornal não duraria sequer um ano. A última edição apareceu em Maio de 1849, quando as forças contra-revolucionárias já tinham reconquistado a posição dominante. Engels mais tarde recordaria:
«Tivemos de entregar a nossa fortaleza, mas retirámos com armas e bagagens, com a banda a tocar e a bandeira hasteada, a bandeira da questão final, uma questão vermelha.»
Logo em Maio de 1848 reuniu-se em Francforte uma Assembleia Constituinte de toda a Alemanha, para discutir a questão da unificação alemã. Muitos democratas depositaram grandes esperanças nesta Assembleia, visto que os seus membros eram eleitos por sufrágio universal e podia-se ter tornado uma plataforma autorizada da defesa dos interesses do povo alemão. A maioria dos deputados do Parlamento de Francforte eram liberais, professores e advogados burgueses.
Faziam longos discursos sobre temas abstractos, competindo uns com os outros em arte oratória, mas revelaram estar mal preparados para a acção política e para a solução de problemas práticos. Depois da revolta de Junho do proletariado de Paris, os deputados de Francforte, como a burguesia alemã em geral, ficaram prostrados por uma onda de medo e de ódio à classe operária e viraram-se para a direita. Fechando os olhos à vaga da contra-revolução que crescia no país, continuaram a fazer discursos longos e inúteis e a elaborar «bases» da constituição de toda a Alemanha.
Entretanto as forças contra-revolucionárias da Prússia chefiadas pelos junkers tinham empreendido uma nova ofensiva. Agora convencidos da total incompetência dos políticos burgueses no que se refere à verdadeira acção, o Rei da Prússia fez sair um decreto, em 9 de Novembro de 1848, dando instruções para a transferência da Assembleia Constituinte de Berlim para uma pequena cidade de província, Brandenburg-sobre-o-Havel — demitindo todos os ministros e substituindo-os por sequazes leais. Isto equivalia a dissolver a Assembleia e de facto, em Dezembro, a sua dissolução foi oficialmente ratificada.
Os oradores da «casa de discursos de Francforte» que «não se aperceberam» do que se tinha passado, continuaram a fazer intermináveis discursos. A decisão a que finalmente chegaram foi oferecer a coroa do imperador da Alemanha ao mais reaccionário de todos os governantes alemães, Frederico Guilherme da casa dos Hohenzollern. Contudo, Frederico Guilherme não se dignou aceitar esta coroa «das mãos sujas». Além disso, o Rei da Prússia recusou-se a reconhecer a constituição elaborada pelo Parlamento de Francforte e os outros monarcas alemães seguiram a sua atitude. Os democratas revolucionários de Dresden e os estados ocidentais organizaram uma revolta popular em Maio de 1849. Engels devia também tomar parte nesta revolta armada, combatendo ombro a ombro com o povo na sua luta pela liberdade. Apesar da valorosa resistência oferecida, o povo era demasiado fraco e desorganizado, de maneira que a derrota era inevitável perante a grande superioridade numérica do inimigo. A intervenção das tropas prussianas no Palatinado e em Baden tornaram a derrota ainda mais rápida, e significara que o destino do parlamento de Francforte estava já marcado. O seu inútil debate, a sua colecção de protestos, a que ninguém prestava a menor atenção, continuaram até Junho de 1849, altura em que foi simplesmente dissolvido. Este acontecimento significava o triunfo final da contra-revolução na Alemanha.
No multinacional Império Austríaco a questão da revolução foi complicada por algumas outras questões que não se aplicavam às situações da França e da Alemanha. Neste império os revolucionários tinham não só a tarefa de derrubar a ordem absolutista feudal, mas também de libertar vários povos escravizados pela opressão austríaca. Húngaros, Checos, Eslovacos, Romenos, Ucranianos, Polacos, Croatas e Sérvios estavam todos sob o jugo dos Habsburgos.
Todos estes povos aspiravam à independência nacional e à liberdade. Logo que rebentou em Viena uma revolta popular, em 13 de Marco de 1848 e o odiado déspota Metternich fugiu do país, entre todos os povos súbditos do Império surgiram violentas ondas de actividade revolucionária. Em 15 de Março estalou uma revolta na Hungria. Os democratas revolucionários húngaros tinham chefes extremamente dotados em Sándor Petöfi (1823-1849) e Mihaly. Praga e noutras cidades checas, na Transcarpátia, na Ucrânia, na Croácia e em outros estados eslavos.
A revolução no Império Austríaco esteve longe de ser um processo homogéneo; consistiu antes em algumas revoluções: a austríaca, a checa, a húngara, etc. A tragédia desta revolta contra o domínio Habsburgos foi a sua falta de unidade. Não só os povos individuais não conseguiram juntar as suas forças na luta contra o inimigo comum como também impediram o êxito uns dos outros. Nesta situação a burguesia e os sectores liberais da nobreza iam mostrar-se mais uma vez cobardes e indecisos: em vez de procurarem o apoio das massas — os operários e os camponeses — preferiram ignorar as suas justas reivindicações e procurar um compromisso com os Habsburgos e a nobreza austríaca.
De 12 a 17 de Junho de 1848 o exército do Marechal de Campo príncipe Windischgrätz reprimiu uma heróica revolta popular em Praga. No fim de Outubro e no princípio de Novembro as tropas deste odiado comandante reprimiram uma revolta democrática em Viena com uma crueldade sem precedentes. A Hungria resistiu mais tempo. Em 14 de Abril de 1849 a Dieta Húngara declarou-se independente do domínio dos Habsburgos. Sob a chefia do talentoso patriota Lajos Kossuth a Hungria independente começou a travar uma guerra revolucionária contra os seus antigos opressores. O imperador austríaco, Francisco José, receando ser incapaz de esmagar sozinho a revolução húngara, pediu auxílio ao czar russo Nicolau I. A intervenção das tropas czaristas na Hungria tornou possível a rápida derrota da revolução húngara. Democratas revolucionários russos, como Alexander Herzen e Nikolai Chernychevsky, foram porta-vozes de indignados protestos contra a acção do czar, mas não conseguiram modificar a situação. Em Agosto de 1849 a revolução húngara foi finalmente derrotada.
Movimentos revolucionários na Itália e noutros estados europeus, como a Bélgica, a Espanha e a Suíça, tinham sido esmagados ainda antes.
O triunfo da contra-revolução foi completo em toda a Europa. No entanto, embora as revoluções de 1848 acabassem em derrota, iam exercer uma enorme influência no curso subsequente da história europeia. São significativas não só pelas várias concessões obtidas, tais como a abolição da escravatura, mas ainda por uma certa diminuição da opressão nacional no Império e pela introdução de algumas reformas liberais na Alemanha. Estas revoluções deram ao proletariado europeu uma valiosa experiência na luta política. Estas revoluções, que não atingiram os seus objectivos, demonstraram que a burguesia, agora que o proletariado surgira com vasta e influente classe social, tinha deixado de ser uma classe revolucionária, acabando por se tornar uma força contra-revolucionária. Também demonstraram que a libertação da exploração feudal e as liberdades democráticas eram uma coisa que o povo só podia atingir sozinho, sob a chefia da classe operária, e que por isso uma aliança com a classe operária e com o campesinato e outros sectores dos trabalhadores era uma condição vital para este objectivo. A experiência das revoluções de 1848-1849 e a vaga de reacção contra-revolucionária que se lhe seguiu, mostraram também que os conflitos nacionais eram fatais para o movimento revolucionário e que a unidade e solidariedade dos povos de diferentes nacionalidades eram condição essencial de sucesso na luta contra o inimigo comum.
Inclusão |