Congresso de Stuttgart do Partido Social Democrata Alemão

Rosa Luxemburgo

3 de Outubro de 1898


Origem: Discurso pronunciado no congresso de Sttutgart da social-democracia alemã.

1ª Edição: Texto publicado em 1899, no Jornal Leipziger Volkszeitung.

Fonte: Seção francesa do Marxists Internet Archive.

Tradução: Luiz Souto, janeiro 2009.

HTML: Fernando Araújo.
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1. Discurso sobre tática

Os discursos de Heine e de certo número de outros oradores sobre um ponto extremamente importante, sobre a compreensão da relação entre nosso objetivo final e a luta cotidiana, demonstraram que existe em nosso partido uma certa confusão.

Declara-se: o que se diz do objetivo final constitue uma bela passagem do nosso programa, que certamente não se deve esquecer, mas que não tem nenhuma relação direta com nossa luta prática. Talvez se encontre um certo número de camaradas que pensem que uma discussão sobre o objetivo final é apenas uma discussão acadêmica. Eu sustento, ao contrário, que não existe para nós enquanto partido revolucionário, proletário, questão mais prática que a questão do objetivo final. Pois, reflitam: em que consiste, de fato, o caráter socialista de nosso movimento? A luta prática propiamente dita se divide em três partes principais: a luta sindical, a luta pelas reformas e a luta pela democratização do Estado capitalista. Será que estas três formas de nossa luta pertencem, de fato, ao socialismo?

Absolutamente não!

Vejamos para começar o movimento sindical. Vejam a Inglaterra! Naquele pais o movimento sindical não somente não é socialista mas é até mesmo, em parte, um obstáculo ao movimento socialista. No que se refere às reformas sociais, os "socialistas de cátedra", os socialistas nacionais e outros do mesmo calibre, as preconizam também. Quanto à democratização, ela é especificamente burguesa. A burguesia antes de nós já tinha inscrito a democracia em suas bandeiras. O que faz de nós então, em nossa luta cotidiana, um partido socialista? Apenas a relação destas três formas de luta prática com nosso objetivo final. É unicamente o objetivo final que dá seu espírito e seu conteúdo à nossa luta socialista e a faz uma luta de classe. E por objetivo final nós não devemos entender, como disse Heine, tal ou qual representação da sociedade futura, mas o que deve preceder a sociedade futura, ou seja, a conquista do poder político. (Interrupção: Estamos de acordo !)

Esta concepção de nossa tarefa tem relação estreita com nossa concepção da sociedade capitalista, segundo a qual esta sociedade se envolve em contradições insolúveis que levam finalmente a uma explosão necessária, uma catástrofe na qual nos faremos o papel do síndico encarregado de liquidar a sociedade em falência. Mas, se nós pensamos que é apenas pela revolução que podemos fazer triunfar os interesses do proletariado, concepções como aquelas que foram difundidas nos últimos tempos por Heine, segundo as quais nós também podemos fazer concessões no âmbito do militarismo, são inadmissíveis. Da mesma forma a declaração feita por Conrad Schimidt no orgão central da maioria socialista no Parlamento e as declarações como quela de Bernstein, segundo o qual, uma vez chegando ao poder nós não poderemos prescindir do capitalismo.

Quando li isso eu disse para mim mesma: Que felicidade que em 1871 os operários franceses não eram tão sábios, pois, nesse caso teriam dito: Amigos, fiquemos na cama, nossa hora ainda não soou, a produção ainda não está suficientemente concentrada para que possamos nos manter no poder. Mas então teríamos tido, em lugar do espetáculo grandioso de sua luta heróica, outro espetáculo diferente, e neste caso os operários não teriam sido os heróis. mas velhas comadres. Eu considero que a questão de saber se nós poderemos, uma vez no poder, socializar a produção e se ela já se encontra suficientemente concentrada para tal, uma discussão acadêmica. Para nós não há nenhuma dúvida que devemos nos orientar para a tomada do poder político. Um partido socialista deve estar sempre a altura da situação. Ele não deve jamais recuar diante de suas própias tarefas. É por isso que devemos clarificar completamente nossa concepção do objetivo final. Nós o realizaremos acima e contra tudo. (Aplausos)

2. Réplica a Vollmar

Vollmar me recriminou amargamente de querer, eu, uma jovem iniciante no movimento, dar lições aos antigos veteranos. Não se trata disso. Isto seria redundante já que estou firmemente convicta de que os veteranos compartilham de meu ponto de vista. Não se trata de dar lições a quem quer que seja mas de exprimir, de uma maneira clara e inequívoca, uma certa tática. Eu sei nperfeitamente que ainda tenho que ganhar minhas divisas no movimento alemão. Mas eu quero fazê-lp na ala esquerda, onde se quer lutar contra o inimigo, e não na ala direita, onde se quer firmar compromissos com ele. (Protestos) Mas quando Vollmar responde aos meus argumentos dizendo: “Fedelha, eu poderia ser seu avô!”, é para mim uma prova que ele não tem mais argumentos. (Risos) De fato, ele fez em seu discurso toda uma série de declarações que são, no mínimo, estranhas na boca de um veterano. A sua citação esmagadora de Marx sobre a legislação trabalhista, eu oporia uma outra declaração de Marx, pela qual a introdução da legislação trabalhista na Inglaterra significava, de fato, a salvação para a sociedade burguesa. Vollmar declarou também que é errado pretender que que o movimento sindical não seja um movimento socialista e invocou o exemplo das trade-unions inglesas. Vollmar ignora, então, a diferença entre o antigo e o novo trade-unionismo? Não sabe ele que os antigos trade-unionistas compartilham inteiramente o ponto de vista burguês mais tacanho? Não sabe ele que foi próprio Engels que expressou a esperança de que daí em diante o movimento socialista se desenvolveria na Inglaterra, pois esta perdera sua supremacia sobre o mercado mundial e, por conseguinte, o movimento das trade-unions deve trilhar novos caminhos?

Vollmar evoca aqui o fantasma do blanquismo. Ignora ele a diferença que existe entre o blanquismo e a social-democracia? Não sabe que para os blanquistas é um punhado de militantes que deve tomar o poder em nome da classe operária e que, para a social-democracia, é a própia classe operária? Esta é uma diferença que não se deveria esquecer quando se é um veterano do movimento social-democrata. Enfim, ele me acusou de ser partidária da violência. Eu não dei, nem em minhas declarações nem em meus artigos sobre Bernstein na Gazeta Popular de Leipzig, o menor motivo para tal afirmação. Eu penso, ao contrário, que a única violência que nos levará à vitória é a educação socialista da classe operária na luta cotidiana.

Não se poderia fazer, em relação às minhas declarações, maior elogio do que dizer que elas são simplesmente evidentes. Com certeza, devem ser simplesmente evidentes para um social-democrata mas não o são para todos aqueles que estão neste congresso (Oh!), por exemplo, para o camarada Heine, com sua política de compensação. Como conciliá-la com a conquista do poder? Em que pode consistir a política de compensação? Nós exigimos a ampliação dos direitos do povo, das liberdades democráticas. O Estado capitalista exige, por sua vez, a ampliação dos seus meios de coerção, o aumento do seu número de canhões. Suponham a situação mais favorável, onde o acordo é concluido e observado honestamente por ambas as partes. O que nós obtemos só existe no papel. Boerne já dizia: «Eu não aconselho ninguém a fazer uma hipoteca sobre a constituição alemã, já que todas as constituições alemãs são bens móveis». Para que tenham qualquer valor as liberdades constitucionais devem ser obtidas através da luta e não por causa de um contrato. Mas o que o Estado capitalista receberia de nós em troca teria uma existência firme, brutal. Os canhões, os soldados que nós lhe concedemos modificam de forma desvantajosa para nós a relação objetiva, material, das forças existentes. É o próprio Lassalle que declarava: a verdadeira Constituição de um país não consiste na Constituição escrita, mas na relação real das forças existentes. O resultado da política de compensação consiste, portanto, em sempre modificar a situação em nosso favor apenas no papel mas em mudar, na realidade objetiva, em favor dos nossos adversários; no fim das contas, em enfraquecer nossas posições enquanto reforçamos as de nossos adversários. Eu pergunto se um homem que faz tal proposta deseja realmente a conquista do poder político. É por isso que eu acredito que a indignação com a qual o camarada Fendrich enfatizou o caráter natural de nossa luta pela tomada do poder me foi endereçada erroneamente. Era para Heine que ela se endereçava na realidade; ela era apenas a expressão do antagonismo brutal em que Heine se colocou em relação à consciência proletária de nosso partido quando ousou falar de uma política de concessão para com o Estado capitalista.

Em seguida vem a declaração de Conrad Schimidt, segundo o qual a anarquia capitalista poderá ser superada através da luta sindical. Se alguma coisa deu pretexto à frase do progama referenta á necessidade da conquista do poder político foi precisamente a idéia de que, sobre o solo da sociedade capitalista, nenhuma planta cresce que suprima a anarquia capitalista. A cada dia aumenta a anarquia, os sofrimentos espantosos da classe operária, a insegurança da existência, a exploração, a diferença entre pobres e ricos. Pode-se dizer de um homem, que quer obter a solução por meios capitalistas, que ele considera como necessária a conquista do poder político pela classe operária? Consequentemente, aqui também, a indignação de Fendrich e Vollmar não se endereça a mim mas a Conrad Schimidt. E, por fim, a declaração no Neue Zeit: «O objetivo final, qualquer que seja, não é nada para mim; o movimento é tudo.» Quem diz isto não está também convencido da necessidade da conquista do poder político.

Vocês veem que um certo número de nossos camaradas não se colocam no campo do objetivo final de nosso movimento. E é por isso que é necessário dizê-lo claramente e sem equívoco. É hoje necessário mais que nunca. Os golpes da reação caem sobre nós duros como granizo. Nós devemosa responder ao último discurso do imperador. Nós devemos declarar, de uma maneira clara e franca, como o velho Catão: “ Eu penso que é preciso destruir este Estado.” A conquista do poder político permanece nosso objetivo final e o objetivo final permanece a alma de nossa luta. A classe operária não deve se colocar sob o ponto de vista decadente do filósofo: "O objetivo final não é nada, o movimento é tudo.” Não, ao contrário, o movimento enquanto tal, sem relação com o objetivo final, não é nada, o objetivo final é que é tudo! (Aplausos.)


Inclusão 11/01/2009