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Temos dito que é preciso inspirar nosso movimento, muito mais amplo e profundo que o da década de 70, com a mesma decisão abnegada e a mesma energia daquela época. Com efeito, parece que até agora ninguém havia duvidado ainda de que a força do movimento contemporâneo consistisse no despertar das massas (e, principalmente, do proletariado industrial), e sua fraqueza na falta de consciência e de espírito de iniciativa dos dirigentes revolucionários.
Contudo, nesses últimos tempos, fez-se uma descoberta assombrosa, que ameaça subverter todos os conceitos que predominavam até agora a respeito dessa questão. Essa descoberta foi feita por R. Dielo, que, polemizando com Iskra(1) e Zariá, não se limitou a objeções particulares, mas tentou reduzir o “desacordo geral” à sua raiz mais profunda: à “diferente apreciação da significação relativa do elemento espontâneo e do elemento conscientemente ‘metódico’ ”. Rabotcheie Dielo acusa-nos de “subestimar a importância do elemento objetivo ou espontâneo do desenvolvimento”(2). A isso responderemos: se a polêmica de Iskra e Zariá não tivesse dado nenhum outro resultado além de levar o Rabotcheie Dielo à descoberta desse “desacordo geral”, esse resultado já seria uma grande satisfação para nós: a tal ponto essa tese é significativa, a tal ponto ilustra claramente a essência das atuais divergências teóricas e políticas entre os social-democratas russos.
Por isso mesmo, a relação entre o consciente e o espontâneo oferece enorme interesse geral e é preciso analisá-la minuciosamente.
No capítulo anterior assinalamos a paixão universal da juventude intelectual da Rússia pela teoria do marxismo, nos meados da última década do século passado. As greves operárias também adquiriram, naquela época, depois da famosa guerra industrial de 1896 em Petersburgo, um caráter universal. Sua extensão a toda a Rússia atestava claramente quão profundo era o movimento popular que renascia e, ao falar do “elemento espontâneo”, é natural que exatamente esse movimento grevista deve ser, antes de mais nada, qualificado de espontâneo. Mas há diferentes espécies de espontaneidade. Também durante a década de 70 e na de 60 (e ainda na primeira metade do século XIX) houve na Rússia greves acompanhadas de destruição “espontânea” de máquinas, etc. Comparadas a esses “motins” as greves da década de 90 podem inclusive ser chamadas de “conscientes”, a tal ponto era considerável o progresso do movimento operário naquele período. Isso nos demonstra que, no fundo, o “elemento espontâneo” não é senão a forma embrionária do consciente. E os motins primitivos já refletiam um certo despertar do consciente: os operários perdiam a fé tradicional na inamovibilidade da ordem de coisas que os oprimia; começavam... não direi que a compreender, mas a sentir a necessidade de opor resistência coletiva e rompiam decididamente com a submissão servil às autoridades. Mas isso, entretanto, mais que luta, era uma manifestação de desespero e de vingança. Nas greves da última década do século passado vemos muito mais lampejos de consciência: formulam-se reivindicações determinadas, calcula-se de antemão o momento mais conveniente, discutem-se os casos e exemplos conhecidos de outros lugares, etc. Se os motins eram simplesmente levantes de gente oprimida, as greves sistemáticas já representavam embriões de luta de classes, mas nada além de embriões. Em si, essas greves eram luta trade-unionista, não eram ainda luta social-democrata; assinalavam o despertar do antagonismo entre os operários e os patrões, mas os operários não tinham, nem podiam ter, consciência da oposição inconciliável entre seus interesses e todo o regime político e social contemporâneo, isto é, não tinham consciência social-democrata. Nesse sentido, as greves da última década do século passado, apesar de representarem um enorme progresso em relação aos “motins”, continuavam sendo um movimento nitidamente espontâneo.
Dissemos que os operários não podiam ter consciência social-democrata. Esta só podia ser transmitida vinda de fora. A história de todos os países atesta que a classe operária, apenas com suas forças, só está em condições de elaborar uma consciência trade-unionista, isto é, a convicção de que é necessário agrupar-se em sindicatos, lutar contra os patrões, reclamar do governo a promulgação de tais ou quais leis necessárias para os operários, etc(3). Em compensação, a doutrina do socialismo surgiu de teorias filosóficas, históricas e econômicas, elaboradas por representantes instruídos das classes dominantes, pelos intelectuais. Os próprios fundadores do socialismo científico moderno, Marx e Engels, pertenciam, por sua posição social, aos intelectuais burgueses. Do mesmo modo, a doutrina teórica da social-democracia surgiu na Rússia absolutamente independente do ascenso espontâneo do movimento operário, surgiu como efeito natural e inevitável do desenvolvimento do pensamento entre os intelectuais revolucionários socialistas. Até a época de que tratamos, isto é, meados da última década do século passado, essa doutrina não só já constituía um programa completamente formado do grupo Emancipação do Trabalho(4), como também tinha chegado a conquistar a maioria da juventude revolucionária da Rússia.
De modo que existiam tanto o despertar espontâneo das massas operárias, 0 despertar para a vida consciente e para a luta consciente, como uma juventude revolucionária que, armada da teoria social-democrata, tendia com todas as suas forças para os operários. Além disso, é sobremaneira importante deixar claro o fato, frequentemente esquecido (e relativamente pouco conhecido), de que os primeiros social-democratas desse período, ao ocupar-se ardorosamente da agitação econômica (e tendo bem presentes nesse sentido as indicações realmente úteis do folheto, então ainda manuscrito, Sobre a Agitação), longe de considerá-la como a sua única tarefa, pelo contrário, já desde o começo atribuíam-se as mais amplas tarefas históricas de social-democracia russa, em geral, e a de derrubar a autocracia, em particular. Assim, por exemplo, o grupo de social-democratas de Petersburgo, fundador da União de Luta pela Emancipação da Classe Operária, redigiu, já em fins de 1895, o primeiro número de um jornal, sob o título de Rabotcheie Dielo. Totalmente preparado para ser impresso, esse número foi apreendido pelos gendarmes quando revistaram a casa de um dos membros do grupo, A. A. Vanéiev(5), numa invasão ocorrida na noite de 8 de dezembro de 1895. De modo que Rabotcheie Dielo do primeiro período não teve a sorte de vir à luz. O editorial desse jornal (que talvez dentro de uns trinta anos alguma revista como Russkaia Starina exume dos arquivos do departamento de polícia) delineava os objetivos históricos da classe operária da Rússia, colocando em primeiro plano a conquista da liberdade política. Logo em seguida vinha o artigo Em que Pensam Nossos Ministros?(6) dedicado à dissolução violenta dos Comitês de Ensino Elementar pela polícia, assim como uma série de artigos de correspondentes, não só de Petersburgo, como de outras localidades da Rússia (por exemplo, sobre a matança de operários na província de Iaroslavl). Assim, pois, esse “primeiro ensaio”, se não nos enganamos, dos social-democratas russos da década de 90, não era um jornal de caráter estritamente local, e muito menos “economista”; tendia a unir a luta grevista ao movimento revolucionário contra a autocracia e a atrair todas as vítimas da opressão política do obscurantismo reacionário para que apoiassem a social-democracia. E todo aquele que conheça, por pouco que seja, a situação do movimento naquela época não porá em dúvida que um jornal desses teria sido acolhido com plena simpatia tanto pelos operários da capital como pelos intelectuais revolucionários e teria tido a mais vasta difusão. O fracasso dessa empresa demonstrou somente que os social-democratas de então não estavam em condições de satisfazer as exigências vitais do momento por falta de experiência revolucionária e de preparação prática. Deve-se dizer o mesmo do Sankt Petersburgski Rabotchi Listok e, principalmente, de Rabotchaia Gazeta e do Manifesto do Partido Operário Social-Democrata da Rússia, fundado na primavera de 1898. Subentende-se que nem sequer passa por nossa mente imputar essa falta de preparo aos militantes da época. Mas, para aproveitar a experiência do movimento e tirar dela ensinamentos práticos, é necessário compreender perfeitamente as causas e a significação desse ou daquele erro. Por isso, é de extrema importância deixar assinalado que uma parte (talvez a maioria) dos social-democratas que atuaram no período de 1895 a 1898 considerava possível, com toda razão, já então, na aurora do movimento “espontâneo”, intervir com o mais amplo programa e tática de combate(7). No que diz respeito à falta de preparo da maioria de revolucionários, sendo um fenômeno completamente natural, não podia provocar nenhuma apreensão particular. Desde o momento em que era justa a proposição dos objetivos, desde o momento em que havia suficiente energia para tentar repetidas vezes alcançar esses objetivos, os reveses temporais representavam uma meia-desgraça. A experiência revolucionária e a habilidade de organização são coisas que se adquirem com o tempo. A única coisa que faz falta é a pessoa querer desenvolver em si própria as qualidades necessárias! Só o que faz falta é ter consciência dos defeitos, coisa que na atividade revolucionária equivale a mais da metade da correção deles!
Mas a meia-desgraça transformou-se numa verdadeira desgraça quando essa consciência começou a ofuscar-se (deve-se assinalar que era bem marcada entre os militantes dos grupos citados), quando apareceram pessoas, e inclusive órgãos social-democratas, dispostos a erigir os defeitos em virtudes, que tentaram inclusive dotar de um fundamento teórico sua bajulação servil e seu culto da espontaneidade. Já é hora de fazer o balanço dessa tendência, muito inexatamente caracterizada pela palavra “economismo”, termo demasiadamente acanhado para exprimir seu conteúdo.
Antes de passar às manifestações literárias desse culto, assinalaremos o seguinte fato característico (comunicado pela fonte acima mencionada), que deita certa luz sobre a forma com que surgiu e cresceu entre os camaradas que atuavam em Petersburgo o desacordo entre as duas futuras tendências da social-democracia russa. Em princípios de 1897, A. A. Vanéiev e alguns de seus camaradas tiveram oportunidade de participar, antes de sua deportação, de uma reunião privada(8) de “velhos” e “jovens” membros da União de Luta pela Emancipação da Classe Operária. A conversa girou principalmente em torno da organização e particularmente em torno do Estatuto das Caixas Operárias que, em sua forma definitiva, foi publicado no n.° 90 do Listok Rabotnika (Folha do Operário) (pág. 46). Entre os “velhos” (“decembristas”, como os chamavam em tom de troça os social-democratas petersburguenses) e alguns dos “jovens” (que mais tarde colaboraram ativamente em Rabotchaia Misl), manifestou-se imediatamente uma acentuada divergência e se desencadeou acalorada discussão. Os “jovens” defendiam os fundamentos principais do Estatuto tal como este foi publicado. Os “velhos” diziam que não era isso o que principalmente se necessitava, mas sim fortalecer a União de Luta, transformando-a numa organização de revolucionários, a que deviam subordinar-se as diferentes caixas operárias, os círculos para a propaganda entre a juventude estudantil, etc. Subentende-se que os contendores estavam muito longe de ver nessa divergência o início de um desacordo; pelo contrário, consideravam-na algo isolado e casual. Mas esse fato prova que, também na Rússia, o “economismo” não surgiu nem se difundiu sem luta contra os “velhos” social-democratas (os economistas de hoje esquecem-no com frequência). E se essa luta não deixou, em sua maior parte, vestígios “documentais”, deve-se exclusivamente a que a composição dos círculos que funcionavam transformava-se com incrível frequência, a que não havia nenhuma continuidade, razão pela qual as divergências tampouco ficavam registradas em documento algum.
O aparecimento de Rabotchaia Misl trouxe o economismo à luz do dia, mas não o fez de repente. É preciso imaginar concretamente as condições de trabalho e a vida efêmera dos numerosos círculos russos (e só pode imaginá-las quem as viveu), para compreender quanto houve de casual no êxito ou no fracasso da nova tendência nas diferentes cidades, assim como todo o tempo em que nem os partidários nem os adversários deste “novo” puderam determinar, nem tiveram literalmente nenhuma oportunidade de fazê-lo, se era realmente uma tendência particular ou se refletia simplesmente a falta de preparo de pessoas isoladas. Assim, os primeiros números de Rabotchaia Misl, tirados em hectógrafo, não chegaram absolutamente às mãos da imensa maioria dos social-democratas, e, se, agora temos possibilidade de nos referirmos ao artigo de fundo de seu primeiro número, é tão-somente graças a sua reprodução no artigo de V.I. (Listok Rábotnika, n.° 9/0, pág. 47 e seguintes), que, é claro, não deixou de elogiar com empenho (um empenho desatinado) o novo jornal, que se distinguia tão marcadamente dos jornais e projetos de jornais acima mencionados(9). Esse artigo de fundo exprime com tanto relevo todo o espírito de Rabotchaia Misl e do economismo em geral, que vale a pena examiná-lo.
Depois de assinalar que a mão de punho azul(10) não poderá deter o desenvolvimento do movimento operário, o artigo continua: O movimento operário deve essa vitalidade a que o próprio operário, por fim, toma seu destino nas próprias mãos, arrancando-o das dos dirigentes”, e essa tese fundamental continua, mais adiante, desenvolvendo-se em forma pormenorizada. Na realidade, os dirigentes (isto é, os social-democratas, organizadores da União de Luta) foram, pode-se dizer, arrancados pela polícia das mãos dos operários(11), enquanto as coisas são apresentadas como se os operários tivessem lutado contra esses dirigentes e se tivessem libertado do seu jugo! Em vez de exortar a ir adiante, a consolidar a organização revolucionária e estender a atividade política, começaram a incitar a voltar atrás, à luta exclusivamente trade-unionista. Proclamou-se que “a base econômica do movimento é velada pela aspiração constante de não esquecer o ideal político”, que o lema do movimento operário deve ser: “luta pela situação econômica” (!), ou, melhor ainda, “os operários para os operários”; declarou-se que as caixas de socorro nas greves “valem mais para o movimento que uma centena de outras organizações” (que se compare essa afirmação de outubro de 1897, com a discussão entre os “decembristas” e os jovens em princípios de 1897), etc. “Máximas” como essas, de que em primeiro plano não é preciso colocar a “fina flor” dos operários, mas o operário “médio”, o operário da massa, que a “política acompanha sempre docilmente a economia”(12), etc, etc, ficaram em moda, adquirindo irresistível influência sobre a massa da juventude envolvida no movimento, juventude que, na maioria dos casos, não conhecia mais que fragmentos do marxismo através de sua exposição legal.
Isto era submeter por completo a consciência à espontaneidade, à espontaneidade daqueles “social-democratas” que repetiam as “ideias” do sr. V. V.; à espontaneidade daqueles operários que se deixavam arrastar pelo argumento de que obter um aumento de um copeque por rublo valia muito mais que todo socialismo e que toda política; de que “deviam lutar, sabendo que o faziam não para imprecisas gerações futuras, mas para eles mesmos e para seus próprios filhos” (editorial do n.° 1 de Rabotchaia Misl). Frases dessa espécie constituíram sempre a arma favorita dos burgueses da Europa ocidental que, em seu ódio ao socialismo, trabalhavam (no estilo do “social-político” alemão Hirsch) para transplantar o trade-unionismo inglês para sua pátria, dizendo aos operários que a luta exclusivamente sindical(14) é uma luta para eles mesmos e para seus filhos, e não para imprecisas gerações futuras, com um impreciso socialismo futuro. E, agora, “os V.V. da social-democracia russa” puseram-se a repetir essa fraseologia burguesa. Importa-nos consignar aqui três circunstâncias que nos serão de grande utilidade para continuar examinando as divergências atuais(15).
Em primeiro lugar, a submissão da consciência à espontaneidade, acima indicada, produziu-se também por via espontânea. Parece um jogo de palavras, mas, infelizmente, é uma amarga verdade. Este fato não se produziu por meio de uma luta aberta entre duas concepções diametralmente opostas e pelo triunfo de uma sobre a outra, mas porque os gendarmes “arrebatavam” um número cada vez maior de revolucionários “velhos” e em número cada vez maior surgiam à cena os “jovens” “V.V. da social-democracia russa”. Todo aquele que, se não participou do movimento russo contemporâneo, mas pelo menos respirou seus ares, sabe perfeitamente que a situação é como acabamos de descrever. E se, não obstante, insistirmos particularmente em que o leitor se acautele contra este fato notório, se, para maior evidência, por assim dizer, inserimos dados sobre Rabotcheie Dielo do primeiro período e sobre as discussões entre os “velhos” e os “jovens”, suscitadas em princípios de 1397, é porque pessoas que se vangloriam com o “democratismo” especulam com o fato de que o grande público (ou os muito jovens) ignora isso. Ainda insistiremos nesse ponto mais adiante.
Em segundo lugar, já na primeira manifestação literária do economismo podemos observar um fenômeno sumamente peculiar e extremamente característico para compreender todas as divergências no seio dos social-democratas contemporâneos, fenômeno que consiste em que os partidários do “movimento puramente operário”, os admiradores do contacto mais estreito e mais “orgânico” (expressão de Rabotcheie Dielo) com a luta proletária, os adversários de todos os intelectuais não operários (embora sejam intelectuais socialistas) se veem obrigados a recorrer, em defesa de sua posição, aos argumentos dos “trade-unionistas puros” burgueses. Isso nos prova que Rabotchaia Misl, desde que surgiu — sem se dar conta disso — havia começado a realizar o programa do Credo. Isto prova (coisa que Rabotcheie Dielo não pode compreender de modo algum) que tudo que seja inclinar-se ante a espontaneidade do movimento operário, tudo que seja rebaixar o papel do “elemento consciente”, o papel da social-democracia, equivale — absolutamente independente da vontade de quem o faça —, a fortalecer a influência da ideologia burguesa sobre os operários. Todo aquele que fale de “superestimação da ideologia”(16), de exacerbação do papel do elemento consciente(17), etc, imagina que o movimento puramente operário pode de per si elaborar e elaborará uma ideologia independente, assim que os operários “arranquem seu destino das mãos dos dirigentes”. Mas isso é um erro crasso. Para completar o que acabamos de expor acima, acrescentaremos as seguintes palavras, profundamente justas e importantes, que K. Kautsky disse a propósito do projeto de novo programa do Partido Social-Democrata Austríaco(18):
“Muitos de nossos críticos revisionistas entendem que Marx afirmou que o desenvolvimento econômico e a luta de classes, além de criar as premissas para a produção socialista, engendram diretamente a consciência (grifado por K. Kautsky) de sua necessidade. Eis que esses críticos replicam que a Inglaterra, o país de maior desenvolvimento capitalista, é mais alheio que qualquer outro país a esta consciência. A julgar pelo projeto, poder-se-ia crer que essa chamada concepção marxista ortodoxa, refutada do modo indicado, é também compartilhada pela comissão que redigiu o programa austríaco. O projeto diz: “Quanto mais aumenta o proletariado com o desenvolvimento capitalista, tanto mais obrigado se vê a empreender a luta contra o capitalismo e tanto mais capacitado está para empreendê-la. O proletariado chega a adquirir a consciência” da possibilidade e da necessidade do socialismo. Nesta ordem de ideias, a consciência socialista aparece como o resultado necessário e direto da luta de classe do proletariado. Mas isso é falso. Por certo, o socialismo, como doutrina, tem suas raízes nas relações econômicas atuais, exatamente como a luta de classe do proletariado, e, assim como esta, deriva-se aquele da luta contra a pobreza e a miséria das massas, pobreza e miséria que o capitalismo engendra; mas o socialismo e a luta de classes surgem paralelamente e aquele não se origina desta; surgem de premissas diferentes. A consciência socialista moderna pode surgir apenas à base de profundos conhecimentos científicos. Com efeito, a ciência econômica contemporânea constitui uma premissa da produção socialista do mesmo modo que, por exemplo, a técnica moderna, e o proletariado, por muito que o deseje, não pode criar nem uma nem outra; ambas derivam do processo social contemporâneo. Mas o portador da ciência não é o proletariado, e sim a intelectualidade burguesa (grifado por K.K.): foi do cérebro de alguns membros dessa camada que surgiu o socialismo moderno, e foram eles que o transmitiram aos proletários destacados por seu desenvolvimento intelectual, os quais o introduzem logo na luta de classe do proletariado onde as condições o permitem. De modo que a consciência socialista é algo introduzido de fora (von aussen Hineingetragenes) na luta de classe do proletariado, e não algo que haja surgido espontaneamente (urwüchsig) dentro dela. De acordo com isto, já o velho programa de Heinfeld dizia, com toda razão, que é tarefa da social-democracia levar ao proletariado a consciência de sua situação (literalmente: imbuir esta consciência no proletariado) e de sua missão. Não haveria necessidade de fazê-lo, se esta consciência derivasse automaticamente da luta de classes. O novo projeto, ao contrário, transcreveu esta tese do velho programa e acrescentou-a à tese acima citada. Mas isto interrompeu por completo o curso do pensamento..."
Já que não se pode nem falar de uma ideologia independente, elaborada pelas próprias massas operárias no curso de seu movimento(19), o problema se apresenta somente assim: ideologia burguesa ou ideologia socialista. Não há meio-termo (pois a humanidade não elaborou nenhuma “terceira” ideologia; além disso, em geral, na sociedade dividida pelas contradições de classe nunca pode existir uma ideologia à margem das classes nem acima destas). Por isso, tudo que seja rebaixar a ideologia socialista, tudo que seja afastar-se dela, equivale a fortalecer a ideologia burguesa. Fala-se de espontaneidade. Mas o desenvolvimento espontâneo do movimento operário marcha precisamente para sua subordinação à ideologia burguesa, marcha precisamente pelo caminho do programa do “Credo”, pois o movimento operário espontâneo é trade-unionismo, é Nur-Gewerkschaftlerei, e o trade-unionismo implica exatamente na escravização ideológica dos operários pela burguesia. Por isso, nossa tarefa, a tarefa da social-democracia, consiste em combater a espontaneidade, fazer que o movimento operário abandone esta tendência espontânea do trade-unionismo a abrigar-se sob a asa da burguesia e atraí-lo para as fileiras da social-democracia revolucionária. A frase dos autores da carta “economista”, publicada no n.° 12 de Iskra, de que nenhum esforço dos ideólogos mais inspirados poderá desviar o movimento operário do caminho determinado pela ação recíproca entre os elementos materiais e o meio material, equivale plenamente, portanto, a renunciar ao socialismo, e se esses autores fossem capazes de meditar o que dizem, de meditá-lo até suas últimas consequências, valente e logicamente, como deve fazer toda pessoa que intervém na atividade literária e pública, não lhes restaria outro remédio que “cruzar sobre o peito vazio as mãos inúteis” e... ceder o campo de ação aos senhores Struve e Prokopóvitch, que arrastam o movimento operário “pela linha do menor esforço”, isto é, pela linha do trade-unionismo burguês, ou aos senhores Zubátov, que o arrastam pela linha da “ideologia” clérigo-policial.
Lembrai o exemplo da Alemanha. Em que consistiu o mérito histórico de Lassalle ante o movimento operário alemão? Em ter desviado esse movimento do caminho do trade-unionismo progressista e do cooperativismo, pelo qual se orientava espontaneamente (com a participação benévola dos Schulze-Delitzsch & Cia). Para realizar esta missão, foi necessário algo muito diferente da charlatanice sobre a subestimação do elemento espontâneo, sobre a tática-processo, sobre a ação recíproca dos elementos e do meio, etc. Para isto, foi necessário desencadear uma luta encarniçada contra a espontaneidade, e só como resultado dessa luta que durou muitos anos se conseguiu, por exemplo, que a população operária de Berlim, de sustentáculo do partido progressista, se tenha convertido num dos melhores baluartes da social-democracia. E essa luta ainda não terminou, absolutamente, hoje em dia (como poderiam crer pessoas que estudam a história do movimento alemão através de Prokopóvitch, e sua filosofia através de Struve). Também atualmente, a classe operária alemã está fracionada, se se pode usar essa expressão, em várias ideologias: uma parte dos operários está agrupada nos sindicatos operários católicos e monárquicos; outra, nos sindicatos de Hirsch-Duncker, fundados pelos admiradores burgueses do trade-unionismo inglês; uma terceira, nos sindicatos social-democratas. Esta última é incomparavelmente maior que as demais, mas a ideologia social-democrata só pôde conquistar essa supremacia e só poderá mantê-la travando uma luta obstinada contra todas as demais ideologias.
Mas — perguntará o leitor — por que o movimento espontâneo, o movimento pela linha do menor esforço conduz precisamente à supremacia da ideologia burguesa? Pela simples razão de que a ideologia burguesa é muito mais antiga por sua origem que a ideologia socialista, porque sua elaboração é mais completa e porque possui meios de difusão incomparavelmente mais poderosos(20). E quanto mais jovem é o movimento socialista num pais, tanto mais enérgica deve ser, por isso mesmo, a luta contra qualquer tentativa de firmar a ideologia não socialista, tanto mais resolutamente se deve preservar os operários dos maus conselheiros, que se esganiçam contra “a exacerbação do elemento consciente”, etc. Os autores da carta dos economistas, fazendo coro com Rabotcheie Dielo, fulminam diatribes contra a intolerância, própria do período infantil do movimento. A isto respondemos: sim, nosso movimento realmente se encontra em sua infância e, para que chegue com maior rapidez à maturidade, deve fazer-se intransigente com os que freiam seu desenvolvimento, prosternando-se diante da espontaneidade. Não há nada mais ridículo e nocivo que se fingir de velho militante que já há muito tempo passou por todos os episódios decisivos da luta!
Em terceiro lugar, o primeiro número de Rabotchaia Misl indica-nos que a denominação de “economismo” (à qual não temos, é claro, a intenção de renunciar, pois, de um ou outro modo, é um apelido já estabelecido) não exprime com suficiente exatidão a essência da nova corrente. Rabotchaia Misl não repudia inteiramente a luta política: nos estatutos das caixas, publicados em seu primeiro número, fala-se da luta contra o governo. Rabotchaia Misl entende tão-somente que “a política sempre acompanha docilmente a economia” (enquanto que Rabotcheie Dielo varia essa tese, assegurando em seu programa que “na Rússia, mais que em qualquer outro país, a luta econômica está ligada de modo inseparável à luta política”). Essas teses de Rabotchaia Misl e Rabotcheie Dielo são falsas de ponta a ponta, se entendemos por política a política social-democrata. Como já vimos, é muito comum que a luta econômica dos operários esteja ligada (se bem que de modo não inseparável) à política burguesa, clerical, etc. As teses de Rabotcheie Dielo são justas, se entendemos por política a política trade-unionista, isto é, a aspiração comum a todos os operários de conseguir do Estado tais ou quais medidas (cuja finalidade é remediar os males próprios de sua situação, mas que não acabam com essa situação, isto é, não suprimem a sujeição do trabalho ao capital. Essa aspiração é realmente ” comum, tanto aos trade-unionistas ingleses, que mantêm uma atitude hostil em face do socialismo, como aos operários católicos, aos operários “de Zubátov”, etc. Há diferentes espécies de política. Vemos, portanto, que também no que se refere à luta política, ao invés de repudiá-la, Rabotchaia Misl inclina-se diante de sua espontaneidade, diante de sua falta de consciência. Ao reconhecer plenamente a luta política derivada de forma espontânea do próprio movimento operário (ou, com mais exatidão: os anseios e as reivindicações políticas dos operários), renuncia por completo a elaborar independentemente uma política social-democrata específica que corresponda aos objetivos gerais do socialismo e às condições atuais da Rússia. Mais adiante demonstraremos que Rabotcheie Dielo incorre no mesmo erro.
Examinamos tão minuciosamente o editorial, pouco conhecido e quase esquecido atualmente, do primeiro número de Rabotchaia Misl, porque exprimiu, muito antes e com maior destaque que ninguém, essa corrente geral, que logo surgiria à luz do dia através de pequenos e numerosos regatos. V. I. tinha toda razão, quando, examinando o primeiro número e o editorial de Rabotchaia Misl, disse que havia sido escrito “com energia e com brio” (Listok Rabotnika n.° 9/10, pág. 49). Toda pessoa de convicções firmes que pensa transmitir algo novo escreve “com brio” e escreve de modo a destacar acentuadamente seus pontos de vista. Só os que estão acostumados a nadar entre duas águas carecem de qualquer “brio”; só as pessoas dessa índole são capazes, depois de haver elogiado ontem os brios de Rabotchaia Misl, de atacar hoje os “brios polêmicos” de seus adversários.
Sem nos determos no Suplemento Especial de “Rabotchaia Misl”(21) (mais adiante teremos, por vários motivos, que nos referir a esta obra, que expressa do modo mais consequente as ideias dos economistas), agora assinalaremos apenas brevemente o Apêlo do Grupo de Auto-Emancipação dos Operários (março de 1899, reproduzido em Nakanunie(22) de Londres, n.° 7, julho do mesmo ano). Os autores desse manifesto dizem, com toda razão, que “a Rússia operária não fez mais que começar a despertar, a olhar em volta de si e apega-se instintivamente aos primeiros meios de luta que encontra ao alcance de sua mão", mas deduzem daí a mesma conclusão falsa de Rabotchaia Misl, esquecendo que o instintivo é justamente o inconsciente (o espontâneo), em cuja ajuda devem acudir os socialistas; que os primeiros meios de luta “que encontra ao alcance de sua mão” sempre serão, na sociedade moderna, meios trade-unionistas de luta, e que a primeira ideologia “que encontra ao alcance de sua mão” será a ideologia burguesa (trade-unionista). Tampouco “negam” esses autores a política, mas, seguindo V. V., apenas (apenas!) dizem que a política é uma superestrutura e que, por isso, “a agitação política deve ser uma superestrutura da agitação em favor da luta econômica, deve surgir sobre o terreno dessa luta e seguir a seu reboque”.
Quanto a Rabotcheie Dielo, começou sua atividade diretamente em “defesa” dos economistas. Depois de afirmar falsamente, em seu primeiro número (n.° 1, pág. 141/142), que “ignorava a que camaradas jovens se referira Axelrod” quando em seu conhecido folheto(23) fazia uma advertência aos economistas, Rabotcheie Dielo teve que reconhecer, na polêmica com Axelrod e Plekhânov, suscitada a respeito dessa falsidade, que, “fingindo não saber de quem se tratava, quis defender todos os emigrados social-democratas mais jovens contra essa acusação injusta” (Axelrod acusava os economistas de estreiteza de visão). Na realidade, essa acusação era inteiramente justa, e Rabotcheie Dielo sabia muito bem que aludia, entre outros, a V.I., membro de sua redação. Assinalarei, de passagem, que na citada polêmica Axelrod tinha toda razão e que Rabotcheie Dielo estava totalmente equivocado na interpretação de meu folheto As Tarefas dos Social-Democratas Russos. Esse folheto foi escrito em 1897, antes do surgimento de Rabotchaia Misl, quando eu considerava, com toda razão, que a tendência primitiva da União de Luta de São Petersburgo, que defini linhas atrás, era a predominante. E, pelo menos até meados de 1898, essa tendência era realmente a que preponderava. Por isso, Rabotcheie Dielo não tinha nenhum direito de referir-se, para refutar a existência e o perigo do economismo, a um folheto que expunha concepcões substituídas em São Petersburgo em 1897/98 pelas concepções “economistas”(24).
Rabotcheie Dielo, porem, não só “defendia” os economistas como ele próprio caía frequentemente em suas principais aberrações. Isso se devia ao modo ambíguo de interpretar a seguinte tese de seu próprio programa: “O movimento operário de massas (grifado por R. D.) que surgiu nos últimos anos constitui, a nosso ver, um fenômeno da maior importância na vida russa, chamado principalmente a determinar as tarefas (grifo meu) e o caráter da atividade literária da União”. Não se pode pôr em dúvida que o movimento de massas é um fenômeno da maior importância. Mas a questão baseia-se no modo de interpretar “a determinação das tarefas” por esse movimento de massas. Pode-se interpretá-la de duas maneiras: ou no sentido do culto da espontaneidade desse movimento, isto é, reduzindo o papel da social-democracia ao de simples servidor do movimento operário como tal (assim concebem-no Rabotchaia Misl, o Grupo de Auto-Emancipação e os demais economistas), ou no sentido de que o movimento de massas nos apresenta novas tarefas, teóricas, políticas e de organização, muito mais complexas que as tarefas com que podíamos nos contentar no período que precedeu o surgimento do movimento de massas. Rabotcheie Dielo tendia e tende a concebê-la exatamente no primeiro sentido, porque não disse nada de concreto a respeito das novas tarefas, mas, pelo contrário, raciocinou o tempo todo como se o “movimento de massas” nos eximisse da necessidade de conceber com clareza e resolver as tarefas que este apresenta. Basta recordar o fato de que Rabotcheie Dielo considerava impossível apresentar ao movimento operário de massas como primeira tarefa a derrubada da autocracia, rebaixando essa tarefa (em nome do movimento de massas) ao nível da luta por reivindicações políticas imediatas (Resposta, pág. 25).
Deixando de lado o artigo A Luta Econômica e Política no Movimento Russo, publicado por B. Kritchevski, diretor de Rabotcheie Dielo, no n.° 7, onde repete esses mesmos erros(25) passaremos diretamente ao n.° 10 de Rabotcheie Dielo. Não nos deteremos na análise de objeções isoladas de B. Kritchevski e Martínov contra Zariá e Iskra. Só o que nos interessa aqui é a posição de princípios que Rabotcheie Dielo adotou em seu n.° 10. Não nos deteremos, por exemplo, em examinar o caso curioso de Rabotcheie Dielo ver uma “contradição flagrante” entre a tese:
“A social-democracia não amarra as mãos, não restringe suas atividades a um plano ou a um processo quaisquer de luta política fixados de antemão: admite todos os meios de luta, contanto que eles correspondam às forças efetivas do Partido”, etc (n.° 1 de Iskra)(26).
e a tese:
“Se não existe uma organização forte, iniciada na luta política em qualquer circunstância e qualquer período, não se pode nem falar de um plano de atividade sistemática, baseado em princípios firmes e aplicado rigorosamente, único plano que merece o nome de tática.” (n.“ 4 de Iskra)(27).
Confundir a aceitação em princípio de todos os meios de luta de todos os planos e processos, contanto que sejam convenientes, com a exigência de guiar-se num determinado momento político por um plano inflexivelmente aplicado, quando se quer falar de tática, equivale a confundir o fato de a medicina reconhecer todos os sistemas terapêuticos com a exigência de que no tratamento de determinada doença siga-se sempre um determinado sistema. Mas, do que se trata, precisamente, é que Rabotcheie Dielo, que padece de um mal que chamamos de culto da espontaneidade, não quer reconhecer nenhum “sistema terapêutico” para curar esse mal. Por isso, fez o notável descobrimento de que a “tática-plano está em contradição com o espírito fundamental do marxismo” (n.° 10, pág. 18), que a tática é “um processo de crescimento das tarefas do Partido, que crescem junto com este.” (pág. 11, grifado por R.D.) Essa última frase tem todas as probabilidades de tornar-se célebre, de converter-se no monumento imperecível da “tendência” de Rabotcheie Dielo. A pergunta “Para onde ir?” esse órgão dirigente responde: O movimento é um processo de mudança de distância entre o ponto de partida e os pontos seguintes do movimento. Esse pensamento de incomparável profundidade não só é curioso (se fosse apenas curioso, não valeria a pena deter-se particularmente em sua análise), mas representa, também, o programa de toda uma tendência, a saber: o mesmo programa de Rabotchaia Misl (em seu Suplemento Especial) nos seguintes têrmos: é desejável a luta que é possível, e é possível a luta que se desencadeia num determinado momento. Essa é exatamente a tendência do oportunismo ilimitado, que se adapta de modo passivo à espontaneidade.
“A tática-plano está em contradição com o espírito fundamental do marxismo!” Mas isso é uma calúnia contra o marxismo, isso equivale a convertê-lo na caricatura que os populistas nos opunham em sua guerra contra nós! Isso é precisamente rebaixar a iniciativa e a energia dos militantes conscientes, enquanto que o marxismo, pelo contrário, transmite um impulso gigantesco à iniciativa e à energia dos social-democratas, abrindo diante deles as perspectivas mais amplas, pondo (se podemos expressar-nos dessa forma) à sua disposição as poderosas forças de milhões e milhões de homens da classe operária, que se ergue para a luta “espontâneamente”. Toda a história da social-democracia internacional é abundante em planos, defendidos ora por um, ora por outro chefe político, demonstrando a perspicácia e a justeza das concepções políticas e de organização de uns e a miopia e os erros políticos de outros. Quando a Alemanha passou por uma das maiores modificações históricas — formação do Império, abertura do Reichstag, concessão do sufrágio universal —, Liebknecht tinha um plano da política e da ação em geral a ser desenvolvido pela social-democracia e Schweitzer tinha outro. Quando se abateu sobre os socialistas alemães a lei de exceção, Most e Hasselmann, dispostos a exortar pura e simplesmente à violência e ao terror, tinham um plano, ao passo que outro era o de Höchberg, Schramm e (em parte) Bernstein, que se puseram a pregar aos social-democratas, dizendo-lhes que, com sua insensata violência e seu revolucionarismo, haviam provocado essa lei e que deviam agora obter o perdão com uma conduta exemplar; um terceiro plano tinham os que vinham preparando, e levaram a cabo a publicação de um órgão ilegal. Quando se lança um olhar retrospectivo, muitos anos depois de terminada a luta pela escolha de um caminho e depois de a história haver pronunciado o seu veredito sobre a conveniência do caminho escolhido, não é difícil, é claro, manifestar profundidade de pensamento lançando a sentença de que as tarefas do Partido crescem junto com este. Mas, num momento de confusão(28), quando os “críticos” e os economistas russos rebaixam a social-democracia ao nível do trade-unionismo e os terroristas pregam com ardor a adoção de uma “tática-plano” que repete os antigos erros, limitar-se num momento assim a uns pensamentos profundos dessa natureza significa passar a si próprio um “atestado de pobreza”. Num momento em que muitos social-democratas russos padecem exatamente de falta de iniciativa e de energia, de falta de “amplitude na propaganda, na agitação e na organização políticas”(29) de falta de “planos” para organizar de modo mais amplo o trabalho revolucionário; num momento assim, dizer que “a tática-plano está em contradição com o espírito fundamental do marxismo” não só equivale a aviltar o marxismo no sentido teórico, como, na prática a arrastar o Partido para trás.
“Um social-democrata revolucionário propõe-se como tarefa — nos ensina mais adiante Rabotcheie Dielo — exclusivamente acelerar com seu trabalho consciente o desenvolvimento objetivo e não suprimi-lo ou substituí-lo por planos subjetivos. Teoricamente, Iskra sabe tudo isso. Mas a enorme importância que o marxismo atribui com justa razão ao trabalho revolucionário consciente leva-o, na prática, como consequência de seu conceito doutrinário da tática, a diminuir a importância do elemento objetivo ou espontâneo do desenvolvimento.” (pág. 18)
Novamente a maior confusão teórica, digna do sr. V.V. e sua confraria. Mas desejaríamos perguntar a nosso filósofo: Em que pode traduzir-se a “diminuição” da importância do desenvolvimento objetivo pelo autor de planos subjetivos? Pelo visto, em perder de vista que esse desenvolvimento objetivo cria ou estimula, faz naufragar ou debilita essas ou outras classes, camadas, grupos, essas ou aquelas nações, grupos de nações, etc, condicionando assim um ou outro agrupamento político internacional de forças, uma ou outra posição dos partidos revolucionários, etc. Mas o erro de tal autor não consistirá então em subestimar o elemento espontâneo, mas em subestimar, pelo contrário, o elemento consciente, pois o que não terá, será a “consciência” para uma compreensão cabal do desenvolvimento objetivo. Por isso, o simples fato de falar de “apreciação da importância relativa” (grifo de Rabotcheie Dielo) do espontâneo e do consciente revela uma falta absoluta de “consciência”. Se certos “elementos espontâneos de desenvolvimento” são em geral accessíveis à consciência humana, a apreciação errônea dos mesmos equivalerá a “subestimar o elemento consciente”. E se são inacessíveis à consciência, não os conhecemos e não podemos falar deles. De que fala, pois, B. Kritchevski? Se considera errôneos os “planos subjetivos” de Iskra (e ele os declara errôneos), deveria provar quais os fatos objetivos que não são levados em conta por esses planos, e acusar Iskra, por isso, de falta de consciência, de “subestimar o elemento consciente”, usando sua linguagem. Mas se ele, descontente com os planos subjetivos, não tem mais argumento senão o de invocar a “subestimação do elemento espontâneo” (!!), a única coisa que demonstra com isso é que:
Mais adiante há coisas absolutamente engraçadas.
“Assim como os homens, apesar de todos os êxitos das ciências naturais, continuarão a multiplicar-se segundo os métodos antediluvianos, do mesmo modo o surgimento de uma nova ordem social de coisas, apesar de todos os êxitos das ciências sociais e do aumento do número dos combatentes conscientes, também será, em sucessão preeminentemente, resultado de explosões espontâneas.” (pág. 19)
Assim como diz o velho ditado: para ter filhos, a quem faltará inteligência?; diz a sabedoria dos “socialistas modernos” (à moda de Narciso Túporilov(31)); para participar do aparecimento espontâneo de um sistema social a inteligência dará para qualquer um. Também acreditamos que a inteligência dará para qualquer um. Para participar desse modo, basta deixar-se levar pelo economismo, quando reina o economismo, e pelo terrorismo, quando surge o terrorismo. Assim, na primavera deste ano, quando tinha tanta importância prevenir contra a paixão pelo terrorismo, Rabotcheie Dielo estava perplexo ante esse problema “novo” para ele. E seis meses mais tarde, quando a questão perdeu a atualidade, oferece-nos esta declaração:
“Achamos que a tarefa da social-democracia não pode nem deve consistir em refrear o auge do espírito terrorista" (Rabotcheie Dielo, n.° 10, pág. 23);
e, ao mesmo tempo, a resolução do Congresso:
“O Congresso considera inoportuno o terror agressivo sistemático.” (Dois Congressos, pág. 18)
Que clareza e que congruência mais notáveis! Não nos opomos a isso, mas o declaramos inoportuno; e o declaramos de tal maneira que o terror não sistemático e defensivo não está incluído na “resolução”. É preciso reconhecer que semelhante resolução está a salvo de todo perigo e fica completamente garantida contra os erros, assim como um homem que fala para não dizer nada! E para redigir tal resolução, só era preciso uma coisa: saber seguir atrás do movimento, mantendo-se na retaguarda. Quando Iskra ridicularizou Rabotcheie Dielo por haver declarado que a questão do terror era uma questão nova(32) Rabotcheie Dielo, enfadado, acusou Iskra de
“uma pretensão verdadeiramente incrível de impor à organização do Partido a solução que há mais de 15 anos um grupo de escritores emigrados havia dado aos problemas de tática.” (pág. 24)
Com efeito, que pretensão e que exagero do elemento consciente: resolver de antemão os problemas em teoria, para em seguida convencer tanto a organização, como o Partido e as massas da justeza dessa solução!(33) Coisa bem diferente disso é repetir lugares-comuns e, sem “impor” nada a ninguém, submeter-se a cada “reviravolta”, seja para o economismo, seja para o terrorismo!
Rabotcheie Dielo chega inclusive a generalizar este grande preceito do senso comum, acusando Iskra e Zariá de “opor seu programa ao movimento, como um espírito que paira sobre um caos amorfo.” (pág. 29) Mas em que consiste o papel da social-democracia senão em ser o “espírito” que não só paira sobre o movimento espontâneo, como também que eleva este último ao nível de “seu -programa”? Pois não há de consistir em continuar arrastando-se à retaguarda do movimento, coisa que, na melhor das hipóteses, seria inútil para o movimento e, na pior, extremamente nociva. Mas Rabotcheie Dielo não só adota essa “tática-processo”, como erige-a num princípio, de modo que seria mais justo chamar essa tendência de seguidismo, em vez de chamá-la de oportunismo. É preciso reconhecer, forçosamente, que aqueles que estão firmemente decididos a acompanhar o movimento marchando à retaguarda estão imunizados, para sempre e absolutamente, contra a “subestimação do elemento espontâneo do desenvolvimento”.
Pudemos persuadir-nos, pois, de que o erro fundamental da “nova tendência” no seio da social-democracia russa consiste em render culto à espontaneidade, em não compreender que a espontaneidade das massas exige de nós, social-democratas, uma elevada consciência. Quanto mais poderoso é o impulso espontâneo das massas, quanto mais amplo se faz o movimento, mais incomparável é a rapidez com que aumenta a necessidade de uma elevada consciência, tanto no trabalho teórico da social-democracia, como no político e no de organização.
O movimento ascensional espontâneo das massas, na Rússia, foi (e continua sendo) tão rápido, que a juventude social-democrata tornou-se pouco preparada para cumprir essas gigantescas tarefas. Essa falta de preparo é nossa desgraça comum, a desgraça de todos os social-democratas russos. O avanço das massas produziu-se e estendeu-se de forma ininterrupta e contínua, e não só não cessou onde havia começado, como propagou-se para novas localidades e novos setores da população (sob a influência do movimento operário, reanimou-se a efervescência entre a juventude estudantil, entre os intelectuais em geral, até entre os camponeses). Mas os revolucionários ficaram atrasados nesse movimento ascensional, tanto em suas “teorias” como em sua atividade, não conseguiram criar uma organização permanente que funcione sem solução de continuidade, capaz de dirigir todo o movimento.
No primeiro capítulo fizemos constar que Rabotcheie Dielo rebaixa nossas tarefas teóricas e repete “espontaneamente” o grito da moda: “liberdade de crítica”; os que o repetem não tiveram “consciência” suficiente para compreender que são diametralmente opostas as posições dos “críticos” oportunistas e as dos revolucionários na Alemanha e na Rússia.
Nos capítulos seguintes examinaremos como se manifestou o culto à espontaneidade no terreno das tarefas políticas, assim como no trabalho de organização da social-democracia.
Começaremos uma vez mais com um elogio a Rabotcheie Dielo. Literatura de Denúncias e Luta Proletária é o título que Martínov dá, no n.° 10 de Rabotcheie Dielo, a um artigo sobre as divergências com Iskra.
“Não nos podemos limitar a denunciar o estado de coisas que entorpece seu desenvolvimento (o do partido operário). Devemos também fazer eco dos interesses imediatos e cotidianos do proletariado.” (pág. 63)
Assim formulava Martínov a essência dessas divergências
“... Iskra ... é de fato o órgão da oposição revolucionária, que denuncia o estado de coisas reinante em nosso país e, de preferência, o estado de coisas político... Em compensação, nós trabalhamos e continuaremos trabalhando pela causa operária, em estreito contacto orgânico com a luta proletária.” (idem)
É forçoso agradecer a Martínov essa formulação. Ela adquire acentuado interesse geral, porque, no fundo, não só abarca nossas divergências com Rabotcheie Dielo, como, também, de modo geral, todas as nossas divergências com os “economistas”, no que concerne à luta política. Já demonstramos que os “economistas” não negam em absoluto a “política”, mas que tão somente se desviam constantemente da concepção social-democrata para a concepção trade-unionista da política. Exatamente do mesmo modo desvia-se Martínov, e por isso nos permitimos tomá-lo como protótipo das aberrações econômicas nessa questão. Trataremos de demonstrar que ninguém poderá criticar-nos por essa escolha nem os autores do Suplemento Especial de “Rabotchaia Misl”, nem os autores do manifesto do Grupo de Auto-Emancipação, nem os autores da carta economista publicada no número 12 de Iskra.
Todos sabem que a luta econômica(34) dos operários russos expandiu-se em grande escala e se intensificou paralelamente ao aparecimento da “literatura” das denúncias econômicas (concernentes às fábricas e às categorias profissionais). O conteúdo principal dos “volantes” consistia em denunciar a ordem de coisas existente nas fábricas, e imediatamente entre os operários produziu-se uma verdadeira paixão por essas denúncias. Quando os operários viram que os círculos dos social-democratas queriam e podiam proporcionar-lhes jornais de novo tipo, que lhes diziam toda a verdade sobre sua vida miserável, sobre o seu trabalho terrivelmente penoso e sobre a sua situação de párias, começaram a chover, por assim dizer, cartas das fábricas e das oficinas. Esta “literatura de denúncias” produziu enorme sensação, não só nas fábricas cujo estado de coisas era fustigado, como em todas as fábricas onde chegavam notícias dos fatos denunciados. E, de vez que as necessidades e os sofrimentos dos operários de diferentes empresas e de diferentes ofícios têm muita coisa em comum, a “verdade sobre a vida operária” entusiasmava a todos. Entre os operários mais atrasados desenvolveu-se uma verdadeiro paixão “por aparecer em letra impressa”, paixão nobre por essa forma embrionária de guerra contra toda a ordem social moderna, baseada na pilhagem e na opressão. E os “volantes”, na imensa maioria dos casos, eram de fato uma declaração de guerra, porque a denúncia exercia uma ação terrivelmente excitante, levava todos os operários a reclamarem que se pusesse fim aos escândalos mais flagrantes e os dispunha a sustentar suas reivindicações por meio de greves. Os próprios fabricantes tiveram, afinal de contas, de reconhecer a tal ponto a importância dos volantes como declaração de guerra, que muito frequentemente nem sequer queriam esperar a guerra. As denúncias, como sempre acontece, produziam grande efeito pelo simples fato de aparecerem, adquirindo o valor de poderosa pressão moral. Mais de uma vez, bastou que aparecesse um volante para que as reivindicações fossem satisfeitas, total ou parcialmente. Numa palavra, as denúncias econômicas (das fábricas) foram e continuam sendo um recurso importante na luta econômica. E continuarão conservando essa importância enquanto subsistir o capitalismo, que engendra necessariamente a autodefesa dos operários. Nos países europeus mais adiantados pode-se observar, mesmo hoje, como denúncias de escândalos que acontecem em alguma “indústria” num lugar remoto ou em algum ramo de trabalho a domicílio, esquecidos de todos, transformam-se num ponto de partida para despertar a consciência de classe, para iniciar a luta sindical e a difusão do socialismo(35).
A imensa maioria dos social-democratas russos esteve, nos últimos tempos, quase que inteiramente absorvida por esse trabalho de organização das denúncias nas fábricas. Basta lembrar o caso de Rabotchaia Misl para ver até que ponto havia chegado essa absorção, como se havia esquecido que por si só essa atividade não era ainda, no fundo, social-democrata, mas sim apenas trade-unionista. Na realidade, as denúncias não se referiam mais que às relações dos operários de um determinado setor com seus respectivos patrões, e o único objetivo que alcançavam era que os vendedores da força de trabalho aprendiam a vender essa “mercadoria” com maiores vantagens e a lutar contra os compradores no terreno de transações puramente comerciais. Essas denúncias poderiam converter-se (contanto que a organização dos revolucionários as utilizasse em certo grau) em ponto de partida e elemento integrante da atividade social-democrata, mas assim mesmo podiam levar (e, com o culto à espontaneidade, tinham forçosamente de levar) à luta “exclusivamente sindical” e a um movimento operário não social-democrata. A social-democracia dirige a luta da classe operária não só para obter condições vantajosas de venda da força de trabalho, mas para que seja destruído o regime social que obriga os despojados a venderem sua força de trabalho aos ricos. A social-democracia representa a classe operária não só em sua relação com um grupo determinado de patrões, mas em suas relações com todas as classes da sociedade contemporânea, com o Estado como força política organizada. Compreende-se, portanto, que os social-democratas não só não podem limitar-se à luta econômica como nem sequer podem admitir que a organização das denúncias econômicas constitua sua atividade predominante. Devemos empreender ativamente o trabalho de educação política da classe operária, de desenvolvimento de sua consciência política. Hoje em dia, depois da primeira arremetida de Zariá e Iskra contra o economismo, “todo mundo está de acordo” com isso (se bem que haja alguns que estão de acordo só em palavras, como veremos mais adiante).
Cabe perguntar em que deve consistir a educação política. É possível limitar-se à propaganda da ideia de que a classe operária é hostil à autocracia? É claro que não. Não basta explicar a opressão política de que são objeto os operários (do mesmo modo que não bastava explicar-lhes o antagonismo entre seus interesses e os dos patrões. É necessário fazer agitação baseada em cada manifestação concreta dessa opressão (como começamos a fazer em virtude das manifestações concretas de opressão econômica). E, posto que as mais diversas classes da sociedade são vítimas dessa opressão, posto que se manifesta nos mais diferentes aspectos da vida e da atividade sindical, social, pessoal, familiar, religiosa, científica, etc, etc, não é evidente que não cumpriríamos nossa missão de desenvolver a consciência política dos operários se não nos comprometêssemos a organizar uma ampla campanha de denúncias políticas da autocracia? Porque, para fazer agitação baseada nas manifestações concretas de opressão, é preciso denunciar essas manifestações (do mesmo modo que, para fazer a agitação econômica, era necessário denunciar os abusos cometidos nas fábricas).
Dir-se-ia que a coisa está clara. Mas aqui, exatamente, é que só em palavras “todo mundo” está de acordo quanto à necessidade de desenvolver a consciência política em todos os seus aspectos. Nesse ponto, precisamente, é que Rabotcheie Dielo, por exemplo, não só não empreendeu o trabalho de organizar denúncias políticas em todos os aspectos (ou começar sua organização), como se pôs a arrastar para trás também Iskra, que havia começado essa tarefa. Atentai para o seguinte:
“A luta política da classe operária é apenas (precisamente, não é apenas) a forma mais desenvolvida, mais ampla e efetiva da luta econômica.” (programa de Rabotcheie Dielo: ver seu n.° 1, pág. 3) “Atualmente, apresenta-se aos social-democratas a tarefa de imprimir à própria luta econômica, tanto quanto possível, um caráter político.” (Martínov, no n.° 10, pág. 42) “A luta econômica é o meio mais amplamente aplicável para incorporar as massas à luta política ativa.” (Resolução do Congresso da União e “emendas”; ver: Dois Congressos, págs. 11 e 17)
Como vê o leitor, todas essas teses impregnam Rabotcheie Dielo desde seu aparecimento até as últimas “instruções da redação”, e todas elas expressam, evidentemente, um mesmo conceito da agitação e da luta políticas. Analisai, portanto, esse conceito do ponto de vista do critério, predominante entre todos os economistas, de que a agitação política deve seguir a econômica. Será certo que a luta econômica é, em geral(36), “o meio mais amplamente aplicável” para incorporar as massas à luta política? Isso é falso de cima a baixo. Meios não menos “amplamente aplicáveis” para tal “incorporação” são todas as manifestações da opressão policial e dos desmandos da autocracia, e de nenhum modo tão-somente as manifestações ligadas à luta econômica. Por que os zemmskie natchalniki(37) e os castigos corporais de que são vítimas os camponeses, as extorsões dos funcionários e o tratamento que a polícia dá à “plebe” das cidades, a luta contra os famélicos e a perseguição movida aos desejos de ilustração e de saber que o povo sente, a exação de impostos e a perseguição às seitas religiosas, a dura disciplina imposta aos soldados e o tratamento de caserna que recebem os estudantes e os intelectuais liberais; nor que todas essas manifestações de opressão, assim como milhares de manifestações análogas, que não têm uma relação direta com a luta “econômica”, hão de representar em geral meios e motivos menos “amplamente aplicáveis” para a agitação política, para incorporar as massas à luta política? Exatamente o contrário: na soma total dos casos cotidianos em que o operário sofre (ele mesmo e as pessoas chegadas a éle) falta de direitos, arbitrariedade e violência, não há dúvida de que constituem apenas uma pequena minoria os casos de opressão policial no terreno da luta sindical. Para que, portanto, restringir de antemão a amplitude da agitação política, declarando mais “amplamente aplicável” apenas um dos meios, ao lado do qual, para um social-democrata, devem encontrar-se outras que, falando de modo geral, não são menos “amplamente aplicáveis”?
Em tempos muito, muito remotos (há um ano!...), Rabotcheie Dielo dizia:
“As reivindicações políticas imediatas tornam-se acessíveis às massas depois de uma greve ou, cm resumo, de várias greves”, “enquanto o governo emprega a polícia e a gendarmeria.” (n.° 7, pág. 15, agosto de 1900)
Agora, essa teoria oportunista das fases foi repudiada pela União, que nos faz uma concessão, declarando:
“não há nenhuma necessidade de desenvolver desde o começo a agitação política exclusivamente baseada no terreno econômico.” (Dois Congressos, pág. 11)
O futuro historiador da social-democracia russa, só por esse fato de a União repudiar parte de seus velhos erros, verá, melhor que pelos mais longos raciocínios, até que ponto nossos economistas aviltaram o socialismo! Mas que ingenuidade a da União ao imaginar, em troca dessa renúncia a uma forma de restrição da política, que podia levar-nos a consentir na outra forma de restrição! Acaso não seria mais lógico dizer, também aqui, que se deve desenvolver o mais amplamente possível a luta econômica, que é preciso utilizá-la sempre para a agitação política, mas que “não há nenhuma necessidade” de considerar a luta econômica como o meio mais amplamente aplicável para incorporar as massas a uma luta política ativa?
A União atribui importância ao fato de haver substituído pelas palavras “o meio mais amplamente aplicável” a expressão “o melhor meio”, que figura na resolução correspondente do IV Congresso da União de Operários Judeus (Bund). Certamente nos veríamos num aperto se tivéssemos que dizer qual dessas duas resoluções é melhor: em nossa opinião, as duas são piores. Tanto a União como o Bund desviam-se nesse caso (em parte, talvez até inconscientemente, influenciados pela tradição) para uma interpretação economista, trade-unionista, da política. No fundo, a coisa não muda absolutamente de figura se empregamos a palavra “melhor” ou a expressão: “mais amplamente aplicável”. Se a União dissesse que a “agitação política no terreno econômico” é o meio mais amplamente aplicado (e não “aplicável”), teria razão em relação a certa fase do desenvolvimento de nosso movimento social-democrata. Isto é: teria razão exatamente em relação aos economistas, em relação a muitos militantes práticos (senão à maioria deles) de 1898 a 1901, posto que esses militantes prático-economistas, com efeito, encetaram a agitação política (na medida em que, em geral, a praticavam!) quase exclusivamente no terreno econômico. Semelhante agitação política era aceita e até recomendada, como vimos, tanto por Rabotchaia Misl como pelo Grupo de Auto-Emancipação! Rabotcheie Dielo devia ter condenado resolutamente o fato de que a obra útil de agitação econômica fosse acompanhada de uma restrição nociva à luta política: mas, em vez de fazê-lo, declara que o meio mais aplicado (pelos economistas) é o meio mais aplicável! Não é de estranhar que essas pessoas, quando as tachamos de economistas, não encontrem outra saída senão insultar-nos a mais não poder chamando-nos de “mistificadores”, “desorganizadores”, “núncios do papa”, “caluniadores”(38); chorar diante de todo mundo dizendo que lhes fizemos uma afronta sangrenta; declarar quase sob juramento que “nenhuma organização social-democrata peca atualmente por economismo”(39). Ah, esses caluniadores, esses homens maus, esses políticos! Não terão inventado de propósito todo o economismo para nos fazer, por simples ódio à humanidade, afrontas sangrentas?
Que sentido concreto, real, tem, nos lábios de Martínov, o fato de apresentar ante a social-democracia a tarefa de “imprimir à própria luta econômica um caráter político”? A luta econômica é a luta coletiva dos operários contra os patrões para conseguir condições vantajosas de venda da força de trabalho, para melhorar as condições de vida e de trabalho dos operários. Essa luta é, necessariamente, uma luta profissional, porque as condições de trabalho são extremamente variadas nos diferentes ofícios e, portanto, a luta pela melhoria dessas condições tem que se fazer, obrigatoriamente, por ofícios (pelos sindicatos no Ocidente, por associações profissionais de caráter provisório e por meio de volantes na Rússia, etc). Imprimir à “própria luta econômica um caráter político” significa, portanto, procurar a consecução dessas mesmas reivindicações profissionais, dessa mesma melhoria das condições de trabalho nos ofícios por meio de “medidas legislativas e administrativas” (segundo se expressa Martínov na página seguinte, 43, de seu artigo). É justamente o que sempre fizeram e fazem todos os sindicatos operários. Olhai a obra do casal Webb, verdadeiros eruditos (e “verdadeiros” oportunistas) e vereis que os sindicatos operários ingleses, há muito tempo, compreenderam e realizam a tarefa de “imprimir à própria luta econômica um caráter político”; há muito tempo, lutam pela liberdade de greve, pela supressão de todos os obstáculos jurídicos que se opõem ao movimento cooperativo e sindical, pela promulgação de leis de proteção à mulher e à criança, pela melhoria das condições de trabalho mediante uma legislação sanitária e industrial, etc.
Assim, pois, a frase pomposa “imprimir à própria, luta econômica um caráter político”, “terrivelmente” profunda e revolucionária, oculta, no fundo, a tendência tradicional de rebaixar a política social-democrata ao nível da política trade-unionista! A pretexto de retificar a unilateralidade de Iskra, que prefere — deveis sabê-lo — “revolucionar o dogma a revolucionar a vida”(40), oferecem-nos como algo novo a luta pelas reformas econômicas. Com efeito, a frase “imprimir à própria luta econômica um caráter político” não tem absolutamente nenhum outro conteúdo que a luta pelas reformas econômicas. E o próprio Martínov poderia ter chegado a essa conclusão simplíssima, se tivesse meditado acertadamente no significado de suas próprias palavras.
“Nosso Partido — diz, assestando sua artilharia mais pesada contra Iskra — poderia e deveria apresentar ao governo reivindicações concretas de medidas legislativas e administrativas contra a exploração econômica, contra o desemprego, contra a fome, etc”. (Rabotcheie Dielo, n.° 10, págs. 42 43)
Reivindicar medidas concretas não é, por acaso, reclamar reformas sociais? E, perguntamos mais uma vez aos leitores imparciais se caluniamos os rabotchedielentsi(41) (perdoem-me esse infeliz termo em voga!) ao classificá-los de bernsteinianos disfarçados, quando eles lançam, como divergência com Iskra, a tese sobre a necessidade da luta por reformas econômicas.
A social-democracia revolucionária sempre incluiu e continua incluindo na órbita de suas atividades a luta pelas reformas. Mas utiliza a agitação “econômica” não só para reclamar do governo toda classe de medidas, como também (e em primeiro lugar) para exigir que deixe de ser um governo autocrático. Além disso, considera seu dever apresentar ao governo essa exigência não só no terreno da luta econômica, mas também no terreno de todas as manifestações em geral da vida social e política. Numa palavra, como a parte ao todo, subordina a luta pelas reformas à luta revolucionária pela liberdade e o socialismo. Em compensação, Martínov ressuscita, sob forma diferente, a teoria das fases, tratando de prescrever infalivelmente o caminho econômico, por assim dizer, do desenvolvimento da luta política. Propugnando num momento de ascenso revolucionário, como uma pretensa “tarefa” especial, a luta por reformas, arrasta com ele o Partido para trás e faz o jogo do oportunismo “economista” e liberal.
Prossigamos. Depois de ocultar pudicamente a luta pelas reformas por trás da pomposa tese de “imprimir à própria luta econômica um caráter político”, Martínov apresenta como algo particular exclusivamente as reformas econômicas (e até mesmo apenas as reformas na vida fabril). Não sabemos por que o fez. Teria sido por descuido? Mas se não tivesse considerado apenas as reformas “fabris”, toda a sua tese, que acabamos de expor, perderia todo sentido. Teria sido porque acha possível e provável que o governo faça “concessões” só no terreno econômico?(42) Se fosse assim, resultaria um erro estranho: as concessões são possíveis e também são feitas no terreno da legislação sobre castigos corporais, passaportes, pagamento de resgates, seitas, censura, etc, etc. As concessões “econômicas” (ou pseudo concessões) são, entende-se, as mais baratas e as mais vantajosas para o governo, pois com elas espera ganhar a confiança das massas operárias. Mas, por isso mesmo, nós, os social-democratas, não devemos, de modo algum e absolutamente por nenhum motivo, dar lugar à opinião (ou ao equívoco) de que apreciamos mais as reformas econômicas, de que consideramos justamente essas reformas como de particular importância, etc. “Essas reivindicações — diz Martínov a respeito das reivindicações concretas de medidas legislativas e administrativas a que se refere mais atrás — não seriam um simples gesto, pois, ao prometer certos resultados tangíveis, poderiam ser apoiadas ativamente pela massa operária”... Não somos economistas, oh, não! Apenas nos arrastamos aos pés da “tangibilidade” de resultados concretos, com tanto servilismo quanto o dos senhores Bernstein, Prokopóvitch, Struve, R.M. e tutti quanti! Somente damos a entender (com Narciso Tuporilov) que tudo que não “promete resultados tangíveis” é um “simples gesto”! Não fazemos senão falar como se a massa operária não fosse capaz (e como se não houvesse demonstrado sua capacidade, apesar de todos que lançam sobre ela seu próprio filisteísmo) de apoiar ativamente iodo protesto contra a autocracia, inclusive o que não lhe promete absolutamente nenhum resultado tangível!
Tomemos apenas esses mesmos exemplos citados pelo próprio Martínov sobre as “medidas” contra o desemprego e a fome. Enquanto Rabotcheie Dielo trata, segundo promete, de elaborar e desenvolver “reivindicações concretas (em forma de projetos de lei?) de medidas legislativas e administrativas”, que prometam “resultados tangíveis”, Iskra, “que prefere sempre revolucionar o dogma a revolucionar a vida”, tratou de explicar o sentido que une intimamente o desemprego a todo o regime capitalista, advertindo que “vem a fome”, denunciando “a luta da polícia contra os famélicos”, assim como o escandaloso “regulamento provisório de tipo inquisitorial”, e Zariá publicou em edição especial, como folheto de agitação, a parte de sua Revista de Política Interna(43) dedicada à fome. Mas, meu Deus, como têm sido “unilaterais” esses ortodoxos incorrigivelmente estreitos, esses dogmáticos, surdos aos imperativos da “própria vida”! Nem ao menos um dos seus artigos tem conteúdo — que horror! — nem ao menos uma, notai bem, nem sequer uma só “reivindicação concreta” que “prometa resultados tangíveis”'. Pobres dogmáticos! Seria preciso fazê-los aprender com os Kritchevski e os Martínov, para que se convencessem de que a tática é o processo de crescimento do que cresce, etc, e que é necessário imprimir à própria luta econômica um caráter político!
“A luta econômica dos operários contra os patrões e o governo [“luta econômica contra o governo”!!], além de seu direto significado revolucionário, também tem o de levar continuamente os operários a pensarem na sua privação de direitos políticos.” (Martínov, pág. 44)
Inserimos essa citação, não para repetir pela centésima ou milésima vez o que já dissemos mais atrás, mas sim para agradecer de maneira especial a Martínov essa nova e excelente formulação: “A luta econômica dos operários contra os patrões e o governo”. Formidável! Com que inimitável talento, com que magistral eliminação de todas as divergências parciais e diferenças de matizes entre os economistas temos aí expressa, numa exposição concisa e clara, toda a essência do economismo, começando por chamar os operários à “luta política em prol do interesse geral, para melhorar a situação de todos os operários”(44), continuando em seguida com a teoria das fases e terminando com a resolução do Congresso sobre o meio “mais amplamente aplicável”, etc. “A luta econômica contra o governo” é precisamente política trade-unionista, que está a uma distância muito grande, mas muito grande mesmo, da política social-democrata.
b) De como Martínov aprofundou Plekhânov
“Quantos social-democratas do tipo de Lomonosov apareceram em nosso país nesses últimos tempos!”, observou certa vez um camarada, referindo-se à assombrosa inclinação pela qual muita gente propensa ao economismo quer chegar infalivelmente por “sua própria inteligência” às grandes verdades como aquela de que a luta econômica leva os operários a pensarem em sua situação de párias) desconhecendo, com um desdém magnífico de gênios inatos, tudo que o desenvolvimento anterior do pensamento revolucionário e do movimento revolucionário já produziu. Um gênio dessa espécie é precisamente Lomonosov—Martínov. Vêde seu artigo Problemas do Dia e observareis como se aproxima, com “sua própria inteligência”, de coisas que há muito havia exposto Axelrod (a respeito do que nosso Lomonosov guarda, naturalmente, absoluto silêncio); como começa, por exemplo, a compreender que não podemos passar por cima da oposição de tais ou quais camadas da burguesia (Rabotcheie Dielo, n.° 9, págs. 61, 62, 71; comparai com a Resposta da redação de Rabotcheie Dielo a Axelrod, págs. 22, 23, 24), etc. Mas — oh! — apenas “se aproxima” e apenas “começa”, nada mais, pois, apesar de tudo, a tal ponto ainda não compreendeu as ideias de Axelrod, que fala de “luta econômica contra os patrões e o governo”. No decorrer de três anos (de 1898 a 1901), Rabotcheie Dielo vinha acumulando fôrças para compreender Axelrod e, não obstante, não o compreendeu! Será que isso acontece também porque a social-democracia, “do mesmo modo que a humanidade”, sempre se propõe exclusivamente tarefas realizáveis?
Mas os Lomonosov não se distinguem apenas por ignorar muito (esta seria uma meia-desgraça!), como também por não se acautelarem contra a sua ignorância. Isto já é uma verdadeira desgraça, e esta desgraça é que os leva ao trabalho de “aprofundar” Plekhânov.
“Desde que Plekhânov escreveu o livro citado (Sobre as Tarefas dos Socialistas na Luta Contra a Fome na Rússia) correu muita água debaixo das pontes — conta Lomonosov—Martínov. Os social-democratas, que no transcurso de dez anos dirigiram a luta econômica da classe operária..., ainda não tiveram tempo de oferecer uma ampla fundamentação teórica da tática do Partido. Atualmente, esta questão amadureceu, e, se quiséssemos oferecer uma fundamentação teórica dessa espécie, nos veríamos, sem dúvida, necessitados de aprofundar consideravelmente os princípios táticos desenvolvidos por Plekhânov em sua época... Ver-nos íamos, agora, necessitados de definir a diferença entre propaganda e agitação de modo diferente da estabelecida por Plekhânov. (Martínov acaba de citar as palavras de Plekhânov: “O propagandista inculca muitas ideias numa só pessoa ou num pequeno número de pessoas, enquanto que o agitador inculca uma só ideia ou um pequeno número de ideias, mas, em compensação, o faz em toda uma multidão de pessoas.”) Por propaganda entenderíamos a explicação revolucionária de todo o regime atual ou de suas manifestações parciais, indiferentemente se isso se faz de forma accessível apenas para algumas pessoas ou para as grandes massas. Por agitação, no estrito sentido da palavra (sic!), entenderíamos o apelo dirigido às massas para certas ações concretas, a contribuição à intervenção revolucionária direta do proletariado na vida social.”
Felicitamos a social-democracia russa — assim como a internacional — por essa nova terminologia martinoviana, mais rigorosa e mais profunda. Até agora acreditávamos (com Plekhânov e com todos os chefes do movimento operário internacional) que um propagandista, se trata, por exemplo, da questão do desemprego, deve explicar a natureza capitalista das crises, assinalar a causa da inevitabilidade destas, na sociedade atual, mostrar a necessidade de transformar a sociedade capitalista em socialista, etc. Em uma palavra, deve oferecer “muitas ideias”, tantas, que todas essas ideias, em seu conjunto, poderão ser assimiladas de pronto apenas por poucas (relativamente) pessoas. Pelo contrário, o agitador, ao falar dessa mesma questão, tomará um exemplo, o mais patente e mais conhecido de seu auditório — tomemos, no caso, o de uma família de desempregados morta de fome, o aumento da miséria, etc — e, aproveitando esse fato conhecido por todos e cada um, dirigirá todos os seus esforços para inculcar nas “massas” uma só ideia: a ideia do absurdo da contradição entre o incremento da riqueza e o aumento da miséria; tratará de despertar na massa o descontentamento e a indignação contra essa flagrante injustiça, deixando ao propagandista a explicação completa dessa contradição. Por isso, o propagandista procede, principalmente, por meio da palavra impressa, enquanto que o agitador atua de viva voz. Do propagandista exigem-se qualidades diferentes das do agitador. Assim, chamaremos Kautsky e Lafargue de propagandistas; Bebel e Guesde de agitadores. E estabelecer um terceiro terreno ou terceira função de atividade prática, envolvendo nessa função o “apelo dirigido às massas para certas ações concretas”; é o maior desatino, pois o “apelo”, como ato isolado, ou é um complemento natural e inevitável do tratado teórico, do folheto de propaganda e do discurso de agitação, ou constitui uma função claramente executiva. Com efeito, tomemos, por exemplo, a luta atual dos social-democratas alemães contra os impostos sobre os cereais. Os teóricos em suas investigações sobre a política alfandegária, “apelam”, digamos assim, para a luta pela conclusão de tratados comerciais e pela liberdade de comércio; a mesma coisa fazem o propagandista, nas revistas, e o agitador, em seus discursos públicos. A “ação concreta” da massa consiste nesse caso em apor a sua assinatura a uma petição dirigida ao Reichstag, exigindo que não sejam aumentados os impostos sobre os cereais. O apelo para esta ação parte indiretamente dos teóricos, dos propagandistas e dos agitadores, e, diretamente, dos operários que percorrem as fábricas e as residências particulares com as listas de adesão à petição. Segundo a “terminologia de Martínov”, resultaria que Kautsky e Bebel são ambos propagandistas, e os portadores das listas de adesão são agitadores. Não é assim?
O exemplo dos alemães me fez lembrar a palavra alemã Verballhornung, ao pé da letra “ballhornização”. Johann Ballhorn era um editor de Leipzig, do século XVI; editou um abecedário em que, como era costume, estampou um desenho que representava um galo, mas, em vez do desenho habitual de um galo com esporões, figurava um sem esporões e com um par de ovos ao lado. A capa do abecedário dizia: “Edição corrigida por Johann Ballhorn”. Desde então, os alemães dizem Verballhornung ao se referirem a uma “correção” que, de fato, piora o corrigido. E, queira-se ou não, nos lembramos de Ballhorn ao ver como os Martínov “aprofundam” Plekhanov...
Para que o nosso Lomonosov terá “inventado” essa confusão? Para demonstrar que Iskra, “do mesmo modo que Plekhanov há uns quinze anos, dá atenção a apenas um aspecto da questão.” (pág. 39) “Segundo Iskra, pelo menos no período atual, as tarefas de propaganda relegam a segundo plano as tarefas de agitação.” (pág. 52) Se traduzirmos essa última frase de linguagem de Martínov para a linguagem corrente (pois a humanidade ainda não teve tempo de adotar essa terminologia recém-descoberta), resulta o seguinte: segundo Iskra, as tarefas de propaganda e de agitação política relegam a segundo plano a tarefa de “apresentar ao governo reivindicações concretas de medidas legislativas e administrativas”, que “prometam certos resultados tangíveis” (ou, em outras palavras, a reivindicação de reformas sociais, se nos permitem empregar mais uma vez a velha terminologia da velha humanidade, que ainda não chegou ao nível de Martínov). Propomos ao leitor comparar com essa tese o seguinte trecho:
“Assombra-nos nesses programas [nos programas dos social-democratas revolucionários], tanto o fato de eternamente colocarem em primeiro plano as vantagens da atividade dos operários no parlamento [que não existe em nosso país], passando completamente por cima [graças ao seu nihilismo revolucionário] da importância da participação dos operários nas assembleias legislativas dos fabricantes, assembleias que existem em nosso país para discutir assuntos das fábricas ou da importância da participação dos operários ainda que apenas na administração municipal urbana...”
O autor desse trecho expressa de modo um pouco mais direto, claro e franco a ideia a que chegou por sua própria inteligência Lomonosov—Martínov. O autor é R.M., no Suplemento Especial de “Rabotchaia Misl.” (pág. 15)
Ao lançar contra Iskra sua “teoria” da “elevação da atividade da massa operária”, Martínov, na realidade, pôs a descoberto sua tendência a rebaixar essa atividade, pois declarou que o meio preferencial, de particular importância, “mais amplamente aplicável” para despertá-la e ser seu terreno de ação era essa mesma luta econômica, ante a qual rastejaram todos os economistas. Esse erro é característico, porque não é só de Martínov. Na realidade, pode-se “elevar a atividade da massa operária” unicamente à condição de não nos limitarmos à “agitação política no terreno econômico”. E uma das condições essenciais para essa indispensável extensão da agitação política é organizar denúncias políticas que abranjam todos os terrenos. A consciência política e a atividade revolucionária das massas não podem educar-se a não ser à base dessas denúncias. Por isso, essa atividade constitui uma das funções mais importantes de toda a social-democracia internacional, pois, inclusive, a liberdade política não elimina em um mínimo que seja essas denúncias: a única coisa que faz é mudar um pouco a sua orientação. O Partido alemão, por exemplo, garante suas posições e amplia sua influência graças, sobretudo, à persistente energia de suas campanhas de denúncias políticas. A consciência da classe operária não pode ser uma autêntica consciência política se os operários não estão acostumados a responder a todos os casos de arbitrariedade e de opressão, de violência e abusos de todas as espécies, quaisquer que sejam as classes atingidas; a responder, além disso, do ponto de vista social-democrata, e não de outro qualquer. A consciência das massas operárias não pode ser uma autêntica consciência de classe, se os operários não aprendem, à base de fatos e acontecimentos políticos concretos e, além disso, de atualidade, a observar “cada uma das outras classes sociais, em todas as manifestações da vida intelectual, moral e política dessas classes; se não aprendem a aplicar na prática a análise materialista e a apreciação materialista de todos os aspectos da atividade e da vida de todas as classes, camadas e grupos da população. Quem orientar a atenção, a capacidade de observação e a consciência da classe operária exclusivamente, ou mesmo apenas preferencialmente, para si própria, não é um social-democrata, pois o conhecimento de si mesma, por parte da classe operária, está inseparavelmente ligado à completa clareza não só dos conceitos teóricos ... ou, melhor dizendo, não tanto dos conceitos teóricos como das ideias elaboradas à base da experiência da vida política, acerca das relações entre todas as classes da sociedade atual. Essa é a razão de que seja tão profundamente nociva e tão profundamente reacionária, por sua significação prática, a pregação de nossos economistas de que a luta econômica é o meio mais amplamente aplicável para incorporar as massas ao movimento político. Para chegar a ser um social-democrata, o operário deve formar uma ideia clara da natureza econômica e da fisionomia social e política do latifundiário e do padre, do alto funcionário e do camponês, do estudante e do vagabundo, conhecer seus lados fortes e seus pontos fracos, saber orientar-se nas frases e nos sofismas mais comuns de todas as espécies, com os quais cada classe e cada camada encobre seus apetites egoístas e sua verdadeira “natureza”, saber distinguir quais instituições e leis refletem esses ou outros interesses e como os refletem. E não é nos livros que se pode encontrar essa “ideia clara”: só podem proporcioná-la quadros vivos, assim como denúncias, formuladas sobre vestígios recentes, de tudo quanto aconteça num determinado momento em torno de nós, do que todos e cada um falam a seu modo, ou sobre o que pelo menos cochicham, do que se manifesta em determinados acontecimentos, cifras, sentenças judiciais, etc, etc, etc. Essas denúncias políticas que abarcam todos os aspectos da vida são uma condição indispensável e fundamental para educar a atividade revolucionária das massas.
Por que o operário russo ainda manifesta pouca atividade revolucionária frente ao tratamento bestial que a polícia dispensa ao povo, frente às perseguições às seitas, frente aos castigos corporais impostos aos camponeses, frente aos abusos da censura, aos maus tratos de que são vítimas os soldados, às perseguições das iniciativas culturais mais inofensivas, etc? Não será porque a “luta econômica” não o “faz pensar” nisso, porque isso lhe “promete” poucos “resultados tangíveis”, porque não lhe oferece nada “positivo”? Não; tal juízo, repetimos, nada mais é que uma tentativa de lançar culpas aos ombros alheios, lançar o próprio filisteísmo (como também o bernsteinianismo) sobre a massa operária. Devemos lançar a culpa a nós mesmos, a nosso atraso em relação ao movimento das massas, a não ter sabido ainda organizar denúncias suficientemente amplas, ressonantes e rápidas contras todas essas ignomínias. Se chegarmos a fazê-lo (e devemos e podemos fazê-lo), o operário mais atrasado compreenderá ou sentirá que o estudante e o membro de uma seita, o mujique e o escritor são humilhados e perseguidos por essa mesma força tenebrosa, que tanto o oprime e subjuga em cada passo de sua vida, e ao senti-lo, ele mesmo quererá reagir, com um desejo irrefreável, e saberá, então, organizar hoje um protesto contra os censores, amanhã desfilar em manifestação diante da casa do governador que tenha sufocado uma revolta dos camponeses, depois de amanhã dar uma lição aos gendarmes de sotaina que desempenham as funções da santa inquisição, etc. Até agora fizemos muito pouco, quase nada, para lançar entre as massas operárias denúncias múltiplas e atuais. Muitos dentre nós nem sequer ainda têm consciência dessa sua obrigação e se arrastam espontaneamente atrás da “luta cotidiana e cinzenta”, dentro dos estreitos limites da vida fabril. Em tais condições, dizer:
“Iskra tem a tendência de rebaixar a importância da marcha ascendente da luta cotidiana e cinzenta, em comparação com a propaganda de ideias brilhantes e acabadas” (Martínov, pág. 61),
significa arrastar o Partido para trás, significa defender e ponderar nossa falta de preparo, nosso atraso.
Quanto ao apelo dirigido às massas para a ação, surgirá por si mesmo, sempre que houver enérgica agitação política e denúncias vivas e ressonantes. Pegar alguém em flagrante delito e estigmatizá-lo na hora diante de todo mundo e por toda parte, produz maior efeito que qualquer “apelo” e exerce muitas vezes uma influência tão grande, que mais tarde nem sequer pode-se determinar quem foi, exatamente, que “apelou” à multidão e quem, exatamente, lançou tal ou qual plano de manifestação, etc. Não se pode chamar a massa a urna ação — no sentido concreto da palavra, e não no sentido geral — senão no próprio lugar da ação; nem se pode exortar à ação os demais sem dar a própria pessoa o exemplo e na mesma hora. A nós, publicistas, social-democratas, incumbe-nos aprofundar, ampliar e intensificar as denúncias políticas e a agitação política.
A propósito dos “apelos”. O único órgão que, antes dos acontecimentos da primavera, apelou aos operários a intervirem ativamente numa questão que não prometia absolutamente nenhum resultado tangível ao operário, como a do recrutamento militar dos estudantes, foi Iskra. Imediatamente após a publicação da ordem de 11 de janeiro sobre “a incorporação de 183 estudantes às fileiras do exército”, Iskra publicou um artigo sobre o fato (n.° 2 de fevereiro)(45), e antes de que houvesse começado toda manifestação, apelou diretamente “aos operários a acorrerem em ajuda dos estudantes”, chamou o “povo” a responder abertamente ao insolente desafio do governo. Perguntamos a todo mundo: como explicar a notável circunstância de que, falando tanto de “apelos”, destacando os “apelos” até como uma forma particular de atividade, Martínov não tenha mencionado para nada este apelo? E não será filisteísmo, depois disso, Martínov declarar que Iskra é unilateral porque não “apela” suficientemente à luta por reivindicações que “prometam resultados tangíveis”?
Nossos economistas, entre eles Rabotcheie Dielo, tinham êxito por se terem adaptado à mentalidade dos operários atrasados. Mas o operário social-democrata, o operário revolucionário (e o número desses operários aumenta dia a dia) repudiará com indignação todos esses raciocínios sobre a luta por reivindicações que “prometam resultados tangíveis”, etc, pois compreenderá que nada mais são que variações da velha canção do aumento de um copeque por rublo. Esse operário dirá a seus conselheiros de Rabotchaia Misl e de Rabotcheie Dielo: cansai-vos em vão, senhores, intervindo com demasiado zelo em assuntos que nós mesmos resolvemos e se esquivando do cumprimento de vossas verdadeiras obrigações. Pois não é muito inteligente dizer, como dizeis, que a tarefa dos social-democratas é imprimir à própria luta econômica um caráter político; isto não é mais que o comêço, e não consiste nisso a tarefa principal dos social-democratas, pois, na Rússia, como no mundo inteiro, é a própria polícia que muitas vezes começa a imprimir à luta econômica um caráter político, e os próprios operários aprendem a compreender ao lado de quem está o governo(46). Com efeito, essa “luta econômica dos operários contra os patrões e o governo”, que vós ostentais como uma América que tivesseis descoberto, fazem-na em numerosos pontos remotos da Rússia os próprios operários, que ouviram falar de greves, mas que talvez nada saibam de socialismo. Essa nossa “atividade”, dos operários, que todos vós quereis sustentar apresentando reivindicações concretas que prometam resultados tangíveis, já existe entre nós, e, em nosso trabalho cotidiano, sindical, pequeno, nós mesmos estamos lançando essas reivindicações concretas, amiúde sem ajuda alguma dos intelectuais. Mas essa atividade não nos basta; não somos crianças a quem se pode alimentar apenas com a papinha da política “econômica”; queremos saber tudo o que sabem os demais, queremos conhecer em detalhe todos os aspectos da vida política e tomar parte ativa em todos e em cada um dos acontecimentos políticos. Para consegui-lo, é necessário que os intelectuais repitam menos o que nós mesmos já sabemos(47), e que nos dêem mais daquilo que ainda não sabemos, do que jamais nós mesmos poderemos saber por nossa experiência fabril e “econômica”, isto é: conhecimentos políticos. Esses conhecimentos vós, os intelectuais, podeis adquiri-los sozinhos e tendes o dever de nos transmitir cem e mil vezes mais do que o haveis feito até hoje; além disso, deveis proporcionar-nos esses conhecimentos não só em forma de raciocínios, folhetos e artigos (que frequentemente — desculpai a franqueza! — são um tanto enfadonhos) mas também, indispensávelmente, em forma de denúncias vivas de tudo que nosso governo e nossas classes dominantes fazem nesses momentos em todos os aspectos da vida. Cumpri com o maior cuidado esta vossa obrigação e tagarelai menos sobre “a elevação da atividade da massa operária”. Desenvolvemos muito maior atividade do que vós supondes e sabemos sustentar, por meio da luta aberta de rua, inclusive as reivindicações que não prometem nenhum “resultado tangível”! e não sois vós quem “elevará” nossa atividade, pois careceis exatamente dessa atividade. Deve- reis prosternar-vos menos ante a espontaneidade e pensar mais em elevar a vossa própria atividade, senhores!
Mais acima, numa nota, confrontamos um economista e um terrorista não social-democrata, que por acaso ficaram solidários. Mas, falando em geral, existe entre uns e outros um vínculo não casual, porém intrínseco e necessário, a respeito do qual ainda teremos de falar mais adiante e ao qual é necessário referir-se precisamente ao tratar de educação da atividade revolucionária. Os economistas e os terroristas contemporâneos têm uma raiz comum: o culto da espontaneidade, de que falamos no capítulo anterior como um fenômeno geral e que agora examinamos sob o prisma de sua influência no terreno da atividade política e da luta política. À primeira vista, nossa afirmação poderia parecer paradoxal: tão grande parece a diferença entre os que ressaltam a “luta cotidiana e cinzenta” e os que preconizam a luta mais abnegada do indivíduo isolado. Mas isso não é um paradoxo. Os economistas e os terroristas rendem culto a dois pólos opostos da corrente espontânea: os economistas, à espontaneidade do “movimento puramente operário”, e os terroristas, à espontaneidade da indignação mais ardente dos intelectuais, que não sabem ou não têm possibilidade de vincular o trabalho revolucionário com o movimento operário para formar um todo. A quem tenha perdido completamente a fé nessa possibilidade, ou nunca a tenha tido, é realmente difícil encontrar para seu sentimento de indignação e para sua energia revolucionária outra saída senão o terror. Assim, portanto, o culto da espontaneidade, nos dois sentidos assinalados, nada mais é que o comêço da realização do famoso programa do “Credo”: os operários desenvolvem sua “luta econômica contra os patrões e o governo” (que nos perdoe o autor do “Credo” expressarmos suas ideias no linguajar de Martínov! Parece-nos que temos o direito de fazê-lo, pois também no “Credo” fala-se de como os operários, na luta econômica, “chocam-se com o regime político”) , e os intelectuais, com suas próprias forças, desenvolvem sua luta política, naturalmente, por meio do terror! Essa é uma conclusão absolutamente lógica e inevitável, sobre a qual não se pode deixar de insistir embora os que começam a realizar esse programa não tenham percebido que essa conclusão é inevitável. A atividade política tem sua lógica, que não depende da consciência dos que com as melhores intenções do mundo exortam, ora ao terror, ora a imprimir um caráter político à própria luta econômica. De boas intenções está calçado o caminho do inferno e, no caso presente, as boas intenções não bastam para salvar da paixão espontânea pela “linha do menor esforço”, pela linha do programa nitidamente burguês do “Credo”. Porque também não é nada casual a circunstância de muitos liberais russos — tanto os liberais declarados como os que se cobrem com uma máscara marxista — simpatizarem de todo coração com o terror e tratarem de sustentar o avanço do espírito terrorista no momento atual.
E eis que, ao surgir o “grupo revolucionário-socialista Svoboda”, que se havia proposto justamente a tarefa de cooperar por todos os meios com o movimento operário, mas incluindo no programa o terror e emancipando-se, por assim dizer, da social-democracia, este fato confirmou mais uma vez a notável perspicácia de P. B. Axelrod, que com toda a exatidão predisse esses resultados das vacilações social-democratas já em fins de 1897 (em seu trabalho A propósito das Tarefas e da Tática Atuais) e esboçou suas célebres “duas perspectivas”. Todas as discussões e divergências posteriores entre os social-democratas russos já estão, como a planta na mente, nessas duas perspectivas(48).
Do ponto de vista assinalado, concebe-se também que Rabotcheie Dielo, que não pôde resistir à espontaneidade do economismo, tampouco tenha podido resistir à espontaneidade do terrorismo. É de sumo interesse assinalar aqui a argumentação especial que Svoboda brandiu em defesa do terror. ‘‘Nega por completo” o papel intimidador do terror (Renascimento do Revolucionarismo, pág. 64), mas, em compensação, realça sua “significação como estimulante”. Isto é característico, em primeiro lugar, como uma das fases da decomposição e decadência desse círculo tradicional (pré-social-democrata) de ideias que os havia obrigado a continuar apegado ao terror. Reconhecer que atualmente é impossível “intimidar o governo — e, por conseguinte, desorganizá-lo — por meio do terror, equivale, no fundo, a uma condenação total do terror como sistema de luta, como esfera de atividade consagrada por um programa. Em segundo lugar, isto é ainda mais característico como exemplo da incompreensão de nossas tarefas urgentes quanto á “educação da atividade revolucionária das massas”. Svoboda faz propaganda do terror como meio de “estimular” o movimento operário e imprimir-lhe um “forte impulso”. É difícil imaginar uma argumentação que se refute a si própria com maior evidência! Cabe perguntar se existem na vida russa tão poucos abusos que ainda seja necessário inventar meios “estimulantes” especiais. E, por outro lado, se há quem não se excita e não é excitável nem sequer pela arbitrariedade russa, não é, por acaso, evidente que continuará contemplando também o duelo entre o governo e um punhado de terroristas sem que isso lhe interesse um pouquinho? Trata-se, nem mais nem menos, de que as massas operárias se excitam muito com as infâmias da vida russa, mas nós não sabemos reunir, se é possível exprimir-se deste modo, a concentrar todas as gôtas e regatos da excitação popular que a vida russa destila em quantidade imensuràvelmente maior do que todos nós imaginamos e acreditamos e que há de reunir numa só torrente gigantesca. Que isto é viável demonstra-o irrefutavelmente o formidável ascenso do movimento operário, assim como a ânsia dos operários, já assinalada mais acima, la nteratura política. Mas as exortações ao terror, assim como as exortações a que se imprima à própria luta econômica um caráter político, representam formas diferentes de fugir ao dever mais imperioso dos revolucionários russos: organizar a agitação política em todos os seus aspectos. Svoboda quer substituir a agitação pelo terror, confessando sem rodeios que, “quando começar uma agitação intensa e enérgica entre as massas, o papel estimulante deste desaparecerá.” (Renascimento do Revolucionarismo, pág. 68) Justamente isso evidencia que tanto os terroristas como os economistas subestimam a atividade revolucionária das massas, apesar da prova incontestável que representam os acontecimentos da primavera(49); além disso, uns se precipitam em busca de “estimulantes” artificiais, outros falam de “reivindicações completas”. Nem uns nem outros prestam suficiente" atenção ao desenvolvimento de sua própria atividade no que concerne à agitação política e à organização das denúncias políticas. E nem agora nem em nenhum outro momento se pode substituir isto por nada.
Já vimos que a agitação política mais ampla, e, por conseguinte, a organização de denúncias políticas em todos os aspectos, constitui uma tarefa absolutamente necessária, a tarefa mais imperiosamente necessária da atividade, sempre que esta atividade seja verdadeiramente social-democrata. Mas chegamos a esta conclusão partindo apenas da premente necessidade que a classe operária tem de conhecimentos políticos e de educação política. Pois bem, esse modo de apresentar a questão seria demasiadamente restrito, desconheceria as tarefas democráticas gerais de toda social-democracia em geral e da social-democracia russa atual em particular. Para explicar essa tese do modo mais concreto possível, trataremos de focalizar a questão do ponto de vista mais “familiar” aos economistas, ou seja, do ponto de vista prático. “Todo mundo está de acordo” com que é necessário desenvolver a consciência política da classe operária. Mas, como fazê-lo e o que é necessário para fazê-lo? A luta econômica “faz” os operários pensarem exclusivamente nas questões referentes à atitude do governo em relação à classe operária; por isso, por mais que nos esforcemos na tarefa de “imprimir à própria luta econômica um caráter político”, não poderemos jamais, nos limites dessa tarefa, desenvolver a consciência política dos operários (até o grau de consciência política social-democrata), pois os próprios limites são estreitos. A fórmula de Martínov é-nos preciosa, não como prova do confusionismo do seu autor, mas porque exprime com realce o erro fundamental de todos os economistas: a convicção de que se pode desenvolver a consciência política de classe dos operários de dentro, por assim dizer, de sua luta econômica, isto é, tomando apenas (ou, pelo menos, principalmente) esta luta como ponto de partida, baseando-se apenas (ou, pelo menos, principalmente) nesta luta. Esta opinião é falsa de ponta a ponta; e exatamente porque os economistas, furiosos por nossa polêmica com eles, não querem refletir com seriedade sobre a origem de nossas divergências, acabamos literalmente por não nos compreendermos, por falar línguas diferentes.
Não se pode levar a consciência política de classe para o operário senão do exterior, isto é, de fora da luta econômica, de fora da esfera das relações entre operários e patrões. A única esfera em que se podem encontrar esses conhecimentos é a das relações de todas as classes e camadas com o Estado e o governo, a esfera das relações de todas as classes entre si. Por isso, à pergunta: “que fazer para transmitir conhecimentos políticos aos operários?”, não se pode dar apenas a resposta com que se contentam, na maioria dos casos, os militantes dedicados ao trabalho prático, isso sem falar dos que se inclinam para o economismo, ou seja: “É preciso ir ao encontro dos operários”. Para transmitir aos operários conhecimentos políticos, os social-democratas devem ir ao encontro de todas as classes da população, devem enviar destacamentos de seu exército a toda parte.
Se empregarmos deliberadamente essa formulação rude e nos expressamos deliberadamente de forma simplificada e taxativa, não é de modo algum pelo prazer de dizer paradoxos, mas sim para “fazer pensar” bem todos os economistas quanto às tarefas que imperdoavelmente desdenham, quanto à diferença que existe entre a política trade-unionista e a política social-democrata, diferença que não querem compreender. Por isso, pedimos ao leitor que mantenha a calma e nos acompanhe atento até ao fim.
Tomemos como exemplo o tipo do círculo social-democrata mais difundido nesses últimos anos e examinemos a sua atividade. “Está em contacto com os operários” e conforma-se com isso, editando jornais que fustigam os abusos cometidos nas fábricas, a parcialidade do governo para com os capitalistas, assim como as violências da polícia; nas reuniões que realizam com os operários, a conversa, em geral não sai ou quase não sai dos limites desses mesmos temas: as conferências e as palestras sobre a história do movimento revolucionário, sobre a política interior e exterior de nosso governo, sobre a evolução econômica da Rússia e da Europa, sobre a situação das diferentes classes na sociedade contemporânea, etc, são casos extremamente raros e ninguém pensa em estabelecer e desenvolver sistematicamente relações com as outras classes da sociedade. No fundo, o militante ideal, para os membros de tal círculo, assemelha-se, na maioria dos casos, muito mais a um secretário de trade-union que a um chefe político socialista. Pois o secretário de qualquer trade-union inglesa, por exemplo, sempre ajuda os operários a sustentarem a luta econômica, organiza a denúncia dos abusos cometidos nas fábricas, explica a injustiça das leis e regulamentos que restringem a liberdade de greve e a liberdade de colocar piquetes nas proximidades das fábricas (para avisar que a greve foi deflagrada), explica a parcialidade dos árbitros pertencentes às classes burguesas da população, etc, etc. Em suma, todo secretário de trade-union sustenta e ajuda a sustentar “a luta econômica contra os patrões e o governo”. E nunca será demais insistir em que isto ainda não é social-democratismo, que o ideal do social-democrata não deve ser o secretário de trade-union, e sim o tribuno popular, que sabe reagir contra toda manifestação de arbitrariedade e de opressão, onde quer que ocorra e qualquer que seja a classe ou camada afetada; que sabe sintetizar todos esses fatos para traçar um quadro de conjunto da brutalidade policial e da exploração capitalista; que sabe aproveitar o menor detalhe para expor diante de todos suas convicções socialistas e suas reivindicações democráticas, para explicar a todos e a cada um a importância histórico mundial da luta emancipadora do proletariado. Comparai, por exemplo, homens como Robert Knight (conhecido secretário e líder da União dos Operários Caldeireiros, um dos mais poderosos sindicatos da Inglaterra) e Wilhelm Liebknecht e apliquemos a eles os contrastes enumerados por Martínov na exposição de suas divergências com Iskra. Vereis que R. Knight — começo a citar o artigo de Martínov — “exortou” muito mais “as massas a realizarem ações concretas determinadas” (pág. 39) e que W. Liebknecht ocupou-se mais em “focalizar de um ponto de vista revolucionário todo o regime atual ou suas manifestações parciais” (pág. 38/39); que R. Knight “formulou as reivindicações imediatas do proletariado e indicou os meios de satisfazê-las” (pág. 41) e que W. Liebknecht, sem deixar de fazer isso, não renunciou a “dirigir ao mesmo tempo a enérgica atividade dos diversos setores oposicionistas”, “ditar-lhes um programa positivo de ação”(50) (pág. 41); que R. Knight tratou exatamente de “imprimir”, na medida do possível, à própria luta econômica um caráter político” (pág. 42) e que soube com perfeição “formular ao governo reivindicações concretas que prometiam certos resultados tangíveis” (pág. 43), enquanto que W. Liebknecht ocupou-se muito mais, “de modo unilateral”, em “denunciar os abusos” (pág. 40); que R. Knight dedicou maior importância à “marcha progressiva da luta cotidiana e cinzenta” (pág. 61), e W. Liebknecht “à propaganda de ideias brilhantes e acabadas” (pág. 61); que W. Liebknecht fez do jornal dirigido por ele, exatamente, “um órgão de oposição revolucionária que denuncia o nosso regime e, sobretudo, nosso regime político, em conflito com os interesses das mais diversas camadas da população” (pág. 63), enquanto R. Knight “trabalhou pela causa operária em estreito contacto orgânico com a luta proletária” (pág. 63) — se se entende por “estreito contacto orgânico” esse culto à espontaneidade que analisamos mais atrás nos exemplos de Kritchevski e de Martínov — e “restringiu a esfera de sua influência”, convencido, portanto, como Martínov, de que “assim essa influência se fazia mais complexa” (pág. 63). Numa palavra, vereis que Martínov rebaixa de fato a social-democracia ao nível do trade-unionismo, ainda que, é claro, de modo algum o faça por não querer o bem da social-democracia, mas simplesmente porque se apressou um pouco em aprofundar Plekhanov, em vez de contrair a doença de compreendê-lo.
Mas, voltemos à nossa exposição. O social-democrata, como dissemos, se é partidário, e não só em palavras, do desenvolvimento integral da consciência política do proletariado, deve “ir a todas as classes da população”. Surgem as seguintes perguntas: Como fazê-lo? Temos força suficiente para isso? Existe uma base para esse trabalho em todas as demais classes? Semelhante trabalho não implicará em abandono ou não levará a que se abandone o ponto de vista de classe? Examinemos estas questões.
Devemos “ir a todas as classes da população” como teóricos, como propagandistas, como agitadores e como organizadores. Ninguém duvida que o trabalho teórico dos social-democratas deve orientar-se para o estudo de todas as particularidades da situação social e política das diversas classes. Mas pouco, muito pouco, se faz nesse sentido, muito pouco se se compara com o trabalho desenvolvido no estudo das particularidades da vida das fábricas. Nos comitês e nos círculos podemos encontrar pessoas que se especializam no estudo de algum ramo da siderurgia, mas raros são os exemplos de membros das organizações que (obrigados por uma ou outra razão, como sucede amiúde, a retirar-se da atividade prática) se ocupem especialmente em reunir materiais sobre alguma questão atual de nossa vida social e política que pudesse dar motivo para um trabalho social-democrata entre os outros setores da população. Quando se fala do pouco preparo da maior parte dos atuais dirigentes do movimento operário, também não se pode deixar de falar do preparo sob este aspecto, pois está igualmente ligado à concepção “economista” do “estreito contacto orgânico com a luta proletária”. Mas o principal, evidentemente, é a “propaganda e a agitação entre todas as camadas da população. Para o social-democrata da Europa ocidental, esse trabalho é facilitado pelas reuniões e assembleias populares, às quais assistem todos que desejam fazê-lo; facilita-o a existência do Parlamento, onde o representante social-democrata fala diante dos deputados de todas as classes. Em nosso país não temos nem Parlamento nem liberdade de reunião, mas sabemos, contudo, organizar reuniões com os operários que querem ouvir um social-democrata. Do mesmo modo, devemos saber organizar reuniões com os representantes de todas as classes da população que desejem ouvir um democrata. Pois não é social-democrata o que na prática se esquece de que “os comunistas apoiam todo movimento revolucionário”; que, portanto, devemos expor e ressaltar diante de todo o povo os objetivos democráticos gerais, sem ocultar nem por um instante nossas convicções socialistas. Não é social-democrata quem se esquece, na prática, de que seu dever consiste em ser o primeiro a apresentar, acentuar e resolver toda questão democrática geral.
“Mas todo mundo está de acordo com isso!” — interromperá o leitor impaciente — e as novas instruções à redação de Rabotcheie Dielo, aprovadas no último congresso da União, dizem com clareza: “Devem servir de motivo para a propaganda e a agitação política todos os fenômenos e acontecimentos da vida social e política que afetem o proletariado, seja diretamente, como classe especial, seja como vanguarda de todas as forças revolucionárias na luta pela liberdade.” (Dois Congressos, pág. 17. Grifado por mim) Estas são, com efeito, palavras muito justas e muito excelentes, e estaríamos inteiramente satisfeitos se Rabotcheie Dielo as compreendesse, se não dissesse, ao mesmo tempo, outras que as contradizem. Não basta intitular-se “vanguarda”, destacamento avançado: é preciso também agir de modo que todos os demais destacamentos vejam e sejam obrigados a reconhecer que marchamos à frente. Será que os representantes dos demais “descamentos” são tão estúpidos que vão acreditar que somos “vanguarda” só porque o dizemos?, perguntamos ao leitor. Imaginemos de maneira concreta o seguinte quadro. O “destacamento” de radicais ou de constitucionalistas liberais russos ilustrados vê chegar um social-democrata que lhes declara: Somos a vanguarda: “agora nossa tarefa consiste em imprimir, na medida do possível, um caráter político à própria luta econômica”. Qualquer radical ou constitucionalista, por pouco inteligente que seja (e entre os radicais e constitucionalistas russos há muitos homens inteligentes), não poderá deixar de receber com um sorriso semelhantes palavras e dizer (com seus botões, é claro, já que na maioria dos casos é um diplomata experiente): “Eis uma “vanguarda” bem simples! Nem sequer compreende que a nós, representantes avançados da democracia burguesa, que corresponde a tarefa de imprimir à própria luta econômica dos operários um caráter político. Somos nós que queremos, como todos os burgueses do ocidente da Europa, incorporar os operários à política, mas só à política trade-unionista e não à política social-democrata. A política trade-unionista da classe operária é exatamente a política burguesa da classe operária. E a formulação que essa “vanguarda” faz de sua tarefa nada mais é do que a formulação da política trade-unionista! Assim, portanto, denominem-se de social-democratas tanto quanto quiserem. Não sou criança, não vou aborrecer-me por causa de um rótulo! Mas que não se deixem levar por esses nefastos dogmáticos ortodoxos, que deixem a “liberdade de crítica” aos que arrastam inconscientemente a social-democracia para o caminho trade-unionista!”
E o leve sorriso de nosso constitucionalista se transformará em gargalhada homérica, quando souber que os social-democratas que falam da vanguarda da social-democracia, no momento atual — quando o elemento espontâneo prevalece quase absolutamente em nosso movimento — temem acima de tudo “subestimar o elemento espontâneo”, temem “subestimar a importância da marcha progressiva da luta cotidiana e cinzenta graças à propaganda de ideias brilhantes e acabadas”, etc, etc! Uma “vanguarda” que receia que o consciente prevaleça sobre o espontâneo, que receia lutar por um “plano” audaz que tenha de ser aceito até pelos que pensam de outro modo! Será que confundem o termo vanguarda com o termo retaguarda?
Meditai, com efeito, sobre o seguinte raciocínio de Martínov. Na página 40, declara que a tática de denúncias de Iskra é unilateral; que, “por mais que semeemos a desconfiança e o ódio contra o governo, não atingiremos nosso objetivo enquanto não conseguirmos desenvolver uma energia social suficientemente ativa para derrubá-lo”. Eis, digamos entre parênteses, a preocupação, que já conhecemos, de intensificar a atividade das massas, tendendo, por sua vez, a restringir a sua própria. Mas agora não se trata disso. Como vemos, Martínov fala aqui de energia revolucionária (“para a derrubada do governo”). Mas, a que conclusão chega? Como, em tempos comuns, as diversas camadas sociais atuam inevitavelmente de forma dispersa, “é claro, portanto, que os social-democratas não podemos simultaneamente dirigir a atividade enérgica dos diversos setores de oposição, não podemos ditar-lhes um programa positivo de ação, não podemos indicar-lhes os processos com que é necessário lutar dia a dia para defender seus interesses... Os setores liberais se preocuparão eles mesmos com essa luta ativa por seus interesses imediatos, luta que os fará enfrentar nosso regime político.” (pág. 41) Desse modo, depois de haver começado a falar de energia revolucionária, de luta ativa pela derrubada da autocracia, Martínov desvia-se imediatamente para a energia sindical, para a luta ativa pelos interesses imediatos! Daí se conclui que não podemos dirigir a luta dos estudantes, dos liberais, etc, por seus “interesses imediatos”, mas não era disso que se tratava, respeitável economista! Tratava-se era da participação possível e necessária das diferentes camadas sociais na derrubada da autocracia, e essa “atividade enérgica dos diversos setores da oposição” não só podemos, como devemos dirigi-la sem falta, se queremos ser a “vanguarda”. Quanto a nossos estudantes, nossos liberais, etc “enfrentarem nosso regime político”, não só se preocuparão eles mesmos com isso, como, principalmente e sobretudo, se preocuparão a própria polícia e os próprios funcionários do governo autocrático. Mas “nós”, se queremos ser democratas avançados, devemos preocupar-nos em sugerir aos que só estão descontentes com o regime universitário ou com o zemstvo, etc, a ideia de que é todo o regime político que é ruim Nós devemos assumir a tarefa de organizar a luta política, sob a direção de nosso Partido, de forma tão multíplice, que todos os setores da oposição possam prestar e prestem efetivamente a esta luta, assim como a nosso Partido, a ajuda de que sejam capazes. Nós devemos fazer dos militantes práticos social-democratas chefes políticos que saibam dirigir todas as manifestações dessa luta multíplice, que saibam, no momento necessário, “ditar um programa positivo de ação” aos estudantes em agitação, aos descontentes dos zemstvos, aos membros indignados das seitas, aos professores lesados em seus interesses, etc, etc. Por isso, é completamente falsa a afirmação de Martínov de que
“não podemos desempenhar em relação a eles senão o papel negativo de denunciantes do regime... Podemos apenas dissipar suas esperanças nas diferentes comissões governamentais.” (o grifo é meu)
Ao dizer isso, Martínov demonstra que não compreende absolutamente nada do verdadeiro papel de uma “vanguarda” revolucionária. E se o leitor levar isso em conta, compreenderá o verdadeiro sentido das seguintes conclusões de Martínov: “Iskra é um órgão de oposição revolucionária que denuncia nosso regime, e sobretudo nosso regime político, que está em conflito com os interesses dos mais diversos setores da população. No que concerne a nós, trabalhamos e trabalharemos pela causa operária em estreito contacto orgânico com a luta proletária. Restringindo a nossa esfera de influência, a tornaremos mais completa.” (pág. 63) O verdadeiro sentido de tal conclusão é: Iskra quer elevar a política trade-unionista da classe operária (política à qual, por equívoco, por falta do preparo ou por convicção, se limitam com tanta frequência entre nós os militantes práticos) ao nível da política social-democrata; por outro lado, Rabotcheie Dielo quer rebaixar a política social-democrata ao nível da política trade-unionista. E, como se isso fosse pouco, assegura a todo mundo que “estas duas posições são perfeitamente compatíveis na obra comum.” (pág. 63) Oh, sancta simplicitasl
Prossigamos. Temos forças suficientes para levar nossa propaganda e nossa agitação a todas as classes da população? É claro que sim. Nossos economistas, que amiúde se inclinam a negá-lo, esquecem os gigantescos progressos realizados por nosso movimento de 1894 (mais ou menos) a 1901. “Seguidistas” autênticos, frequentemente têm ideias próprias ao período inicial do movimento, há muito fenecido. Então, nossas forças eram realmente mínimas, então era natural e legítima a decisão de nos consagrarmos inteiramente ao trabalho entre os operários e de condenar severamente todo desvio dessa linha, então a tarefa baseava-se em nos consolidarmos no seio da classe operária. Agora foi incorporada ao movimento uma massa gigantesca de forças; vêm para nós os melhores representantes da nova geração das classes instruídas; por toda parte, nas províncias, veem-se obrigadas à inação pessoas que já tomaram ou desejam tomar parte no movimento e que tendem para a social-democracia (enquanto que, em 1894, os social-democratas russos podiam ser contados nos dedos). Um dos defeitos fundamentais de nosso movimento, tanto do ponto de vista político como do de organização, consiste em que não sabemos empregar todas essas forças, designar-lhes o trabalho adequado (falaremos mais detalhadamente sobre esta questão no capítulo seguinte). A imensa maioria dessas forças está completamente privada da possibilidade de “ir aos operários”; por conseguinte, não se pode nem falar do perigo de desviar forças de nosso trabalho fundamental. E para ministrar aos operários conhecimentos políticos verdadeiros, vivos, que abranjam todos os aspectos, é necessário que tenhamos “homens nossos”, social-democratas, em toda parte, em todas as camadas sociais, em todas as posições que permitem conhecer as molas internas de nosso mecanismo estatal. E esses homens nos fazem falta não só para a propaganda e para a agitação, como, mais ainda, para a organização.
Há terreno para a atividade em todas as classes da população? Os que não o vêm provam mais uma vez que sua consciência está atrasada em relação ao movimento ascensional espontâneo das massas. Entre uns, o movimento operário suscitou e suscita o descontentamento; entre outros, desperta a esperança no apoio da oposição; a outros dá consciência da falta de razão do regime autocrático, da inevitabilidade de seu naufrágio. Mas seriamos “políticos” e social-democratas apenas em palavras (como acontece muito frequentemente, com efeito), se não tivéssemos consciência do nosso dever de utilizar todas as manifestações do descontentamento e de reunir e elaborar todos os elementos de protesto, por embrionários que sejam. Deixemos de lado o fato de que a massa de milhões de camponeses trabalhadores, de artesãos, de pequenos produtores, etc, ouvirá sempre com avidez a propaganda de um social-democrata, por pouco inteligente que seja. Mas, haverá ao menos uma classe da população em que não haja indivíduos, grupos e círculos descontentes com a falta de direitos e a arbitrariedade, e, por conseguinte, permeáveis à propaganda do social-democrata, como porta-voz que é das aspirações democráticas gerais mais urgentes? Aos que queiram formar uma ideia concreta dessa agitação política do social-democrata em todas as classes e camadas da população, indicaremos a denúncia dos abusos 'políticos, no sentido amplo da palavra, como o principal (mas não o único, é claro) meio dessa agitação.
“Devemos — escrevia eu no artigo Por Onde Começar? (Iskra, n.° 4, maio de 1901), do qual teremos de falar em detalhe mais adiante — despertar em todas as camadas do povo que tenham um mínimo de consciência, a paixão pelas denúncias políticas. Não deve assustar-nos o fato de serem agora tão débeis, raras e tímidas as vozes que denunciam politicamente. A razão disso não é, absolutamente, uma resignação geral à arbitrariedade policial. A razão é que as pessoas capazes de denunciar e dispostas a fazê-lo não têm uma tribuna de onde falar, não têm um auditório que ouça ávidamente e incentive os oradores, não veem em parte alguma no povo uma força que valha a pena dirigir-lhe uma queixa contra o “todo-poderoso” governo russo... Agora, podemos e devemos criar uma tribuna para denunciar diante de todo o povo o governo tzarista: essa tribuna tem que ser um jornal social-democrata”(51).
O auditório ideal para as denúncias políticas é precisamente a classe operária, que tem necessidade, antes e acima de tudo, de amplos e vivos conhecimentos políticos, que é a mais capaz de transformar esses conhecimentos em luta ativa, mesmo quando não prometa nenhum “resultado tangível”. Quanto à tribuna para essas denúncias diante de todo o povo, só pode ser um jornal destinado a toda a Rússia. “Sem um órgão político, seria inconcebível na Europa contemporânea um movimento que mereça o nome de movimento político”, e, nesse sentido, por “Europa contemporânea” é preciso entender também, sem nenhum dúvida, a Rússia. A imprensa converteu-se em nosso país, há muito tempo, numa força; do contrário, o governo não inverteria dezenas de milhares de rublos para suborná-la e para subvencionar toda classe de Katkov e Mestcherski. E não é novidade que na Rússia autocrática a imprensa ilegal rompa os grilhões da censura e obrigue a falar dela abertamente os órgãos legais e conservadores. Assim ocorreu nos anos de 70 e inclusive nos meados do século. E quanto mais extensos e profundos são agora os setores populares dispostos a ler a imprensa ilegal e, para empregar a expressão do operário autor da carta publicada no n.° 7 de Iskra(52), a aprender nela “a viver e a morrer”! As denúncias políticas são uma declaração de guerra ao governo, como as denúncias de tipo econômico são uma declaração de guerra ao industrial. E essa declaração de guerra tem uma significação moral tanto maior quanto mais ampla e vigorosa é a campanha de denúncias, quanto mais numerosa e decidida é a classe social que declara a guerra para iniciá-la. As denúncias políticas são, portanto, já por si, um dos meios mais poderosos para desagregar o regime adverso, separar do inimigo seus aliados fortuitos ou temporais e semear a hostilidade e a desconfiança entre os que participam continuamente do poder autocrático.
Só o partido que organize campanhas de denúncias de que participe realmente todo o povo poderá converter-se atualmente em vanguarda das forças revolucionárias. As palavras “todo o povo” encerram grande conteúdo. A imensa maioria dos denunciantes que não pertencem à classe operária (e para ser vanguarda é necessário precisamente atrair outras classes) são políticos realistas e pessoas sensatas e práticas. Sabem muito bem que se é perigoso “queixar-se” de um modesto funcionário, é muito mais perigoso fazê-lo em relação ao “todo-poderoso” governo russo. Por isso, não virão a nós com queixas senão quando virem que elas podem surtir efeito que representamos uma força política. Para chegar a ser uma força política aos olhos do público, é preciso trabalhar muito e denodadamente para elevar nosso grau de consciência, nossa iniciativa e nossa energia; não basta colocar o rótulo de “vanguarda” sobre uma teoria e uma prática de retaguarda.
Mas — perguntar-nos-ão e já nos perguntam os partidários acirrados do “estreito contacto orgânico com a luta proletária” — se devemos encarregar-nos da organização de denúncias dos abusos cometidos pelo governo nas quais participe todo o povo, em que se manifestará então o caráter de classe de nosso movimento? Pois exatamente em sermos nós, os social-democratas, que organizamos essas campanhas de denúncias em que intervenha todo o povo; em que todas as questões apresentadas em nossa agitação serão esclarecidas de um ponto de vista invariavelmente social-democrata, sem nenhuma indulgência para as deformações, intencionais ou não, do marxismo; em que esta agitação política multi- forme será realizada por um partido que reúna num todo indivisível a ofensiva em nome do povo inteiro contra o governo com a educação revolucionária do proletariado, salvaguardando ao mesmo tempo sua independência política, e com a direção da luta econômica da classe operária e a utilização de seus conflitos espontâneos com seus exploradores, conflitos que levantam e atraem incessantemente para o nosso campo novas camadas do proletariado!
Mas um dos traços mais característicos do economismo é precisamente não compreender essa relação; ainda mais: não compreender o fato de que a necessidade mais urgente do proletariado (educação política em todos os aspectos, por meio da agitação política e das denúncias políticas), coincide com idêntica necessidade do movimento democrático geral. Essa incompreensão se manifesta não só nas palavras de Martínov, como também em diferentes passagens da mesma significação em que os economistas se referem a um pretenso ponto de vista de classe. Eis, por exemplo, como se expressam os autores da carta “economista”, publicada no n.° 12 de Iskra(53):
“Esse mesmo defeito fundamental de Iskra (a superestimação da ideologia) é a causa de sua inconsequência nas questões relativas à atitude da social-democracia diante das diversas classes e tendências sociais. Resolvendo por meio de construções teóricas... (e não se baseando “no crescimento das tarefas do Partido, que crescem junto com este...”) a tarefa de passar imediatamente à luta contra o absolutismo e percebendo, provavelmente, toda a dificuldade dessa tarefa para os operários dado o atual estado de coisas... (e não só percebendo, como sabendo muito bem que essa tarefa parece menos difícil para os operários que para os intelectuais “economistas” que tratam aqueles como crianças, pois os operários estão dispostos a bater-se inclusive por reivindicações que não prometam, para usar as palavras do inesquecível Martínov, nenhum “resultado tangível”)..., mas não tendo paciência de esperar que se tenham acumulado forças para essa luta, Iskra começa a procurar aliados entre os liberais e os intelectuais”...
Sim, sim, esgotou-se-nos, com efeito, toda a “paciência” para “esperar” os dias felizes que há muito nos prometem os “conciliadores” de toda espécie e nos quais nossos economistas deixarão de lançar aos operários a culpa de seu próprio atraso, de justificar sua insuficiente energia por uma pretensa insuficiência de força dos operários. Em que, perguntamos a nossos economistas, deve consistir a “acumulação de forças pelos operários para essa luta”? Não é evidente que consiste na educação política dos operários, em pôr a nu diante deles todos os aspectos de nosso infame regime autocrático? E não é claro que justamente para esse trabalho precisamos ter “aliados entre os liberais e os intelectuais”, prontos a trazer-nos suas denúncias sobre a campanha política contra os membros dos zemstvos, os professores, os funcionários de estatística, os estudantes, etc? Será, realmente, tão difícil de compreender esse assombrosamente “sábio mecanismo”? Já não lhes repete P. Axelrod desde 1897 que “o problema de os social-democratas russos conquistarem partidários e aliados diretos ou indiretos entre as classes não proletárias resolve-se sobretudo e principalmente pelo caráter da propaganda feita no seio do próprio proletariado”? Mas os Martínov e demais economistas continuam, não obstante, acreditando que os operários devem primeiro, por meio “da luta econômica contra os patrões e o governo”, acumular forças (para a luta trade-unionista) e só depois, segundo parece, “passar” da “educação” trade-unionista da “atividade” para a atividade social-democrata!
“... Em suas indagações — prosseguem os economistas — Iskra desvia-se frequentemente do ponto de vista de classe, escamoteando os antagonismos de classe e colocando em primeiro plano a comunidade do descontentamento contra o governo, apesar de as causas e o grau desse descontentamento serem muito diferentes entre os “aliados”. Tal é, por exemplo, a atitude de Iskra em relação aos zemstvos...”
Iskra [segundo dizem os economistas]
“promete aos nobres, descontentes com as esmolas governamentais, a ajuda da classe operária, e ao fazê-lo não diz uma palavra sobre o antagonismo de classe que separa estes dois setores da população”.
Se o leitor se reportar aos artigos A Autocracia e os Zemstvos (números 2 e 4 de Iskra)(54), a que, pelo visto, aludem os autores da carta, verá que são dedicados à atitude do governo ante a “branda agitação do zemstvo burocrático censitário” e inclusive ante a atividade independente das classes possuidoras”. O artigo diz que o operário não pode contemplar com indiferença a luta do governo contra o zemstvo; convida os membros dos zemstvos a deixar de lado seus discursos brandos e a pronunciar-se com palavras firmes e categóricas quando a social-democracia revolucionária erguer-se com toda sua força frente ao governo. Que há nisso de inaceitável para os autores da carta? Ninguém sabe. Pensam que o operário “não compreenderá” as palavras “classes possuidoras” e “zemstvo burocrático censitário”? Creem que o fato de impelir os membros dos zemstvos a passarem dos discursos brandos às palavras categóricas é uma “superestimação da ideologia”? Imaginam que os operários podem “acumular forças” para a luta contra o absolutismo se não sabem como este trata também os zemstvos? Tampouco ninguém sabe. A única coisa clara é que os autores têm uma ideia muito vaga sobre as tarefas políticas da social-democracia. Que isso é verdade nos diz com maior clareza ainda esta frase: “Idêntica é a atitude da Iskra diante do movimento estudantil” (isto é, que também “escamoteia os antagonismos de classe”). Em vez de exortar os operários a afirmarem, por meio de uma manifestação pública, que a verdadeira origem da violência, da arbitrariedade e da depravação não está na juventude universitária, e sim no governo russo (Iskra, n.° 2)(55), deveríamos ter publicado, pelo que se vê, raciocínios concebidos no espírito de Rabotchaia Misll E semelhantes ideias são veiculadas por social-democratas, no outono de 1901, depois dos acontecimentos de fevereiro e de março, nas vésperas de um novo ascenso do movimento estudantil, ascenso que revela que, inclusive nesse terreno, a “espontaneidade” do protesto contra a autocracia supera a direção consciente do movimento pela social-democracia. A aspiração espontânea dos operários a intervir em defesa dos estudantes espancados pela polícia e os cossacos supera a atividade consciente da organização social-democrata!
“Todavia, em outros artigos — prosseguem os autores da carta — Iskra condena violentamente todo compromisso e defende, por exemplo, a posição de intolerância dos guesdistas”.
Aos que costumam afirmar com tanta presunção e leviandade que as divergências atuais entre os social-democratas não são essenciais e não justificam uma cisão, aconselhamos que meditem bem estas palavras. Os que afirmam que ainda não fizemos quase nada para demonstrar a hostilidade da autocracia em relação às mais diversas classes e para fazer os operários conhecerem a oposição dos mais diversos setores da população contra a autocracia, podem militar eficazmente numa mesma organização com os que veem nessa atividade um “compromisso”, evidentemente um compromisso com a teoria da “luta econômica contra os patrões e o governo”?
Por ocasião do 40.° aniversário da libertação dos camponeses, falamos da necessidade de levar a luta de classes ao campo (n.° 3(56)); a propósito dos apontamentos secretos de Witte, descrevemos (n.° 4) a incompatibilidade que existe entre os órgãos da administração autônoma local e a autocracia; em relação à nova lei (n.° 8(57)), atacamos o feudalismo dos latifundiários e do governo que os serve, e saudamos o congresso ilegal dos zemstvos (n.° 8(58)), animando os zemsti a passarem das petições humilhantes à luta; incentivamos (n.° 3, por motivo do apelo de 25 de fevereiro do Comitê Executivo dos estudantes de Moscou) os estudantes que, começando a compreender a necessidade da luta política, empreenderam-na, e, ao mesmo tempo, fustigamos a “bárbara incompreensão” dos partidários do movimento “puramente universitário” que exortam os estudantes a não participarem das manifestações de rua; pusemos a descoberto (Reide Policial Contra a Literatura, n.° 5) os “sonhos absurdos”, a “mentira e a hipocrisia” dos matreiros liberais do jornal Rossia, e, ao mesmo tempo, estigmatizamos a raivosa repressão governamental que “se exerce contra pacíficos literatos, contra velhos professores e cientistas, contra conhecidos liberais dos zemstvos”, revelamos (n.° 6(59)) o verdadeiro sentido do programa “de tutela do Estado para a melhoria de vida dos operários” e celebramos a “confissão preciosa” de que “mais vale prevenir com reformas de cima para baixo as exigências de reformas de baixo para cima que esperar esta última eventualidade”; animamos (n.° 7) os funcionários de estatística em seu protesto e condenamos os funcionários arredios (n.° 9). Quem vê nessa tática um obscurecimento da consciência de classe do proletariado e um compromisso com o liberalismo revela que não entende absolutamente o verdadeiro sentido do programa do “Credo” e, de fato, aplica precisamente este programa, por muito que o repudie! Porque, por isso mesmo, arrasta a social-democracia à “luta econômica contra os patrões e o governo” e retrocede ante o liberalismo, renunciando à tarefa de intervir ativamente em cada problema de caráter “liberal” e a determinar frente a cada um desses problemas sua própria atitude, sua atitude social-democrata.
Como o leitor deve estar lembrado, estas amáveis palavras são de Rabotcheie Dielo, que deste modo contesta a nossa acusação de “haver preparado indiretamente o terreno para fazer do movimento operário um instrumento da democracia burguesa”. Em sua simplicidade, Rabotcheie Dielo decidiu que esta acusação nada é senão um recurso polêmico. Como se dissesse: esses empedernidos dogmáticos resolveram dizer-nos toda espécie de coisas desagradáveis, porque que pode ser mais desagradável do que ser instrumento da democracia burguesa? E publica-se em negrito um “desmentido”: “uma calúnia sem paliativos” (Dois Congressos, pág. 30), “uma mistificação” (pág. 31), “um embuste” (pág. 33). Como Júpiter, Rabotcheie Dielo (ainda que se pareça muito pouco com Júpiter) aborrece-se precisamente porque não tem razão e demonstra, injuriando de antemão, que é incapaz de seguir o fio das ideias de seus adversários. E, contudo, não é preciso refletir muito para compreender por que todo culto da espontaneidade do movimento de massas, todo rebaixamento da política social-democrata ao nível da política trade-unionista equivale a preparar o terreno para transformar o movimento operário em instrumento da democracia burguesa. O movimento operário espontâneo não pode criar por si só senão o trade-unionismo (e inevitavelmente o cria), e a política trade-unionista da ciasse operária nada mais é que a política burguesa da classe operária. A participação da classe operária na luta política, e inclusive na revolução política, não faz, de modo algum, de sua política uma política social-democrata. Ocorrerá a Rabotcheie Dielo negar isto? Ocorrer-lhe-á, por fim, expor diante de todo mundo, sem circunlóquios nem rodeios, o conceito que faz dos problemas candentes da social-democracia internacional e russa? Não, nunca lhe ocorrerá nada semelhante, porque se mantém firmemente aferrado ao recurso de “fazer-se de morto”: Eu não sou eu, nem sei nem quero saber nada do assunto. Nós não somos economistas, Rabotchaia Misl não é o economismo; de modo geral, na Rússia não há economismo. É um recurso muito hábil e “político”, que só tem o pequeno inconveniente de que aos órgãos que o põem em prática costuma-se apelidar de “às suas ordens”.
Rabotcheie Dielo acredita que, em geral, a democracia burguesa na Rússia é uma “quimera”. (Dois Congressos, pág. 32)(60) Que gente mais feliz! Como o avestruz, escondem a cabeça embaixo da asa e imaginam que com isso fizeram desaparecer tudo que os rodeia. Uma série de publicistas liberais que, todo mês, anunciam triunfalmente que o marxismo está em decomposição e inclusive que desapareceu; uma série de jornais liberais (Sanpetersburgskie Viedomosti, Russkie Viedomosti e muitos outros), em cujas colunas estimulam-se os liberais que levam aos operários uma concepção brentaniana da luta de classes e uma concepção trade-unionista da política; a plêiade de críticos do marxismo, cujas verdadeiras tendências o “Credo” tão bem pôs a nu e cuja mercadoria literária é a única que circula na Rússia sem impostos nem tributos; a reanimação das tendências revolucionárias não social-democratas, sobretudo depois dos sucessos de fevereiro e março; tudo isto, pelo visto, é uma quimera! Tudo isto não tem absolutamente nada a ver com a democracia burguesa!
Rabotcheie Dielo, assim como os autores da carta economista do número 12 de Iskra, deve ter “pensado na razão por que os sucessos da primavera teriam produzido uma reanimação tão considerável das tendências revolucionárias não social-democratas, em vez de fortalecer a autoridade e o prestígio da social-democracia”. A razão consiste em que não estivemos à altura da nossa missão, em que a atividade das massas operárias estava acima da nossa, em que não tivemos dirigentes e organizadores revolucionários suficientemente preparados, que conhecessem com perfeição o estado de ânimo de todos os setores oposicionistas e soubessem colocar-se à testa do movimento, converter uma manifestação espontânea numa manifestação política, imprimir-lhe um caráter político mais amplo, etc. Nessas condições, continuarão inevitavelmente aproveitando-se do nosso atraso os revolucionários não social-democratas mais dinâmicos e mais enérgicos, e os operários, por maiores que sejam a abnegação e a energia com que lutam contra a polícia e as tropas, por mais revolucionária que seja sua atuação, nada mais poderão ser que uma força que apoie esses revolucionários, serão retaguarda da democracia burguesa, e não vanguarda social-democrata. Tomemos o caso da social-democracia alemã, da qual nossos economistas querem imitar apenas os lados débeis. Por que não se produz na Alemanha nem um só sucesso político sem que contribua para elevar mais e mais a autoridade e o prestígio da social-democracia? Porque a social-democracia é sempre a primeira na apreciação mais revolucionária de cada sucesso, na defesa de todo protesto contra a arbitrariedade. Não alimenta a ilusão de que a luta econômica levará os operários a pensarem em sua privação de todo direito, de que as condições concretas levam fatalmente o movimento operário ao caminho revolucionário. Intervém em todos os aspectos e em todos os problemas da vida social e política: intervém quando Guilherme nega-se a ratificar a nomeação de um alcaide progressista burguês (nossos economistas ainda não tiveram tempo de explicar aos alemães que isso é, no fundo, um compromisso com o liberalismo!); intervém quando se dita uma lei contra as obras e espetáculos “imorais”, quando o governo pressiona para que sejam eleitos determinados professores, etc, etc. A social-democracia está sempre na primeira linha, estimulando o descontentamento político em todas as classes, despertando os adormecidos, acicatando os retardatários, proporcionando abundantes materiais para o desenvolvimento da consciência política e da atividade política do proletariado. Como consequência de tudo isso, até os inimigos conscientes do socialismo se enchem de respeito em relação ao lutador político de vanguarda, e não é raro que um documento importante, não só das esferas burguesas como também das esferas burocráticas e palacianas, vá parar, por uma espécie de milagre, na redação do Vorwärts.
Aí está a chave da aparente “contradição” que sobrepuja a capacidade de compreensão de Rabotcheie Dielo a tal ponto que este se limita a erguer as mãos ao céu, clamando: “Embuste!” Com efeito, imaginai: nós, Robatcheie Dielo, consideramos como pedra angular o movimento operário de massas (e imprimimos isto em negrito!), prevenimos todos e cada um contra o perigo de subestimar a importância do elemento espontâneo, queremos imprimir à própria, à própria, à própria luta econômica um caráter político, queremos manter um contacto estreito e orgânico com a luta proletária! E dizem que preparamos o terreno para transformar o movimento operário em instrumento da democracia burguesa. E quem nos diz isso? Gente que chega a um “compromisso” com o liberalismo imiscuindo-se em todos os problemas “liberais” (que incompreensão do “contacto orgânico com a luta proletária”!), dedicando tanta atenção aos estudantes e inclusive (que horror!) aos membros dos zemstvos! Gente que, de modo geral, quer consagrar a maior parte de suas forças (em comparação com os economistas) à atuação entre as classes não proletárias da população! Isto não é um “embuste”?
Pobre Robotcheie Dielo! Chegará algum dia a desvendar o segredo desse complicado mistério?
Se no conceito de “luta econômica contra os patrões e o governo” se engloba, para um social-democrata, o de luta política, é natural esperar que o conceito de “organização de revolucionários” fique mais ou menos englobado no de “organização de operários”. É o que realmente sucede, de sorte que, quando falamos de organização, falamos literalmente em línguas diferentes. Lembro-me, por exemplo, como se tivesse sido agora mesmo, de uma conversa que tive um dia com um economista bastante consequente, a quem conheci naquele momento. A conversa girava em torno do folheto Quem Fará a Revolução Política? Logo concordamos em que o defeito principal desse folheto consistia em não levar em conta a questão da organização. Imaginávamos estar já de acordo, mas..., com a continuação da conversa, vimos que falávamos de coisas diferentes. Meu interlocutor acusava o autor de não levar em conta as caixas de resistência para casos de greve, as sociedades de socorro mútuo, etc: eu, em compensação, pensava na organização de revolucionários indispensável para “fazer” a revolução política. E, quando essa divergência se manifestou, não me lembro de ter concordado mais com esse economista sobre nenhuma questão de princípio!
Mas, em que consistia o motivo de nossas divergências? Exatamente em que os economistas se desviam constantemente do social-democratismo para o trade-unionismo, tanto nas tarefas de organização como nas tarefas políticas. A luta política da social-democracia é muito mais ampla e complexa que a luta econômica dos operários contra os patrões e o governo. Do mesmo modo (e em consequência disso), a organização de um partido social-democrata revolucionário deve ter inevitavelmente um caráter diferente da organização dos operários para a luta econômica. A organização dos operários deve ser, em primeiro lugar, sindical; em segundo lugar deve ser a mais extensa possível; em terceiro lugar deve ser o menos clandestina possível (aqui e no que se segue, refiro-me apenas, é claro, à Rússia autocrática). Pelo contrário, a organização dos revolucionários deve englobar antes e acima de tudo pessoas cuja profissão seja a atividade revolucionária (por isso, falo de uma organização de revolucionários, levando em conta os revolucionários social-democratas). Diante dessa característica geral dos membros de uma organização desse tipo deve desaparecer completamente toda distinção entre operários e intelectuais, isso para não falar da distinção entre as diversas profissões de uns e de outros. Essa organização, necessariamente, não deve ser muito extensa e é preciso que seja a mais clandestina possível. Detenhamo-nos nesses três pontos distintivos.
Nos países que gozam de liberdades políticas, a diferença entre a organização sindical e a organização política é inteiramente nítida, como nítida é também a diferença entre as trade-unions e a social-democracia. As relações desta com as trade-unions variam inevitavelmente de país para país, de acordo com as condições históricas, jurídicas, etc, podendo ser mais ou menos estreitas, complexas, etc (do nosso ponto de vista, devem ser o mais estreitas e o menos complexas possíveis), mas não se pode, absolutamente, falar em identificar nos países livres a organização dos sindicatos com a organização do Partido Social-Democrata. Na Rússia, em compensação, o jugo da autocracia apaga, à primeira vista, toda distinção entre a organização social-democrata e o sindicato operário, pois todo sindicato operário e todo círculo estão proibidos, e a greve, principal manifestação e arma da luta econômica dos operários, é considerada em geral crime de direito comum (e, às vezes, inclusive delito político!). Desse modo, as condições da Rússia, de um lado, “incitam” fortemente os operários que lutam no terreno econômico a pensarem nas questões políticas, e, de outro, “incitam” os social-democratas a confundirem o trade-unionismo com o social-democratismo (nossos Kritchevski, Martínov e congêneres, que não deixam de falar na primeira espécie de “incitação”, não percebem a segunda espécie da “incitação”). Com efeito, imaginemos pessoas 99 por cento absorvidas pela “luta econômica contra os patrões e o governo”. Uns, durante todo o período de sua atuação (de 4 a 6 meses), não pensarão jamais na necessidade de uma organização mais complexa de revolucionários. Outros, talvez, “tropeçarão” na literatura bernsteiniana, relativamente bastante difundida, e se convencerão de que o que importa na realidade é a “marcha progressiva da luta cotidiana e cinzenta”. Outros, enfim, possivelmente se deixarão seduzir pela tentadora ideia de dar ao mundo um novo exemplo de “estreito contacto orgânico com a luta proletária”, de contacto do movimento sindical com o movimento social-democrata. Quanto mais tarde chega um país ao capitalismo e, por conseguinte, ao movimento operário, dirão essas pessoas, tanto mais podem os socialistas participar no movimento sindical e apoiá-lo, e tanto menos pode e deve haver sindicatos não social-democratas. Até aí o raciocínio é perfeitamente justo, mas a desgraça consiste em que vão mais longe e sonham com uma fusão completa entre o social-democratismo e o trade-unionismo. Em seguida vamos ver, pelo exemplo do Estatuto da União de Luta de São Petersburgo, a influência prejudicial desses sonhos sobre os nossos planos de organização.
As organizações operárias para a luta econômica devem ser organizações sindicais. Todo operário social-democrata deve, dentro do possível, apoiar essas organizações e trabalhar ativamente em seu seio. De acordo. Mas é absolutamente contrário a nossos interesses exigir que só os social-democratas possam ser membros das uniões “gremiais”, de vez que isto reduziria o alcance de nossa influência sobre a massa. Que participe da união gremial todo operário que compreenda a necessidade da união para a luta contra os patrões e contra o governo. A própria finalidade das uniões gremiais seria inexequível se elas não agrupassem todos os operários capazes de compreender pelo menos essa noção elementar, se essas uniões gremiais não fossem organizações muito amplas. E quanto mais amplas forem essas organizações, tanto mais ampla será nossa influência nelas, influência exercida não só pelo desenvolvimento “espontâneo” da luta econômica, como pela ação direta e consciente dos membros socialistas dos sindicatos sobre seus companheiros. Mas, numa organização ampla, a clandestinidade rigorosa é impossível (pois exige muito maior preparo que o necessário para a participação na luta econômica). Como conciliar esta contradição entre a necessidade de contar com efetivos numerosos e o regime clandestino rigoroso? Como conseguir que as organizações gremiais sejam o menos clandestinas possível? De modo geral, não pode haver mais que dois caminhos: ou a legalização das associações gremiais (que em alguns países precedeu a legalização das associações socialistas e políticas), ou a manutenção da organização secreta, mas tão “livre”, tão pouco regulamentada, tão íose, como dizem os alemães, que para a massa dos filiados o regime clandestino fique reduzido a quase nada.
A legalização dos sindicatos operários não socialistas e apolíticos já começou na Rússia, e não cabe a menor duvida de que cada passo de nosso movimento operário social-democrata, que cresce em rápida progressão, estimulará e multiplicará as tentativas de legalização, realizadas sobretudo pelos partidários do regime vigente, mas também, em parte, pelos próprios operários e intelectuais liberais. Os Vassiliev e os Zubátov já içaram a bandeira da legalização; os senhores Ozerov e Worms já prometeram e facilitaram seu concurso, e a nova corrente já encontrou adeptos entre os operários. E nós não podemos deixar de levar em conta essa corrente. Sobre a forma em que é preciso levá-la em conta, dificilmente pode haver entre os social-democratas mais de uma opinião. Nosso dever consiste em desmascarar continuamente toda participação dos Zubátov e dos Vassiliev, dos gendarmes e dos popes(61) nessa corrente, revelando aos operários as verdadeiras intenções desses elementos. Nosso dever consiste em desmascarar também toda nota conciliadora, de harmonia”, que deslize nos discursos dos liberais nas reuniões operárias públicas, quer se devam essas notas a que essas pessoas alimentem a convicção sincera de que é desejável uma colaboração pacífica das classes, quer a que desejem congraçar-se com as autoridades, quer simplesmente que o façam por inabilidade. Temos, enfim, o dever de pôr os operários em guarda contra as armadilhas da polícia, que nessas reuniões públicas e nas sociedades autorizadas observa as “cabeças loucas” e trata de aproveitar-se das organizações legais para infiltrar provocadores também nas ilegais.
Mas, fazer tudo isso não significa absolutamente esquecer que a legalização do movimento operário beneficiará, afinal de contas, a nós, e não, de modo algum, aos Zubátov. Pelo contrário, precisamente com nossa campanha de denúncias separamos o joio do trigo. Já assinalamos qual é o joio. O trigo está em interessar nas questões sociais e políticas setores operários ainda mais amplos, os setores mais atrasados; em nos libertarmos, nós os revolucionários, das funções que são, no fundo, legais (difusão de obras legais, socorros mútuos, etc) e cujo desenvolvimento nos dará, infalivelmente, cada vez mais materiais para a agitação. Nesse sentido, podemos e devemos dizer aos Zubátov e aos Ozerov: Trabalhai vós, senhores, trabalhai! Quando os senhores armarem ciladas aos operários (por meio da provocação direta ou a corrupção “honrada” dos operários com a ajuda do “struvismo”), nós nos encarregaremos de desmascará-los. Quando derem um passo efetivo para a frente — ainda que seja em forma do mais “tímido ziguezague”, mas um passo para a frente — diremos: “Prossigam, prossigam!” Um passo efetivo para a frente não pode ser senão uma ampliação efetiva, ainda que minúscula, do campo de ação dos operários. E toda ampliação dessa espécie há de nos beneficiar e precipitará o aparecimento de associações legais onde não sejam os provocadores que pesquem socialistas, mas os socialistas que pesquem adeptos. Numa palavra, nossa tarefa agora consiste em combater o joio. Nossa tarefa não consiste em cultivar o trigo em pequenos vasos. Ao arrancar o joio, limpamos o terreno para que possa crescer o trigo. E enquanto os Afanassi Ivanovitch e as Pulkeria Ivanovna(62) dedicam-se ao cultivo doméstico, devemos preparar ceifadores que saibam arrancar hoje o joio e amanhã colher o trigo(63).
Assim, portanto, nós não podemos resolver por meio da legislação o problema de criar uma organização sindical o menos clandestina e a mais ampla possível (mas ficaríamos encantados se os Zubátov e os Ozerov nos oferecessem a possibilidade, mesmo parcial, de resolvê-lo desse modo, para o que temos de combatê-los com a maior energia possível!). Resta-nos o recurso das organizações sindicais secretas e devemos prestar toda espécie de ajuda aos operários que já seguem esse caminho, segundo nos consta. As organizações sindicais não só podem ser extraordinariamente úteis para desenvolver e fortalecer a luta econômica, como podem converter-se, também, num auxiliar da maior importância para a agitação política e a organização revolucionária. A fim de alcançar esse resultado e fazer entrar o nascente movimento sindical no caudal desejável para a social-democracia, é preciso, sobretudo, compreender bem o absurdo do plano de organização preconizado, já há cerca de cinco anos, pelos economistas petersburguenses. Este plano foi exposto no Estatuto da Caixa Operária de Resistência, de julho de 1897 (Listok Rabotnika, n.° 9/10, pág. 46 do n.° 1 de Rabotchaia Misl) e no Estatuto da Organização Operária Sindical de outubro de 1900 (boletim especial), impresso em São Peterburgo e citado no n.° 1 de Iskra). O defeito essencial desses dois estatutos consiste em que expõem todos os detalhes de uma ampla organização operária e confundem-na com a organização dos revolucionários. Tomemos o segundo estatuto, por ser o que está melhor elaborado. Compõe-se de cinquenta e dois artigos: 23 expõem a estrutura, o modo de administração e os limites de competência dos “círculos operários”, que serão organizados em cada fábrica (“dez homens no máximo”) e elegerão os “grupos centrais” (de fábrica). “O grupo central — reza o art. 2 — observa tudo que se passa na fábrica e faz a crônica dos acontecimentos aí verificados”. “O grupo central presta contas todo mês aos cotizantes do estado da caixa” (art. 17), etc. São dedicados dez artigos à “organização de bairro” e 19 à complexíssima relação entre o Comitê da Organização Operária e o Comitê da União de Luta de São Petersburgo (delegados de cada bairro e dos “grupos executivos”: “grupos de propagandistas, para as relações com as províncias, para as relações com o estrangeiro, para a administração dos depósitos, das edições, da caixa”).
A social-democracia equivalente a “grupos executivos” no que concerne à luta econômica dos operários! Seria difícil demonstrar de modo mais evidente como se desvia o pensarnento do economista, da social-democracia para o trade-unionismo; até que ponto lhes é estranha toda noção de que o social-democrata deve, sobretudo, pensar numa organização de revolucionários capazes de dirigir toda a luta emancipadora do proletariado. Falar de “emancipação política da classe operária”, da luta contra a “arbitrariedade tzarista” e escrever semelhantes estatutos de uma organização é não ter a menor noção de quais são as verdadeiras tarefas políticas da social-democracia. Nem ao menos um da meia centena de artigos revela, num mínimo que seja, que os autores tenham compreendido a necessidade da mais ampla agitação política entre as massas, de uma agitação que lance luz sobre todos os aspectos do absolutismo russo, assim como sobre a fisionomia das diferentes classes sociais da Rússia. Por outro lado, com semelhante estatuto, não só são irrealizáveis os fins políticos, como também os fins trade-unionistas, porque estes exigem uma organização por profissões, coisa que o estatuto nem sequer menciona.
Mas o mais característico, talvez, é o caráter assombrosamente massudo de todo esse “sistema” que trata de ligar cada fábrica ao “comitê” por meio de uma série de regras uniformes, minuciosas até o ridículo, com um sistema eleitoral de três graus. Aprisionado no estreito horizonte do economismo, o pensamento se apaixona por minúcias que emanam um cheiro de papelório e burocracia. Na realidade, três quartos desses artigos não são, é claro, aplicados nunca; em compensação, uma organização tão “clandestina”, com um grupo central em cada fábrica, facilita aos gendarmes realizarem prisões incrivelmente vastas. Os companheiros polacos já passaram por essa fase do movimento; houve um tempo em que todos eles estavam entusiasmados com a ideia de criar em toda parte caixas operárias, mas renunciaram a ela imediatamente, ao se persuadirem de que só iriam facilitar presa abundante aos gendarmes. Se queremos amplas organizações operárias e não amplas “colheitas” dos gendarmes, se não queremos dar gôsto a estes, devemos fazer de sorte que não sejam organizações regulamentadas. Poderão então funcionar? Vejamos quais são as suas funções: “... Observar tudo que se passa na fábrica e fazer a crônica dos acontecimentos aí verificados” (art. 2 dos estatutos). Haverá necessidade absoluta de regulamentar isto? Não se poderia conseguir isto melhor por meio de artigos na imprensa ilegal, sem necessidade de criar grupos especiais para esse fim? “... Dirigir a luta dos operários pela melhoria de sua situação na fábrica” (art. 3 dos estatutos); para isto tampouco faz falta regulamentação. Todo agitador, por pouco inteligente que seja, saberá averiguar perfeitamente, através de uma simples conversa, que reivindicações os operários querem apresentar; depois as transmitirá a uma organização estreita, e não ampla, de revolucionários que editará um volante apropriado. “... Criar uma caixa... com cotização de dois copeques por rublo” (art. 9) e prestar contas todo mês aos cotizantes do estado da caixa (art. 17); excluir os membros que não paguem suas cotizações (art. 10), etc. Eis para a polícia um verdadeiro maná, pois não há nada mais fácil que penetrar no segrêdo da “caixa central fabril”, confiscar o dinheiro e encarcerar todos os elementos ativos. Não seria mais simples emitir cupões de um ou dois copeques com o sêlo de uma determinada organização (muito reduzida e muito secreta), ou, até, sem nenhum sêlo, fazer coletas cujo resultado seria publicado num jornal ilegal, numa linguagem convencionada? O mesmo fim seria alcançado e os gendarmes teriam muitíssimo mais trabalho para descobrir os fios da organização.
Poderia continuar a análise dos estatutos, mas creio que basta o que foi dito. Um pequeno núcleo, bem unido, composto pelos operários mais firmes, mais experimentados e melhor temperados, com delegados nos principais bairros e em rigorosa conexão clandestina com a organização de revolucionários, poderá perfeitamente, com o mais amplo concurso da massa e sem regulamentação alguma, preencher todas as funções que competem a uma organização sindical, e realizá-las, além disso, da maneira desejável para a social-democracia. Só assim se poderá consolidar e desenvolver, apesar de todos os gendarmes, o movimento sindical social-democrata.
Podem objetar que uma organização tão lose(64), sem nenhuma regulamentação, sem nenhum membro conhecido e registrado, não pode ser qualificada de organização. É possível, mas para mim a denominação não tem importância. Mas esta “organização sem membros” fará todo o necessário e assegurará desde o próprio comêço um contacto sólido entre nossas futuras trade-unions e o socialismo. Os que sob o ab- solutismo querem uma ampla organização de operários, com eleições, informes, sufrágio universal, etc, são uns incuráveis utopistas.
A moral é simples: se começamos por estabelecer uma forte organização de revolucionários, poderemos assegurar a estabilidade do movimento em seu conjunto, realizar, ao mesmo tempo, os objetivos social-democratas e os objetivos propriamente trade-unionistas. Mas se começamos por constituir uma forte organização operária com o pretexto de que esta é a mais “accessível” à massa (na realidade é aos gendarmes que ela será mais accessível e colocará os revolucionários mais ao alcance da polícia), não atingiremos nenhum desses objetivos, não nos livraremos de nossos métodos primitivos e, com o nosso fracionamento e nossos fracassos contínuos, só conseguiremos tornar mais accessíveis à massa as trade-unions do tipo Zubátov ou Ozerov.
Em que, portanto, devem consistir justamente as funções desta organização de revolucionários? Vamos dizer com todos os detalhes. Antes, porém, examinaremos um raciocínio muito típico de nosso terrorista, que (triste sina!) marcha novamente de braço dado com o economista. A revista para operários Svoboda (em seu n.° 1) contém um artigo intitulado A Organização, cujo autor trata de defender seus amigos, os economistas operários de Ivânovo-Vosnessenski.
“É uma coisa ruim — diz — uma multidão silenciosa, inconsciente; é uma coisa ruim o movimento que não vem da base. Vêde o que sucede numa capital universitária: quando os estudantes, numa época de festas ou durante as férias, voltam a seus lares, o movimento operário paralisa. Pode ser uma verdadeira força um movimento operário estimulado de fora para dentro? De modo algum... Ainda não aprendeu a andar sozinho, levam-no com andadeiras. Em toda parte o quadro é o mesmo: os estudantes se vão e o movimento cessa; prendem-se os elementos mais capazes, a nata, e o leite azeda; detém-se o “Comitê” e, enquanto não se forma outro, sobrevêm mais uma vez a calma. E não se sabe que outro se formará, o novo comitê pode não se parecer em nada com o antigo: aquele dizia uma coisa, este dirá o contrário; o elo entre o ontem e o amanhã está rompido, a experiência do passado não beneficia o futuro, e tudo porque o movimento não tem raízes profundas na multidão, porque não é uma centena de imbecis, mas sim uma dezena de homens inteligentes que faz o trabalho. É sempre fácil que uma dezena de homens caia na boca do lôbo; mas, quando a organização engloba a multidão, quando tudo vem da multidão, é impossível que a empresa seja destruída.” (pág. 63)
A descrição é justa. Aí está esboçado um bom quadro de nossos métodos artesãos; mas, por sua falta de lógica e de tato político, as conclusões são dignas de Rabotchaia Misl. É o cúmulo da falta de lógica, porque o autor confunde a questão filosófica e histórico-social das “raízes profundas” do movimento com uma questão técnica e de organização como é a da luta mais eficaz contra os gendarmes. É o cúmulo da falta de tato político, porque, em vez de recorrer contra os maus dirigentes ante os bons, o autor recorre contra os dirigentes em geral ante a “multidão”. Esta é uma tentativa de fazer-nos retroceder no terreno da organizaçao, do mesmo modo que a ideia de substituir a agitação política pelo terror excitante faz retroceder no terreno político. Certamente que me vejo num verdadeiro embarras de richesses(65) sem saber por onde começar a análise do aranzel com que nos obsequia Svoboda. Para maior clareza, começarei por um exemplo: o dos alemães. Ninguém negará, imagino, que sua organização englobe a multidão, que, entre eles, tudo vem da multidão, que o movimento operário aprendeu a andar sozinho. Contudo, como essa multidão de vários milhões de homens aprecia a sua “dezena” de chefes políticos provados! Como se une a eles! Mais de uma vez, no Parlamento, os deputados dos partidos contrários tentaram irritar os socialistas dizendo-lhes: “Que bons democratas sois! O movimento da classe operária não existe entre vós senão em palavras; na realidade, é sempre o mesmo grupo de chefes que faz tudo. Há anos, há dezenas de anos, são Bebel e Liebknecht que dirigem. Vossos delegados, supostamente eleitos pelos operários, são mais inamovíveis que os funcionários nomeados pelo imperador!” Mas os alemães sempre receberam com um sorriso desdenhoso essas tentativas demagógicas de opor a “multidão” aos “chefes”, de atiçar nesta maus instintos de vaidade, de privar o movimento de solidez e estabilidade, minando a confiança que a massa deposita na “dezena de homens inteligentes”. Os alemães atingiram suficiente desenvolvimento político, têm suficiente experiência política para compreender que, sem “uma dezena” de chefes de talento (os talentos não surgem às centenas), de chefes provados, profissionalmente preparados e instruídos por uma longa prática, que estejam bem compenetrados, não é possível a luta firme de classe alguma na sociedade contemporânea. Os alemães também tiveram os seus demagogos, que adulavam as “centenas de imbecis”, colocando-se acima das “dezenas de homens inteligentes”; que glorificavam o “punho poderoso” da massa, impeliam (como Most ou Hasselmann) essa massa a atos “revolucionários” impensados e semeavam a desconfiança em relação aos chefes firmes e resolutos. E graças exclusivamente a uma luta tenaz e intransigente contra toda espécie de elementos demagógicos em seu seio, o socialismo alemão cresceu e se fortaleceu. E, no período em que toda a crise da social-democracia russa se explica pelo fato de que as massas que despertam espontaneamente carecem de chefes suficientemente preparados, inteligentes e habeis, nossos varões prudentes nos dizem, com um talento e um bôbo alegre: “É uma coisa ruim o movimento que nao vem da base!”
Um comitê formado de estudantes não nos convém porque e instável”. Perfeitamente justo! Mas a conclusão que se necessita tirar disso é que faz falta um comitê de revolucionários profissionais, sem que importe se são estudantes e operários os capazes de se forjarem como esses revolucionários profissionais. Em vez disso, tirais a conclusão de que não se deve estimular de fora para dentro o movimento operário! Nem sequer vos dais conta, em vossa ingenuidade política, de que assim fazeis o jogo de nossos economistas e de nossos métodos artesãos. Permiti-me uma pergunta: Como, até agora, nossos estudantes “estimularam” os operários? Unicamente trazendo os vernizes de conhecimentos políticos que tinham, os vernizes de ideias socialistas que haviam podido adquirir (pois o principal alimento espiritual do estudante de nossos dias, o marxismo legal, não pôde dar-lhe senão o abecedário, não pôde dar-lhe mais que vernizes). Este “estímulo de fora para dentro” não foi muito considerável, mas, pelo contrário, insignificante, escandalosamente insignificante em nosso movimento, pois não fizemos mais que nos cozinharmos com demasiado zelo em nosso próprio tem- pêro, nos prosternarmos com demasiado servilismo ante a elementar “luta econômica dos operários contra os patrões e o governo”. Nós, revolucionários de profissão, devemos “estimular” assim, cem vezes mais, e estimularemos. Mas, exatamente porque escolheis esta infame expressão de “estímulo de fora para dentro”, expressão que inspira inevitàvel- mente no operário (pelo menos no operário tão pouco desenvolvido como vós) a desconfiança em todos quantos lhe trazem de fora conhecimentos políticos e experiência revolucionária e que desperta o desejo instintivo de repelir todos eles, agis como demagogos, e os demagogos são os piores inimigos da classe operária.
Sim, sim! E não vos apresseis a guinchar a respeito dos meus “processos” polêmicos “carentes de espírito de camara- gadem”! Não ponho de quarentena a pureza de vossas intenções; já disse que a ingenuidade política é suficiente para fazer de uma pessoa um demagogo. Mas demonstrei que haveis descido até à demagogia, e não me cansarei de repetir que os demagogos são os piores inimigos da classe operária. São os piores, porque excitam os maus instintos da multidão e porque é impossível aos operários atrasados reconhecer esses inimigos, os quais se apresentam, e às vezes sinceramente, na qualidade de amigos. São os piores, porque, nesse período de dispersão e de vacilação, em que a fisionomia de nosso movimento ainda se está formando, não há nada mais fácil que arrastar demagógicamente a multidão, à qual somente as provas mais amargas conseguirão depois persuadir de seu erro. Eis por que os social-democratas russos atuais devem ter como lema do momento combater decididamente Svoboda e Rabotcheie Dielo, que estão descendo à demagogia. (Mais adiante voltaremos a falar minuciosamente sobre este ponto(66)).
“É mais fácil apanhar uma dezena de homens inteligentes que uma centena de imbecis”. Este excelente axioma (que vos granjeará sempre os aplausos da centena de imbecis) parece evidente unicamente porque, no curso de vossos raciocínios, pulastes de uma questão a outra. Havíeis começado por falar e continuais falando da captura do “comitê”, da captura da “organização”, e agora pulastes para outra questão, para a captura das “raízes profundas” do movimento. Naturalmente, nosso movimento só é indestrutível porque tem centenas e centenas de milhares de raízes profundas, mas não é disso, absolutamente, que se trata. No que concerne às “raízes profundas”, tampouco agora se nos pode “capturar”, apesar do caráter primitivo de nossos métodos de trabalho, e, contudo, todos deploramos, e não podemos deixar de deplorar, a captura de “organizações”, que impede toda continuidade no movimento. Pois bem, já que formulais a questão da captura das organizações e insistis em tratar dela, dir-vos-ei que é muito mais difícil apanhar uma dezena de homens inteligentes que uma centena de imbecis; e continuarei sustentando esta afirmação, sem fazer nenhum caso de vossos esforços para atiçar a multidão contra o meu “antidemocratismo”, etc. Por “homens inteligentes em matéria de organização é preciso entender tão-somente, como assinalei em várias ocasiões, os revolucionários profissionais, tanto faz que sejam estudantes ou operários que se forjem como revolucionários profissionais. Pois bem, afirmo:
Convido nossos economistas, terroristas e “economistas-terroristas”(67) a refutarem estas teses, das quais não desenvolverei neste momento senão as duas últimas. A questão a respeito de se é mais fácil apanhar “uma dezena de homens inteligentes” que “uma centena de imbecis” reduz-se à questão que analisei mais atrás de se é compatível uma organização de massas com a necessidade de manter um rigoroso regime clandestino. Nunca poderemos dar a uma organização ampla o caráter clandestino indispensável para uma luta firme e contínua contra o governo. E a concentração de todas as funções clandestinas nas mãos do menor número possível de revolucionários profissionais não significa de modo algum que estes últimos “pensarão por todos”, que a multidão não tomará parte ativa no movimento. Pelo contrário, a multidão fará surgir de seu seio um número cada vez maior de revolucionários profissionais, pois então saberá que não basta que alguns estudantes e operários que lutam no terreno econômico se reúnam para constituir um “comitê”, mas que é necessário forjar-se, através de anos, como revolucionários profissionais, e “pensará” não só nos métodos artesãos de trabalho, mas exatamente nessa formação. A centralização das funções clandestinas da organização não implica, de modo algum, na centralização de todas as funções do movimento. Longe de dimnuir, a colaboração ativa das mais amplas massas nas publicações ilegais se decuplica- rá, quando uma “dezena” de revolucionários profissionais centralizarem a edição clandestina dessas publicações.
Assim, e só assim, conseguiremos que a leitura das publicações ilegais, a colaboração nelas e, em parte, até sua difusão deixem quase de ser uma obra clandestina, pois a polícia logo compreenderá quão absurdas e impossíveis são as perseguições judiciais e administrativas contra cada possuidor ou propagador de publicações com tiragens de milhares de exemplares. O mesmo se deve dizer não só da imprensa, como de todas as funções do movimento, inclusive as manifestações. A participação mais ativa e mais ampla das massas numa manifestação não só não sairá prejudicada, como, pelo contrário, terá muito mais probabilidade de êxito se uma “dezena” de revolucionários profissionais, provados, bem adestrados, pelo menos tão bem quanto nossa polícia, centralizar o trabalho clandestino em todos os seus aspectos: publicação de volantes, elaboração do plano aproximado, escolha dos dirigentes para cada distrito da cidade, cada bairro fabril, cada estabelecimento de ensino, etc. (dirão, já sei, que minhas concepções são “antidemocráticas”, mas refutarei mais adiante pormenorizadamente esta objeção nada inteligente). A centralização das funções mais clandestinas pela organização dos revolucionários não debilitará, mas sim reforçará a amplitude e o conteúdo da atividade de uma grande quantidade de outras organizações destinadas ao grande público, e, por conseguinte, o menos regulamentadas e clandestinas possível: sindicatos operários, círculos operários de instrução e de leitura de publicações ilegais, círculos, socialistas, círculos democráticos para todos os demais setores da população, etc, etc. Tais círculos, sindicatos e organizações são necessários por toda parte; é preciso que sejam os mais numerosos, e suas funções as mais variadas possíveis, mas é absurdo e prejudicial confundir estas organizações com a dos revolucionários, suprimir as fronteiras que há entre elas, extinguir na massa a consciência, já por si incrivelmente obscurecida, de que para “servir” a um movimento de massas é necessário dispor de homens que se consagrem especial e inteiramente à ação social-democrata, e que esses homens devem forjar-se com paciência e tenacidade até converter-se em revolucionários profissionais.
Sim, essa consciência está incrivelmente obscurecida. Com nossos métodos artesãos de trabalho comprometemos o prestigio dos revolucionários na Rússia: nisso reside a nossa principal debilidade em matéria de organização. Um revolucionário molenga, vacilante nas questões teóricas, limitado em seus horizontes, que justifica sua inércia pela espontaneidade do movimento de massas, mais parecido com um secretário de trade-union que com um tribuno popular, sem um plano audacioso e de grande alcance que imponha respeito inclusive a seus adversários, inexperiente e inábil em seu trabalho (a luta contra a polícia política), não é um revolucionário, mas sim um mísero artesão!
Que nenhum militante dedicado ao trabalho prático se ofenda por esse duro epíteto, pois, no que se refere à falta de preparo, aplico-o a mim mesmo, em primeiro lugar. Trabalhei num círculo que assumia para si o compromisso de cumprir tarefas amplas e ilimitadas, e todos nós, membros do círculo, sofríamos indizivelmente ao ver que não éramos mais que artesãos num momento histórico em que, parafraseando a antiga máxima, se poderia dizer: Dai-nos uma organização de revolucionários e revolveremos a Rússia em seus alicerces! E, quanto mais frequentemente tive de recordar o profundo sentimento de vergonha que então experimentava, tanto mais cresceu em mim a amargura contra esses pseudo- social-democratas, cuja propaganda “desonra o nome de revolucionário”, e que não compreendem que nossa obra não consiste em permitir que o revolucionário seja rebaixado ao nível do artesão, mas sim em elevar o artesão ao nível do revolucionário.
Notas:
(1) Iskra: (A Faísca): primeiro jornal marxista ilegal para toda a Rússia, fundado por Lênin, em 1900. O primeiro número da Iskra leninista apareceu a 11 (24) de dezembro de 1900, em Leipzig; os números seguintes foram editados em Munique, a partir de abril de 1902, em Londres, e da primavera de 1903 em diante em Genebra. Faziam parte da redação da Iskra: V. I. Lênin, G. Plekhanov, I. Mártov, P. Axelrod, A. Potréssov e V. Zássulitch. A partir da primavera de 1901 a secretária da redação foi N. Krúpskaia.
Lênin exercia, praticamente, as funções de redator-chefe e de diretor da Iskra. Escrevia artigos sobre todos os problemas fundamentais da edificação do Partido e da luta de classes do proletariado da Rússia, e era o eco dos acontecimentos mais importantes da vida internacional. Em diversas cidades da Rússia (Petersburgo, Moscou, etc) foram constituídos grupos e comitês do POSDR de orientação leninista-iskrista.
Sob a direção de Lênin e com sua participação direta, a Iskra manteve uma enérgica luta de princípios contra o “economismo” e elaborou um projeto de programa do Partido. A Iskra foi o centro de unificação das forças do Partido e de unificação dessas forças num partido combativo centralizado de toda a Rússia, e preparou o II Congresso do POSDR que se realizou em julho-agosto de 1903.
Na data da convocação do Congresso, a maioria das organizações social-democratas locais da Rússia havia aderido à Iskra, aprovando sua tática, seu programa e seu plano de organização e reconhecendo-a como seu órgão dirigente. Numa resolução especial, o Congresso assinalou o papel excepcional da Iskra na luta pelo Partido e proclamou-a órgão central do POSDR.
O II Congresso aprovou a redação composta por Lênin, Plekhanov e Mártov. Este último, apesar da decisão do Congresso, negou-se a tomar parte na redação, e os números 46/51 de Iskra apareceram sob a direção de Lênin e Plekhanov. Mais tarde, Plekhanov caiu nas posições do menchevismo e exigiu que fossem incluídos na redação de Iskra todos os antigos redatores mencheviques repudiados pelo Congresso. Lênin não pôde aceitar isto e abandonou a redação de Iskra a 1 de novembro de 1903, para reforçar sua posição no Comitê Central do Partido e dali combater os oportunistas mencheviques.
O número 52 apareceu sob a direção exclusiva de Plekhanov, que pouco depois, por sua própria iniciativa e apesar da vontade do Congresso, cooptou para a redação da Iskra seus antigos redatores mencheviques. A partir do número 52, os mencheviques converteram a Iskra em órgão seu. Desde então, dentro do Partido começou a chamar-se de velha Iskra, à Iskra leninista, bolchevique, e de nova Iskra, à Iskra menchevique, oportunista. (retornar ao texto)
(2) Rabotcheie Dielo, n.° 10, setembro de 1901, págs. 17/18. Grifado no original. (retornar ao texto)
(3) O trade-unionismo não despreza, de modo algum, toda espécie de “política”, como às vezes se acredita. As trade-unions sempre levaram a cabo certa agitação e luta política (mas não social-democrata). No capítulo seguinte explanaremos sobre a diferença entre a política, trade-unionista e a social-democrata. (retornar ao texto)
(4) Emancipação do Trabalho: primeiro grupo marxista russo, fundado por Plekhanov, em Genebra, em 1883. Existiu até ao II Congresso do POSDR (1903). Dele faziam parte: V. Zássulitch, P. Axelrod, L. Deich e V. Ignátov. O grupo Emancipação do Trabalho realizou um grande trabalho de difusão do marxismo na Rússia. Deve-se a ele a tradução para o russo do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, Trabalho Assalariado e Capital, de Marx, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, de Engels, e outras obras dos fundadores do marxismo, impressas no estrangeiro e difundidas secretamente na Rússia. Nos trabalhos dos membros do grupo, e sobretudo de Plekhanov, as teorias populistas foram submetidas à crítica e foram expostas as questões fundamentais do socialismo científico. Ao mesmo tempo, o grupo padecia de graves erros: uma ideia falsa do papel da burguesia liberal na revolução e uma subestimação do papel revolucionário dos camponeses e do significado da aliança do proletariado com os camponeses para a vitória sobre o tzarismo. Em sua atividade, o grupo Emancipação do Trabalho ainda não estava ligado com o movimento operário de massas.“O grupo Emancipação do Trabalho colocou apenas os alicerces teóricos da social-democracia e deu o primeiro passo para sair ao encontro do movimento operário.” (Lênin) (retornar ao texto)
(5) A. A. Vanéiev morreu em 1899, na Sibéria oriental, de tuberculose, contraída quando se encontrava incomunicável em prisão preventiva. Por isso, consideramos possível publicar a informação que figura no texto, cuja autenticidade garantimos, pois procede de gente que conhecia Vanéiev pessoal e intimamente. (retornar ao texto)
(6) Escrito por V. I. Lênin (Nota da Redação). (retornar ao texto)
(7) “Ao criticar a atividade dos social-democratas em fins da última década do século passado, Iskra não leva em conta que na ocasião faltavam condições para qualquer trabalho que não fosse a luta por pequenas reivindicações”, dizem os economistas em sua Carta aos Órgãos Social-Democratas Russos (Iskra, n.“ 12). Os fatos citados no texto demonstram que essa afirmação sobre a “falta de condições” é diametralmente oposta à verdade. Não só em fins, como também em meados da década de 90, existiam plenamente todas as condições para outro trabalho, além da luta em prol de reivindicações imediatas; todas as condições, salvo um preparo suficiente dos dirigentes. E eis que, em vez de reconhecer francamente esta falta de preparo de nossa parte, da parte dos ideólogos, dos dirigentes, os “economistas” querem lançar toda a responsabilidade à “falta de condições”, à influência do meio material que determina o caminho do qual nenhum ideólogo conseguirá desviar o movimento. Que significa isto, senão bajulação servil da espontaneidade e embevecimento dos “ideólogos” por seus próprios defeitos (retornar ao texto)
(8) A “reunião privada” à qual Lênin se refere foi realizada em Petersburgo, entre 14 e 17 de fevereiro (26 de fevereiro a 1 de março) de 1897. A reunião foi assistida pelos “velhos” — V. Lênin, A. Vanéiev, G. Krjijânovski e outros membros da União de Luta pela Emancipação da Classe Operária de Petersburgo, postos em liberdade por apenas três dias, antes de serem deportados para a Sibéria — e os “jovens”, que dirigiram a União de Luta depois da prisão de Lênin. (retornar ao texto)
(9) Diga-se, de passagem, que este elogio de Rabotchaia Misl em novembro de 1898, quando o economismo, sobretudo no estrangeiro, se havia definido completamente, partia do próprio V. I., que logo integrou o corpo de redatores de Rabotcheie Dielo. E Rabotcheie Dielo, contudo, continuou negando a existência de duas tendências no seio da social-democracia russa, como continua a fazê-lo no presente! (retornar ao texto)
(10) Os gendarmes tzaristas usavam uniformes azuis. (retornar ao texto)
(11) O seguinte fato característico demonstra que essa comparação é justa. Quando, depois da detenção dos “decembristas”, difundiu-se entre os operários da estrada de Shlisselburgo a notícia de que o provocador N. N. Mikhailov (um dentista), relacionado com o grupo que estava em contacto com os “decembristas”, havia ajudado à polícia, aqueles operários se indignaram de tal modo que decidiram matá-lo. (retornar ao texto)
(12) Do mesmo editorial do primeiro número de Rabotchaia Misl. Através disso pode-se avaliar a preparação teórica destes “V. V. da social-democracia russa”(13), que repetiam a grosseira vulgarização do “materialismo econômico”, enquanto que nas suas publicações os marxistas lutavam contra o autêntico sr. V.V., chamado já há tempos “mestre em assuntos reacionários” por esse mesmo modo de conceber a relação entre a política e a economia. (retornar ao texto)
(13) V V: pseudônimo de V. P. Vorontsov, um dos ideólogos do populismo liberal das décadas de 80 e 90 do século XIX. Quando Lênin fala dos “V. V. da social-democracia russa” se refere aos “economistas”. (retornar ao texto)
(14) Os alemães inclusive têm uma palavra especial: Nur-Gewerkschaftler, com que se denominam os partidários da luta “exclusivamente sindical”. (retornar ao texto)
(15) Grifamos atuais para os que encolham farisaicamente os ombros e digam: agora é sumamente fácil denegrir Rabotchaia Misl, quando ele não passa de um arcaísmo. “Mutato nomine, de te fabula narratur” (Sob outro nome, a fábula fala de ti. — Nota da Redação), respondemos aos fariseus contemporâneos, cuja completa submissão servil às ideias de Rabotchaia Misl será demonstrada mais adiante. (retornar ao texto)
(16) Carta dos “economistas” no n." 12 de Iskra. (retornar ao texto)
(17) Rabotcheie Dielo, n.“ 10. (retornar ao texto)
(18) Neue Zeit (Tempos Novos), 1901/1902, XX, I, n.° 3, pág. 79. O projeto da comissão, de que fala K. Kautsky, foi aprovado pelo Congresso de Viena (em fins do ano passado) de forma um pouco modificada. (retornar ao texto)
(19) Isto não significa, naturalmente, que os operários não participem dessa elaboração. Mas não participam na qualidade de operários, e sim na qualidade de teóricos do socialismo, como os Proudhon e os Weitling; em outras palavras, só participam no momento e na medida em que conseguem, em maior ou menor grau, dominar a ciência de seu século e fazê-la avançar. E, a fim de que os operários consigam-no com maior frequência, é necessário tratar-se o máximo possível de elevar o nível da consciência dos operários em geral; é necessário que os operários não se restrinjam ao marco artificialmente limitado da “literatura para operários”, mas que aprendam a assimilar mais e mais a literatura geral. Inclusive, seria mais justo dizer, em vez de “não se restrinjam”, “não sejam restringidos”, pois os operários leem e querem ler tudo quanto se escreve também para os intelectuais, e somente alguns intelectuais (de baixíssima categoria) creem que “para os operários” basta um relato sobre a ordem de coisas que rege as fábricas e que eles ruminem o que já se conhece há muito tempo. (retornar ao texto)
(20) Frequentemente ouve-se dizer: a classe operária tende de modo espontâneo para o socialismo. Isso é absolutamente certo no sentido de que a teoria socialista determina, com maior profundidade e exatidão que nenhuma outra, as causas das calamidades que a classe operária padece, e precisamente por isso os operários assimilam-na com tanta facilidade, sempre que esta teoria não retroceda ante a espontaneidade, sempre que esta teoria subjugue a espontaneidade. Comumente isso se subentende, mas Rabotcheie Dielo o esquece e desfigura. A classe operária caminha espontaneamente para o socialismo, mas a ideologia burguesa, a mais difundida (e ressuscitada sob as mais diversas formas), é, no entanto, a que mais se impõe espontaneamente aos operários. (retornar ao texto)
(21) Suplemento Especial de Rabotchaia Misl: folheto editado pela redação de Rabotchaia Misl, em setembro de 1899. (retornar ao texto)
(22) Nakanunie (A Véspera): revista de tendência populista, publicada em russo, em Londres, de janeiro de 1899 a fevereiro de 1902. Agrupou ao seu redor os representantes dos diferentes partidos pequeno-burgueses. (retornar ao texto)
(23) Sobre a Questão das Tarefas Atuais e da Tática dos Social-Democratas Russos, Genebra, 1898. Duas cartas a Rabotchaia Gazeta, escritas em 1897. (retornar ao texto)
(24) Defendendo-se, Rabotcheie Dielo completou sua primeira falsidade ("ignoramos a que camaradas jovens se referiu P. B. Axelrod”) com uma segunda, ao escrever em sua Resposta: “Desde o surgimento da crítica de As Tarefas, apareceram ou se definiram mais ou menos claramente entre alguns social-democratas russos tendências no sentido da unilateralidade economista, que significam um passo atrás em comparação com o estado de nosso movimento, esboçado em As Tarefas” (pág. 9). Isso diz a Resposta, publicada 110 ano de 1900. E o primeiro número de Rabotcheie Dielo (com a crítica) apareceu em abril de 1899. Será que o economismo só surgiu em 1899? Não; em 1899 ouviu-se pela primeira vez a voz de protesto dos social-democratas russos contra o economismo (o protesto contra o “Credo”). Mas o economismo havia surgido em 1897, como sabe muito bem Rabotcheie Dielo, pois V.I., já ern novembro de 1S98 (Listok Rabotnika, n.° 9/10), desmanchava-se em elogios a Rabotchaia Misl. (retornar ao texto)
(25) A “teoria das fases”, ou a teoria dos “tímidos ziguezagues” na luta política, expõe-se, por exemplo, do seguinte modo nesse artigo: “As reivindicações políticas, que por seu caráter são comuns a toda a Rússia, devem, não obstante, durante os primeiros tempos (isto foi escrito em agosto de 1900!) corresponder à experiência adquirida por determinada camada (sic!) de operários na luta econômica. Somente (!) à base dessa experiência se pode e deve iniciar a agitação política”, etc. (pág. 11) Na página 4, o autor, indignado com as acusações, na sua opinião, completamente infundadas, de heresia economista, exclama em tom patético: “Mas, qual social-democrata ignora que, segundo a doutrina de Marx e Engels, os interesses econômicos das diferentes classes desempenham um papel decisivo na história e que, portanto (grifo meu), em particular a luta do proletariado por seus interesses econômicos deve ter uma importância primordial para seu desenvolvimento como classe e para sua luta de libertação?” Esse “portanto” está completamente fora de lugar. Do fato de que os interesses econômicos desempenham um papel decisivo não se depreende de modo algum a conclusão de que a luta econômica (= sindical) tenha uma importância primordial, pois os interesses mais essenciais, “decisivos”, das classes só podem ser satisfeitos, exclusivamente, por transformações políticas radicais em geral; em particular, o interesse econômico fundamental do proletariado só pode ser alcançado por meio de uma revolução política que substitua a ditadura da burguesia pela ditadura do proletariado. B. Kritchevski repete o raciocínio dos “V.V. da social-democracia russa” (a política acompanha a economia, etc) e dos bernsteinianos da Alemanha (por exemplo, Woltmann alegava precisamente os mesmos argumentos para provar que os operários, antes de pensar numa revolução política, deviam adquirir uma “força econômica”). (retornar ao texto)
(26) V. I. Lênin, Tarefas Urgentes de Nosso Movimento (Nota da Redação) (retornar ao texto)
(27) V. I. Lênin, Por Onde Começar?, ed. em espanhol, pág. 5 (Nota da Redação) (retornar ao texto)
(28) Ein Jahr der Verwirrung (Um Ano de Confusão) é o título dado por Mehring, em sua História da Social-Democracia Alemã, ao apêndice em que descreve as dúvidas e a indecisão que os socialistas manifestaram de início, ao escolher a “tática-plano” que correspondia às novas condições. (retornar ao texto)
(29) Do editorial do n.° 1 de Iskra (V.I.Lênin), Tarefas Urgentes de Nosso Movimento (Nota da Redação) (retornar ao texto)
(30) Com o pseudônimo de N. Beltov, Plekhanov publicou um conhecido livro, Contribuição ao Problema do Desenvolvimento da Concepção Monista da História, editado legalmente em Petersburgo, no ano de 1895 (retornar ao texto)
(31) Narciso Túporilov: pseudônimo jocoso de Mártov, com que assinou o Hino do Moderno Socialista Russo, publicado no número 1 de Zariá (abril de 1901) e em que ridicularizou em versos os “economistas” por sua adaptação ao movimento espontâneo. (retornar ao texto)
(32) V. I. Lênin, Por Onde Começar? (Nota da Redação) (retornar ao texto)
(33) Tampouco se deve esquecer que, ao resolver “em teoria” a questão do terror, o grupo Emancipação do Trabalho resumiu a experiência do movimento revolucionário anterior. (retornar ao texto)
(34) A fim de evitar interpretações errôneas, assinalamos que na exposição que se segue entendemos por luta econômica (segundo o uso estabelecido entre nós) a “luta econômica prática”, que Engels chamou, na citação acima inserida, “resistência aos capitalistas” e que nos países livres se chama luta gremial, sindical ou trade-unionista. (retornar ao texto)
(35) Nesse capítulo falamos somente da luta política, de seu conceito mais amplo ou mais restrito. Por isso, assinalaremos apenas de passagem, como um simples fato curioso, a acusação lançada por Rabotcheie Dielo contra Iskra de “abstenção excessiva” quanto à luta econômica (Dois Congressos, pág. 27; repetida enfadonhamente por Martínov em seu folheto A Social-Democracia e a Classe Operária). Se os senhores acusadores medissem em puds ou em colunas de jornal (como gostam de fazer) a seção de Iskra dedicada à luta econômica durante um ano e a comparassem com a mesma seção de Rabotcheie Dielo e Rabotchaia Misl juntos, veriam imediatamente que, mesmo nesse sentido, estão atrasados. É evidente que a consciência dessa singela verdade força-os a recorrer a argumentos que demonstram claramente a sua confusão. Iskra — escrevem — “quer queira, quer não (!) tem (!) que levar em consideração as exigências imperiosas da vida e publicar, pelo menos (!!), cartas sobre o movimento operário.” (Dois Congressos, pág. 27) Está aí um argumento que nos deixa verdadeiramente aniquilado! (retornar ao texto)
(36) Dizemos “em geral”, porque em Rabotcheie Dielo se trata exatamente dos princípios gerais e dos objetivos gerais do Partido inteiro. Não há dúvida de que na prática há casos em que a política deve efetivamente acompanhar a economia, mas só os economistas podem dizer isso numa resolução destinada a toda a Rússia. Pois também há casos em que “desde o próprio começo” se pode levar a cabo a agitação política “unicamente no terreno econômico” e, não obstante, Rabotcheie Dielo chegou, finalmente, à conclusão de que “não há nenhuma necessidade” disso. (Dois Congressos, pág. 11) No capítulo seguinte assinalaremos que a tática dos “políticos” e dos revolucionários, longe de desconhecer as tarefas trade-unionistas da social-democracia, é, pelo contrário, a única que assegura sua realização consequente. (retornar ao texto)
(37) Em 1899, com o objetivo de reforçar o poder dos latifundiários sobre os camponeses, o governo tzarista instituiu o cargo administrativo de zemski natchalnik. Os zemskie natchalniki eram nomeados entre os latifundiários nobres de cada lugar e gozavam de amplas atribuições administrativas e judiciais sobre os camponeses, incluindo o direito de encarcerá-los e submetê-los a castigos corporais. (retornar ao texto)
(38) Assim se exprime literalmente o folheto Dois Congressos, págs. 31, 32, 28 e 30. (retornar ao texto)
(39) Dois Congressos, pág. 32. (retornar ao texto)
(40) Rabotcheie Dielo, n.° 10, pág. 60. Nessa variante, Martínov aplica ao caótico estado atual de nosso movimento a tese: “cada passo de movimento real é mais importante que uma dúzia de programas”, tese que já caracterizamos mais acima. No fundo, isto não é senão uma tradução para o russo da célebre frase de Bernstein: “o movimento é tudo; o objetivo final, nada”. (retornar ao texto)
(41) Partidários de Rabotcheie Dielo (Nota da Redação) (retornar ao texto)
(42) Pág. 43: “Naturalmente, se recomendamos aos operários que formulem certas reivindicações econômicas ao governo, o fazemos porque no terreno econômico o governo autocrático está disposto, por necessidade, a fazer certas concessões.” (retornar ao texto)
(43) V. I. Lênin, Revista de Política Interna (Nota da Redação) (retornar ao texto)
(44) Rabotchaia Misl, “Suplemento Especial”, pág. 14. (retornar ao texto)
(45) V. I. Lênin, Recrutamento Forçado de 183 Estudantes. (Nota da Redação) (retornar ao texto)
(46) A exigência de “imprimir à própria luta econômica um caráter político” expressa com o maior relêvo o culto da espontaneidade no terreno da atividade política. Frequentemente a luta econômica £ d- quire um caráter político espontaneamente, isto é, sem a intervenção desse “bacilo revolucionário que são os intelectuais”, sem a intervenção dos social-democratas conscientes. A luta econômica entre os operários da Inglaterra, por exemplo, também adquiriu um caráter poli tico sem participação alguma dos socialistas. Mas a tarefa dos social-democratas não se limita à agitação política no terreno econômico: sua tarefa é transformar essa política trade-unionista em luta política social-democrata, aproveitar os lampejos de consciência política que a luta econômica fez penetrar no espírito dos operários para elevá-los ao nível da consciência política social-democrata. Pois bem, os Martínov, em vez de elevar e impulsionar a consciência política que desperta espontâneamente, prosternam-se ante a espontaneidade e repetem, repetem até causar náuseas, que a luta econômica “faz os operários pensarem” em sua privação de direitos políticos. É de lamentar, senhores, que esse despertar espontâneo da consciência política trade-unionista não vos “faça pensar” na questão de vossas tarefas social-democratas! (retornar ao texto)
(47) Para confirmar que todo esse discurso dos operários aos economistas não é fruto exclusivo de nossa imaginação, nos referiremos a duas testemunhas que, sem dúvida, conhecem o movimento operário diretamente e que não são, absolutamente, propensos a ser parciais conosco, os “dogmáticos”, pois uma das testemunhas é um economista (que inclusive considera Rabotcheie Dielo um órgão político!), e o outro, um terrorista. A primeira testemunha é o autor de um artigo notável por sua veracidade e vivacidade: O Movimento Operário de Petersburgo e as Tarefas Práticas da Social-Demo- cracia, publicado no n.° 6 de Rabotcheie Dielo. Divide os operários em: 1) revolucionários conscientes; 2) camada intermediária e 3) o resto da massa. E eis que a camada intermediária “frequentemente se interessa mais pelos problemas da vida política que por seus in- terêsses econômicos imediatos, cuja relação com as condições sociais gerais já foi compreendida há muito tempo”... Rabotchaia Misl é “criticado com dureza”: “sempre o mesmo, há muito que o sabemos, há muito que o lemos”, “na crônica política também não há nada de novo.” (págs. 30/31) Mas, inclusive, a terceira camada, “a massa operária mais sensível, mais jovem, menos corrompida pela taberna e pela igreja, que quase nunca tem possibilidade de conseguir um livro de conteúdo político, fala a tôrto e a direito dos acontecimentos da vida política e medita a respeito das notícias fragmentárias sobre um motim de estudantes”, etc. E o terrorista escreve: “... Lerão um par de vezes as linhas que relatam minúcias da vida das fábricas em diferentes cidades estranhas e logo deixarão de ler... Aborrece-nos... Não falar sobre o Estado num jornal operário... significa considerar o operário como uma criança... O operário não é uma criança”. (Svoboda [A Liberdade], ed. do grupo revolucionário-socialista, págs. 69/70). (retornar ao texto)
(48) Martínov “imagina outro dilema mais real [?]” (A Social-Democracia e a Classe Operária, pág. 19): “Ou a social-democracia assume a direção imediata da luta econômica do proletariado e, por isso mesmo [!], transforma-a em luta revolucionária de classes”... Por isso mesmo”, isto é, evidentemente, pela direção imediata da luta econômica. Que nos indique Martínov onde é que já se viu que, pelo simples e exclusivo fato de dirigir a luta sindical, se tenha conseguido transformar o movimento trade-unionista em movimento revolucionário de classe. Não se dará conta que, para realizar esta “transformação”, devemos encarregar-nos ativamente da “direção imediata” da agitação política em todos os seus aspectos?... “Ou outra perspectiva: a social-democracia abandona a direção da luta econômica dos operários e, com isso..., se corta as asas...” Segundo a opinião de Rabotcheie Dielo, citada acima, é Iskra que _a “abandona”. Mas, vimos que Iskra faz muito mais que “Rabotcheie Dielo” para dirigir a luta econômica; além disso, não se limita a isto, nem restringe, em nome disto, suas tarefas políticas. (retornar ao texto)
(49) Trata-se da primavera de 1901, quando começaram grandes manifestações nas ruas. (Nota de Lênin para a edição de 1907. — Nota da Redação) (retornar ao texto)
(50) Assim, durante a guerra franco-prussiana, Liebknecht ditou um programa de ação para toda a democracia; em escala muito maior fizeram-no, também, Marx e Engels em 1848. (retornar ao texto)
(51) V. I. Lênin, Por onde começar?, ed. em espanhol, pág. 9 (Nota da Redação) (retornar ao texto)
(52) No número 7 de Iskra (agosto de 1901), na seção Crônica do Movimento Operário e Cartas de Fábricas e Oficinas, publicou-se a seguinte carta de um operário têxtil, prova da enorme influência que a Iskra leninista exercia sobre os operários avançados. “...Dei a Iskra para muitos camaradas lerem — dizia o autor da carta — e o exemplar ficou todo amassado, o que é uma lástima em virtude do grande valor que tem... Nele fala-se de nossa causa, de toda a causa russa, cujo valor não se pode medir com copeques nem determinar através de horas; quando se lê o jornal, compreende-se por que os gendarmes e a polícia temem os operários e os intelectuais atrás dos quais seguimos. A verdade é que os operários e esses intelectuais são temíveis para o tzar, para os patrões, para todos eles, e não apenas para os bolsos do capitalista... Os operários agora podem decidir-se com maior facilidade, a coisa está pegando fogo, falta apenas a faísca para que comece o incêndio. Ah, como é justo dizer que da faísca nascerá a chama!... Antigamente, cada greve era um acontecimento, mas agora todo mundo vê que uma greve não é nada, agora é preciso alcançar a liberdade, conquistá-la com nossas forças. Agora, todos, velhos e jovens, todos leriam, mas desgraçadamente para nós não há livros. No domingo passado reuni onze pessoas e li para elas Por Onde Começar?; não nos separamos até alta noite. Como tudo está dito tão bem, como o autor soube chegar ao fundo das coisas!... Quiséramos escrever a esta vossa Iskra uma carta para que não só ensinasse como começar, mas como é necessário viver e morrer”. (retornar ao texto)
(53) A falta de espaço não nos permitiu publicar em Iskra uma resposta completa e detalhada a esta carta, tão própria dos economistas. Seu aparecimento causou-nos verdadeiro júbilo, pois há muito ouvíamos dizer, por diferentes lados, que Iskra carecia de um consequente ponto de vista de classe, e só esperávamos uma oportunidade propícia ou a expressão cristalizada dessa acusação em voga para dar-lhe uma resposta. E temos por hábito não responder a um ataque com a defensiva, mas sim com um contra-ataque. (retornar ao texto)
(54) E, no intervalo entre o aparecimento desses artigos, publicou-se (Iskra, n.° 3) um especialmente dedicado aos antagonismos de classe no campo. (V. I. Lênin, O Partido Operário e os Camponeses — Nota na Redação) (Nota na Redação) (retornar ao texto)
(55) V. I. Lênin, Recrutamento Forçado de 183 Estudantes (Nota da Redação) (retornar ao texto)
(56) V. I. Lênin, O Partido Operário e os Camponeses (retornar ao texto)
(57) V. I. Lênin, Os Feudais em Ação (Nota da Redação) (retornar ao texto)
(58) V. I. Lênin, O Congresso dos Zemstvos (Nota da Redação) (retornar ao texto)
(59) V. I. Lênin, Uma Confissão Preciosa (Nota da Redação) (retornar ao texto)
(60) Invocam-se aqui mesmo as “condições concretas russas que levam fatalmente o movimento operário ao caminho revolucionário”. Esta gente não quer compreender que o caminho revolucionário do movimento operário pode não ser o caminho social-democrata! Toda a burguesia da Europa ocidental, sob o absolutismo, “impulsionava”, impulsionava conscientemente os operários ao caminho revolucionário. Mas, os social-democratas não podemos contentar-nos com isto. E, se de uma ou de outra forma, rebaixamos a política social-democrata ao nível da política espontânea, da política trade-unionista, favorecemos assim a democracia burguesa. (retornar ao texto)
(61) Popes: sacerdotes. (Nota da Tradução) (retornar ao texto)
(62) Afanassi Ivanovitch e Pulkeria Ivanovna: família patriarcal de pequenos latifundiários provincianos, descrita no conto de N. Gogol Latifundiários de Antigamente. (retornar ao texto)
(63) A luta de Iskra contra o joio deu lugar, por parte de Rabotcheie Dielo, a esta tirada destemperada: “Para Iskra, em compensação, esses acontecimentos importantes (os da primavera) são menos característicos de seu tempo que as miseráveis tentativas dos agentes de Zubátov de “legalizar" o movimento operário. Iskra não vê que esses fatos depõem precisamente contra ela e que testemunham que o movimento operário tomou aos olhos do governo proporções muito ameaçadores.” (Dois Congressos, pág. 27) A culpa de tudo cabe ao “dogmatismo” desses ortodoxos, “surdos às exigências imperiosas da vida”. Obstinam-se em não ver trigo de um metro de altura, para fazer guerra ao joio de um centímetro! Isto não é uma “deformação do sentido da perspectiva em relação ao movimento operário russo”? (Ibidem) (retornar ao texto)
(64) Livre, ampla. (Nota da Redação) (retornar ao texto)
(65) Dificuldades causadas pela abundância. (Nota da Redação) (retornar ao texto)
(66) Aqui apenas assinalaremos que tudo quanto dissemos a respeito do "estímulo de fora para dentro” e de todos os demais raciocínios de Svoboda sobre organização aplica-se inteiramente a todos os economistas, inclusive os partidários de Rabotcheie Dielo, porque ou preconizaram e sustentaram ativamente esses pontos de vista sobre as questões de organização, ou se desviaram para eles. (retornar ao texto)
(67) Este termo talvez fosse mais justo que o precedente no que concerne a Svoboda, porque em O Renascimento do Revoluciona- rismo defende-se o terrorismo e, no artigo em pauta, o economis- mo. “Estão verdes...” pode-se dizer, falando de Svoboda. Este órgão conta com as melhores intenções e boas aptidões, e, contudo, não consegue outro resultado que a confusão; confusão, principalmente, porque, defendendo a continuidade da organização, Svoboda não quer saber nada da continuidade do pensamento revolucionário e da teoria social-democrata. Esforçar-se para ressuscitar o revolucionarismo profissional (O Renascimento do Revo- lucionarismo) e propor para isso, primeiro, o terror excitante e, segundo, a “organização dos operários médios” (Svoboda, n.° 1, pág. 66 e seguintes), menos "estímulo de fora para dentro”, equivale, na realidade, a demolir a própria casa a fim de ter lenha para aquecê-la. (retornar ao texto)
Inclusão | 07/08/2015 |