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Primeira Edição: Leon Trotsky, In Defense of Marxism, New York 1942.
Fonte: "Em Defesa do Marxismo", publicação da Editora "Proposta Editorial"
Tradução: Luís Carlos Leiria e Elisabeth Marie
Transcrição: Icaro Daniel Petter
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: © Editora Proposta Editorial. Agradeçemos a Valfrido Lima pela autorização concedida.
Nova Iorque,
Ao Comitê Nacional do Partido Operário,
Sou forçado a colocar diante do Comitê, a questão de minha situação em relação ao recém formado Partido Operário.
A luta fracional no interior do Socialist Workers Party (SWP), seu final, e a recente formação do Partido Operário, foi no meu caso, a ocasião inevitável para que eu revesse minhas próprias crenças teóricas e políticas. Esta revisão, mostrou-me que, sem nenhum exagero terminológico, eu não posso mais me considerar, ou deixar que me considerem, como um marxista.
Entre as mais importantes crenças que têm sido associadas com o movimento marxista, mesmo em suas variantes reformistas, leninistas, stalinistas ou trotskistas não existe na verdade nenhuma que eu aceite em sua forma tradicional. Considero essas crenças ou falsas, ou obsoletas ou sem qualquer significado; ou em alguns poucos casos, somente como a verdade em uma forma muito restrita e modificada, que não poderia mais ser chamada propriamente de marxista.
Este comunicado não significa uma análise elaborada ou um longo credo pessoal. De qualquer forma, desejo ilustrar minha opinião com alguns exemplos específicos:
Como vocês sabem. eu rejeito a "filosofia do marxismo", o materialismo dialético. Na verdade, nunca aceitei esta filosofia. Eu justifiquei esta discrepância e comprometi esta crença com a idéia de que a filosofia era "sem importância" e "não interessava", a não ser enquanto a prática e a política interessassem. A experiência, e mais tarde, o estudo e a reflexão convenceram-me de que estive errado e Trotsky - assim como muitos outros - certos a este respeito. Convenceram-se de que o materialismo dialético, ainda que cientificamente sem significado é, psicológica e historicamente, Parte integral do marxismo e possui muitos e adversos efeitos sobre a prática e a política.
A teoria geral marxista de "história universal", em sua amplitude, não possui qualquer conteúdo empírico, e me parece desprovida da moderna investigação histórica e antropológica.
Em grande parte, a economia marxista me parece tão falsa quanto obsoleta ou sem significado na aplicação ao fenômeno econômico contemporâneo. Aqueles aspectos da economia marxista que me parecem válidos, para mim não justificam a estrutura teórica da Economia.
Não só acredito que é sem sentido dizer que o "socialismo é inevitável", como é falso dizer que o socialismo "é a “única alternativa ao capitalismo", considero que, com base na evidencia que agora, podemos avalisar, uma nova forma de sociedade exploradora (que eu chamo de "sociedade administrativa".) não só é possível como alternativa ao capitalismo, mas no atual período, apresenta-se como muito mais provável de acontecer do que o socialismo.
Como vocês sabem, eu não acredito que a Rússia possa ser considerada um "Estado operário", em qualquer sentido inteligível do termo. Entretanto, esta opinião está relacionada às mais básicas conclusões: por exemplo, que o stalinismo deve ser entendido como uma manifestação das mesmas forças históricas gerais, das quais o fascismo é uma outra manifestação. Ainda possuo dúvidas sobre se esta conclusão aplica-se, também, ao leninismo e ao trotskismo.
Discordo redonda e totalmente — Cannon entendeu isso durante um longo tempo — da concepção leninista de partido, não só com as modificações deste conceito elaboradas por Stálin e Cannon, mas com as de Lênin e Trotsky. Discordo da teoria de partido, mas acima de tudo do padrão de comportamento estabelecido, que revela o caráter do partido como uma realidade viva. O partido de tipo leninista apresenta-se para mim, incompatível com o verdadeiro método científico e com a verdadeira democracia.
À luz de tais crenças, e outras semelhantes, não é preciso dizer que devo rejeitar uma parte considerável dos documentos programáticos do movimento Quarta Internacionalista (aceitos pelo Partido Operário). O documento do "programa de transição" me parece — por mais bonito que ele seja, quando foi apresentado pela primeira vez — mais ou menos, de completo não senso, e um exemplo chave da incapacidade do marxismo para trabalhar a história contemporânea, mesmo nas mãos dos seus mais brilhantes representantes.
Estas crenças, especialmente em seus aspectos negativos — ou seja, na medida em que envolve desacordo com o marxismo — não são todas "repentinas" ou episódicas, nem são simplesmente produtos diretos da recente luta fracional. Várias delas, sempre estiveram comigo. Algumas outras, adquiri há alguns anos. Durante os últimos dois anos, outras se transformaram de dúvidas e incertezas em convicção. A luta fracional serviu somente para me obrigar a torná-las explícitas. e considerá-las mais ou menos em sua totalidade. Naturalmente, compreendo que muitas delas não são "novas" ou "originais" e que ao defender algumas delas, me encontro em muito má companhia. Entretanto, nunca me julguei capaz de julgar a verdade das crenças a partir do caráter moral daqueles que as defendem.
O recém formado Partido Operário é um partido marxista, e mais particularmente, um partido bolchevique, um partido leninista. Não ê uma simples questão de definição. Tal coisa é garantida por seus documentos programáticos (especialmente o documento chave sobre "Os objetivos, as tarefas e a estrutura do Partido Operário"), pelas declarações e convicções da esmagadora maioria de suas lideranças e por uma maioria substancial de seus membros, e pelas atitudes cotidianas de sua maioria. E fortemente simbolizado pelas declarações de cúpula do Labor Action, de que o partido é uma seção da Quarta Internacional, pela declaração de sua revista teórica como um "órgão do marxismo revolucionário", pelos seus reiterados apelos, no documento chave acima mencionado, a respeito das "tradições revolucionárias de Marx, Engels, Lênin e Trotsky", pelos "princípios do marxismo" e pelos episódios dos delegados da conferência, de ligação a Trotsky. Nada na luta fracional indicou uma tendência decisiva que estivesse fora desta orientação; ao contrário, qualquer sugestão profunda que não estivesse nesse sentido, era bloqueada de uma vez para sempre. Na realidade, a cisão do Socialist Workers Party (SWP) não teve por base qualquer fundamento, e o Partido Operário agora existe como uma fração do movimento trotskista. Esta era a verdadeira causa da extrema dificuldade que a facção encontrou para esboçar sua posição sobre "a natureza do partido" e para conseguir diferenciar-se da posição de Cannon. Era difícil fazer isso, e na verdade não foi feito, porque as duas posições, exceto em detalhes e ênfases, não se diferenciavam.
Naturalmente, eu não desejo mitigar minha parcela de responsabilidade no que aconteceu no imediato e no passado mais distante. Desejo aqui, recordar os fatos como eu os vi, entre os quais o fato de que não fui um militante de tempo integral e não aceitei grande parte das responsabilidades a nível organizativo.
A partir dos fatos sobre minhas crenças atuais e do caráter do Partido Operário, inevitavelmente temos as seguintes conclusões: eu não posso ser um membro oficial do Partido Operário; não posso aceitar seu programa e disciplina; não posso falar ou atuar em seu nome. Naturalmente, eu não discordo de todas as coisas defendidas pelo Partido Operário. Penso que o socialismo pode ser uma coisa boa, se puder ser alcançado (apesar de ter visto que o "socialismo, como um ideal moral', está com má reputação entre os marxistas). Eu concordo com a atitude do Partido Operário em relação à guerra, pelo menos na medida em que esta guerra dizia respeito à justa disputa fracional que chegou ao fim. Mas eu concordo também, naqueles pontos, com muitas outras organizações e dezenas de centenas de indivíduos que estão totalmente a parte do Partido Operário. Para expandir isso, eu hajo politicamente, eu não posso confinar o que digo, a fazer rapsódias sobre a vontade de possuir o socialismo e denunciar ambos os campos envolvidos na guerra. Tal coisa chegou até mim, com especial perspicácia, através do primeiro ato público de massas do Partido Operário. Tentei ilustrar o que poderia dizer e não encontrei forma de dizer o que sentia, eu tentei dizer e ainda apareci na tribuna como o porta-voz oficial do grupo. Finalmente, uma vez mais, me comprometi a falar "de forma segura" sobre o terceiro campo e quando terminei, me senti como um mentiroso.
Conseqüentemente, apresentaram-se, para mim, somente duas alternativas:
Continuando como membro do partido, poderia rapidamente lançar uma luta fracional a partir da política proposta em seus documentos. Naturalmente, esta luta poderia ser, de um ponto de vista político e teórico, muito mais ampla e fundamental do que a luta que acabamos de travar com Cannon e, de acordo com o meu ponto de vista, deveria ter como objetivo geral, romper o grupo, de conjunto, para fora do marxismo.
Ou, eu poderia simplesmente me retirar do Partido Operário.
A partir da concepção usual de políticas "principistas" e "responsáveis", o primeiro curso me foi incumbido. Entretanto, não acredito que tal coisa faça sentido, nas atuais circunstâncias. Por outro lado, uma luta fracional, neste momento, no Partido Operário (no qual a minha posição seria defendida por uma pequena minoria), significaria a quebra do grupo, ou no mínimo, sua redução à impotencialidade — e isso começaria com argumentos insuficientes para serem firmados. Aquilo que fosse ganho, não teria valor, porque simplesmente não teria qualquer significado político. Por outro lado, eu, pessoalmente, não desejo me tornar liderança de uma luta como essa. Eu não sou, não fui e não posso ser um "político prático" ou um "homem de organização", e acima de tudo não posso ser um líder.
Assim, a segunda alternativa permaneceu.
Para muitos, foi pensado e dito, que a minha atual crença e decisão é por um lado, uma "racionalização” da pressão de um meio pessoal burguês e confortável, e por outro, da influência da terrível derrota do trabalho e da humanidade durante os últimos vinte anos e na crise da guerra.
Eu seria o último a pretender que qualquer pessoa pudesse ser tão impetuoso a ponto de imaginar que conhece claramente os motivos e origens de suas próprias ações. Esta carta, em seu conjunto, é uma forma muito elaborada de dizer uma simples sentença: "Eu me sinto desistindo da política". Certamente, trata-se do caso de me sentir influenciado pelas derrotas e traições dos últimos vinte ou mais anos. Isto faz parte da evidência, para a minha crença, de que o marxismo deve ser rejeitado: para cada um dos muitos testes proporcionados pela história, o movimento marxista ou falhou com relação ao socialismo, ou o traiu. E eles também influenciaram meus sentimentos e atitudes, eu sei disso.
Quanto à minha "vida pessoal", quem poderia saber qual é o ovo e qual é a galinha, se não existe qualquer vontade de se integrar nas confusas crenças da política marxista ou se claras crenças impedem que alguém participe inteiramente da política marxista? Eu confesso, estou um pouco cansado do hábito de prestar contas aos meus opositores e críticos, de decidir disputas cientificas, com pretensas referências à "racionalizações" e "pressões e influências de classe alienadas". Porque, este hábito é parte bem estabelecida da tradição marxista, e não a última das minhas objeções ao marxismo.
Minha crença são fatos; e as derrotas e traições, o meu modo de vida e preferências, também são fatos. São assim, apesar da verdade sobre fontes, origens e motivos.
Portanto, não reconheço ou sinto, sobre qualquer base ideológica, teórica ou política, qualquer vinculo ou lealdade e ao Partido Operário (ou a qualquer partido marxista). Simplesmente, é este o caso, e não quero discorrer muito sobre isso, ou de qualquer outro caso.
Infelizmente, ainda permanece um fator. Este fator é o senso de obrigação e responsabilidade moral ao meu próprio passado — sete anos dominado, inadequadamente, mas totalmente dominado, pelo marxismo ou qualquer outra estrutura semelhante, e não pode ser apagado por uns poucos minutos sentado diante de uma máquina de escrever — e mais especialmente, ao passado de outras pessoas que foram influenciados por mim em suas idéias e ações. Trotsky e Cannon explorarão minha decisão como uma confirmação de suas opiniões — o afastamento de Burnham será, de acordo com a sua notável mas humanamente ininteligível lógica, prova da verdade de suas opiniões sobre o caráter da guerra, a natureza do estado russo e o papel da Rússia na guerra. Para muitos membros do Partido Operário, minha renúncia parecerá como uma deserção. De um ponto de vista moral e pessoal, não posso concordar com a existência de uma grande dose de verdade neste julgamento posterior.
Porém, este fato pesado em relação aos outros, é suficiente para decidir minhas ações. Na verdade, agora parece-me claro que se não fosse por essas considerações morais e pessoais, eu teria deixado o partido há alguns anos atrás. Com base em crenças e interesses (que também são um fato), durante muitos anos eu não tive qualquer lugar real em um partido marxista.
Este comunicado constitui minha renúncia definitiva do grupo. Entretanto, devido à obrigação que reconheço, eu estou, dentro de estreitos limites preparado para discutir com o Comitê, se este assim o desejar, a forma de minha separação. Existem quatro alternativas:
1. O Comitê pode me expulsar. Não seria difícil encontrar bases para a expulsão: eu já escrevi um artigo, que se publicado na imprensa não-partidária (e existe possibilidade para isso), proporcionaria essa base.
2. Eu posso simplesmente me retirar do grupo e de suas atividades, sem qualquer comunicado especial.
3. Posso, prioritariamente, prometer uma "ausência" por seis meses. Se esta for a alternativa escolhida, não poderá haver qualquer confusão. O futuro nunca é certo, mas a probabilidade de uma saída como esta chegar a um fim, seria, na verdade, muito remota.
4. Finalmente, estou preparado, caso o Comitê sinta que isto fará qualquer grande diferença para o primeiro período de existência independente do grupo, a sustentar uma forma de colaboração parcial com o grupo nos próximos dois meses. Essencialmente, tal coisa consistiria em escrever artigos assinados e não assinados para a imprensa partidária, que estejam de acordo com a posição do partido; e durante este período, não participar de atos contrários ao partido e seu programa. Após estes dois meses, qualquer das outras três alternativas poderiam ser colocadas em prática. Eu não gostaria desta quarta solução, para ser honesto, mas como já disse, estou preparado para aceitá-la.
Para mim, escrever esta carta foi uma tarefa dolorosa e difícil. Não é, de forma alguma, um ato impulsivo, mas foi precedido da mais cuidadosa e longa deliberação. Acima de tudo, estou ansioso em conseguir não ter dado qualquer impressão de que procurei me desculpar ou atenuar a mim mesmo, minhas fraquezas, deficiências ou falhas. Não pretendo responsabilizar outras pessoas ou a história pelas minhas faltas. Quando digo que rejeito o marxismo, não quero dizer que eu sou desprezível, ou que me considero "superior aos" marxistas. De forma alguma. Acreditem-me, sou humilde diante da lealdade, sacrifício e heroísmo de muitos marxistas — qualidades encontradas, amplamente, dentro das fileiras do Partido Operário. Porém, não posso agir de outra forma, a não ser como esta que agora faço.
Acreditando no que faço, não posso desejar sucesso ao Partido Operário; mas desejo o bem de seus membros. Na medida em que cada um de nós, em seu próprio caminho e arena, preserva valores, verdades e liberdade, espero que continuemos a nos considerar camaradas, apesar dos nomes que usarmos e dos rótulos que estejam pregados em nossas testas.
Fraternalmente seu,
James Burnham
Inclusão | 03/09/2009 |