Os Moralistas Pequeno-Burgueses e o Partido Proletário

Leon Trotsky

23 de Abril de 1940

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Primeira Edição: Leon Trotsky, In Defense of Marxism, New York 1942.
Fonte: "Em Defesa do Marxismo", publicação da Editora "Proposta Editorial"
Tradução: Luís Carlos Leiria e Elisabeth Marie
Transcrição: Icaro Daniel Petter
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: © Editora Proposta Editorial. Agradeçemos a Valfrido Lima pela autorização concedida.


A discussão no Socialist Workers Party dos Estados Unidos foi profunda e democrática(1). A preparação do Congresso realizou-se com absoluta lealdade. A minoria participou no Congresso reconhecendo assim sua legalidade e autoridade. A maioria ofereceu à minoria todas as garantias necessárias para que continuasse a luta por seus pontos de vista depois do Congresso. A minoria exigia que lhe fosse permitido dirigir-se às massas, passando por cima do partido. A maioria recusou, naturalmente, esta monstruosa pretensão. Entretanto, pelas costas do partido, a minoria entregava-se a obscuras maquinações e apropriava-se de New lnternational. que tinha sido publicada com os esforços de todo o partido e da Quarta Internacional. Devo acrescentar que a maioria tinha concordado em dar à minoria dois dos cinco postos do comitê de redação deste órgão teórico. Mas. como urna "aristocracia" intelectual pode continuar sendo minoria em um partido operário? No final das contas, pôr um professor no mesmo plano que um operário, é "conservadorismo burocrático"!

Em seu recente artigo polêmico contra mim, Burnham explica a que o socialismo é um "ideal moral'. Na verdade, isto não é nada novo. No início do século passado, a moral serviu de base ao "verdadeiro socialismo alemão" que Marx e Engels submeteram à critica no próprio começo de suas atividades. No começo do nosso século. os socialistas revolucionários russos contrapunham o "ideal moral" ao socialismo materialista. Lamento dizer que esses defensores da moral se transformaram em vulgares vigaristas no campo da política. Em 1917, traíram completamente os operárias a favor da burguesia e do imperialismo estrangeiro.

Uma larga experiência política ensina-me que cada vez que um professor pequeno-burguês ou um jornalista começam a falar de elevados níveis morais, é necessário “levar as mãos aos bolsos”. Desta vez também foi assim. Em nome de um “ideal moral” um intelectual pequeno-burguês roubou o órgão teórico do bolso do partido proletário. Aqui têm um exemplo vivo dos métodos organizativos destes inovadores, moralistas e paladinos da democracia.

Que é democracia partidária aos olhos de um pequeno-burguês “culto”? Um regime que lhe permita dizer e escrever o que lhe apeteça. Que é o “burocratismo” aos olhos de um pequeno-burguês “culto”? Um regime no qual a maioria proletária fortalece com métodos democráticos suas decisões e disciplina. Operários, tenham isto bem presente!

A maioria pequeno-burguesa do SWP rompe com a maioria proletária na base de uma luta contra o marxismo revolucionário. Burnham proclamou que o materialismo dialético é incompatível com a sua roída “ciência”. Shachtman proclamou que o marxismo revolucionário não tinha nenhuma importância do ponto de vista das “tarefas práticas”. Abern apressou-se a entrar com sua seita no bloco antimarxista. E agora estes cavalheiros chamam a revista que roubaram ao partido de “um órgão do marxismo revolucionário”. O que é isto se não charlatanice ideológica? Que os leitores exijam destes editores a publicação do único trabalho programático da minoria, ou seja, o artigo de Burnham “Ciência e Estilo”. Se os editores não se dispuserem a imitar o comerciante que oferece mercadoria estragada sob embalagens chamativas, se sentiriam obrigados a publicar este artigo. Todo o mundo poderia então ver por si mesmo, o tipo de “marxismo revolucionário” que se expõe aí. Mas não se atreverão a fazê-lo. Têm vergonha de mostrar seus verdadeiros rostos. Burnham está acostumado a esconder na sua pasta os artigos e resoluções demasiado reveladores, enquanto que Shachtman tomou como profissão servir de advogado de concepções alheias, e carece, por isso de concepções próprias.

Os primeiros artigos “programáticos” do órgão roubado já revelam a frivolidade e vacuidade deste novo agrupamento antimarxista que aparece sob o rótulo de “terceiro campo”. Que animal é este? Existe o campo do capitalismo; existe o campo do proletariado. Mas existe, talvez um “terceiro campo”: um santuário pequeno-burguês? Não é, na realidade, outra coisa. Mas, como sempre, o pequeno-burguês camufla seu “campo” com as flores de papel da retórica. Prestemos atenção! Aqui há um campo: França e Inglaterra. Aqui outro: Hitler e Stalin. E aí um terceiro campo: Burnham, com Shachtman. Para eles, a Quarta Internacional está no campo de Hitler, já faz tempo que Stalin fez essa descoberta. E daí surge uma grande palavra-de-ordem: Pacifistas e desorientados do mundo, todos os que sofreis as alfinetadas do destino, uni-vos ao "terceiro" campo!

Mas o fato é que os dois campos beligerantes não esgotam de maneira alguma o mundo burguês. Onde colocar os países neutros e semi-neutros? Onde colocar os Estados Unidos? Que lugar dar à Itália e ao Japão? E os países escandinavos? E a Índia? E a China? Não nos referimos ao proletariado revolucionário indiano ou chinês, mas sim à Índia e China como países oprimidos. O esquema escolar dos três campos esquece um pequeno detalhe: o mundo colonial, a maior parte da humanidade!

A índia participa na guerra imperialista ao lado da Grã-Bretanha. Quer isto dizer que a nossa atitude em relação à Índia - não em relação aos bolcheviques indianos, mas sim à Índia - é a mesma que em relação à Grã-Bretanha? Se existem neste mundo, além de Burnham e Shachtman, só dois campos imperialistas, então permita-me perguntar: onde colocar a Índia? Um marxista dirá que apesar da Índia ser parte integrante do Império Britânico e participar na guerra imperialista; apesar da pérfida política de Gandhi e de outros líderes nacionalistas, nossa atitude em relação à Índia é radicalmente diferente de nossa atitude em relação à Inglaterra. Defendemos a Índia contra a Inglaterra, Porque é que então, nossa atitude em relação à União Soviética não pode ser distinta de nossa atitude em relação à Alemanha, apesar do fato de Stalin estar aliado a Hitler? Porque não podemos defender as formas sociais mais progressivas que são capazes de desenvolvimento contra as formas reacionárias que só são capazes de decomposição? Não só podemos, como devemos fazê-lo! Os teóricos da revista roubada substituem a analise de classe por uma construção mecânica muito do agrado dos intelectuais pequeno-burgueses, precisamente por sua pseudo-simetria, Assim como os stalinistas camuflam sua subordinação ao nacional-socialismo (os nazis), com duros epítetos dirigidos às democracias imperialistas, Shachtman e Cia. escondem sua capitulação perante a opinião pública pequeno-burguesa dos Estados Unidos com a pomposa fraseologia do "terceiro campo", Como se este "terceiro campo" (que é? um partido? um clube? uma Liga de Esperanças Abandonadas? uma "Frente Popular"?) estivesse livre da obrigação de ter uma política correta em relação à pequena-burguesia, os sindicatos, a Índia e a URSS!

Há poucos dias, Shachtman chamou a si mesmo de "trotskista", na imprensa. Se isto é trotskismo, eu pelo menos não sou trotskista, Não tenho nada em comum com as atuais idéias de Shachtman, sem falar das de Burnham. Acostumei-me a colaborar assiduamente com New lnternational, protestando, em cartas, contra a frívola atitude de Shachtman em relação à teoria e suas concessões sem princípios a Burnham, o pedante pavão real pequeno-burguês. Mas nessa altura, Burnham e Shachtman eram mantidos em cheque pelo partido e a Internacional. Atualmente, a pressão dos democratas pequeno-burgueses, liberou-os. Minha atitude em relação à sua nova revista só pode ser a mesma que tenho em relação a todos os demais abortos do marxismo. Quanto aos seus "métodos organizativos" e à sua "moral" política, não me inspiram mais do que desprezo.

Se os agentes conscientes do inimigo de classe tivessem atuado através de Shachtman, não o teriam aconselhado melhor, para que fizesse tudo o que fez. Uniu-se aos elementos antimarxistas para travar uma luta contra o marxismo. Ajudou a unificar uma fração pequeno-burguesa contra os operários. Absteve-se de utilizar a democracia interna do partido e de realizar um esforço honesto para convencer a maioria proletária. Realizou uma cisão sob as condições de uma guerra mundial. E para culminar, atirou sobre esta cisão o véu de um sujo e desprezível escândalo, que parece especialmente maquinado para fornecer munições aos nossos inimigos. Estes são os "democratas", e esta é a sua "moral"!

Mas tudo isto não servirá para nada. Estão na bancarrota. Apesar das traições dos intelectuais vacilantes e das vigarices baratas de todos os seus primos democráticos, a Quarta Internacional continuará o seu caminho adiante, criando e educando uma verdadeira seleção de revolucionários proletários capazes de entender o que é o Partido, o que significa a lealdade à bandeira e o que significa a disciplina revolucionária.

Operários conscientes! Nem uma grama de confiança na "terceira frente" da pequena-burguesia!


Notas:

(1) O emprego no pretérito responde ao fato de que, por ocasião do Congresso do Socialist Workers Party, realizado em princípios de abril de 1940, a minoria já tinha cindido. (retornar ao texto)

Inclusão 12/08/2009