Na Escala da História Universal

Leão Trotsky

1921


Escrito: Discurso  diante da organização de Moscou do partido, prestando contas do 3º Congresso da Internacional Comunista, 1921.
HTML por: Fernando A. S. Araújo para o Marxists Internet Archive, julho/2005
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Camaradas, a teoria do marxismo determinou a primeira das condições e as leis da evolução histórica. No que diz respeito às revoluções, a teoria de Marx, pela pena do próprio Marx, no prefácio de sua obra "Contribuição à Crítica da Economia Política", estabeleceu aproximadamente a seguinte proposição: nenhum regime social desaparece antes de desenvolver suas forças produtivas até ao máximo que pode ser atingido por esse regime, e um novo regime social somente pode aparecer se, previamente, existam no regime antigo as condições econômicas necessárias.

As Premissas Materiais da Revolução

Esta verdade, que é fundamental para a política revolucionária, conserva para nós hoje todo seu incontestável valor diretriz. Entretanto, mais de uma vez, compreendemos o marxismo de uma maneira mecânica e simplista, portanto falsa. Por outro lado, também podem ser tiradas falsas conclusões da proposição citada acima. Marx diz que um regime social deve desaparecer quando as forças produtivas (a técnica, o poder do homem sobre as forças naturais) não podem mais desenvolver-se no quadro deste regime. Do ponto de vista do marxismo, a sociedade histórica, tomada enquanto tal, constitui uma organização coletiva de homens que tem como objetivo o crescimento de seu poder sobre a natureza.

Esse objetivo, certamente, não é imposto de fora aos homens, são eles próprios que, no curso de sua evolução, lutam para atingi-lo, adaptando-se às condições objetivas do meio e aumentando cada vez mais seu poder sobre as forças elementares da natureza. A proposição de que as condições necessárias para uma revolução – para uma revolução social profunda, não para golpes de Estado políticos, por mais sangrentos que sejam –, para uma revolução que substitua um regime econômico por outro, nascem somente a partir do momento em que o regime social antigo começa a entravar o desenvolvimento das forças de produção, o que não significa de nenhuma forma que o regime social desabará infalivelmente e por si próprio quando se tornar reacionário do ponto de vista econômico, isto é, a partir do momento em que começar a entravar o desenvolvimento do poderio técnico do homem.

De nenhuma forma: pois se as forças de produção constituem a potência motriz da evolução histórica, esta evolução, entretanto, não se produz por fora dos homens, mas pelos homens. As forças de produção, isto é, o poder do homem social sobre a natureza, se acumulam, é verdade, independentemente da vontade de cada homem em separado, e só dependem pouco da vontade geral dos homens de hoje, pois a técnica representa um capital já acumulado que nos foi legado pelo passado e que, seja nos empurra para a frente, seja, em certas condições, nos retém. Contudo, quando essas forças de produção, essa técnica, começam a se sentir estreitadas no quadro de um regime de escravidão, de servidão ou ainda de um regime burguês, e quando uma mudança das formas sociais se torna necessária para a evolução posterior do poder humano, então esta evolução se produz não por si própria, como um nascer ou por do sol, mas graças a uma ação humana, graças a uma luta dos homens, reunidos em classes.

A classe social que dirigia a sociedade antiga, tornada reacionária, deve ser substituída por uma nova classe social, a qual traz o plano de um novo regime social, correspondente às necessidades do desenvolvimento das forças produtivas, e que está pronta para realizar este plano. Mas nem sempre ocorre que uma nova classe, suficientemente consciente, organizada e poderosa para destronar os antigos senhores da vida e para abrir a via para novas relações sociais, apareça justo no momento em que o regime social antigo sobrevive, isto é, torna-se reacionário. Isto não se passa sempre assim. Ao contrário, ocorreu mais de uma vez na história que uma sociedade antiga havia se esgotado – como, por exemplo, o regime do escravismo romano, e antes dele, as antigas civilizações da Ásia nas quais o regime do escravismo havia impedido o desenvolvimento das forças produtivas – , mas nesta sociedade esgotada não havia nova classe suficientemente forte para depor os senhores e estabelecer um novo regime, o regime da servidão, constituindo este último um passo avante em relação ao regime antigo.

No regime da servidão, por sua vez, nem sempre havia, no momento necessário, nova classe (a burguesia) pronta a abater os feudais e abrir a via à evolução histórica. Ocorreu mais de uma vez na história que uma certa sociedade, uma nação, um povo, uma tribo, vários povos ou nações que viviam em condições históricas análogas, se encontraram diante da impossibilidade de desenvolvimento posterior, nos quadros de um dado regime econômico (regime de escravismo ou da servidão).

Como nenhuma nova classe ainda existia que pudesse dirigir numa nova via, esses povos, essas nações, se decompuseram; uma civilização, um Estado, uma sociedade deixaram de existir. Assim, a humanidade nem sempre marchou de baixo para cima, seguindo uma linha sempre ascendente. Não, ela conheceu longos períodos de estagnação e recuo para a barbárie. Sociedades se elevaram, atingiram um certo nível, mas não puderam continuar nestes patamares... A humanidade não continua no seu lugar; seu equilíbrio, como resultado das lutas de classes e das nações, é instável. Se uma sociedade não pode ascender, ela cai, e se não existe nenhuma classe que possa levantá-la, ela se decompõe e abre a via para a barbárie.

Para compreender este problema extremamente complexo, não basta, camaradas, considerações abstratas como as que exponho a vocês. É preciso que os jovens camaradas, pouco habituados com essas questões, estudem obras históricas para se familiarizarem com a história de diferentes países e povos, em particular com a história econômica. Somente assim poderão compreender de forma clara e completa o mecanismo interno da sociedade. É preciso bem entender este mecanismo para aplicar com justeza a teoria marxista à tática, isto é, à prática na luta de classes.

Os Problemas da Tática Revolucionária

Quando se trata da vitória do proletariado, certos camaradas imaginam a coisa de um modo demasiado simples. Temos neste momento, não só na Europa mas em todo o mundo, uma tal situação que podemos dizer, desde o ponto de vista marxista, com absoluta certeza: o regime burguês atingiu o final de seu desenvolvimento.

As forças de produção não mais podem desenvolver-se no quadro da sociedade burguesa. Com efeito, o que vemos no curso desses dez anos é a ruína, a decomposição da base econômica da humanidade capitalista e uma destruição mecânica das riquezas acumuladas. Estamos atualmente em plena crise, uma crise terrível, desconhecida na história do mundo e que não é uma simples crise, vinda em hora "normal" e inevitável nos processos de desenvolvimento das forças produtivas no regime capitalista; esta crise marca hoje a ruína e a decomposição das forças produtivas da sociedade burguesa. Pode ser que existam ainda altos e baixos, mas em geral, como expus aos camaradas nesta mesma sala há um mês e meio, a curva do desenvolvimento econômico tende, através de todas suas oscilações, para baixo e não para cima. Entretanto, isto quer dizer que o fim da burguesia chegará automática e mecanicamente? De nenhuma forma.

A burguesia é uma classe viva, que cresceu sobre bases econômicas e produtivas determinadas. Esta classe não é um produto passivo do desenvolvimento econômico, mas uma força histórica ativa e viva.

Esta classe sobreviveu a si própria, isto é, ela se tornou o mais terrível freio para a evolução histórica. Mas isso não quer dizer, de nenhuma maneira, que esta classe esteja disposta a cometer um suicídio histórico, que ela esteja pronta para dizer: " A teoria científica da evolução tendo reconhecido que eu me tornei reacionária, eu abandono a cena." É evidente que isso não está em questão. Por outro lado, não é tampouco suficiente que o partido comunista reconheça a classe burguesa como condenada e devendo ser suprimida para que, em razão disso, a vitória do proletariado já esteja assegurada. Não, é preciso ainda vencer e botar abaixo a burguesia!

Se fosse possível continuar desenvolvendo as forças produtivas no quadro da sociedade burguesa, a revolução, em geral, não poderia ser feita. Mas, não sendo mais possível o desenvolvimento posterior das forças de produção no quadro da sociedade burguesa, a condição fundamental da revolução está, por isso mesmo, realizada.

Contudo, a revolução já significa por si própria uma viva luta de classes. A burguesia, por mais contrária que seja às necessidades da evolução histórica, continua ainda a classe social mais poderosa. Podemos dizer, ainda mais, que do ponto de vista político, a burguesia atinge o máximo de seu poderio, da concentração de suas forças e meios políticos e militares, de mentira, violência e provocação, vale dizer, o máximo do desenvolvimento de sua estratégia de classe, no mesmo momento em que ela está mais ameaçada pela sua perdição social.

A guerra e suas conseqüências terríveis - e a guerra era inevitável, com as forças produtivas não mais podendo desenvolver-se no quadro da sociedade burguesa -, mostraram à burguesia o perigo ameaçador de sua perdição. Fato que elevou ao mais alto grau o seu instinto de conservação de classe. Quanto maior o perigo, mais uma classe, tal como um indivíduo, tensiona todas suas forças vitais na luta pela sua conservação.

Não esqueçamos também que a burguesia encontrou-se face a face com um perigo mortal depois de haver adquirido a maior experiência política. A burguesia havia criado e destruído todo tipo de regimes. Ela se desenvolvia na época do puro absolutismo, da monarquia constitucional, da monarquia parlamentar, da república democrática, da ditadura bonapartista, do Estado ligado à Igreja católica, do Estado ligado à Reforma, do Estado separado da Igreja, do Estado perseguidor da Igreja etc. Toda esta rica e variada experiência, que penetrou no sangue e na medula dos meios dirigentes da burguesia, servem-lhe hoje para conservar seu poder a qualquer preço. Ela age com tanto maior inteligência, finura e crueldade, quanto o perigo que a ameaça é reconhecido pelos seus dirigentes.

Se analisamos superficialmente este fato, encontraremos uma certa contradição: tínhamos julgado a burguesia diante do tribunal do marxismo, isto é, reconhecemos, através de uma análise científica do processo histórico, que ela sobrevivia a si própria, e, contudo, ela dá provas de uma vitalidade colossal. Na realidade não há qualquer contradição; é o que chamamos, no marxismo, a dialética.

O fato é que a economia, a política, o Estado, a pressão da classe operária – lados diferentes do processo histórico – não se desenvolvem simultânea e paralelamente.

A classe operária não se desenvolve ponto a ponto, paralelamente ao crescimento das forças de produção, e a burguesia não desaparece à medida que o proletariado cresce e se solda. Não, a marcha da história é outra.

As forças de produção desenvolvem-se através de saltos; às vezes progridem com rapidez, outras vezes recuam. A burguesia, por sua vez, também desenvolveu-se por saltos; o mesmo para a classe operária. No momento em que as forças produtivas do capitalismo chocam-se com um muro, não podendo mais progredir, vemos a burguesia reunir em suas mãos o exército, a polícia, a ciência, a escola, a Igreja, o parlamento, a imprensa, os guardas brancos, segurar fortemente as rédeas e dizer, em pensamento, à classe operária: "Sim, minha situação é perigosa. Vejo um abismo se abrindo diante dos meus pés. Mas vamos ver quem vai cair primeiro neste abismo. Pode ser que antes de minha morte, se verdadeiramente devo morrer, conseguirei, classe operária, te empurrar para o precipício!"

O que significaria isso? Simplesmente uma destruição da civilização européia no seu conjunto. Se a burguesia, condenada à morte do ponto de vista histórico, encontrar nela própria suficiente força e energia, poderio para vencer a classe operária nesse combate terrível que se aproxima, isto significaria que a Europa estaria condenada à decomposição econômica e cultural, como já ocorreu com muitas outros países, ações e civilizações.

Dito de outra forma, a história nos levou a um momento em que a revolução proletária tornou-se absolutamente indispensável para a salvação da Europa e do mundo. A história nos forneceu uma premissa fundamental para o êxito dessa revolução, no sentido que a nossa sociedade não pode mais desenvolver suas forças produtivas apoiando-se numa base burguesa. Mas a história não se encarrega, por isso, de resolver este problema no lugar da classe operária, dos políticos da classe operária, dos comunistas.

Não, ela parece dizer à vanguarda operária (imaginamos a história na forma de uma pessoa colocada acima de nós), ela diz à classe operária: "É preciso que você saiba que vai perecer debaixo das ruínas da civilização, se você não derrotar a burguesia. Tente, resolva o problema!" Tal é, no presente, o estado de coisas.


Inclusão 28/07/2005