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Primeira Edição: Assinado sob o pseudónimo de Aldebaran [NT].
Traduzido do Alemão: Sérgio Antão Paiva, jan. 2012.
Fonte: Centro de Estudos Victor Myer.
Transcrição: Sérgio Antão Paiva
HTML: Fernando A. S. Araújo
As particularidades da atualidade foram abstraídas intencionalmente. Trata-se aqui somente de mostrar, em poucas palavras, as linhas principais da política internacional após a II Guerra Mundial e de discutir alguns dos conceitos básicos daí decorrentes.
Além disso, aqui não se trata de desejos, intenções ou planos, mas sim, de uma análise e de um resumo dos fatos e das forças motrizes pertinentes.
A constelação política internacional antes da II Guerra Mundial mostra os seguintes agrupamentos principais:
O desenrolar dos fatos da II Guerra Mundial mostrou que as contradições entre os dois campos imperialistas superaram sua contradição conjunta com a União Soviética. Uma frente imperialista conjunta contra a União Soviética não se materializou. A União Soviética teve que pagar um grande preço por isso. O preço foi a renúncia de conduzir a guerra como uma guerra revolucionária. Antes de tudo, isso incluiu a renúncia da União Soviética de revolucionar a Alemanha durante a guerra. A revolução socialista na Alemanha foi a vítima principal da coalizão de um estado socialista com duas potências mundiais imperialistas. Esse foi o preço para a conservação da cisão do campo imperialista durante todo o curso da guerra, sem a qual o estado soviético não teria sobrevivido. O preço pago pelos aliados imperialistas foi o avanço das fronteiras do estado soviético e de sua "esfera de influência" até os rios Elba e Neisse e o Mar Adriático.
O fim da II Guerra Mundial simplifica extremamente a constelação política mundial e, com isso, a exacerba. A divisão profunda no campo imperialista desapareceu com a vitória completa dos aliados.
O "mundo único" de Willkie(1) é uma fantasia, mas a essência do campo imperialista único é uma realidade. Os imperialistas derrotados na II Guerra Mundial foram empurrados pelos imperialistas vencedores para o submundo dos povos coloniais ou semicoloniais, que não são os sujeitos, mas sim, os objetos da política imperialista.
Contudo, mesmo o mundo dos povos coloniais e semicoloniais saiu da II Guerra Mundial com um impulso enormemente fortalecido para a independência dos estados. Esse foi o outro preço que os imperialistas tiveram que pagar pela luta que travaram entre si.
No campo imperialista, obviamente, nem todas as contradições desapareceram, mas o resultado fundamental é a predominância de sua unidade contra os dois grupos restantes: o estado soviético e sua esfera de influência e o grupo dos povos coloniais ou semicoloniais. Essa predominância da unidade no campo imperialista é, antes de tudo, a consequência de um fato: o peso militar e econômico dominante, adquirido durante a guerra, pelos Estados Unidos em relação à Inglaterra e, ainda mais, em relação às outras potências imperialistas menores. Antes de tudo, o decisivo aqui é que o peso da frota americana não é mais comparável com o da inglesa. Depois da II Guerra Mundial, a Inglaterra não pode mais conduzir uma guerra contra os Estados Unidos. Ela deve se subordinar a eles.
Assim, o quadro da constelação mundial após a II Guerra Mundial é o seguinte, em grandes traços:
Abstraindo-se o grupo dos povos coloniais e semicoloniais pertencentes ao submundo (mesmo que rebelde) da política mundial, então o traço fundamental da situação política internacional agora é que os campos imperialista e socialista (sob a forma da União Soviética) encontram-se imediatamente em oposição.
Os rios Elba e Neisse e o Mar Adriático não são agora apenas fronteiras políticas, mas sim, sociais: as fronteiras de dois sistemas econômicos e sociais contraditórios.
Essa simplificação encerra uma exacerbação das contradições em si.
Também no campo da União Soviética não faltam as matizes, as diferenças e até mesmo as contradições. Mas, em relação ao campo imperialista, predomina aqui também o terreno comum dos objetivos sociais fundamentais.
Houve um entrelaçamento tão estreito das políticas externa e interna, realmente uma espécie de fusão dos dois âmbitos, como nunca antes ocorrera, abstraída a época das guerras napoleônicas, ou seja, da revolução burguesa.
Em ambos os campos principais da política internacional o objetivo é orientar e moldar as condições sociais, econômicas e políticas de cada estado dominado, ou fortemente influenciado, no sentido do seu próprio sistema social.
É claro que a contradição real não é entre "democracia" de um lado e "ditadura" ou "totalitarismo" do outro, como a propaganda apresenta.
A contradição real é entre o objetivo capitalista de um lado e o socialista do outro. Assim, aqui onde o status quo social é burguês, trata-se da sua conservação e, com isso, das relações de classes vigentes; lá, trata-se da transformação do status quo na direção do socialismo e da retirada de poder das classes até então dominantes. Em ambos os casos, o papel decisivo fica por conta da violência militar e econômica, de forma aberta ou encoberta.
Enquanto o conflito entre ambos os campos ainda não é aberto e agudo, isto é, enquanto não há guerra, ambos se movimentam em etapas para atingir seus objetivos. Ambos os campos fantasiam, por enquanto, seus objetivos com a bandeira aparentemente conjunta da "democracia" — só que ela encobre aqui e lá realidades opostas. É também sob essa camuflagem que a União Soviética e seus partidários proclamam a inviolabilidade da propriedade burguesa e começam com remodelações tais que ainda se assentam, de fato, dentro da estrutura burguês-capitalista, mas logo a extrapolam, na medida em que uma das classes dominantes é expropriada de seu poder político ou econômico: como no caso da divisão da grande propriedade nos Bálcãs, na Hungria, na Alemanha do Norte, etc.
A Itália, a Grécia, as zonas de ocupação anglo-saxônicas da Alemanha são exemplos claros e excelentes dos verdadeiros métodos utilizados do outro lado e de sua máscara propagandística.
Esses traços de política interna dentro das duas esferas de poder objetivam, em última instância, a alteração gradual e a transformação sucessiva da correlação de forças da política externa. São componentes do posicionamento estratégico dos dois campos um contra o outro; de fato, são seus componentes principais. Como etapas e aspectos parciais antes do conflito decisivo, são compromissos transitórios.
Mas seria falso acreditar que, com isso, a própria ação dos povos e dos estados assim influenciados esteja eliminada para sempre. Os povos não são apenas peças de xadrez no jogo da política internacional. A estratégia dos estados dominantes em ambos os campos é uma coisa, a vida própria dos povos e sua ação, segundo seus próprios antecedentes de classe e suas necessidades, são outra coisa — e as contradições desses dois fatores pertencem ao quadro da realidade, não são momentos que se possam omitir do jogo de forças.
Mas também vale o contrário: as lutas de classes espontâneas dos povos e estados em um ou outro campo não podem simplesmente abstrair o quadro geral da política internacional. Aqui domina a interação mais estreita e multiforme.
Este é o terceiro resultado decisivo da II Guerra Mundial. Ele já fora previsto por Friedrich Engels no final dos anos 80 como o resultado certo de uma futura guerra mundial e avaliado com visão e profundidade quanto a sua enorme influência nas relações econômicas e sociais da Europa.
Numa carta de 7 de janeiro de 1888, que tratava da perspectiva de uma grande guerra européia, Engels escreveu a seu velho amigo e companheiro de lutas Sorge, que emigrara para a América, mas permanecera em contato contínuo com Marx e Engels:
"Se a guerra sem movimentos internos fosse levada adiante até o fim, então ocorreria uma exaustão como a Europa não experimentou nos últimos duzentos anos. A indústria americana venceria então em toda a linha e nos colocaria diante da alternativa: ou a recaída para a mera agricultura de subsistência (o grão americano proíbe todas as outras) ou mudança social".
A suposição na carta de Engels era a de uma guerra européia na qual os Estados Unidos não participassem. De fato, os Estados Unidos participaram nas duas últimas guerras mundiais. O resultado, entretanto, corresponde essencialmente ao admitido por Engels: uma tremenda destruição e exaustão na Europa, que ultrapassa de longe a da Guerra dos 30 Anos, enquanto os Estados Unidos não só ficaram poupados dessa destruição como elevaram enormemente seu aparato produtivo e a produtividade do trabalho e ganharam uma superioridade industrial e financeira esmagadora sobre a Europa como um todo.
A previsão de Engels das consequências dessa superioridade para a Europa é genérica, como não poderia ser diferente. Nessa generalidade, a previsão é hoje tão correta e convincente como era há 58 anos. Em aberto ficaram as questões das formas determinadas nas quais se expressam a supremacia econômica dos Estados Unidos e o fator tempo.
Entrementes, apresentou-se uma série de fatos que nos permitem caracterizar mais de perto a previsão de Engels:
A Inglaterra, quando era superior a todos os demais países industriais, conquistou a supremacia no mercado mundial por meio do livre-mercado. Os Estados Unidos utilizam, se não o mesmo instrumento, uma arma semelhante: a política de "portas abertas", isto é, forçar a entrada de suas mercadorias e capitais em territórios que eram anteriormente monopólios de outras potências. Os Estados Unidos utilizam para isso uma série de meios políticos e econômicos que não serão enumerados aqui em detalhe.
Assim, o capitalismo americano investe contra dois tipos de barreiras: a primeira, a dos outros imperialistas (Inglaterra, França); a segunda, a dos territórios econômicos socialistas, da economia soviética com o seu monopólio do comércio exterior e das esferas de influência da economia soviética. O esforço geral do imperialismo americano é o de afrouxar as amarras para a sua expansão, reduzi-las e, finalmente, explodi-las. A velocidade e a força com a qual essa tendência geral procura se fazer valer mudará de acordo com as circunstâncias. Por exemplo, não constitui para a economia americana nenhuma necessidade imediata a de derrubar os portões da economia soviética. Mas é previsível que esse dia chegará. A economia americana está interessada agora em impedir, ou ao menos atrasar a transição de outros países capitalistas para formas econômicas socialistas, pois cada novo território econômico socialista significaria uma nova barreira para a sua possível expansão. Portanto, o capital americano precisa tentar e tenta postergar a saída socialista dos países capitalistas europeus diante do dilema que a supremacia econômica americana lhes coloca.
Assim, a supremacia econômica americana exerce sobre os países capitalistas da Europa um efeito duplo e, ao mesmo tempo, contraditório: deixar a transição para formas econômicas socialistas como a única saída que é historicamente progressista e, ao mesmo tempo, lhes tentar impedir essa saída, no interesse da expansão econômica americana, obrigando-os a ir para o outro caminho, que os jogaria de volta atrás ainda do capitalismo.
A alternativa formulada por Marx já há 100 anos — progresso para o socialismo ou retrocesso para a barbárie — tomou, assim, no terreno económico, essa forma: ou o progresso para formas de socialismo de estado como a próxima etapa para ir à frente ou o retrocesso para formas económicas pré-capitalistas, para formas coloniais de economia. O "Plano Morgenthau"(2) mostra visivelmente a forma específica do segundo lado da alternativa e não é por acaso que ele é um produto do mundo financeiro americano.
Em relação aos territórios coloniais ou semicoloniais, o capital americano desempenha um duplo papel: solidariedade com os impérios existentes, para conservar o domínio e a exploração coloniais; ao mesmo tempo, mudança de tal forma nesse domínio e exploração para preservá-los e, ao mesmo tempo, permitir a penetração do capital americano. Assim, o denominador comum é: conservação, mas, ao mesmo tempo, reforma do domínio e da exploração coloniais. O Líbano, a Síria, a Índia, a Indochina, as Índias Holandesas(3) comprovam todos eles esse modelo geral.
Também aqui, os interesses, as intenções e os planos do imperialismo americano são uma coisa, a sua consecução é outra. Os povos coloniais e semicoloniais há muito tempo não são mais simples objetos da política imperialista. Eles intervêm no processo de maneira independente, com mais ou menos força.
Também a independência total de países até agora coloniais, como as Índias Holandesas, de forma alguma lhes precisaria fechar completamente os fluxos de mercadorias e de capitais dos países capitalistas. Mas a ditadura unilateral do capital estrangeiro cessaria. Os lucros mais gordos encolheriam. E os territórios coloniais tornados independentes ficariam expostos de uma forma muito maior que antes à força de atração dos territórios econômicos socialistas.
Porém, a política colonial imperialista gera contradições contínuas e move-se em contradições permanentes.
Ela processa-se em regiões económicas pré-capitalistas, isto é, em regiões onde reina a economia natural ou a troca simples de mercadorias, onde ela degrada e destrói essas economias, onde os meios econômicos puros andam de mãos dadas com os meios políticos. Porém, a destruição da economia natural e a economia mercantil simples em intercâmbio com a economia capitalista produzem inevitavelmente no território colonial formas económicas capitalistas nativas, com burguesia nativa, intelectualidade nativa, proletariado nativo e amplas camadas de camponeses, artesãos, pequenos comerciantes e outros que perderam sua condição de classe. Assim, o capitalismo imperialista é minado pelas consequências do mercado que ele próprio criou. E, quanto mais ele tenta impedir esse desenvolvimento com meios econômicos e políticos, mais ele torna explosivo o impulso de independência dos países coloniais, para os quais essas barreiras significam uma crescente miséria para as massas, uma volta atrás até mesmo do nível de vida das condições da economia natural (ver a Índia).
Contradições muito parecidas vemos em desenvolvimento nos países até então de alto capitalismo, que em razão de sua derrota devem se transformar em territórios coloniais, ou seja, territórios de economia agrária preponderantemente de subsistência, "desindustrializados", de forma a quebrar a sua força militar e apagá-los como concorrentes econômicos.
Após o período de destruição física dos meios de produção capitalistas anteriores e da pilhagem dos seus restos, surge agora, para os imperialistas vencedores, a necessidade da reconstrução, no interesse e em consequência do desenvolvimento de suas relações económicas com esses territórios. Reconstrução de quê? Das formas económicas capitalistas! Uma reconstrução que deve ser controlada, ligada, limitada pelos vencedores — mas que nem por isso deixa de ser reconstrução. Porém, essa reconstrução produz inevitavelmente e de novo a concorrência capitalista e também o "potencial militar" do lado dos derrotados. Assim, precisa-se voltar novamente ao uso dos métodos de travamento e destruição, etc.
Assim, vemos na relação das potências vencedoras com a Alemanha, que aqui é o caso clássico, a sucessão, em curtos intervalos de tempo, da fase da destruição física em massa dos meios de produção, seguida de sua pilhagem e do programa da "desindustrialização", que encontrou no "Plano Morgenthau" sua expressão ao mesmo tempo cínica e clássica. Mas, depois de poucos meses, o Plano Morgenthau já foi jogado para o ferro-velho e do mundo do capital anglo-saxónico clama-se pela "reconstrução" da Alemanha. Essa nova fase é a revisão prática dos Acordos de Potsdam, na medida em que neles estão expressas as ideias do Plano Morgenthau. A razão humanitária dessa nova fase é somente uma máscara. Mas mesmo essa fase não será de modo algum a última nem a definitiva. As potências capitalistas vencedoras em sua relação com a Alemanha capitalista derrotada serão jogadas continuamente para lá e para cá entre os pólos opostos da aniquilação e da reconstrução, da ruralização e da reindustrialização, da trava econômica e do fomento.
Está claro que, sob essas condições, não se pode tratar de uma reconstrução planejada, generosa, rápida, que corresponda às necessidades das classes trabalhadoras da Alemanha.
Além dessas condições capitalistas gerais, que sozinhas já fazem da relação dos vencedores com a Alemanha derrotada uma cadeia contínua de contradições, acrescentam-se, para exacerbá-las: primeiro, as diferenças e contradições dos interesses econômicos específicos dos vencedores entre si em sua relação com a Alemanha e, segundo, sua contradição econômica, social e política conjunta com a União Soviética.
Vemos que um dos resultados principais da Segunda Guerra Mundial é que agora o campo do capitalismo imperialista e o da União Soviética estão imediatamente contrapostos, em embate.
A questão geral sobre a possibilidade de uma paz duradoura com a continuação de relações capitalistas decompõe-se em duas questões parciais.
A primeira é sobre a possibilidade ou a probabilidade de uma paz duradoura entre os capitalistas vitoriosos.
A segunda é se os sistemas econômicos capitalista e socialista podem viver lado a lado pacificamente, de maneira duradoura.
Aqui também uma resposta efetiva só pode ser dada mediante a dissecção dos fatos econômicos básicos, e não especulando sobre as visões ou planos de uma ou outra potência e de seus respectivos "estadistas".
Olhemos em primeiro lugar o campo capitalista-imperialista e comparemos os resultados da primeira e da segunda guerras mundiais, sob a perspectiva das necessidades de expansão capitalista.
Sob essa perspectiva, o balanço da I Guerra Mundial foi o seguinte:
E ainda mais. Pela primeira vez, o velho mundo capitalista se confronta com a vitória da Revolução Socialista, não mais como um episódio de vida curta e limitado a uma metrópole, como foi o caso da Comuna de Paris de 1871, mas como uma formação duradoura e abrangendo um território nacional gigantesco. Contudo, a Comuna de Paris se situava no coração do território capitalista europeu, enquanto a Rússia Soviética situa-se na sua periferia oriental.
Assim, o capitalismo sofreu aqui uma grande e duradoura perda territorial. A "ideia" socialista torna- se realidade material. Essa realidade irradia seus efeitos para o mundo todo. Uma forma social nova e superior apresenta o seu processo de desenvolvimento no seio da velha forma social. O novo estado socialista ainda é muito fraco no início, mas já suficientemente forte para afastar com sucesso todos os golpes externos e internos. Ele sobrevive e ganha força.
Façamos o balanço.
A redistribuição dos velhos domínios territoriais imperialistas, como sucedeu com os antigos territórios coloniais alemães, não ampliou a área existente. Além disso, as colônias alemãs já eram em si um magro botim: os restos que a expansão imperialista francesa e inglesa havia deixado para uma Alemanha que chegou tarde. Mesmo em relação às necessidades de expansão imperialista alemãs, elas foram apenas um alívio para a sede. Da Áustria-Hungria não veio acréscimo. O ganho imperialista dos países árabes é compensado pela perda do núcleo turco. O imenso território da Rússia cai, mas não se torna imperialista e sim o concorrente socialista revolucionário, que ameaça os velhos países centrais capitalistas, no início apenas por sua ação propagandística e como centro organizador dos partidos e movimentos revolucionários em outros países.
Assim, o balanço geral, da perspectiva das necessidades de expansão do campo capitalista, aponta para um claro prejuízo.
Já por conta disso, se aguça como um todo a contradição entre as necessidades de expansão e os meios para a sua satisfação.
A guerra, vista como a destruição ou o consumo improdutivo de quantidades gigantescas de meios de produção e de consumo, relaxa provisoriamente essa contradição. Ela age nessa relação como uma crise econômica concentrada. Porém, depois de um curto prazo, as perdas são superadas. As forças produtivas do campo capitalista ultrapassam novamente a situação do pré-guerra e crescem a uma velocidade acelerada.
A contradição entre as forças produtivas capitalistas existentes e suas possibilidades de valorização não é apenas recolocada como é agravada ainda mais em relação à situação anterior à guerra. O impulso para a guerra imperialista se reproduziu de forma ampliada.
E isso é inevitável, tão logo o capitalismo monopolista entra no período de conclusão das conquistas coloniais e de simples redistribuição periódica das colônias existentes. Mas, com o surgimento da União Soviética como um estado socialista e com a autonomia de países anteriormente coloniais como a Turquia, introduz-se nesse processo de desenvolvimento um novo capítulo: o encolhimento dos territórios de exploração colonial, existentes ou potenciais.
A consequência geral que se tira do encolhimento progressivo dos territórios de exploração colonial, existentes ou potenciais, e do crescimento progressivo e simultâneo das forças produtivas capitalistas é ao mesmo tempo clara, convincente e dá os seus frutos:
A repetição periódica das guerras mundiais, com o encurtamento progressivo dos seus intervalos e o aumento progressivo de suas forças de destruição.
Mas a I Guerra Mundial legou ainda uma contradição de tipo especial. A Alemanha permaneceu como um estado de capitalismo avançado, mas foram-lhe roubadas não apenas suas colônias, mas também toda a possibilidade de expansão futura. A contradição entre as necessidades de expansão imperialista da Alemanha e a possibilidade de sua satisfação foi levada ao ponto extremo. Em virtude das contradições interimperialistas e das contradições capitalistas com a União Soviética, sucedeu o rearmamento alemão. Essa contradição especial tornou-se a faísca para a II Guerra Mundial.
A crise econômica mundial a partir de 1929, apenas onze anos após o fim da I Guerra, que abrangeu o mundo capitalista e que até o começo da II Guerra Mundial ainda não havia sido superada mesmo no país capitalista mais forte e estável, os Estados Unidos, mostrou a profundidade e a força, aumentadas em proporções gigantescas, da contradição entre as forças produtivas capitalistas sempre crescentes e os encolhidos mercados capitalistas.
O resultado da Segunda Guerra Mundial mostra o quadro novo a seguir:
Os novos traços essenciais são: primeiro, a tentativa de fazer retroceder os territórios capitalistas até então desenvolvidos a territórios coloniais.
Da perspectiva do sistema capitalista como um todo, isso é um prejuízo: partes do próprio sistema têm que ser sacrificadas para assegurar que as restantes possam sobreviver. Assim, a contradição especial herdada da I Guerra Mundial é solucionada de modo realmente radical — tanto quanto a amputação de uma perna pode ser vista como solução contra o desenvolvimento de uma doença.
O segundo traço característico é o avanço do setor social e econômico socialista sobre o capitalista por meio da ampliação da esfera de poder da União Soviética.
E o terceiro traço característico é a separação consumada ou iminente de territórios até então coloniais gigantescos da esfera de exploração e domínio imperialistas.
O balanço imperialista em seu todo é ainda mais fortemente negativo que o da I Guerra Mundial.
A contradição fundamental da economia capitalista como um todo, entre o tamanho de suas forças produtivas e as suas possibilidades de valorização se aguça após a II Guerra Mundial, e com isso também o seu impulso expansionista como um todo.
Porém, em contradição com o resultado da I Guerra, agora as farpas das contradições interimperialistas estão quebradas.
Isso não ocorreu por meio da produção de harmonia interna, impossível nesse sistema, mas por causa da supremacia econômica e militar em relação a todos os outros estados capitalistas, vistos individual ou conjuntamente, com a qual os Estados Unidos emergiram da guerra.
O fato decisivo aqui é a tremenda supremacia naval dos Estados Unidos sobre a Inglaterra, sendo que este país não pode aspirar a um novo equilíbrio naval, devido a sua inferioridade econômica. A Inglaterra não pode mais empreender uma guerra contra os Estados Unidos. Tampouco a França. A França, mesmo que reconstrua seu exército e sua marinha, não pode empreender uma guerra contra a Inglaterra. A supremacia econômica e militar dos Estados Unidos sobre os demais estados capitalistas faz de uma guerra destes últimos contra a América, de saída, ter tão poucas chances de sucesso, que é de se descartá-la como possibilidade. Essa é a base material do Mundo (imperialista) Único de hoje, após a II Guerra Mundial.
A consequência é, antes de tudo, a subordinação da Inglaterra capitalista aos Estados Unidos, uma subordinação no interior de uma parceria: o bloco anglo-saxônico ou Bloco Atlântico.
Este é um quadro peculiar. Nele, os Estados Unidos são, de fato, militar, econômica e, em última instância, politicamente, os líderes, mas não decidem sozinhos. Ocorre um tipo de interpenetração dos interesses e territórios de dominação imperialistas de ambas as partes. É, igualmente, cooperação e concorrência, predominando a cooperação. Seria possível utilizar para isso a expressão da psicologia denominada "cooperação antagônica". Cooperação principalmente contra a supressão do domínio colonial e da exploração e contra o setor socialista; concorrência na partilha da exploração dos territórios coloniais. Ambas, essa cooperação e essa concorrência, adquirem formas peculiares. Na repressão aos levantes coloniais e na opressão aos povos coloniais, a América forma o pano de fundo passivo, invisível, virtuoso, até mesmo "idealista". O trabalho odioso, sujo e também dispendioso da repressão e da opressão ativas é deixado para os ingleses, que, além disso, têm longos anos de prática e dureza para a tarefa. A América pode se permitir ao luxo do "idealismo" de abdicar à conquista para si de grandes territórios coloniais, simplesmente porque participa como parceira do domínio colonial inglês ao velho estilo e sua superioridade militar, econômica e financeira lhe assegura crescentes participações. Esse "idealismo" americano é um meio tático de, em primeiro lugar, manter o domínio e a exploração coloniais de uma forma mais flexível e, em segundo lugar, assegurar maior participação na exploração, ao angariar simpatia junto aos povos coloniais enquanto reformadores do colonialismo. Também na Europa, a América é o muro que se esconde atrás da Inglaterra; parcialmente, ela faz dos objetivos da Inglaterra os seus próprios.
Por outro lado, a concorrência é limitada pelo objetivo conjunto. Em consequência da supremacia americana, ela não pode se aguçar a ponto de levar à guerra.
Assim, surge uma forma mista, nova e original do imperialismo anglo-americano, uma associação imperialista que tem que ser vista como um todo e que é feita para ter longa duração. Por isso, seria falso olhar hoje o imperialismo inglês e o americano de uma forma isolada e contrapor um ao outro. No interior deles ocorrerão alterações de poder (em benefício da América) e, com isso, também mudanças de forma. Mas esse bloco ou união, ou o nome que se queira dar, é feito para durar, por causa das relações de poder entre seus participantes — tudo isso, naturalmente, sob o pressuposto de que a Inglaterra permaneça no campo capitalista e enquanto ela permanecer. Porém, esse bloco anglo-saxão imperialista assegura, por meio de sua supremacia conjunta, a paz entre os estados imperialistas de segunda ordem e cria relações de parceria imperialista semelhantes: entre a Inglaterra e a França, entre a Inglaterra e a Holanda, entre a Inglaterra e a Bélgica, antes de tudo pela relativa supremacia naval inglesa sobre os outros estados. O exemplo da Síria e do Líbano é típico disso. Primeiro, a Inglaterra, com a ajuda de sua superioridade militar, no local e no tempo certos, aproveitou-se do movimento nacional árabe e deu adeus aos franceses nesses dois países. Então, porém, a Inglaterra e a França concluíram um acordo que deve assegurar de fato a continuação da exploração e da subordinação coloniais desses territórios, agora sob novas formas e em proporções modificadas.
Assim, ocorre agora um processo, entre os vencedores imperialistas, de reequilíbrio de suas participações na exploração e no domínio imperialistas, de acordo com as suas relações de poder económicas e militares, da forma como foram criadas ou trazidas à luz pela II Guerra Mundial — uma nova repartição, que não se dá sem fricções ou conflitos, mas, que, pela própria distribuição de poder imperialista, fica contida em limites pacíficos.
A Alemanha e o Japão são ainda considerados, no máximo, como forças auxiliares do campo imperialista vitorioso contra o setor socialista (naturalmente, existe também a possibilidade contrária). Não há mais como contar com um novo papel imperialista independente de ambas as nações.
A destruição de forças produtivas, de homens e de coisas, pela II Guerra Mundial ultrapassa muitas vezes o que a I Guerra ocasionou. E, apesar disso, hoje já está claro que, após uma curta pausa, a capacidade produtiva do sistema capitalista como um todo voltará a ultrapassar a existente antes da guerra.
A contradição entre as forças produtivas capitalistas e os limites do mercado capitalista voltará, renovada e mais forte, com isso, também o expansionismo do sistema.
Nós mostramos os fatores que fazem com que o expansionismo do imperialismo após a Segunda Guerra Mundial não conduza mais à guerra no interior do círculo capitalista, mas sim à predominância da cooperação imperialista em diferentes formas e estágios. Esse expansionismo só pode ser dirigido para fora e de forma aguçada: contra o setor socialista, a União Soviética e sua região de poder.
O expansionismo da União Soviética no decorrer da guerra e depois do seu final veio à luz como fato indubitável. A União Soviética conquistou no decorrer da guerra novos territórios e, após a guerra, continuou de forma evidente o seu esforço de expansão em diferentes direções.
O expansionismo da União Soviética é, assim, um fato incontestável, sem controvérsia.
Mais duvidosa é a explicação desse fato. Trataremos disto aqui.
De fato, destaque-se apenas preliminarmente que o expansionismo da União Soviética não é tão novo, como a muitos poderia parecer. Ele não é uma propriedade exclusiva do período stalinista. Quando, por exemplo, em 1921, a Polónia de Pilsudski empreendeu o ataque contra a União Soviética e esta respondeu com um contra-ataque que levou o Exército Vermelho às portas de Varsóvia, existiu indubitavelmente do lado russo a intenção não apenas de tomar a Polónia, mas também de avançar até a Alemanha. Isto foi sob Lênin. Apenas a derrota do Exército Vermelho diante de Varsóvia impediu a realização desse plano. Ainda será comentado sobre a diferença de métodos entre Lênin e Stálin.
De qualquer forma, deduz-se daí que o expansionismo soviético remonta ao período leninista. Apenas a União Soviética não tinha ainda a força para tal. Agora, ela visivelmente a tem, dentro de limites determinados, e a utiliza.
Mas e as palavras de Stálin, de que a União Soviética não queria "extensão de fronteiras em solo estrangeiro"? Elas são mais ou menos tão válidas quanto as declarações da Carta do Atlântico de renúncia à incorporação de territórios nesta guerra.
Também aqui a clareza provém da investigação dos fatos objetivos essenciais que determinam a política externa soviética, e não das intenções subjetivas e declarações de Stálin e de outros políticos soviéticos.
Para que se alcance essa clareza, é imprescindível um esclarecimento dos conceitos fundamentais.
Todo imperialismo é política de conquista. Mas nem toda política de conquista é imperialismo.
A política de conquista andou de mãos dadas com todas as formações sociais até hoje existentes. Ela não falta nem mesmo nos tempos do comunismo primitivo, onde ocorria que uma união de tribos organizadas em moldes comunistas submetia, dominava e explorava outras organizadas nos mesmos moldes (Espartanos e Helotes, o Império Inca, etc.).
A política de conquista imperialista é um fenómeno historicamente muito recente. Ela corresponde à formulação leninista do caráter monopolista do capitalismo. A marca que a diferencia da política de conquista dos períodos iniciais do capitalismo e que lhe é particular é a exportação de capital (não apenas a exportação de mercadorias) para países de formações econômicas pré-capitalistas, como razão e objetivo principais dessa política. Com isso, a exportação de mercadorias não cessa de ter papel, mas este não é mais essencial e exclusivo como antes.
Não é de se admirar, aliás, é a coisa mais natural do mundo, que o entendimento burguês procure explicar os fatos decorrentes da expansão da União Soviética com suas próprias formas de pensamento, isto é, com as formas burguesas de pensamento de seu tempo, construindo assim um "imperialismo soviético" como explicação para esses fatos. Admirável apenas é que alguns dos assim chamados marxistas caiam nessa "explicação", em vez de simplesmente questionar os fundamentos econômicos desse suposto "imperialismo soviético".
Porém, basta questionar o que é essencial, para diagnosticar o "imperialismo soviético" como uma teoria que não tem sentido.
Onde está na União Soviética o capital excedente existente no próprio país, que precisa ser exportado?
Não seria resposta suficiente dizer que na União Soviética não existe capital privado. Poderia ser o capital estatal que procurasse colocação no estrangeiro por não ser aplicável no próprio país.
Mas os fatos conhecidos dizem exatamente o contrário. A União Soviética não apenas não tem excesso de capitais que pudesse exportar, como, além disso, tem necessidade gigantesca do ingresso de capitais. Bastaria aqui citar os esforços da União Soviética para a obtenção de bilhões em créditos dos Estados Unidos, de forma a acelerar a reconstrução do próprio país.
Também a Inglaterra toma créditos enormes dos Estados Unidos, mas eles servem visivelmente para restabelecer a sua exportação de capitais e de mercadorias. O caso aqui é totalmente diferente.
Em geral, a idéia do "capital excedente" está ligada à forma econômica capitalista e não é transferível para as formas econômicas socialistas. O capital é "excedente" num dado país apenas sob o ponto de vista histórico da valorização do capital, quer dizer quando o seu investimento no próprio país não é possível, porque ele não produz mais-valia adicional ou porque é utilizado mais lucrativamente fora do país. Para uma economia socialista, faltam ambas as possibilidades, porque ela não é orientada para o objetivo de lucros crescentes (na forma geral da mais-valia), mais sim na satisfação de necessidades sociais. Os meios de produção podem aqui ainda ter a forma de dinheiro e serem, além disso, denominados de "capital", mas eles não são mais capital no sentido estrito do termo. Não é mais a mesma categoria histórica. Os limites característicos para o emprego do capital das formas econômicas capitalistas não existem mais para uma economia socialista — a lei salarial capitalista, que em última instância, limita o mercado capitalista às suas estreitas fronteiras, está ali abolida. A quebra dos limites capitalistas para o consumo das grandes massas da população é agora a propulsão básica para a transição de uma forma econômica para outra,
E onde estão na União Soviética as mercadorias excedentes às necessidades internas que são canalizadas para o estrangeiro? É conhecido que a produção de meios de consumo na União Soviética situa-se ainda muito aquém das necessidades mais limitadas da população. Ainda domina lá a "fome de mercadorias".
Podemos, assim, encarar de pronto o "imperialismo soviético" como uma expressão abusiva das formas de pensamento burguês sobre a União Soviética.
Outra tentativa de interpretação faz referência a que seria simplesmente uma retomada e desenvolvimento da centenária política externa czarista. Essa tentativa de explicação ganha ainda um verniz de evidência, porque a liderança política da União Soviética acentua em suas declarações a própria continuidade com a política externa e a estratégia czaristas (por exemplo, a lembrança da derrota da Rússia na I Guerra Mundial, a declaração de Stálin a respeito da entrada da União Soviética na guerra contra o Japão como revanche pela derrota da Rússia Czarista contra o Japão na guerra de 1904/5, etc.).
Porém, também essa tese não resiste a nenhuma prova.
Na política de conquista czarista dos últimos séculos, misturavam-se uma série de motivos, enraizados na estrutura social da velha Rússia. Para os grandes proprietários de terra feudais e os funcionários dirigentes, provenientes dessa classe, tratava-se de ganhar novos territórios para a exploração feudal e feudal-burocrática. O capital comercial nascente na Rússia procurava ganhos comerciais através da exportação de manufaturas russas e a importação de matérias-primas dessas regiões. No século vinte, incorporaram-se finalmente a esses motivos ainda existentes o novo motivo da expansão imperialista, sustentada mais por capital emprestado do que por capital próprio: assim por dizer, imperialismo a crédito.
Onde estariam esses motivos econômico-sociais na Rússia Soviética de hoje?
O motivo imperialista nós já eliminamos: a classe dos grandes proprietários de terra feudais e a elite burocrática dela derivada desapareceu, assim como o grande comerciante russo enquanto corporificarão do capital comercial.
Os fundamentos sociais também mudaram basicamente em relação aos tempos da política externa czarista, e com isso também os motivos sociais e os objetivos da política externa.
Um fator, entretanto, permaneceu o mesmo, como já observou I. Dallin: a geografia, isto é, o fundamento natural do processo social.
São essas condições geográficas da política exterior, igualmente existentes em todas as formações sociais, e a fraseologia "patriótica" requentada dos políticos soviéticos, que produziram a aparência de uma simples retomada e desenvolvimento da política externa centenária do czarismo. Contudo isso é uma falsa aparência.
Finalmente, seria possível ainda uma explicação, que considera, ao contrário, que a economia da União Soviética desde o principio não era socialista, mas capitalista de estado, ou que realmente começou como socialista, mas que atualmente é entendida como em transição para o capitalismo de estado. O aparecimento do "imperialismo soviético" seria naturalmente um fenômeno dessa transição.
Essa questão não pode ser respondida a fundo aqui. Apenas seja dito o seguinte, sucintamente:
Os traços históricos da transição da economia capitalista para a socialista são dois: primeiro, a passagem dos meios de produção decisivos, da propriedade da classe capitalista para a propriedade coletiva da classe operária, de início sob a forma de propriedade do Estado por ela dominado; segundo, a passagem da produção da mais-valia como motivo e objetivo decisivo da produção para a produção para o atendimento das necessidades sociais.
A Revolução de Outubro de 1917 transferiu o poder político para as mãos da classe operária. Ela desapropriou a classe capitalista. Ela transformou os meios de produção decisivos em propriedade coletiva da classe trabalhadora. A produção foi reorientada para o atendimento de necessidades sociais.
A reorientação do capitalismo privado para o capitalismo de estado, se levada ao seu fim lógico, é apenas a transformação da propriedade capitalista privada em propriedade capitalista coletiva, isto é, na propriedade do estado dominado pela classe capitalista.
Trata-se, então, na Revolução de Outubro, da passagem do capitalismo (privado) não para o capitalismo de estado, mas para o socialismo de estado.
A transformação do socialismo de estado em economia capitalista de estado pressuporia as transições inversas como consumadas. Os meios de produção decisivos teriam se tornado propriedade capitalista coletiva, isto é, propriedade de uma nova classe capitalista, que tem em suas mãos o poder do estado. A produção não é mais dirigida para a satisfação de necessidades sociais, mas para a obtenção de mais-valia crescente.
Tal transformação não é, em todo caso na União Soviética de hoje, nenhum fato consumado. Portanto, essas duas últimas explicações também não são convincentes.
Agora nós verificaremos quais são as origens gerais, materiais, isto é, em última instância, econômicas, das quais pode derivar o expansionismo de um estado socialista, e que origens especiais interessam no caso da União Soviética. Este é evidentemente o único caminho para obter uma resposta objetiva.
Em seguida, a questão em sua forma genérica.
A economia socialista é, por sua natureza, economia mundial. Ela é historicamente a primeira forma econômica que pode ser forma econômica mundial planificada, consciente, harmônica, enquanto a economia capitalista é uma economia mundial apenas inconsciente, desplanificada, eivada de contradições internas. De fato, os cartéis capitalistas internacionais suprimem temporariamente a anarquia em certos setores da economia mundial, mas deixam-na permanecer em seu todo. E também essas regulações setoriais e temporárias desaguarão de novo, periodicamente, em luta aberta, seja ela a luta da concorrência econômica em torno das "quotas", seja a guerra no sentido estrito do termo.
Mas a economia socialista não pode nascer como economia mundial a partir da economia capitalista. A revolução socialista, que cria os pressupostos políticos para essa transformação da economia, apenas pode se realizar como uma série de revoluções "nacionais" ou de estados isolados, que se somam por partes e só em seu final pode abranger o todo da economia mundial. A sucessão dessas revoluções socialistas nacionais ou em estados isolados não depende, entretanto, apenas de condições puramente económicas, mas de todas as condições, que em conjunto formam as relações de força entre as classes dentro de um estado isolado e entre eles reciprocamente. Essa sucessão não corresponderá, a não ser casualmente e como exceção, a conveniências puramente económicas.
Entretanto, daí deriva que a economia socialista nacional ou num estado isolado e a consequente soma parcial das economias socialistas apresentarão carências, insuficiências e déficits, em decorrência de seu caráter incompleto.
Apenas por conta dessas condições económicas e das necessidades nascentes já resulta, como uma necessidade geral, a expansão das economias socialistas parciais.
O intercâmbio económico entre as regiões da parte socialista e as regiões que ainda permanecem capitalistas, quando temporariamente interrompido por razões políticas, é de fato, mais cedo ou mais tarde, restabelecido. Mas esse intercâmbio entre as regiões económicas socialistas e as capitalistas não pode substituir o trânsito económico puramente socialista. Ele poderá ser apenas um expediente provisório. A economia capitalista, que, como um todo, não é planejada, não pode ser um complemento para a economia socialista planejada. E, por sua natureza, ela não é embasada na genuína cooperação internacional, mas sim na exploração. E, finalmente, ela tem a seu lado a necessidade de expansão imperialista, contra a qual a região económica socialista constitui uma barreira. Os territórios de ambas as formas económicas constituem limites recíprocos para cada uma delas.
A economia capitalista sem planejamento tem, quando limitada pelo surgimento de regiões económicas socialistas, tanto empenho natural de restabelecer sua extensão, quanto têm as economias da parte socialista do mundo de se transformar numa totalidade económica mundial. Ambas as tendências económicas, uma reacionária e a outra progressista, são impelidas por sua própria natureza uma contra a outra, inevitavelmente.
A convivência de ambas as formas económicas leva, apenas por seus fundamentos puramente econômicos, a uma oposição; ainda mais porque ambas as formas económicas são igualmente bases de poderes políticos que lutam e precisam lutar até a morte um contra o outro. Ao momento económico, que exige de ambas as partes a expansão, acrescenta-se o momento da luta política pelo poder para reforçar o empenho de se expandir.
Assim, a coexistência pacífica de ambas as formas económicas pode se dar apenas no curto prazo e excepcionalmente: são intervalos na luta e, ao mesmo tempo, preparação para a luta.
Portanto, o resultado geral é que, ao expansionismo imperialista, opõe-se, necessariamente, um expansionismo socialista. E isso independentemente de todas as mentiras ideológicas, de todas as palavras de ordem da propaganda talhadas pelas necessidades económicas e políticas imediatas.
Da análise anterior deduz-se, por exemplo, que "o socialismo num só país" não pode ser mais uma dessas palavras de ordem talhadas pelas necessidades de curto ou médio prazo.
Resulta mais ainda: o expansionismo é a tendência geral e contínua da economia socialista única ou de uma parte do mundo. A renúncia à expansão pode ser apenas um caso excepcional sob condições passageiras e especiais. A mudança entre a época de expansão e a renúncia a ela é condicionada, antes de tudo, pelas relações de poder político, ao lado das necessidades económicas da parte socialista do mundo.
A época da expansão socialista só atingirá o seu fim natural quando a parte socialista do mundo tiver se tornado definitivamente economia mundial socialista.
O desenvolvimento da parte socialista do mundo em economia mundial socialista de nenhuma forma precisa ser linear. Podem ocorrer também retrocessos temporários.
Investiguemos agora o caso isolado da União Soviética.
Ela é "um país" apenas no sentido de que surgiu do grande estado russo. Mas esse estado, a Rússia czarista, compreendia desde o princípio um grande número de territórios coloniais. No caso da União Soviética, trata-se, geograficamente, de um grupo de países que se estende da região subtropical até o Ártico; etnograficamente, trata-se de uma centenas de nações e povos menores ou maiores, onde, contudo, predomina numérica e amplamente a nação grã-russa em especial e os eslavos em geral.
As características económicas próprias desse conjunto de países são:
Mas, nem por isso, essa autossuficiência econômica podia ser absoluta e duradoura. Ela foi pressionada pelas relações de poder internacionais, que ficaram claras com o fracasso do avanço sobre a Polônia, na direção do centro da Europa e do Ocidente, no ano de 1921. A fraqueza militar que se mostrou aí derivava, em última instância, da fraqueza industrial. Só um período de industrialização socialista, essencialmente com forças internas, poderia criar os pressupostos para a retomada com sucesso da expansão socialista.
A necessidade de uma expansão socialista era, portanto, permanente, mas os meios para sua consecução apareceram somente após um longo período de tempo.
Em que consistem agora, no caso especial da União Soviética, as carências que o isolamento econômico impõe para a transformação socialista?
Principalmente, o que se segue:
Os traços essenciais aí são, primeiramente, que, em extensão considerável, a forma mercadoria do produto social é conservada e, em segundo lugar, que ainda predominam os incentivos individualistas para o esforço do trabalho. Essas formas não são arbitrárias, mas condicionadas pelos pressupostos materiais existentes.
Dessa análise, resultam a seguir, negativa ou positivamente, as mais importantes e próximas necessidades da expansão socialista da União Soviética:
A Polônia, por exemplo, tem para a União Soviética o significado de ser, de fato, uma ponte para a Alemanha e para a Europa Central e Ocidental. A Pérsia lhe dá saída para o Oceano Índico e interrompe, igualmente, a linha de ligação imperialista da Inglaterra para a Índia, etc. A Mongólia é porta de entrada para o Norte da China, etc., etc.
Basicamente, todos os métodos da expansão socialista são reduzidos a dois elementos e suas combinações. O primeiro elemento é o fomento das forças revolucionárias de um país capitalista ou de alto desenvolvimento capitalista, correspondente às relações internas entre as classes desse país, por um estado socialista existente. O segundo elemento é o ataque militar externo do estado socialista vitorioso. Esses dois elementos nunca ou quase nunca se apresentam separados, mas suas relações mútuas e o tipo de sua ligação determinam o respectivo caráter dos métodos da expansão socialista.
Se na ação do estado socialista sobre outros países são contempladas como decisivas, em primeiro lugar, as forças internas das classes, se essas forças internas é que decidem a revolução internamente e a ajuda militar do estado socialista intervém apenas quando a revolução interna vitoriosa é ameaçada pela contrarrevolução vinda do exterior, ou seja, por guerras de intervenção contrarrevolucionárias, então temos o tipo de expansão socialista que para a Internacional Comunista, sob a liderança de Lênin, era a norma. Denominou-se a isso o método da revolução mundial.
São necessárias aqui algumas outras observações.
Não é correto, como ocorre frequentemente, ver nesse método apenas a ação sobre as relações internas de classes de outro país. Aqui também tem um papel muito determinante a ação militar de fora. Assim, trata-se também de uma combinação dos momentos interno e externo, da propaganda revolucionária e da ação militar. O que o faz diferente do segundo método, que mostraremos a seguir, é o tipo de combinação dos dois elementos, onde a relação quantitativa determina igualmente uma qualidade especial da ação.
A ação militar externa aparece aqui como ajuda para a ação revolucionária interna, a primeira é subordinada à última. As relações das forças revolucionárias internas com as externas são, desde o princípio, de igual para igual. É o internacionalismo socialista em ação, onde a autodeterminação nacional dos dois lados constitui a base e é reconhecido na ação.
O estado socialista já existente tem aqui, evidentemente, o mesmo direito de considerar as suas possibilidades que as forças revolucionárias de outros países que lutam pelo poder. É possível que ele não esteja forte o suficiente para sustentar uma ajuda militar, que essa ajuda militar possa ameaçar sua própria existência e, com ela, a revolução do outro país. Um exemplo conhecido disso é a derrota da primeira República dos Conselhos na Hungria. A Rússia Soviética não estava, naquele momento dado, em situação de intervir militarmente a seu favor, opondo-se à contrarrevolução internacional que finalmente a esmagou.
É claro que a relação dos dois fatores mencionados é condicionada tanto por fatos objetivos, quanto por orientação subjetiva.
Se o estado socialista existente torna-se mais forte militar e industrialmente, então é evidente que a intervenção militar de fora pode vir a ser um fator mais forte. Ou, visto pelo outro lado: bastariam forças revolucionárias internas mais restritas para serem decisivas.
O segundo método da expansão socialista, que nós vemos na atual União Soviética sob o regime stalinista, é uma combinação dos dois fatores, na qual o emprego do fator poder externo é o decisivo ou quase que o exclusivo.
O país em questão é conquistado pelo poder militar, sem que o levante revolucionário interno tenha ocorrido previamente. O Exército Vermelho e a administração soviética chegam como conquistadores e dominadores. A força militar tem o papel decisivo na dominação e na conquista do país.
As forças militares de fora não são forças de ajuda das forças revolucionárias internas do país, pelo contrário: as forças revolucionárias internas do país tornam-se, ou devem se tornar, forças de ajuda do conquistador. O internacionalismo socialista, enquanto ação conjunta e coletiva de nações autônomas e livres, é atropelado. Um poder estrangeiro domina o território nacional. Ele dilacera a unidade nacional, segundo suas necessidades reais ou presumidas. A retirada de poder das antigas classes dominantes é levada a cabo de cima para baixo e de fora para dentro pelo poder conquistador. As etapas e a velocidade do processo são determinadas não pela correlação de forças internas entre as classes, considerando as relações de forças internacionais, mas sim, exclusivamente, pelas relações de forças internacionais do estado socialista conquistador.
A ação própria das classes trabalhadoras do país é impedida; se ela, contudo, emerge, é abatida como uma perturbação inoportuna. Em correspondência com isso, nenhuma organização independente das classes trabalhadoras no país é tolerada. Elas são apenas admitidas como organizações dependentes do conquistador, a ele articuladas e por ele controladas.
O país socialista conquistador enfraquece sem pensar as forças revolucionárias internas do país, em prol do próprio poder, pela retirada ou destruição de indústrias inteiras, pela deportação de operários do país para o trabalho forçado, etc.
E, finalmente, a "socialização" não é executada de acordo com as condições de classes e necessidades no país conquistado, mas sim segundo o modelo soviético e as necessidades da economia soviética.
Essas providências têm efeito revolucionário, na medida em que retiram o poder das classes dominantes, as formas econômicas até então dominantes; mas o método pelo qual são implantadas não é o método da revolução, mas o da conquista.
As classes até então oprimidas do país não conquistam o poder, são colocadas no poder, ficam dependentes do poder conquistador, seus funcionários são nomeados e destituídos por ele, ficam ligados a ele e sob a sua fiscalização. Seu poder no país é um poder apenas emprestado, dependente. Suas ações não são determinadas por seus próprios objetivos e necessidades, mas sim pelos de fora.
Com certeza, pode-se fazer um paralelo disso com a intervenção do exército revolucionário francês e, parcialmente, do exército napoleônico, em alguns países europeus por eles conquistados.
O que é mostrado aqui são os traços característicos do método stalinista atual da expansão socialista. De nenhuma maneira ele é condicionado apenas pelo fato de que a União Soviética tornou-se militar e economicamente mais forte que nos tempos de Lênin. Aqueles traços pelos quais ele representa uma ruptura com a democracia proletária e com o internacionalismo socialista são condicionados predominantemente pelo próprio desenvolvimento interno do regime soviético: pela supressão de fato de toda a democracia partidária, bem como de toda a democracia soviética na Rússia.
A propaganda imperialista opõe-se à expansão socialista da Rússia Soviética porque ela é uma expansão e porque ela é socialista.
Para nós, a expansão socialista é em si uma necessidade histórica, que tem o mais alto direito em relação à expansão imperialista, porque esta última destrói uma ordem social envelhecida e cria determinados pressupostos predominantemente negativos para uma ordem social mais elevada. A propaganda imperialista agita a bandeira da democracia contra a expansão socialista, bandeira que ela própria se encarrega de pisar diariamente. Ao contrário, a nossa crítica tem como ponto de partida a democracia dos trabalhadores e o internacionalismo socialista, que é, ao mesmo tempo, o ponto de partida do verdadeiro comunismo, que insere e trata os interesses socialistas locais do ponto de vista dos interesses revolucionários gerais. O método stalinista da expansão socialista produz danos e arrisca não apenas a expansão socialista, como também a existência do próprio estado soviético. Ele clama contra si as classes trabalhadoras dos países submetidos a esses métodos, tendo como base o sentimento nacional pisoteado e os costumes da democracia proletária. Assim, ele faz o jogo das forças contrarrevolucionárias internas e externas. Ele semeia o vento da intervenção contrarrevolucionária, da guerra contrarrevolucionária contra si próprio e, se não for bem sucedida uma mudança desses métodos, então evocará sobre a própria cabeça a tempestade da III Guerra Mundial, certamente sob condições mais desfavoráveis para si e para o socialismo internacional.
Não se trata aqui de conclusões puramente teóricas. A espinha dorsal foi quebrada na Guerra Civil Espanhola por causa da subordinação às necessidades reais ou presumidas da política externa da União Soviética. Um olhar sobre as recentes eleições na Hungria, na Áustria, nos conselhos de empresa em Berlim mostra aqui de que se trata: é o grosso dos operários industriais que se vira contra os métodos da Rússia Soviética stalinista. Esses métodos são o golpe mais pesado que pode ser dirigido contra o comunismo ou o internacionalismo socialista.
A União Soviética não escolheu voluntariamente a tarefa da conquista da Alemanha. De um lado, ela foi a consequência da guerra de defesa imposta a ela pela Alemanha Nazista; de outro lado, a recusa a conduzir a guerra como guerra revolucionária.
Pode-se pensar em apenas duas saídas para essa situação: a primeira, o desenvolvimento mais rápido possível da ação independente e da capacidade de defesa da classe operária no país conquistado e, então, desocupação. A segunda, ao contrário: a tentativa de construir cada vez mais o domínio estrangeiro no país e torná-lo duradouro, com tudo o que isso traz. Esse segundo caminho poderia terminar apenas com uma catástrofe para o país conquistador e com um profundo e longo enfraquecimento do socialismo e do comunismo.
Se um compromisso duradouro entre os esforços de expansão imperialista e socialista não é possível, então isso quer dizer também que uma paz duradoura no caminho do compromisso entre esses dois esforços e seus portadores não é possível.
Mas, então, a paz não seria possível pela vitória total de um lado sobre o outro, seja como domínio mundial capitalista anglo-americano, seja como domínio mundial socialista russo?
O primeiro lado dessa alternativa revela-se cada vez mais como o núcleo verdadeiro dos defensores burgueses do "governo mundial", ingleses ou americanos, aparentemente tão "idealistas", apoiado na supremacia anglo-saxônica, antes de tudo, no monopólio da bomba atômica (Bertrand Russel, Dorothy Thompson, etc.).
Vem à mente a analogia histórica da "pax romana", da paz mundial assegurada pela supremacia dos antigos romanos.
Essa analogia histórica é errada. O domínio mundial romano, baseado na economia escravista, em si não tinha saída. Não por acaso, depois que ele foi estabelecido, ingressou em contínua decadência. O cristianismo é o reflexo ideológico dessa ausência de saída. A invasão das tribos germânicas preparou a saída como portadora de uma democracia primitiva e como organização de homens livres. Em contraposição, existe uma saída histórica do sistema capitalista gestada técnica, organizatória e socialmente dentro dele próprio: a forma social e econômica socialista.
O domínio mundial anglo-saxônico, a imaginada corporificação do ultraimperialismo, iria pelos ares, mais cedo ou mais tarde, pela luta de classes em seu interior e a luta entre suas partes componentes — e, junto com isso, a imaginada paz mundial anglo-saxônica.
Como poderia ser duradoura a opressão social e nacional concentrada a partir de um ponto? A ideia, aliás, de que ela pudesse ser assegurada por meio de um determinado meio técnico, algo como a bomba atômica, que restaria como monopólio duradouro do grupo imperialista dominante, é uma fantasia filisteia infantil, digna das correspondentes fantasias filisteias dos nazistas. O que é decisivo aqui são as forças e relações sociais, e não as técnicas.
A escravidão capitalista universal e centralizada — que é o núcleo dessa bela ideia — é uma possibilidade passageira, mas não pode ser uma solução duradoura.
Uma paz duradoura só pode ser assegurada pela vitória do socialismo em escala mundial.
Porém, ela não pode se realizar como domínio mundial russo, mesmo que o poder militar russo possa dar uma forte contribuição para essa vitória.
Já no ano de 1920, Lênin indicava (no início de seu escrito sobre "O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo") que no momento em que apenas um país capitalista mais avançado passasse para o socialismo, a Rússia Soviética passaria rapidamente de novo, do país mais avançado na relação soviética e socialista para o mais atrasado nessas relações. Visto do outro lado, isso quer dizer que um país capitalista avançado, por meio de sua transição para o socialismo, realizaria tanto uma forma mais alta de socialismo, como também uma forma superior de estado soviético (isto é, uma forma democrática desse estado). A liderança passaria no curto prazo para esse país, porém não levaria, de nenhuma maneira, a um "domínio mundial" desse outro país. Imediatamente após a vitória, seria implantada e disseminada a tendência à equalização das diferenças entre os territórios socialistas individuais, em relação ao nível de desenvolvimento das formas do socialismo e do Estado dos Conselhos. Naturalmente, não se deve confundir isso com uniformização cultural ou nacional.
É inevitável a disputa militar entre a região anglo-saxônica e as regiões do socialismo e, portanto, a III Guerra Mundial? Existe apenas uma possibilidade de evitá-la: se o socialismo, por meio do desenvolvimento interno em um ou mais países capitalistas desenvolvidos, ganhasse tal preponderância de poder, que a luta contra essa superpotência seria para o capitalismo americano não apenas inútil de fato, como também isso ficaria claramente visível. Não se deve avaliar essa possibilidade como significativa demais, porém é a única que existe.
Uma disputa militar entre o capitalismo-imperialismo americano e o inglês, como demonstrado mais acima, tornou-se quase impossível, mas de nenhuma forma um ataque militar dos Estados Unidos para impedir uma revolução socialista na Inglaterra, ou, se ela tiver se implantado internamente, para derrotá-la de fora. Mas, nesse caso, não se trataria de uma guerra local contra uma Inglaterra socialista. Disso tudo resulta que a luta pela revolução socialista nos países capitalistas avançados, como a Inglaterra, a França, a Alemanha, oferece a única possibilidade de evitar uma III Guerra Mundial.
Todas as queixas ou acusações contra a política de potência são totalmente sem objetividade: não existe nenhuma outra política, nem nunca houve outra, enquanto a forma social socialista não existir em escala mundial. E exatamente no período que se segue à extinção da luta pelo poder entre os estados, a luta se recrudescerá de forma mais alta nos dois lados da barricada.
Na II Guerra Mundial, a ofensiva das potências do Eixo investiu contra a defensiva dos aliados capitalistas e a defensiva da União Soviética. Como se divide hoje a ofensiva e a defensiva na política mundial?
A defensiva imperialista vitoriosa transformou-se ela própria em ofensiva imperialista. A expansão socialista no seu período ativo pode também ser tomada como ofensiva na política mundial. Assim, investem-se reciprocamente as ofensivas imperialista e socialista na política mundial. Os conceitos de ofensiva e defensiva na política mundial não coincidem com ofensiva e defensiva militares, estratégicas ou táticas.
A autodeterminação nacional é um princípio socialista e também um objetivo socialista. A expressão mais simples e concludente para isso pode ser encontrada numa carta de F. Engels para K. Kautsky, de 12 de setembro de 1882, onde ele diz:
"Só uma coisa é certa: o proletariado vitorioso não pode impor a um povo estrangeiro qualquer felicidade sem com isso enterrar sua própria vitória. Naturalmente que guerras de defesa de diferentes tipos não estão de nenhuma forma excluídas."
O motivo para se atentar para a autodeterminação não é qualquer princípio abstrato de justiça, mas aquele enunciado de maneira robusta pelo próprio Engels, de que ferir a autodeterminação nacional enterra a própria vitória do estado socialista que disso for culpado.
Mas esse princípio, como qualquer outro, está subordinado ao interesse geral da revolução socialista. Ele pode ser ferido temporária e excepcionalmente no interesse da revolução socialista, mas apenas temporariamente e apenas no interesse da revolução socialista.
Esse possível caso excepcional é indicado por Karl Marx numa carta a Friedrich Engels, de 16 de abril de 1856, onde ele escreve:
Para nós é fatal que eu, looming in the future (espiando o futuro) veja algo que pareça como "traição à pátria". Isso dependerá da tournure (mudança) das coisas em Berlim, se nós não formos obrigados a chegar a posição semelhante à dos clubistas de Mainz na velha revolução. Ça sera dur (isso será duro). Nós que somos tão enlighted (iluminados) por nossos bravos frères (irmãos) do outro lado do Reno! The whole thing in Germany (a coisa toda na Alemanha) dependerá da possibilidade to back the Proletarian revolution by some second edition of the Peasant's war (de sustentar a revolução proletária por algo como uma segunda edição da guerra camponesa). Então a coisa principalmente...
A possibilidade que Marx aventou aí era naturalmente a de que, em caso de guerra entre uma França revolucionária e uma Prússia reacionária, os revolucionários alemães tivessem que apoiar a França revolucionária contra o partido da Prússia reacionária. Contudo, vê-se textualmente como Marx enxergava essa possível situação forçada com contrariedade. E também o motivo alegado é significativo: "O conhecimento dos valorosos irmãos daquele lado do Reno", isto é, a previsão de que, por causa da natureza desses "irmãos", eles muito cedo se desviariam do rigor da linha revolucionária e, então, isso resultaria em conflitos nacionais.
De fato, esse pode ser apenas um caso de exceção. Nunca o apelo ao interesse geral da revolução pode justificar a violação regular, metódica e de longa duração da autodeterminação nacional. Uma violação de maior duração da autodeterminação nacional só pode causar danos aos interesses gerais da revolução socialista. E quando a sua violação não decorrer do interesse da revolução socialista, ela é absolutamente danosa e condenável. Nos dois casos, a classe operária do país cuja autodeterminação nacional é violada deve, no interesse da revolução socialista, lutar contra isso. Nos casos onde ocorreu uma violação temporária da autodeterminação nacional, no interesse de fato da revolução socialista, as classes operárias do país que cometeu a violação e do país que a sofreu devem agir em conjunto para, tão rapidamente quanto possível, anulá-la.
Toda federação mundial ou mesmo federação no âmbito de um continente, que não tenha uma base socialista, é um salto no ar.
Blocos regionais têm que se dirigir, independentemente dos propósitos ou afirmações dos seus participantes e pela própria natureza dos fatos, contra outros blocos regionais. Um bloco dos estados capitalistas ocidentais, por exemplo, será dirigido inevitavelmente contra a União Soviética e sua esfera de influência e apenas enquanto bloco capitalista ele tem algum sentido. Os estados socialistas da Europa ocidental ou central não teriam nenhuma razão para se unir num bloco especial, separado da União Soviética. Ao contrário, eles teriam o interesse mais urgente de formar com a União Soviética um bloco socialista unificado, antes de tudo para a sua autodefesa contra o mundo capitalista circundante.
Ela pode ser descrita da seguinte maneira:
As "Nações Unidas" merecem, em um panorama das forças e tendências da política internacional após o fim da II Guerra Mundial, no máximo, a menção de que não merecem menção nenhuma. Elas não representam nenhuma força política mundial autónoma. Elas não são sequer uma força substancial para a geração de ilusões pacifistas, como foi a Liga das Nações, ao menos durante um tempo.
As "Nações Unidas" não são nem unidas nem nações. São um teatro que não é levado a sério nem pelos atores nem pela plateia. Elas indicam o lugar vazio onde se enterram as esperanças de amplas massas em todos os países por uma organização dos povos como base para uma paz duradoura.
Essa situação não exclui que as "Nações Unidas" possam ter esse ou aquele papel técnico no alinhamento para a III Guerra Mundial ou também em negociações diplomáticas em curso. Por exemplo, já é visível que o recém criado instrumento diplomático do "fideicomisso coletivo" foi instituído, de um lado, para permitir o acesso aos territórios coloniais dos vencedores mais fracos pelos vencedores imperialistas mais fortes e, de outro lado, para fortalecer a propaganda e a ação anti-imperialistas da União Soviética. A tribuna das "Nações Unidas" pode servir como meio eficaz de utilizar a propaganda aberta a serviço dos objetivos da diplomacia secreta, etc.
Nós mencionamos a bomba atómica apenas de passagem, pelo simples fato de que esse detalhe militar não é essencial para alterar as forças sociais básicas que determinam atualmente o curso da política mundial.
A velha sociedade capitalista não é mais capaz de desenvolver por completo a utilização produtiva das forças intra-atómicas, provavelmente a maior revolução técnica até hoje.
Na economia capitalista contrapõem-se a esse desenvolvimento completo dois obstáculos sociais de primeira ordem:
Primeiro, os interesses dos grupos capitalistas mais poderosos, para os quais o desenvolvimento completo e a utilização universal das forças intra-atómicas significariam a desvalorização gigantesca de investimentos (indústrias de carvão, petróleo, eletricidade, siderurgia, transporte, etc.).
Segundo, o emprego das forças intra-atómicas significaria um crescimento vigoroso da capacidade produtiva. Ela aguçaria ao máximo a contradição fundamental do sistema económico capitalista, entre a capacidade de produção e a capacidade de consumo. A generalização do uso "pacífico", ou seja, produtivo, das forças intra-atómicas seria para a sobrevivência das formas sociais capitalistas um explosivo mais forte que o seu emprego militar sob a forma de bomba atómica ou qualquer outra que seja.
Apenas uma sociedade erguida em novas bases, a sociedade socialista, está totalmente madura para a utilização prática universal das novas forças desenvolvidas. Ela doma, finalmente, o impulso social de destruição dos homens e dos bens. O crescimento desmedido das forças produtivas sociais pelo emprego técnico universal das forças intra-atómicas lhe dá a possibilidade de uma elevação rápida e forte do nível de vida de toda a sociedade. Assim, é de se prever que as forças intra-atômicas serão a base técnica sobre a qual a sociedade socialista toma o seu ponto de partida. No lugar da fórmula leninista conhecida: o socialismo é igual aos sovietes mais eletricidade, entra a nova fórmula: o socialismo é igual aos conselhos mais a energia intra-atômica.
Escondem-se numa bomba atômica duas forças sociais e históricas polares e contraditórias, conforme ela seja tomada em sua especificidade, como meio de aumento máximo da destruição, ou em sua generalidade, como um caso, realmente o primeiro, de utilização técnica das forças intra-atômicas.
A bomba atômica, em sua especificidade, é a última palavra da velha sociedade. A bomba atômica, em sua generalidade, como um caso do emprego produtivo da energia intra-atômica, será a primeira palavra da nova sociedade. Assim, a bomba atômica, como unidade das duas forças sociais contrapostas, não é um fim, mas uma transição da velha para a nova sociedade.
O sentimento assustador da ameaça do fim do mundo pela bomba atômica, que acompanhou no mundo burguês o seu aparecimento, é o pressentimento que o velho mundo tem do fim do seu mundo. Em seu fim, ele contempla e precisa contemplar, antes de tudo, o fim do mundo. Para nós, socialistas e comunistas, é o fim do mundo capitalista — não o fim do mundo, mas igualmente o começo do novo mundo socialista. Ao desespero e à falta de esperanças da burguesia, que sente mais ou menos claramente a inadequação de seus meios de distribuição, contrapomos a própria confiança revolucionária e o próprio esforço revolucionário para a aceleração do fim do velho e a fundação do novo mundo.
Do que foi dito deriva também que assim que as bases para a utilização produtiva da energia intra- atômica forem dadas, tanto a União Soviética quanto qualquer outro futuro território socialista poderá desenvolver mais rápida e extensamente essa utilização que qualquer estado capitalista.
A bomba atômica, em sua dupla natureza, esclarece a respeito da velha sociedade e, com isso, esclarece também sobre a política mundial até aqui.
(Inicío de 1946)
Notas de rodapé:
(1) Referência a Wendell Lewis Willkie (1892 — 1944), candidato republicano derrotado por Roosevelt na eleição presidencial de 1940. Roosevelt o utilizou posteriormente como embaixador informal em muitas missões internacionais. Voltou para a casa com a visão de um "mundo único" ("One World"), livre do imperialismo e do colonialismo. (retornar ao texto)
(2) Henry Morgenthau Jr., Secretário do Tesouro americano propós em 1944 um plano sobre o futuro da Alemanha após a guerra, que incluía a sua divisão em dois estados independentes, a internacionalização ou a anexação pelos países vizinhos dos seus principais centros industriais e de mineração e a desmontagem ou a destruição de todas as suas grandes indústrias. [NT] (retornar ao texto)
(3) Trata-se da futura Indonésia. [NT] potências capitalistas vencedoras em sua relação com a Alemanha capitalista derrotada serão jogadas continuamente para lá e para cá entre os pólos opostos da aniquilação e da reconstrução, da ruralização e da reindustrialização, da trava econômica e do fomento. (retornar ao texto)
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Inclusão | 03/01/2013 |