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A compreensão da teoria do valor é essencial para a assimilação de toda a doutrina marxista.
Estamos rodeados por coisas que têm valor: a mesa, as cadeiras, o tinteiro, etc. Dizemos que têm valor porque nos são úteis e porque podemos trocá-las por outras.
Se pedirmos a um físico que nos diga se estes objetos têm valor do ponto de vista estritamente científico da natureza (do ponto de vista físico), o físico analisará os objetos e dirá:
— Por mais que os analise não encontro neles a propriedade que vocês chamam de "valor". A mesa — continuará — é composta de madeira, pintura, etc., que são também produtos da natureza, transformados pelo homem: árvores, resinas, etc. Têm propriedades físicas que o homem utilizou para construir um objeto que satisfaz uma de suas necessidades, motivo pelo al podeis dizer que o conjunto dessas propriedades lhe permitiram formar um objeto que tem um valor para seu uso.
No que se refere ao valor de troca — concluirá o físico é determinado pelas relações sociais, que não me cabe examinar.
Perguntemos aos economistas: Por que motivo damos valor a essas coisas?
A teoria da utilidade responde: "As coisas têm valor por que nos são úteis, porque satisfazem as nossas necessidades" De modo que, segundo esta doutrina, o valor depende de uma apreciação subjetiva da utilidade objetiva contida nas coisas.
Um mendigo esfomeado precisa de pão para se alimentar; sem dúvida nenhuma, o pão tem para ele muito mais utilidade do que um automóvel.
Portanto, se dermos a um mendigo esfomeado um automóvel, ele nos responderá:
— Obrigado. Prefiro pão. Para mim, o automóvel não tem valor.
Isso, entretanto, não acontece na realidade, porque o mendigo sabe muito bem que pode trocar o automóvel não só por pão como também por muitas outras coisas úteis.
Compreende-se facilmente que essa teoria não se ajusta à função social do valor e da noção de troca.
Os doutrinários da teoria da utilidade marginal ou final defendem mais ou menos a mesma coisa.
O valor — dizem eles — é um fenômeno subjetivo cujo montante vai diminuindo à medida que satisfazemos nossa necessidade. Isto é, se temos necessidade de um automóvel, o primeiro automóvel que ganhemos nos dará imenso prazer, pois tem um grande valor por sua utilidade. O segundo automóvel terá menos valor. E assim sucessivamente até um automóvel que nos seja completamente inútil e cujo valor seja igual a zero. E, se continuarem a presentear-nos com automóveis, o seu valor ficaria abaixo de zero e nos prejudicaria. Se nos dessem 100 automóveis, nós os recusaríamos indignados, como se, em lugar de nos oferecerem um copo de água, nos tivessem inundado a casa toda.
Evidentemente, os teóricos dessa doutrina (que é a representada de uma forma muito mais complicada), não compreendem o valor de troca (o valor social), por se tratar de uma teoria subjetivista. Se nos derem 100 automóveis, tanto melhor, os automóveis têm um valor de troca que nos permite adquirir muitíssimas coisas úteis e diferentes.
Outros economistas defendem a teoria segundo a qual os objetos têm valor de acordo com a sua raridade e o montante desse valor é determinado pela lei da oferta e da procura, esses economistas não observaram ainda que, se o preço dos objetos é menor do que o custo de produção, os fabricantes restringem a fabricação, diminuindo assim a oferta, obrigando os preços a subirem novamente. Quando o preço está muito acima do custo de produção, a venda desse artigo produz um lucro extraordinário, novas fábricas se abrem, há maior oferta e o preço diminui.
E... o valor não será determinado pelo custo da produção? Vejamos. Que significa custo de produção? É a soma dos preços das mercadorias que são gastos na confecção do artigo: matérias primas, desgaste de máquinas, salários pagos, etc. Assim, explicar o valor pelo custo de produção de uma mercadoria é incorrer numa repetição de princípio, pois precisamos, antes de mais nada, explicar porque, têm valor as matérias primas compradas pelos fabricantes, as máquinas, etc. Só assim, indo às fontes originárias, poderemos verificar o que é o valor.
Frente a todas essas dificuldades, diz Charles Gide:
— "Por que motivo um quilo de ouro vale mais do que um quilo de pão? É uma questão terrível que, há mais de um século, atormenta a todas as gerações de economistas". E prossegue: "... Poderemos perguntar-nos se não é insolúvel essa questão", etc. (Curso de Economia Política, pág. 55).
Com isso, Charles Gide apenas confessa sinceramente que a Economia Política burguesa é impotente para resolver o problema básico de toda a Economia Política.
O problema é perfeitamente solucionável, e a sua solução foi entrevista, embora não resolvida, desde Aristóteles até Ricardo, passando por Adam Smith, Barbon, etc.
Vejamos a teoria do valor segundo Karl Marx, que resolveu o problema.
Mercadoria é todo o objeto que se produz para a venda.
Karl Marx inicia sua investigação com a análise da mercadoria e diz:
"A mercadoria é primeiramente um objeto do mundo exterior, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz uma necessidade qualquer do homem".
"A utilidade de uma coisa é o que constitui o valor de uso da mesma."
Mas esta utilidade não flutua no ar.
"Essa utilidade está condicionada pelas propriedades do corpo componentes da mercadoria, sem o qual não poderia existir."
Valor de uso. O fato de uma mercadoria ter valor de uso é independente do maior ou menor trabalho que haja custado ao homem a sua produção. Isto é, uma coisa tem valor de uso, não pelo trabalho que custou, mas por sua utilidade, e se realiza pelo uso ou pelo consumo.
Prossegue Marx:
"Uma coisa pode ter valor de uso, sem ter um valor de troca. Tal é o caso quando ela é útil ao homem sem que haja sido obtida pelo trabalho humano. O ar, por exemplo. Mas nenhuma coisa pode ter valor de troca sem ter por sua vez seu valor de uso. (O Capital, primeiro capítulo).
Valor de troca. Além do valor de uso, os objetos podem ser utilizados para serem trocados uns pelos outros. Isto é, têm um valor de troca.
Caráter social do valor de troca. Mas é preciso compreender bem. O valor de troca existe porque existem as pessoas com as quais se pode trocar as mercadorias.
O valor de troca é produto das relações sociais. Foi por isso que aquele árabe, encontrando-se esfomeado no deserto, e pensando encontrar nozes, quando encontrou pérolas, exclamou decepcionado: Mas, são pérolas!
Se as tivesse encontrado em Beirute, por mais esfomeado que estivesse, não teria lançado essa exclamação desconsolada, porque, ali, não estando isolado, poderia obter, pelo valor de troca das pérolas, grandes quantidades de nozes e muitas coisas mais.
O trabalho humano. Donde provém esse valor que nos permite trocar as coisas?
Analisemos uma simples relação de troca:
Troquemos, por hipótese, 10 quilos de trigo, por 4 metros de fazenda.
Observemos:
Que têm de comum os dois termos dessa igualdade?
— O valor de uso?
Não, são completamente diferentes. O trigo destina-se a necessidades diferentes da fazenda. As utilidades de cada mercadoria são diferentes.
— A quantidade?
Menos ainda. 10 não é igual a 4. Além disso, não se pode comparar quantitativamente quilos com metros.
— A utilidade?
Também não, pois sendo diferentes os seus valores de uso também o serão as suas utilidades.
— Os preços que nos custaram?
E se tivéssemos ganho de presente a fazenda? Neste caso, o dono do trigo, se o valor dependesse do "preço que nos custou", não trocaria uma coisa que nada nos custou pelo trigo, que lhe custou um determinado tempo de trabalho, desgaste de máquinas, etc.
O que tem de comum os membros dessa igualdade não é algo que dependa do dono da mercadoria, mas da própria mercadoria e acontece muitas vezes que o dono da mercadoria a troca por outra sabendo que o custo da produção de sua mercadoria é maior que o da mercadoria que recebe em troca. Existe, entretanto, algo de comum entre essa quantidade de trigo e a fazenda. É que ambos são produtos de um certo trabalho, ou melhor, gastos de trabalho.
Trabalho concreto. Observemos que o trabalho do agricultor é bastante diferente do trabalho do operário têxtil. A igualdade não está, portanto, no trabalho concreto, criador do valor de uso, mas no trabalho em geral, produzido por um gasto de energia humana geral: o trabalho abstrato.
Trabalho abstrato. "Um valor de uso só tem valor de troca porque nele está objetivado ou materializado um trabalho humano." (O Capital).
Como se mede a quantidade de trabalho?
Mede-se a quantidade de trabalho pelo tempo que demora para ser produzida a mercadoria e o tempo computa-se em dias, horas, minutos.
Suponhamos, entretanto, que um operário é vagaroso, demora muito mais do que um operário hábil e diligente. A mercadoria do operário vagaroso valerá mais porque trabalhou mais tempo? Não. Porque o valor(4), fenômeno social, não é determinado pelo trabalho individual de um operário, mas pelo trabalho médio, socialmente necessário para produzir um artigo.
Trabalho socialmente necessário. Este trabalho socialmente necessário é determinado pela técnica média da sociedade, das condições pessoais dos trabalhadores, etc.
"A quantidade de valor de uma mercadoria permaneceria constante, se o tempo de trabalho exigido para sua produção fosse também constante, mas este varia pela mudança da força produtiva do trabalho, que varia igualmente pelo progresso da técnica, habilidade do operário, etc." (Marx).
Além disso, a mesma quantidade de trabalho pode produzir diferentes quantidades de produtos. A mesma quantidade de trabalho rende maior quantidade de metal, numa jazida rica, do que numa mina pobre.
Assim mesmo, um operário classificado pode produzir quantidades duas vezes maiores de produtos do que um operário comum. O primeiro fornece um trabalho complexo, produto do aprendizado e do estudo; o segundo fornece um trabalho mais simples.
O valor de uma mercadoria é determinado, pois, pelo trabalho simples socialmente necessário para criá-la (ou, mais exatamente) para reproduzi-la, nas condições reais.
O preço das mercadorias que não podem ser criadas novamente, por exemplo, o preço de uma escultura de Miguel Ângelo, não depende diretamente de seu valor, pois a sua produção não pode ser regularizada pela troca.
Marx foi o primeiro a expor criticamente e a esclarecer a dupla natureza do trabalho contido na mercadoria. Como podemos deduzir, pelo que vimos atrás, é a aplicação da dialética que permite investigar cientificamente todas as relações econômicas.
Antes de Marx, outros escritores estudaram essas duas naturezas do valor, mas não chegaram a resolver o problema.
Ricardo, por exemplo,
"ao considerar o trabalho, estabelece a distinção quando considera o trabalho uma vez qualitativamente e outra quantitativamente, mas não compreende que a distinção quantitativa dos trabalhos supõe a sua unidade ou igualdade qualitativa, por conseguinte, a sua redução a trabalho humano abstrato." (Marx).
Esclareçamos:
Ricardo não compreende a equação:
10 quilos de trigo = 4 metros de fazenda;
que revela existir uma unidade qualitativa no fato de que ambos os artigos são produtos de um trabalho humano abstrato.
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Como a compreensão da dupla natureza do trabalho contido nas mercadorias é o eixo em torno ao qual gira toda a Economia Política, tiraremos todas as conclusões teóricas da igualdade para chegar à forma do valor, que é a expressão de uma mercadoria comparada a outra mercadoria, até à chamada forma de valor: dinheiro.
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Temos a igualdade: 10 quilos de trigo = 4 metros de fazenda.
A primeira mercadoria cumpre uma função ativa, a segunda só nos interessa como equivalente da primeira.
Marx chama a primeira: forma relativa do valor, e a segunda: forma equivalente. Ambas são dependentes, condicionam-se reciprocamente, mas são, por sua vez, extremos que se excluem, termos antitéticos, polos de uma mesma expressão de valor.
O valor do trigo, forma relativa do valor, não pode exprimir-se por si mesmo. Dizer: 10 quilos de trigo são iguais a 10 quilos de trigo não é exprimir uma relação de troca.
O mesmo dizemos da forma equivalente: não pode exprimir-se por si mesma: 4 metros de fazenda igual a 4 metros de fazenda.
Se invertermos a equação e apresentarmos:
4 metros de fazenda = a 10 quilos de trigo,
teremos modificado o mecanismo da relação e a fazenda, de valor equivalente que era, se converterá em forma relativa, e vice-versa. Daí se conclui que a mesma mercadoria não pode, na mesma expressão de valor, figurar em ambas as formas ao mesmo tempo. É preciso que sejam valores de uso diferentes.
Já vimos, pois, que na equação
10 quilos de trigo = a 4 metros de fazenda,
a fazenda exprime a forma equivalente do valor da forma de valor relativo de 10 quilos de trigo.
Mas essa quantidade de trigo pode ser trocada por muitas outras mercadorias. Assim, há uma infinidade de equivalentes da forma de valor relativo de 10 quilos de trigo.
Desse modo, poderemos chegar a esta outra fórmula:
10 quilos de trigo = | a 4 mts. de fazenda ou... |
a 8 litros de gasolina, ou... | |
a 10 quilos de açúcar, ou... | |
a etc., etc. |
Chegamos a esta forma, em que se expressa o valor dos 10 quilos de trigo, à sua forma desenvolvida.
Que tem de particular essa nova forma?
É que ela nos permite observar:
A mercadoria 10 quilos de trigo tem uma quantidade indefinida de equivalentes: 4 metros de fazenda, 8 litros de gasolina 10 quilos de açúcar, etc.
Seria, entretanto, mais simples, para a troca, que houvesse apenas um equivalente geral de todas as mercadorias.
Se invertêssemos a equação, teríamos:
4 mts. de fazenda, | = 10 quilos de trigo |
8 litros de gasolina, | |
10 quilos de açúcar, | |
Etc., etc. |
O interessante dessa fórmula é que o trigo se converte numa mercadoria que tem um valor geral, independente de seu valor de uso. O possuidor de trigo sabe que pode possuir também, pela troca, um número infinito de mercadorias em quantidades variáveis.
Praticamente o trigo não nos serve como equivalente geral, por diversas razões: não se pode guardar indefinidamente, pois se deteriora; não é cômodo para ser posto em circulação, etc. Outras mercadorias já foram empregadas como equivalente geral: o gado (pecúlio provém de pecus, que significa gado); o sal (donde provém a palavra salário); etc.
Atualmente o ouro e a prata são as mercadorias empregadas como equivalentes gerais.
Notemos o seguinte:
No regime capitalista, produzem-se fenômenos econômicos que ninguém deseja, tais como: as crises, a superprodução, a desocupação, etc. Isso se deve, como veremos adiante, a que a produção da mais-valia e a anarquia da produção fazem com que as leis econômicas dominem os homens e não que os homens dominem às leis econômicas.
Eis por que o dinheiro domina a sociedade e não a sociedade o dinheiro.
Os homens simples veem no dinheiro um Deus e um Diabo. O dinheiro é culpado pela imoralidade, pela corrupção e egoísmo dos homens. E também acontece o contrário: "O dinheiro tudo pode" é uma frase comum.
Isto acontece porque o ouro, como mercadoria, que cumpre a função de equivalente geral, resume em si o trabalho acumulado da sociedade (daí o seu imenso poder), e, numa sociedade em que uns dependem economicamente de outros, o dinheiro se converte num fetiche, dono de toda a sociedade...
O dinheiro é, pois, um equivalente geral, que serve de base aos preços e facilita a troca.
Permite a acumulação de tesouros que são o entesouramento de trabalho social acumulado e, por fim, é um meio de pagamento.
Numa sociedade, portanto, baseada na produção de mercadorias, o dinheiro é útil e, na sociedade socialista, cumpre uma função transitória, enquanto persiste o salário.
Sabemos que o valor é a expressão do trabalho social contido nos produtos.
Alguns "economistas", defensores do regime atual, "refutam" Marx, alegando que as mercadorias nem sempre são vendidas pelo seu valor. Isso é exato. Mas também é exato que Marx nunca afirmou tal coisa.
O preço é a expressão monetária do valor, de parte do valor ou de uma quantidade de valor maior que o contido numa determinada mercadoria.
Tomemos um exemplo:
Três pessoas, em três livrarias diferentes, compram exemplares de uma mesma obra. E, pelo mesmo livro pelo qual A pagou Cr$ 1,00, o senhor B pagou Cr$ 1,20 e o senhor C, Cr$ 1,30.
Depois de algum tempo, a edição esgota-se, e o senhor X, por acaso, encontra a mesma obra numa livraria.
Pede o preço e afirmam-lhe ser Cr$ 10,00.
O senhor X protesta, alegando que não vale tanto, pois que A, B e C pagaram pelo livro muito menos. O livreiro, então, responde: "Compre o senhor então onde o adquiriram A, B e C".
O senhor X, que sabe estar a edição esgotada, adquire por Cr$ 10,00, mas sabe que o pagou por mais do que o seu valor.
Pode também dar-se o caso contrário: que esse livro caia em desuso ou que a praça fique abarrotada de exemplares, que em qualquer livraria de livros usados se possa comprá-lo por alguns centavos. Nesse caso, o livreiro pediria ao Sr. X, Cr$ 0,60 ou Cr$ 0,40, etc.... e o teria vendido abaixo de seu valor.
Mas é certo que, pelo menos durante um espaço de tempo, não serão editados esses livros, pois não convêm vendê-los abaixo de seu valor. Logo veremos que existe um equilíbrio dos preços e qual é a base do mesmo.
Vejamos, então: o livro é sempre o mesmo e, portanto, tem sempre o mesmo valor. Tem sempre a mesma quantidade de trabalho social acumulado.
Deve-se, principalmente:
Mas sempre existe uma base, uma linha em torno da qual o preço oscila. Essa base é o valor da mercadoria, determinado pelo trabalho simples socialmente necessário para produzi-la.
É absurda, portanto, a tese que afirma que exclusivamente a lei da oferta e da procura é que determina o preço, pois, como já vimos, quando o aumento da oferta faz com que os preços fiquem abaixo de seu valor, ocasionando grandes perdas para os fabricantes, as fábricas cessam de produzir essas mercadorias, a oferta diminui, e o preço volta então a equilibrar-se.
Se a procura, entretanto, eleva os preços acima de seu valor, os fabricantes intensificam a produção, novas fábricas se abrem para fabricar o produto, etc., e a oferta aumenta, voltando então o preço ao seu equilíbrio.
O valor e o preço é que determinam a oferta e a procura, e não o contrário.
A força de trabalho do operário é também uma mercadoria na sociedade capitalista, à qual se dá um preço no mercado de trabalho. Esse preço é o salário, que é determinado, como todos os demais preços, pelo valor (o valor da força de trabalho é igual ao trabalho simples socialmente necessário acumulado nas mercadorias consumidas pelo operário para poder recuperar a força de trabalho é a manutenção de sua família, pela oferta e a procura.
As mercadorias consumidas pelo operário, afim de que este possa desenvolver a força de trabalho, são os alimentos, a habitação, roupas, etc. Além disso, dentro do valor dessa força de trabalho, se inclui tudo o que é necessário para a reprodução dos próprios operários: a manutenção da sua família. Mas isso restringe-se cada vez mais quando se verifica a participação da mulher e da criança proletária na produção.
Todos nós conhecemos pessoas que enriqueceram rapidamente.
O Sr. Z tem uma fábrica de roupa feita. Paga às suas costureiras um salário mais ou menos baixo. Depois de certo tempo, o senhor Z já tem dinheiro para comprar um novo negócio e continua sempre ganhando dinheiro. De onde provém o lucro do Sr. Z?
O Sr. Z, por exemplo, vende 10 vestidos num dia. Cobra Cr$ 9,00 por vestido, percebendo um total de Cr$ 90,00. Gastou nesse dia, em salário, materiais, aluguel, etc., Cr$ 50,00. Donde se originaram os Cr$ 40,00 de lucro?
Outro exemplo:
O comerciante X tem uma soma de dinheiro igual a D. Compra com esse dinheiro uma certa quantidade de mercadorias igual a M; vendendo-as obtém uma quantidade de dinheiro igual a D + a, isto é, o dinheiro anteriormente empregado e mais um lucro.
De onde se originou o lucro a?
A primeira resposta que nos ocorre é que o aumento se originou dos preços. Ele compra por um preço e vende mais caro, tirando daí o seu lucro. Isto é o que nos parece à primeira vista, mas, se estudarmos mais esse problema, e se nos recordarmos de que o preço oscila acima ou abaixo do valor da mercadoria, e que a soma do valor cm circulação não pode aumentar pela circulação desses valores, verificaremos que não acontece o que superficialmente nos parece.
Se temos entre nós diversos objetos que trocamos, alguns de nós poderão sair mais ou menos favorecidos, mas a quantidade de objetos não aumentará. O que beneficia a um, prejudica a outro. Se a troca produzisse valores, não seria necessário trabalhar.
Além disso, se na troca, na venda, estivesse a razão do lucro do comerciante, como o comerciante é comprador (do atacadista) e vendedor (à freguesia) ao mesmo tempo, uma tiraria do outro o lucro, lucro este, que seria sempre igual. Por mais que se troquem mercadorias (e o dinheiro é também uma mercadoria), a quantidade de valor contida em cada uma e no no conjunto delas não variará.
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Suponhamos que o Sr. Z obrigasse suas costureiras a produzirem o dobro do trabalho, de maneira que, em vez de 10, produzissem 20 vestidos por dia.
O Sr. Z receberia agora não só Cr$ 90,00 (10 vestidos a Cr$ 9.00 cada um), mas sim Cr$ 180,00 (20 vestidos a Cr$ 9,00 cada um). As despesas que eram de Cr$ 50,00 aumentariam para Cr§ 80,00, pois gastou mais materiais para a confecção. Desse modo, restaria de lucro ao Sr. Z o seguinte: Cr$ 180,00 — Cr$ 80,00 — Cr$ 100,00. Isto é, o fato de fazer trabalhar mais as operárias fez aumentar os lucros do Sr. Z.
Suponhamos que o pessoal do Sr. Z se declare em greve. O Sr. Z já não ganhará os Cr$ 100,00 por dia e protestará contra as operárias ingratas que se rebelam apesar dele lhes dar trabalho, "dar-lhes meios para poder viverem".
Já vimos que o lucro não provém da troca. Havia uma maneira de consegui-lo: arranjar uma mercadoria que, sem trabalho algum, se reproduzisse por si só.
Procuremos essa mercadoria: serão as sementes?
Não. As sementes não se reproduzem por si sós; é preciso arar a terra, semear e proteger as sementeiras, regar e colher; são necessários os peões, os instrumentos de trabalho; seria preciso pagar o arrendamento da terra, etc., etc.
Seria por acaso o gado? Podemos dizer a este respeito o mesmo que já dissemos sobre as sementes; é necessário cuidar dele, alimentá-lo, curá-lo, pagar o arrendamento do campo, onde ele pasta, etc.
Então, de que mercadoria se trata?
Já vimos que existia uma mercadoria "ingrata", que deu um desgosto ao Sr. Z: a força de trabalho de seus operários, que o Sr. Z pagou com salário. E vimos que, quando o pessoal do Sr. Z se declarou em greve, este senhor não recebeu nem Cr$ 50,00 nem os Cr$ 100,00 de lucros, diários, da mesma forma que não contribuiu para que ela subsistisse.
E é precisamente aí que se encontra a fonte de lucros. O Sr. Z paga aos seus operários o preço de sua força de trabalho, mas este salário é determinado pelo seu valor, isto é, o custo das mercadorias necessárias para que o operário reponha suas forças gastas no trabalho, recupere as suas energias.
Entretanto, o operário produz com a sua força de trabalho mais valor do que o que recebe para restaurar a sua força de trabalho, e esse sobre-valor, mais-valia, é aproveitado pelo capitalista, beneficiando-se este do fato de ser o proprietário dos meios de produção, propriedade que é garantida pelas leis e pela sua coação: a força policial, o Estado burguês.
O Sr. Z tem um parceiro. É o comerciante X, que se encarrega de trazer a clientela e de colocar os produtos do industrial Z.
Além disso, o comerciante paga os produtos fabricados pelo industrial Z, antes de havê-los vendidos. Por esse motivo, em vez de cobrar Cr$ 9,00 por vestido, o Sr. Z cobra apenas Cr$ 8,00, deixando de ganhar Cr$ 20,00 por dia, que são embolsados pelo Sr. X. Mas já vimos que os Cr$ 80,00 do industrial Z e os Cr$ 20,00 do comerciante X, são originados do sobre-valor criado pela classe operária, a mais-valia.
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O Sr. Z quer abrir uma nova fábrica. Pede Cr$ 10.000,00 a um Banco e este empresta-lhes com 5 % de juros, sobrando, no fim do ano, Cr$ 10.500,00.
O Banco emprestou essa soma de um Sr. R, a quem deu, pagando um juro de 5%, a quantidade de Cr$ 10.400,00, no fim do ano. Assim, o Banco ganhou Cr$ 100,00, o Sr. R ganhou Cr$ 400,00 e tudo foi pago com os Cr$ 500,00 do Sr. Z, cruzeiros esses que são uma parte do produto da mais-valia obtida de seus operários.
Alguém, entretanto, poderia pensar: "Não, a mais-valia é obtida pelo senhor Z de seus clientes, que lhe pagam os vestidos". Mas tal não se dá porque os clientes pagam um vestido que representa trabalho materializado.
O industrial ou o comerciante podem cobrar mais pelos vestidos, isto é, preço muito acima de seu valor, mas, neste caso, o industrial obtém a mais-valia dos operários e ainda um lucro suplementar, resultante da mistificação que sofreu o consumidor.
Lembremo-nos que o lucro do capitalismo não é consequente das trocas, porque
"a soma dos valores em circulação não poderia evidentemente ser modificada por sua repartição, assim como um judeu não aumentaria à massa de metais preciosos de um país, vendendo por um guinéo um moeda de cobre do tempo da rainha Ana. O conjunto da classe capitalista de um país não pode enganar-se a si mesma". (Carlos Marx, O Capital, t. l.°, pág. 185).
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O industrial Z não fica com toda a mais-valia obtida de seus operários. Como não vende a mercadoria diretamente, uma parte dessa mais-valia (que é o trabalho suplementar não- pago ao trabalhador) é aproveitada pelo comerciante, uma outra parte pelo dono do local onde o industrial tem a fábrica e que recebe uma renda, uma terceira parcela pelo Banco que empresta dinheiro ao Sr. Z, que paga a sua dívida aumentada com os juros, etc.
Com isso já se pode ter uma ideia de como a mais-valia se reparte entre toda a classe capitalista.
No próximo capítulo, veremos mais detalhadamente a distribuição da mais-valia, afim de podermos estudar as suas leis.
A teoria do valor tem uma importância primordial, porque dela dependem as demais análises econômicas.
Os economistas defensores do capitalismo dão como fundamento do valor muitos outros elementos, excluindo o fundamental: o trabalho materializado na mercadoria.
Na mercadoria, distingue-se o valor de uso (sua utilidade) e o valor de troca (que é o trabalho materializado numa mercadoria e que nos permite trocá-la por outra).
O ar possui um valor de uso, mas não um valor de troca. Um objeto, entretanto, não pode ter um valor de troca sem ter um valor de uso.
Muitas vezes observamos um objeto que "sem ter nenhum valor" (por exemplo, uma bota velha de Napoleão) obtém, entretanto, um preço elevadíssimo. A vaidade ou o interesse particular de um estudioso para possuir um objeto que tenha pertencido a uma personagem histórica pode produzir esse fenômeno. Neste caso, o objeto possui um valor de uso indireto e um preço que está muito acima de seu valor de troca.
A água tem uma utilidade muito maior que a do vinho. Seu valor de uso é muito maior que o valor de uso do vinho: por que. entretanto, o vinho tem maior valor de troca que a água?
A teoria da utilidade afirma que o valor das mercadorias depende da utilidade. O pão é mais útil que o ouro: então, vale mais um quilo de ouro do que um quilo de pão?
Já vimos que a moeda dinheiro é uma mercadoria que age como equivalente geral. O preço é o valor de troca de uma mercadoria expresso em dinheiro. Mas o preço nem sempre é igual ao seu valor, oscilando acima e abaixo do mesmo, o que exprimimos dizendo que "compramos uma mercadoria barata" ou "pagamos muito caro".
O ar, sendo tão útil, não tem um preço: por que motivo?
O salário é o preço da força de trabalho do operário: de que depende, pois, o valor da força de trabalho?
A força de trabalho do operário tem um valor que o capitalista paga bem ou mal, por meio do salário, mas essa força de trabalho produz um valor sempre maior do que lhe paga o patrão.
A diferença entre o que o capitalista paga ao operário e o que este produz chama-se mais-valia, É o trabalho suplementar do operário não pago pelo patrão.
continua>>>
Notas de rodapé:
(4) Sempre que estiver escrito apenas valor, refere-se ao valor de troca. (retornar ao texto)
Inclusão |