A Luta nos Bairros Camarários do Porto

5 de Julho de 1974


Fonte: Jornal Combate, nº 2, Portugal.
Originais enviados por : Manoel Nascimento.
Transcrição e HTML:
Fernando A. S. Araújo, Abril 2008.
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O Movimento dos Bairros Camarários do Porto é hoje uma realidade que se impôs por si. Comícios, assembleias, reuniões inter-delegações, confrontos entre o Movimento a a Câmara, tentativas por parte do M. D. P. para controlar o Movimento, declaração de independência por parte do Movimento face aos partidos (o MDP é considerado um partido), milhares de pessoas envolvidas num processo cuja principal originalidade é a decisão com que os trabalhadores habitantes desses bairros caminham com os próprios pés.

O Movimento pode dizer-se que teve inicio no dia 30 de Abril, muito embora a luta tivesse sempre existido contra a Câmara fascista. Em 30 de Abril, a partir da abertura de alguns Centros Sociais até ai encerrados a população pela Câmara — e cuja abertura era reivindicada por algumas Assistentes Sociais progressistas —, elementos dos mais activos da população desses bairros resolveram reunir-se. Reunir-se, discutir com alguns elementos exteriores ao bairro a situação gerai do País, e, a partir da confirmação das ideias que espontaneamente tinham já formado acerca da existência de condições favoráveis, tomar a decisão de avançar, foi obra de momento. E foi obra de momento porque a revolta e a sua consciência ditada por uma longa experiência de quem era o inimigo, estavam há muito assentes. Nessa mesma noite de 30 de Abril uma Comissão do Bairro da S. João de Deus, elaborou um caderno reivindicativo mínimo, exigindo a abolição imediata do Regulamento fascista que durante anos e anos oprimiu e aterrorizou os moradores. No dia 1 de Maio, em manifestação que trouxe para a rua a maior parte dos moradoras, esse caderno foi entregue no Quartel General. Ao contrario do que os cínicos dizem quando chamam «carneiros» ao povo (que previamente dividiram e aterrorizaram), ei-lo ao ataque contra a opressão e a exploração sempre que as condições o proporcionam.

Como resultado da ampla mobilização levada a cabo pela própria iniciativa das comissões formadas, o Regulamento fascista, que transformou os bairros em Campos de Concentração, foi suspenso. Mas, que novo Regulamento virá? — Os moradores querem ter uma palavra a dizer. Os moradores querem eles próprios controlar a vida interna dos Bairros através das Assembleias e Comissões. Não são menores mentais, não querem mais o Fiscal que é o bufo da Câmara e a ponta de lança da divisão e do terror dentro dos bairros. O povo não quer polícias.

O que virá a seguir? A luta continua pela junção de novos bairros ao Movimento — são mais de duas dezenas da bairros habitados por perto de 50 mil pessoas. Para já, a Câmara mantém-se como antes, e o povo sabe. Um elemento do MOP inicialmente indigitado para uma nova vereação da Câmara veio apoiar uma ideia que apareceu de transformar as casas dos Bairros em casas de renda resolúvel. É claro que os moradores, fartos de não terem uma casa verdadeiramente sua (o Fiscal pode entrar em qualquer momento sob pena do morador ser despejado caso não lhe abra a porta, por exemplo), e naturalmente penetrados pelas ideias dominantes do sistema da propriedade privada, aplaudiram. Começam agora a perceber-se de alguns inconvenientes dessa ideia. Por exemplo, terem de aguentar com a conservação da casa, o que é incomportável para a sua bolsa, tanto mais que muitas moradias, se não a maioria, estão em péssimo estado. Outro exemplo, o ficarem «amarrados» a casa que estão a pagar durante 25 anos, quando uma renda barata, proporcional aos proventos lhes simplificaria a vida. Estamos certos que os trabalhadores a pouco e pouco compreeenderão que a propriedade privada favorece a burguesia e não a sua causa.

Mas, além das conquistas efectuadas, os trabalhadores habitantes dos bairros têm ficado com ideias mais claras sobre quem são os verdadeiros e os falsos amigos do povo. E com relação ao futuro, isto é um bem precioso.


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