Os Cabo-Verdeanos em Portugal

5 de Julho de 1974


Fonte: Jornal Combate, nº 2, Portugal.
Originais enviados por : Manoel Nascimento.
Transcrição e HTML:
Fernando A. S. Araújo, Abril 2008.
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Presentemente encontram-se um Portugal cerca de uma centena da milhar de trabalhadores africanos, na sua grande maioria de Cabo Verde.

QUEM SÃO? O QUE FAZIAM NA SUA TERRA? PORQUE EMIGRARAM?

O QUE A SEGUIR EXPOMOS E DENUNCIAMOS É O RESULTADO DE CONVERSAS COM TRABALHADORES CABO-VERDIANOS EM VÁRIOS PONTOS DE LISBOA E ARREDORES.

Em Cabo Verde eram. quase todos, pequenos camponeses que viviam daquilo que o seu bocado de terra lhes dava. Cultivavam, de uma maneira geral, milho, feijão, batata, tinham a sua criação e, semanal ou quinzenalmente, iam à feira mais próxima da sua povoação vender parte do produto da terra e comprar aquilo de que mais necessitavam: vestuário, calçado, etc.

Havia anos de boa colheita outros mais fracos, mas lá iam vivendo, apesar das precárias condições de existência, próprias de um regime colonial.

Dizem esses caamradas cabo-verdianos, que são quase todos analfabetos, que só ultimamente começou a haver mais escolas no interior das ilhas e que, mesmo assim, muitas vezes não podem mandar os filhos à escola, porque precisam da sua ajuda para trabalhar nos campos e o dinheiro mal chega para a alimentação.

As condições sanitárias são quase inexistentes, o acesso às vilas ou cidades mais próximas extremamente difícil.

Vivendo nessas condições em períodos considerados normais, quando as secas se abatem sobre o arquipélago, vêem a sua situação extremamente piorada. Seguem-se as fomes, as doenças a única solução é a emigração.

Dantes eram levadas grandes nassas de trabalhadores cabo-verdianos para trabalharem nas ocas dos colonos portugueses em S. Tomé o que contribuía para «acalmar a situação» em Cabo Verde e avolumar as contas bancárias dos colonos, em Portugal.

Esta última seca já dura há sete anos. A principio, esperando que o ano seguinte fosse melhor, esses pequenos camponeses, que já não podiam viver da terra, iam para as estradas onde, apesar dos salários baixissimos — de 20 a 50 escudos diários — se encontravam junto da família e dos amigos.

Mas como as chuvas não vinham, as condições de existência tornaram-se insuportáveis, pois não tinham disponibilidades económicas para fazer furos e adquirir as bombas como fazem os médios proprietários a quem as secas dão muito menos prejuízos, porque a água não falta.

É então que a emigração para Portugal, embelezada pelos agentes do colonialismo numa altura em que a mão-de-obra aqui escasseava, lhes aparece como única solução para a sua situação desesperada.

O primeiro problema que se lhes põe é arranjar o dinheiro para a viagem, sendo normalmente obrigados a pedi-lo emprestado aos comerciantes da terra a quem terão de o pagar com um juro de 100%, salvo quando, graças ao seu «bom comportamento» o conseguem através do senhor padre a um juro de cerca de 75%.

O QUE OS ESPERARA EM PORTUGAL

Em Portugal, sem quaisquer condições de subsistência asseguradas, dependem essencialmente dos seus companheiros para arranjarem meios provisórios de subsistência, numa terra que lhes é totalmente desconhecida.

Com a situação geral de desemprego agravada e sem informação sobre possibilidades de emprego, muitos trabalhadores ficam vários meses desempregados. Por outro lado, os trabalhadores Cabo-Verdianos só conseguem ser aceites para os empregos mais mal pagos e com piores condições de trabalho.

É sobretudo na construção civil, nas minas e nos serviços camarários (serviços de limpeza) que os trabalhadores cabo-verdianos estão empregados, em condições de salário, trabalho e habitação miseráveis.

Tanto a indústria de construção civil como a indústria mineira estão vitalmente dependentes de uma mão-de-obra a preços muitíssimo baixos que, em más condições técnicas de produção, permite aos grupos capitalistas exploradores grandes lucros. E com base nos salários de fome dos trabalhadores, sobretudo cabo-verdianos, que as pequenas e médias empresas nestas indústrias, podem subsistir e que as grandes empresas podem crescer constantemente mantendo lucros muito elevados.

Realizando o trabalho mais mal pago e em piores condições, em sectores maia afectados pelo agravamento de crises económicas e sendo emigrantes, os trabalhadores cabo-verdianos são os primeiros a ser despedidos. Nas minas, muitos após curtos períodos de trabalho, ficam gravemente doentes tendo de se ausentar do trabalho. Ou patrões pagam então um salário ridículo de alguns escudos por semana o que representa um verdadeiro insulto à classe trabalhadora.

Sujeitos a sobre-exploração feroz do colonialismo antes da emigração, os trabalhadores africanos continuam em Portugal a ser sujeitos à mesma sobre-exploração, além de viverem novas condições de opressão, tais como o afastamento durante longos anos das suas famílias, a dependência total, para subsistir, dos salários de fome e o isolamento em que são forçados a viver em barracões separados dos outros trabalhadores tanto portugueses como africanos.

Após a emigração, os familiares mais próximos dos emigrados que tenham ficado em Cabo Verde, encontram grande dificuldade em conseguir emprego. De facto os patrões não lhes dão emprego se souberem que um membro da família é emigrante.

Por outro lado, as condições de vida a que estão sujeitos são tão más que tornam impossível para a maioria viverem aqui com as suas famílias.

Vivem em barracões (de 8 a 50 e mais peaaoas) onde quase só existe espaço para as camas e beliches.

Nalguns casos as camas são caixotes cobertos com sacos, noutros não existe luz eléctrica. Em todos, as instalações sanitárias são praticamente inexistentes.

Nos barracões onde são forçados a passar a maior parte das horas «livres», não há espaço para reuniões de convívio, não há praticamente janelas e as construções são tão más que deixam entrar a chuva, sendo muito frias no Inverno e muito quentes no Verão.

Estas camaratas são construídas perto dos locais de trabalho muito distanciadas umas das outras e isoladas das outras habitações. Em alguns barracões dos trabalhadores da construção civil em Lisboa os patrões proibem-nos de os abandonarem após as 10 horas da noite até ao recomeço do trabalho no dia seguinte.

A maioria dos patrões proíbem-nos de utilizarem os barracões para reuniões com companheiros de outros locais, ou de dar alojamento àqueles que chegam de Cabo Verde. Além de serem os primeiros a ser despedidos em caso de despedimentos maciços, os trabalhadores cabo-verdianos são também sujeitos a uma repressão racista sistemática por parte dos patrões. Nas palavras de um trabalhador emigrante: no outro dia, um colega meu foi despedido por beber durante o trabalho; outros, porque endireitam as costas por poucos minutos para descansar depois de estarem muitas horas curvados a trabalhar; por coisas como estas os patrões põem-nos logo na rua.

Desde o 25 de Abril, diz outro trabalhador: os patrões dizem-nos, se querem a independência então vão trabalhar para Cabo Verde.

Estes ataques fascistas e racistas dos patrões aos trabalhadores africanos, aumentam à medida que as massas trabalhadora naa colónias e em Portugal avançam, de dia para dia, na luta contra os exploradores capitalistas e colonialistas.

Obrigando os trabalhadores ao isolamento dos outros camaradas de trabalho através da repressão sistemática os patrões querem dividir os trabalhadores brancos e negros e os trabalhadores negros entre si.

As entidades patronais mantêm secretos os montantes dos salários aos trabalhadores africanos, que só sabem quanto ganham quando recebem o salário depois de descontados os impostos (quota sindical, fundo de desemprego, etc). Ao fazer isto, os patrões podem não só roubar os trabalhadores a seu bel-prazer, como pretendem criar divisões entre companheiros de trabalho, fazendo-lhes crer com os salários secretos que existe um contrato individual entre cada trabalhador e o patrão. «Contrato» em que o patrão tem todo o poder de decisão, uma vez que impõe ao trabalhador um salário que este desconhece, além de esconder também todas as informações sobre os sindicatos, os direitos dos trabalhadores, etc.

Depois do 25 de Abril a grande maioria dos trabalhadores africanos não são avisados nem mobilizados para as reuniões sindicais onde as suas reivindicações e problemas pudessem ser ouvidos. Por isso, as diferenças de salários entre trabalhadores brancos e negros são muito grandes na quase totalidade das empresas e os patrões continuam assim a sobre-exploração dos trabalhadores cabo-verdianos, boicotando todas as suas possibilidades reivindicativas e de organização.

Esta situação não é exclusiva dos emigrados cabo-verdianos em Portugal. Ela compara-se, por exemplo, à dos portugueses, argelinos, espanhóis, etc., em França ou noutros países. Estes encontram aí, também os piores empregos, as piores condições de trabalho, salários de miséria e condições infra-humanas de habitação e subsistência. Contra eles também usam os patrões o racismo, como arma divisiva da classe trabalhadora o que lhes permite arrecadar avultados lucros.

As manobras de divisão dos patrões são um ataque a TODOS Os trabalhadores; a sobre-exploração dos trabalhadores africanos só aproveita aos capitalistas.

Perante os ataques racistas e colonialistas dos exploradores aos trabalhadores africanos emigrados em Portugal, as massas trabalhadoras só podem responder com a UNDIADE DE CLASSE na luta contra a exploração.


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