TAP: Reorganização do Capitalismo Organização dos Trabalhadores

21 de Junho de 1974


Fonte: Jornal Combate, nº 1, Portugal.
Originais enviados por : Manoel Nascimento.
Transcrição e HTML:
Fernando A. S. Araújo, Fevereiro 2008.
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Os TAP (Transportes Aéreos Portugueses) reflectem modelarmente o que se passa no Portugal de agora: manutenção da exploração capitalista, reorganização da empresa tendo em vista actualizar as formas de exploração dos trabalhadores, grande hierarquização de classes sociais no seio da empresa, com interesses antagónicos e respectivo degladiar de forças.

Com o movimento do 25 de Abril não se alteraram minimamente as relações de capital/trabalho existente durante o tempo do salazarismo e do marcelismo.

A hierarquização de classes no seio da empresa

No que respeita à distinção socio-económica dos trabalhadores da TAP, poderemos apontar em primeira análise o grande desnível de salários, que vão actualmente dos 5050$00 até aos cinquenta e tantos contos. Se a diferenciação salarial é grande no todo da empresa, o desnível revela-se de forma particularmente aguda entre o pessoal que trabalha em terra (operários da manutrnção dos aviões, serviços administrativos, etc.) e o pessoal do voo, cujos ordenados mínimos são de cerca de dez contos. Note-se que um operário da manutenção, que tem a responsabilidade directa da segurança mecânica do avião, recebe cerca de metade — em média — do pessoal que recebe as refeições a bordo do avião, em vez de haver um nivelamento dos salários, como seria justo.

A reorganização da empresa A TAP continuou a ser gerida, após o 25 de Abril, em benefício do capital, embora a Administração tenha sido substituída (provisoriamente?...) por uma Comissão Administrativa formada por elementos nomeados pela Junta de Salvação Nacional (em número de 4) e elementos eleitos pelos trabalhadores (em número de 3). Desde já se compreende que os elementos nomeados têm sempre a maioria sobre os elementos eleitos. Vejamos agora quem são estes 7 elementos da Comissão Administrativa. Veremos em seguida o processo de eleição que foi utilizado.

Os 4 elementos nomeados e 1 dos elementos eleitos são comandantes de avião, acrescendo que os 4 nomeados são militares que tinham passado à aviação civil. Dos outros dois eleitos, um era empregado dos serviços de finanças e o outro era operário da manutenção dos aviões. Ora, como há cerca de 1.300 empregados entre o pessoal de vôo, cerca de 3.000 empregados entre o pessoal administrativo, e cerca de 3.000 operários, conclui-se que enquanto por cada 250 elementos do pessoal de vôo (mais ou menos) há um representante na comissão administrativa, existe um só representante para os 3.000 empregados da administração e um só representante para os 3.000 operários. Em conclusão: a aristocracia do pessoal de vôo mais uma vez se manifesta.

Como foram eleitos estes elementos? A eleição foi feita a 5 de Maio, no Coliseu, por todo o pessoal. O processo de eleição utilizado suscitou o imediato descontentamento de grande parte dos trabalhadores: foram apresentadas cerca de dez listas, contendo cada uma três nomes: antes de a discussão dos nomes, e mesmo do processo de eleição, se ter iniciado, e até antes de se terem apresentado todas as listas existentes, foi enviado para a Mesa um requerimento pedindo a votação imediata e sem discussão prévia daquela lista que veio a ganhar!!! A lista que ganhou era composta por dirigentes sindicais. Deste modo, nem a votação resultou-de uma discussão activa por parte dos trabalhadores, nem a eleição foi feita nome por nome, como pretendia grande parte dos trabalhadores. A apresentação de nomes em bloco constitue uma manobra demagógica para fazer passar algumas pessoas atrás de um indivíduo «prestigiado». A ausência de discussão prévia impossibilita que os trabalhadores analisem as verdadeiras razões de tal «prestígio» e a razão da eleição dos outros nomes da lista. Devemos notar que foram dirigentes sindicais a utilizarem este processo anti-democrático.

Veio-se a verificar o fundamento do descontentamento de grande parte dos trabalhadores em casos concretos da actuação dos três elementos eleitos:

— Todos os elementos da Comissão Administrativa ganham cerca de 50 contos. Se, para os cinco comandantes, isto não significou praticamente qualquer aumento salarial, para os restantes dois elementos (o ex-operário e o ex-empregado de finanças) o aumento salarial multiplicou por mais de 7 vezes o que ganhavam!

— Face aos trabalhadores, a Comissão Administrativa utiliza uma tentativa de chantagem que consiste em ameaçar demitir-se se os trabalhadores não colaborarem com a sua linha de actuação pró-capitalista, afirmando que, se se demitissem, seriam substituídos por elementos fascistas ligados à antiga administração.

— Ataque frontal ao desejo de os trabalhadores se reunirem, através de atitudes paternalistas, afirmando que «a liberdade foi oferecida» e que as pessoas «parecem crianças a quem lhes foi dado um brinquedo e o querem estragar».

— Tentativa de amolecimento da força reivindicativa dos trabalhadores, não só nos aspectos indicados, mas também tentando pôr na sombra as reais reivindicações dos trabalhadores.

Em resumo, a par da manutenção da exploração capitalista, verifica-se o rápido afastamento dos elementos eleitos relativamente às massas trabalhadoras.

Qual é, então, a verdadeira função da Comissão Administrativa?

Imediatamente após a sua entrada em funções, foram incitados os trabalhadores da TAP a realizar como tarefas urgentes:

— reorganização de serviços

— saneamento dos quadros

Desde sempre foi voz unânime dentro da TAP que a gestão da companhia se manifestava altamente precária. Vivia-se essencialmente da posição monopolista nas ligações com as colónias africanas, descurando-se quer a organização interna, quer uma exploração comercial eficiente. A própria gerência de Vaz Pinto (antigo presidente do conselho de administração até 1973) o sentira, contratando uma empresa estrangeira especializada na reorganização de empresas, a qual trabalhou neste sentido durante dois anos, tendo os resultados só parcialmente sido adoptados. Com o
contrato com essa empresa consta que a TAP gastou cerca de 50.000 contos.

Actualmente, a burguesia capitalista canaliza a nossa luta para reorganizar a empresa no sentido de uma maior rentabilidade. Aproveita para isso o facto de nós, os trabalhadores, sermos quem melhor conhece os problemas práticos da empresa e quem, portanto, melhor os sabe resolver. Com este método. não gasta a TAP nem um tostão.

É claro que a burguesia desenvolve este movimento em seu benefício e dentro dos estreitos limites do capitalismo. Mas para nós este movimento mostra que, se somos quem melhor sabe administrar e gerir (o que é plenamente verdade!) não precisamos de ser administrados. É este processo que os trabalhadores de todas as empresas têm de desenvolver em comum para derrubar o sistema capitalista.

Por outro lado, no que respeita ao saneamento da empresa, tem este vindo a ser praticado pela própria Comissão Administrativa, sem admissão de uma participação activa dos trabalhadores, contrariamente ao que de início a Comissão Administrativa dera a entender.

O Conselho de Trabalhadores

O Conselho de Trabalhadores é constituído por cerca de 90 elementos, eleitos 7 por cada serviço, independentemente do número de trabalhadores de cada serviço. Assim, por exemplo, o serviço de instrução (artes gráficas), com cerca de 40 elementos, tem 7 representantes, e a manutenção, com cerca de 3.000 operários, como já dissemos, tem igualmente 7 representantes!

Antes de ser estabelecido, pensávamos que o Conselho de Trabalhadores teria a finalidade de fiscalizar os actos da Comissão Administrativa. Mas, ao ser constituído o Conselho de Trabalhadores, a Comissão Administrativa determinou que as suas funções seriam meramente consultivas e que se limitasse aos pontos seguintes:

— reorganização de serviços

— qualificações para funções de chefia

— apreciação do Acordo Colectivo de Trabalho (ACT) da TAP.

O que é que a Comissão Administrativa pretende fazer com este Conselho de Trabalhadores? Quanto à reorganização de serviços, a C. de T. é um instrumento canalizador do movimento de reorganização do trabalho no sentido exclusivo da rentabilidade capitalista. Quanto às qualificações para funções de chefia, a Comissão Administrativa pretende que a C. de T. seja um instrumento de conservação das hierarquias profissionais, e até de maneira mais subtil. Quanto à apreciação do ACT, a Comissão Administrativa, aproveitando-se do facto de a C. de T. ter somente funções consultivas, pretende convencer a C. de T. a aceitar a posição da Comissão Administrativa como se fosse, na realidade, a posição dos trabalhadores; deste modo, procura apresentar-se com muito mais força face às nossas reivindicações e aos sindicatos, além de criar divisões entre os trabalhadores.

A Comissão de Trabalhadores, pelo modo como está estruturada, pelo facto de ter só funções consultivas e pela limitação das matérias que pode tratar, vê-se na impossibilidade de defender os interesses dos trabalhadores, por muito boas que sejam as intenções dos seus elementos.

A nós, como a muitos outros trabalhadores da TAP. parece-nos que a Comissão de Trabalhadores deve recusar frontalmente o seu parecer sobre o Acordo Colectivo de Trabalho, boicotando assim a manobra demagógica em que a queriam inserir, e não limitando as reivindicações dos trabalhadores nem a possibilidade de uma actuação revolucionária dos sindicatos.

Um grupo de empregados da TAP


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