Que Democracia nos Quartéis?

21 de Junho de 1974


Fonte: Jornal Combate, nº 1, Portugal.
Originais enviados por : Manoel Nascimento.
Transcrição e HTML:
Fernando A. S. Araújo, Fevereiro 2008.
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As Forças Armadas de qualquer país defendem, por definição, os objectivos estabelecidos pelo Governo como sendo os que servem os interesses superiores da Nação, isto é, aqueles que a classe dominante considera como tais.

O comando e a direcção das Forças Armadas é sempre entregue a elementos da confiança do poder estabelecido, verificando-se que, num Estado burguês, nelas se reflecte a divisão em classes da sociedade de que são originárias. Acresce, neste caso, que a manutenção da eficiência das Forças Armadas no prosseguimento daqueles objectivos é conseguida através de uma forte hierarquização da sua estrutura, através do isolamento da vida em caserna e de uma rígida disciplina baseada num repressivo Regulamento de Disciplina Militar. Todo este quadro é coroado pelas conhecidas declarações sobre a apoliticidade das Forças Armadas e da sua separação da «vida civil».

As condições em que os oficiais do Movimento das Forças Armadas conduziram o golpe de 25 de Abril obrigaram a uma mudança nas relações dos soldados com os oficiais e sargentos que os enquadram na máquina militar. Eissa mudança, resultante da necessidade de se fazer consultas aos soldados, em moldes democráticos, para se obter uma participação activa dos mesmos, juntamente com a confraternização com as massas populares, nos dias imediatos ao golpe, obrigou a uma quebra de rigidez das instituições militares e consequente abrandamento da disciplina.

Aproveitando essa quebra de rigidez os soldados e marinheiros, ultrapassando o R.D.M. (Regulamento de Disciplina Militar) em vigor, resolvem, por iniciativa própria, debater os problemas que os afectam e exigem tratamento e condições de vida condignas (direito à reunião, saneamento dos quadros, melhoria de alimentação, instalações aceitáveis, etc).

No entanto, passada que foi a necessidade da participação activa dos soldados, assiste-se nos últimos tempos a uma intensificação da rigidez militar.

Esta intensificação, durante algum tempo da exclusiva responsabilidade dos comandos das unidades, foi oficializada através de directrizes superiores, de aplicação geral, de acordo com as quais se verifica nomeadamente o seguinte:

— Os soldados não têm direito a reunirem-se;

— os oficiais podem reunir-se com restrições, de que se salientam:

         — necessidade do conhecimento prévio e aprovação da ordem de trabalhos pelo comandante da unidade;

         — o comandante ou seu delegado presidirá à reunião;

         — apenas se devem tratar assuntos ditos culturais ou respeitantes à vida interna das unidades (messes, alojamento, alimentação, etc.) não sendo aceites discussões políticas sobre os pro
blemas fundamentais que afectam a vida do Povo Português;

         — o termo reivindicação não pode ser usado — os soldados não reivindicam, apenas podem sugerir.

— os elementos das FA não podem ter participação activa em comícios ou manifestações.

— Considerando que o soldado não tem formação política, passam a fazer parte dos programas de instrução matérias de «formação política» a serem ministradas por elementos «devidamente habilitados».

Por outro lado, o Movimento das Forças Armadas no seu Programa, «dirige a todos os portugueses um veemente apelo a participação sincera, esclarecida e decidida na vida pública nacional e exorta-os a garantirem, pelo seu trabalho e convivência pacífica, qualquer que seja a posição social que ocupem, as condições necessárias à definição, em curto prazo, de uma política que conduza à solução dos graves problemas nacionais e à harmonia, progresso e justiça social indispensáveis ao saneamento da nossa vida pública e à obtenção do lugar a que Portugal tem direito entre as Nações»(1).

Qual a interpretação que se pode dar à contradição entre o Programa do Movimento das Forças Armadas e as directrizes para aplicação geral nas unidades militares? Tal contradição resulta da condição essencial da existência de um Exército: a vida em caserna, regulada pela hierarquia e disciplina rígida.

Assiste-se, portanto, à tentativa de isolar os soldados e marinheiros das massas trabalhadoras donde provêm, tentativas essas que têm falhado na medida em que os soldados e marinheiros têm sabido tornear as dificuldades, desenvolvendo a sua luta contra o militarismo e o colonialismo e unindo-se à luta geral dos Trabalhadores.

Um grupo de milicianos.

(1) Sublinhado nosso.


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