LIP e RATEAU
Luta Revolucionária dos Trabalhadores ou Actuação Reformista dos Sindicatos?

21 de Junho de 1974


Fonte: Jornal Combate, nº 1, Portugal.
Originais enviados por : Manoel Nascimento.
Transcrição e HTML:
Fernando A. S. Araújo, Fevereiro 2008.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.

foto

Muitos problemas da exploração são relativamente idênticos em todos os países. Nós aprendemos muito se analisarmos as formas de luta e de organização desenvolvidas pelos trabalhadores doutros países.

Grande parte dos trabalhadores portugueses já ouviu falar na luta dos trabalhadores franceses da Lip. Mas é importante compará-la com uma outra greve, que se desenvolveu em França pouco depois da greve da Lip, e que teve características opostas: a greve da Rateau.

Vejamos primeiro as lições fundamentais da luta desenvolvida na Lip.

A luta da LIP

A fábrica de relógios Lip era controlada pela companhia suiça Ébauches S. A. (que movimenta 450 milhões de francos suíços por ano, o que equivale a cerca de 3 milhões e 800 mil contos). Esta companhia decidiu fechar a fábrica, por razões de rentabilidade capitalista, o que acarretaria o desemprego dos seus 1.280 trabalhadores.

Toda a luta dos trabalhadores da Lip teve como objectivo inicial evitar o desemprego. Foi porque os trabalhadores da Lip lutaram eles próprios autonomamente que puderam desenvolver, nessa luta prática, formas de organização que ultrapassaram em muito o objectivo inicial de luta contra o desemprego. Vejamos:

1.ª fase de luta: durante um período de dois meses os trabalhadores organizaram-se unicamente para a diminuição da produção normal.

2.ª fase de luta: como a empresa persistia na posição inicial, sem tomar em atenção as reivindicações dos trabalhadores e sem querer pagar os salários dos grevistas, estes passaram a formas de organização que lhes permitissem sustentar a sua luta: gestão directa e total da empresa pelos próprios trabalhadores, com ocupação permanente das instalações, e apossaram-se do stock de relógios existente na fábrica.

Os trabalhadores, para além dos sindicatos e das filiações partidárias, organizaram-se em Assembleia Geral de fábrica, da qual emanaram 5 comissões, inteiramente responsáveis perante essa Assembleia Geral. As comissões tinham funções específicas: montagem dos relógios, comercialização, gestão da empresa, segurança e relações públicas. Diariamente, em Assembleia Geral de trabalhadores, são apresentados relatórios das comissões e o debate é generalizado a todos os trabalhadores.

Como a venda tinha que ser feita fora do circuito comercial capitalista, que se opunha a vender os relógios produzidos pelos operários da Lip, estes tiveram de organizar por toda a parte, através de uma rede de apoio cada vez maior, a venda dos relógios. Na base deste trabalho e também como sua consequência está o grande número de reuniões de massas por toda a França e outros países europeus e o grande movimento de solidariedade desenvolvido.

Decorridos 2 meses de gestão operária, tinham sido vendidos 60.000 relógios fabricados na globalidade pelos operários e vendidos por eles no valor de 9 milhões de francos (cerca de 50.000 contos). É com este dinheiro, saído directamente da venda do produto do trabalho por eles efectuado, que são pagos os salários de todos os trabalhadores, bem como os subsídios de férias e custeadas todas as despesas da luta.

Após 121 dias de greve, em pleno mês de Agosto, 3.000 polícias ocupam as instalações da Lip. Mais de metade dos trabalhadores franceses estão em férias nessa altura; a Lip estava, à hora em que a policia entrou, apenas ocupada por cerca de 50 operários! Os trabalhadores não se desmobilizaram. Mantêm o «stock» de relógios inicial. De forma rudimentar, criam novas instalações fora da empresa para continuar a montagem dos relógios.

Conseguem mais uma vez uma solidariedade activa dos trabalhadores de França e outros países. Apesar da altura de férias, uma enorme manifestação de apoio com dezenas de milhares de pessoas pôde realizar-se. A luta manteve-se durante 11 meses e os trabalhadores conseguiram enfim que a empresa não fosse desmantelada e que os seus empregos fossem garantidos.

Mas a grande lição da luta dos trabalhadores da Lip parece-nos ser a seguinte: a partir da sua luta prática, souberam desenvolver formas de organização que ultrapassaram em muito os problemas imediatos iniciais. Essas formas de organização e de luta aumentam a consciência e a solidariedade dos trabalhadores e constituem a base sólida para o desenvolvimento da revolução comunista, do combate à sociedade de exploração.

A greve da Rateau

A greve da Rateau tinha objectivos imediatos de luta idênticos aos da Lip: impedir o desmantelamento de uma empresa filial da Alsthom-CGE e evitar o desemprego dos seus trabalhadores.

O grande truts Alsthom-CGE, produtor francês de turbinas nucleares, decidira fazer uma reestruturação das suas várias filiais para uma maior rentabilidade, passando tal reestruturação pela extinção da Rateau. No entanto, esta greve assentou inteiramente no sindicato burocratizado e reformista CGT e não na luta própria e autónoma dos trabalhadores.

600 trabalhadores dos 1.850 da empresa são militantes activos da CGT. Foi a CGT que monopolizou praticamente a organização da luta e tomou todas as iniciativas. A CGT não admitiu a formação de um comité de acção, unitário e de base, organizado pelos trabalhadores fora dos sindicatos.

Mas, para além do pretexto imediato da luta contra o desemprego, o sindicato burocratizado e reformista da CGT luta fundamentalmente pelo «interesse nacional». Pretende-se melhor zelador da economia capitalista do que os capitalistas proprietários da Rateau e apregoa o interesse económico fundamental das turbinas nucleares para a economia francesa, no período de difícil abastecimento em petróleo.

A burocracia da CGT funcionou de forma «modelar»... para um sindicato reformista, claro! A CGT pretendeu criar um modelo oposto ao da luta revolucionária da Lip.

A Assembleia Geral reunia diariamente com uma assistência média de só 500 pessoas, o que significa que se restringia praticamente aos sindicalizados da CGT reformista. Nessas Assembleias Gerais, os dirigentes sindicais da CGT informavam sobre o andamento das negociações e das iniciativas de apoio, a uma assistência de trabalhadores passivos, e as votações decorriam praticamente sem debate.

Aqui, é profunda a cisão entre os que pensam, dirigem o decidem (os dirigentes sindicais) e a massa de trabalhadores que aqueles se esforçam por manter na passividade.

Por isso, a organização própria dos trabalhadores foi impedida de se desenvolver no processo de luta. O objectivo desta greve foi, para a burocracia reformista da CGT, apresentarem-se como um gestor do capitalismo mais racional do que os capitalistas proprietários da empresa. Não se tratava para a CGT de ajudar o desenvolvimento da luta e a organização autónoma dos trabalhadores, mas de defender a economia capitalista francesa no seu conjunto.

Também na luta dos trabalhadores da Lip, a CGT tentou travar as formas de organização autónomas dos trabalhadores» sem no entanto o conseguir. Damos um exemplo que nos parece muito ilustrativo: quando se pôs a questão da venda dos relógios montados antes da greve, o delegado da CGT na Lip ameaçou: «É um roubo. Se se faz isso, nós retiramo-nos». Os dirigentes sindicais reformistas consideram sempre como «um roubo» o ataque à propriedade dos capitalistas. Mas são os capitalistas quem, na realidade, rouba o fruto do nosso trabalho. Por isso, toda a luta contra a propriedade capitalista tem que ser desenvolvida e estimulada.

Que lições tirar para a situação actual em Portugal?

Vemos hoje em Portugal duas posições semelhantes. Por um lado, os trabalhadores para quem o objectivo da luta é o de reforçar a sua organização própria na defesa dos nossos interesses de explorados, e de lutar assim contra o capitalismo e toda a sociedade de exploração. Por outro lado, os dirigentes reformistas da maioria dos sindicatos e a inter-sindical, bem como os seus porta-vozes no Governo Provisório, que argumentam contra a luta dos trabalhadores invocando os interesses da economia capitalista portuguesa no seu conjunto. Mas o nosso interesse de trabalhadores é precisamente o de lutarmos contra a economia capitalista no seu conjunto!


logo