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Dia 12 de abril de 1972 iniciou-se a luta guerrilheira no Araguaia. Cerca de 20 soldados atacaram o "peazão" (principal PA - Ponto de Apoio - do Destacamento A), entrando por São Domingos. Dia 14, uns 15 soldados atacaram o PA do Pau Preto (do Destacamento C), entrando por São Geraldo. Nos primeiros dias de abril, já alguns policiais andaram pelas áreas dos destacamentos A e C à procura de informações sobre os "paulistas". O exercito soube de nossa presença no sul do Pará através da denúncia do traidor Pedro Albuquerque que, meses antes, havia fugido com sua mulher, do Destacamento C. [NE: mais tarde, soube-se que não foi Pedro Albuquerque o denunciante dos guerrilheiros que se encontravam no Araguaia]. Esse casal tinha concordado plenamente com a tarefa que iria realizar e com as condições difíceis que iria enfrentar. No entanto, logo depois de sua chegada ao Destacamento C, a mulher de Pedro Alburqueque começou a dizer que não [tinha] condições para permanecer na tarefa e acabou convencendo seu marido a fugir. Com a fuga desses elementos, foram tomadas medidas de segurança. Em março de 1972, soube-se que Pedro Albuquerque havia sido preso no Ceará e, em seguida, começou a pesquisa policial na zona. Devido a isso, reforçaram-se as medidas de segurança. Construíram-se alguns barracos na mata ou em capoeiras e nosso pessoal passou a dormir fora dos locais conhecidos. De dia, colocavam-se guardas para manter a vigilância. Os destacamentos ficaram de sobreaviso, prontos para informar, uns aos outros, quaisquer fatos que afetassem a segurança.
No dia 12 de abril foi atacado o Destacamento A. O comando enviou um companheiro para avisar o Destacamento B. Por sua vez, o Destacamento C, que havia sido atacado dia 14, avisou a Comissão Militar (CM), através de um dos seus membros que lá se encontrava. A CM tomou medidas para avisar o Destacamento B e também o Destacamento A (pois não sabia ainda do ataque àquele destacamento). O Destacamento B, ao tomar conhecimento do que havia ocorrido no A, tratou de enviar um elemento, Geraldo (José Genoíno Neto), para avisar o C. Acontece que o C já havia se retirado. Geraldo, não encontrando o pessoal no local combinado, nem qualquer sinal informando que o inimigo havia batido no C, retomou por estrada, quando devia vir pela mata, conforme recomendação. Em conseqüência, foi preso por alguns soldados, dois batepaus e com a ajuda do comerciante e fazendeiro Nemer. No A, foi liberado um elemento, Nilo (Danilo Carneiro), que, desde que chegara, disse não ter condições para a tarefa. Ficou, no entanto, trabalhando num PA e concordou em permanecer ai até o começo da luta, quando seria dispensado. No dia 12, o Comando entregou-lhe uma certa quantia para a viagem e mandou-o embora. Ao chegar à Transamazônica, Nilo foi preso.
Apesar de prevenidos, os destacamentos tiveram alguns prejuízos materiais na retirada. No "peazão" (A) ficaram roupas, calçados, remédios, livros, papel para impressão, o Manual do Curso Militar, armas que estavam em conserto e algumas em vias de fabricação. Caiu também em poder do inimigo grande parte da oficina de mecânica. No Destacamento C caíram dez sacos de arroz, dez hectolitros de castanha-do-pará, um rádio e algumas panelas.
A primeira ofensiva do Exército se verificou quando ainda não se tinha terminado a preparação dos três destacamentos para a luta. A situação dos destacamentos era a seguinte: no A havia 22 elementos, comandante: Zé Carlos (André Grabois), vice: Piauí (Antonio de Pádua Costa); no B, 21, comandante: Osvaldo (Osvaldo Orlando Costa); vice: Zeca (José Huberto Bronca); no C, 20, comandante: Paulo (Paulo Mendes Rodrigues); vice: Vitor (José Toledo de Oliveira). Na CM, além dos quatro membros, havia dois elementos de guarda. Ao todo havia 69 elementos. Para completar os efetivos faltavam 13 elementos. Todos os destacamentos tinham reservas de alimentos, roupas, remédios e munição. Faltavam, no entanto, coisas indispensáveis. No A e no C não havia reserva de farinha. As armas com que se contava eram precárias. O Destacamento A tinha quatro fuzis, quatro rifles 44, uma metralhadora fabricada lá mesmo, uma metralhadora INA, seis espingardas 20 e duas carabinas 22; o Destacamento B tinha um fuzil, uma submetralhadora Royal, seis rifles 44, uma metralhadora fabricada lá mesmo, 16 de dois canos, uma espingarda 16 de um só cano, seis espingardas 20, uma espingarda 36 e duas carabinas 22; no C havia quatro fuzis, alguns rifles 44, espingardas 20 e carabinas 22; na CM, havia duas espingardas 20. A maior parte dessas armas era antiga e apresentava defeitos. Todos os combatentes tinham revólveres 38, com mais de 40 balas cada. Embora todos os elementos tivessem feito progresso no conhecimento do terreno, as deficiências ainda eram grandes. Muitos companheiros tinham ainda dificuldades em se orientar na mata e caçavam mal. Não existia também uma rede de informações e de comunicações. Não existiam organizações do Partido nas áreas periféricas, nem mesmo nos Estados vizinhos. A CM e os destacamentos A e B dispunham de pouco dinheiro.
A área de atuação dos destacamentos ia desde São Domingos das Latas até o rio Caiano (pouco mais de 20 km de São Geraldo). Em extensão, essa área tinha cerca de 130 km de comprimento por uns 50 km de fundo. Um total de cerca de 6.500 km². A população da área onde atuavam os destacamentos era de mais ou menos 20 mil almas, sem incluir as zonas próximas, como Marabá (18 mil habitantes), São João (3.000 habitantes), Araguatins (5.000 habitantes), Xambioá (5.000 habitantes). (No Norte de Goiás e Oeste de Maranhão, durante uns três anos, realizou-se também amplo trabalho de ligação com as massas). Os produtos principais da área são: castanha-do-pará, babaçu, arroz, mandioca e milho. Quase toda a região é de mata e há muita caça.
Ao iniciar-se a luta, a CM perdeu contato com o Destacamento C. Somente em janeiro de 1973, esse contato foi restabelecido.
O Exército atacou simultaneamente os destacamentos A e C. Uns dez dias depois, atacou o Destacamento B e também o local da CM. As tropas ficaram na Transamazônica e nas cidades de Xambioá, Marabá, Araguatins, Araguanã e nos povoados de Palestina, Brejo Grande, São Geraldo, Santa Cruz e outros. Não foi muito grande o número de soldados que entrou na área onde se achavam os PAs. O Exército ocupou algumas fazendas e sedes dos castanhais (Mano Ferreira, Oito Barracas, Castanhal da Viúva, Castanhal do Alexandre, Fazenda do Nemer). Utilizou aviões, helicópteros e, nos rios e igarapés, barcos da Marinha. As tropas não chegaram a entrar mata, movimentaram-se pelas estradas. Ficavam emboscadas nas proximidades de casas de moradores nas roças, capoeiras, grotas e algumas estradas. O Exército procurou apresentar os guerrilheiros com marginais, terroristas, assaltantes bancos, maconheiros etc. Depois passou a dizer que éramos estrangeiros, russos, cubanos, alemães. Prendeu muitos elementos de massa, que considerava mais amigos nossos, tanto nas roças como nas cidades vizinhas. Depois de alguns dias, esses elementos foram soltos. Começaram a se apoiar nos bate-paus da região e recrutar muitos deles para pô-los a seu serviço. Forçaram muitos moradores a servir de guias. Todos os nossos locais foram queimados pelo Exército, inclusive os paióis de milho e arroz e depósitos de castanha. Cortaram todas as árvores frutíferas. Também algumas roças e casas de massa foram queimadas. As perseguições estenderam-se aos padres. Alguns foram presos e depois soltos. O Exército não possuía informações completas sobre nós. Alguns PAs só foram queimados uns 15 dias depois do início da luta. O Exército, além da farda comum, usou também roupa azul, roupa camuflada e trajes civis. Suas patrulhas eram de dez elementos. Mas usava também grupos menores, seis, ou maiores, de 30. Recebia alimentação de campanha, em latas sacos plásticos. A primeira campanha se prolongou até julho.
Ao serem atacados, todos os componentes dos destacamentos A e B retiraram-se, em ordem, para as áreas de refúgio. De imediato não e choques com o inimigo. Em de abril, dois elementos do B defrontaram-se com um grupo do exercito. Houve troca de tiros. Um sargento e um soldado foram mortos outros dispersaram. Os inimigos abandonaram no local uma que conduziam. No entanto, nesse encontro não foram apreendidas nem armas, nem essa carga. A CM reuniu-se em maio e tomou uma série de providências. Publicou também o Comunicado nº 1. Entre as providências, indicou como forma de luta a propaganda armada em vista explicar às massas o motivo da luta. Indicou medidas para melhorar o abastecimento, a preparação militar e o conhecimento do terreno. Ordenou que se estudassem as possibilidades de realizar ações de fustigamento e emboscadas. E iniciou a preparação de uma rede de informações. A tática então empregada resumia-se no seguinte:
O Destacamento A permaneceu no refúgio mais de um mês. Enfrentou dificuldades de abastecimento. Em julho voltou-se para a massa e foi bem recebido. No contato com as massas resolveu o problema de alimento e emboscada, mas não houve nenhuma ação militar. O inimigo se retirou da mata. Todos os componentes do A mantiveram-se firmes, com exceção do Paulo (João Carlos Campos Wisnesky), que fingiu doença.
O Destacamento B permaneceu mais tempo do que devia no refúgio. Somente em fins de junho começou a voltar-se para a massa, sendo também bem recebido. Houve o choque militar já mencionado. A atuação de massa foi principalmente na área da Palestina.
O Destacamento C apresentou alguns problemas mais sérios. Em abril, o destacamento já havia abandanado a área do rio Caiano, onde atuara, e se concentrara numa área de mais mata, mas onde o pessoal era recente, não conhecia bem a região. Além disso, entre os componentes do C havia dois elementos incorporados há apenas uns três meses, dois outros ingressaram no momento mesmo em que a luta se iniciava. Logo no início, alguns elementos mostraram vacilação. Miguel e Josias. Esse destacamento perdeu contato com a CM até janeiro de 73. Ao contrário do A e do B, que mantiveram os três grupos de sua composição sob controle direto do mando, no C o destacamento se dispersou em três grupos, indo um deles para a antiga região do Caiano. Todos procuraram contato com a massa. Houve vários choques militares. Em maio, um grupo dirigido por Jorge (Bergson Gurjao Farias) seguiu para um antigo PA (Água Bonita). Aí acampou. No dia seguinte, ouvindo um assobio perto de onde estava, Jorge mandou Domingos (Dower Morais Cavalcante) verificar o que era. Era o Exército. Domingos foi preso. Em seguida, houve troca de tiros, tendo os nossos se dispersado. Um soldado foi ferido no braço. Dois elementos [Baianinha (Luzia Ribeiro) e Miguel], que não conheciam a área, se perderam. Logo depois foram presos em casas de moradores, em pontos diferentes. Domingos se comportou mal e levou o Exército a um depósito do destacamento, onde havia remédios e alimentos. Dias depois, Paulo (comandante do destacamento) procurou um morador de nome Cearense, seu conhecido, que já havia prestado alguma ajuda, encomendando-lhe um rolo de fumo, que seria apanhado dentro de uns três dias. Cearense sempre foi muito ajudado por Paulo. No entanto, diante da recompensa oferecida pelo Exército (mil cruzeiros) a cada guerrilheiro que entregasse, Cearense foi a São Geraldo e avisou o Exército do ponto marcado por Paulo. No dia de apanhar o fumo, dirigiu-se ao local um grupo constituído por cinco elementos: Paulo, Jorge, Áurea (Áurea Eliza Pereira Valadão), Ari (Arildo Valadão) e Josias. Ao se aproximarem do local, foram metralhados, tendo morrido Jorge. Os demais se dispersaram. No choque, perdeu-se, além da arma de Jorge, uma pistola 45 que Paulo conduzia. Em meados de junho, três companheiros, dirigidos por Mundico (Rosalindo Souza), procuraram um elemento de massa, João Coioió, que já tinha ajudado várias vezes os guerrilheiros com comida e informação. Ficou acertado o dia em que ele voltaria de São Geraldo para entregar as encomendas. À noitinha desse dia, aproximaram-se da casa Mundico, Cazuza (Miguel Pereira dos Santos) e Maria (Maria Lúcia Petit), mas perceberam que não havia ninguém. Cazuza afirmou que ouvira alguém dizendo baixinho: "'pega, pega". Mas os outros dois nada tinham ouvido. Acamparam a uns 200 metros. Durante a noite, ouviram barulho que parecia de tropa de burro chegando na casa. De manhã cedo, ouviram barulho de pilão batendo. Aproximaram-se com cautela, protegendo-se nas árvores. Maria ia na frente. A uns 50 metros da casa, recebeu um tiro e caiu morta. Os outros dois retiraram-se rapidamente. Dez minutos depois, os helicópteros metralhavam as áreas próximas da casa. Alguns elementos de massa disseram, mais tarde, que Maria fora morta com um tiro de espingarda desfechado por Coioió. Este, logo depois, desapareceu com a família. Uns dias mais tarde, Lena (Regilena) entregou-se ao Exército. Deixou no acampamento a espingarda e a mochila. Em princípios de julho, Vitor e Carlito (Kleber Lemos da Silva) saíram para tentar um encontro com a CM. Mas Carlito não pôde prosseguir viagem, devido ao agravamento de uma ferida (leishmaniose) na perna. Sem poder caminhar, ficou num castanhal, próxima à estrada, enquanto Vitor voltava para avisar os companheiros. Nesse meio tempo, passou pela estrada o bate-pau Pernambuco, que ouviu o barulho de alguém quebrando um ouriço de castanha. Levou, então, o Exército ao local. Ao procurar se defender, Carlito foi alvejado no ombro e, em seguida, preso. Foi levado para um local chamado Abóbora e lá foi bastante torturado. Chegou a ser amarrado num burro e por este arrastado. Elementos de massa disseram que o viram praticamente morto sobre o burro. Soube-se depois que Carlito levou os soldados até um velho depósito que nada continha. Pode ser que o tenham matado, mas também pode ser que ficou apenas preso. Um pequeno grupo, chefiado por Ari, trocou tiros com o inimigo, tendo matado um soldado da Polícia Militar. O destacamento fez também uma ação contra um barracão, sede de castanhal, tendo conseguido regular quantidade de comestíveis, algumas pilhas e querosene. Mas pagaram as mercadorias ao preço corrente em São Geraldo. Também um grupo de três, num encontro casual, liquidou um bate-pau, filho de um tal José Pereira. O bate-pau foi intimado a levantar o braço. Mas apontou a arma contra os companheiros, sendo alvejado. A morte desse bate-pau causou pânico entre os demais da zona. Dois outros pequenos grupos caíram em emboscadas do Exército, mas não tiveram baixas. Conseguiram safar-se. A emboscada foi possível por falta de vigilância. Os companheiros iam caminhando por estradas e, apesar de notarem o rastro dos soldados, não se afastaram do caminho.
No curso da primeira campanha do inimigo, a CM manteve contato regular com os destacamentos A e B. A alimentação da CM foi mantida pelo B. Em julho, a CM resolveu enviar um grupo de companheiros, chefiados pelo Juca (João Carlos Haas Sobrinho), para conseguir relatar o contato com o C. Faziam parte do grupo: Flávio (Ciro Flávio de Oliveira Salazar), Gil (Manoel José Nurchis), Aparício (ldalisio Soares Aranha Filho) e Ferreira (Antonio Guilherme Ribeiro Ribas), do B. Esta medida se impunha, porque o C não atendeu aos pontos previamente estabelecidos. Este grupo caiu numa emboscada do Exército na Grota Vermelha, a uns 50 metros da estrada. Juca levou dois tiros, um na perna e outro na coxa, mas conseguiu, juntamente com os outros companheiros, embrenhar-se na mata. Ficaram parados alguns dias, para que Juca se restabelecesse. Durante esse período, Aparício saiu para caçar e se perdeu. Procurou a casa de um morador, chamado Peri, por onde sabia que os demais iam passar. Lá ficou à espera. O dono da casa onde se refugiou levou-o para um barraco no mato, próximo à casa. Aí lhe serviam a comida. Dias depois, apareceu o Exército e travou tiroteio com Aparício. Este descarregou todas as balas do revólver que tinha e, quando tentava enchê-lo de novo, recebeu um tiro e morreu. Não se sabe se o Exército chegou por acaso ou se foi denúncia. O Juca, com os outros, foi até a casa de morador conhecido que podia fazer o contato com o C. Deixou aí um ponto para o Paulo (todo dia 1º de cada mês, a partir de setembro). Mas o ponto era uma indicação que só Paulo poderia saber. Juca retornou à CM com os demais. A CM reforçou a sua guarda com a vinda de Ari (Marcos José), do A, e Zezinho, do B, e tentou fazer contato com o CC.
Assim termina o período da primeira campanha do inimigo.
A segunda campanha se inicia setembro de 1972. Nesta campanha, as Forças Armadas empregaram 8 mil a 10 mil soldados. As trapas eram, em geral, de recrutas e de vários Estados. Distribuíam-se por várias bases implantadas na área. Estas bases eram fazendas, sedes de castanhas ou mesmo roças. Ocuparam as estradas e abriram algumas picadas na mata. Chegaram a entrar na mata, guiados por um morador local (Osmar), na área do B. Havia pouca tropa especializada. A moral dos soldados era baixa. Todos estavam ansiosos para regressar. Armaram muitas emboscadas em beiras de grotas, estradas, casas de moradores e em capoeiras. Fizeram algumas armadilhas. Utilizaram helicópteros e aviões. Soltaram três bombas na mata, nas proximidades de um acampamento do Destacamento B. Recrutaram bate-paus locais e pagavam 25 cruzeiros por dia aos moradores que quisessem servir de guias. Durante a campanha, o Exército distribuiu boletins na área, concitando os guerrilheiros a se entregar. Distribuiu também o fac-símile de uma carta do Geraldo, dirigida ao Glênio (Glênio Sá), do B, na qual afirmava que estava sendo bem tratado, e com dignidade, pelo Exército e pedindo a ele para se entregar. A carta trazia o retrato de Geraldo e também o de Miguel (que havia sido preso no C). Elementos de massa dizem que viram também uma carta da Baianinha e outra da Lena, mas não temos confirmação. O boletim, entre outras coisas, dizia que "o povo não apoiava os guerrilheiros", que “as fonte de suprimentos dos guerrilheiros estavam bloqueadas", que “as organizações do Partido nas cidades haviam caído e onde não caíram, estavam prestes a cair", que "a luta do Araguaia não teve a repercussão que os guerrilheiros esperavam", que "as rotas de fuga estavam bloqueadas", que "a guerrilha urbana tinha fracassado e que era inútil prosseguir no caminho que estávavamos" e que "não restava outro caminho senão entregar-se". Ao mesmo tempo que realizavam a segunda grande operação, as Forças Armadas desenvolviam uma ação paralela junto às massas. Procederam à operação Aciso (Ação Cívico Social), distribuindo remédios, fazendo consultas médicas e dentárias, levando doentes de helicópteros e aviões para as cidades maiores. Montaram também uma operação com o lncra. Este anunciava que iria distribuir terras, legalizar as posses dos lavradores. A campanha militar manteve-se até fins de outubro.
Ao iniciar-se a segunda campanha, os guerrilheiros já possuíam maior experiência. Tinham avançado no conhecimento da mata, na ligação com as massas, na preparação militar, e conseguido organizar um pouco melhor o abastecimento. As armas, no entanto, continuavam precárias. Não havíamos conseguido tomá-las do inimigo até esta data.
Antes de o inimigo entrar em ação, a CM tinha decidido enviar um dos seus membros para o Destacamento A e outro para o B, a fim de lá ficar um mês. O companheiro Juca foi enviado para o C, com o fim de reatar o contato.
No Destacamento A, o inimigo não conseguiu estabelecer contato com os guerrilheiros. Movimentou-se na área, sem resultado. O comando do destacamento tentou, também sem resultado, realizar operações de fustigamento. No dia 29 de setembro, houve um choque que resultou na morte de Helenira Resende (Helenira Resende de Souza Nazareth). Ela, juntamente com outro companheiro, estava de guarda num ponto alto da mata, para permitir a passagem, sem surpresa, de grupos do destacamento. Nessa ocasião, pela estrada, vinham tropas. Como estas acharam a passagem perigosa, enviaram "batedores" para explorar a margem da estrada, precisamente onde se encontrava Helenira e o outro companheiro. Este, quando viu os soldados, acionou a metralhadora, que não funcionou. Ele correu e Helenira não se deu conta do que estava sucedendo. Quando viu, os soldados já estavam diante dela. Helenira atirou com uma espingarda 16. Matou um. O outro soldado deu uma rajada de metralhadora que a atingiu. Ferida, sacou o revólver e atirou no soldado, que deve ter sido atingido. Foi presa e torturada até a morte. Elementos da massa dizem que seu corpo foi enterrado no local chamado Oito Barracas. A morte de Helenira causou grande indignação.
Zé Carlos e Nunes (Divino Ferreira de Souza) saíram para pesquisar um local que permitisse fazer uma emboscada. Na estrada, perceberam a vinda de gente e trataram de se esconder. Eram muitos soldados. Já tinham passado os quatro primeiros. O quinto os viu e atirou. Houve forte tiroteio. Nunes e Zé Carlos escaparam com muita dificuldade. Ambos chegaram a sofrer arranhões das balas.
No Destacamento B, um pouco antes do início da segunda campanha, havia-se programado uma ação de propaganda armada no povoado de Santa Cruz. Quando os companheiros se deslocaram para fazer essa operação, o inimigo já estava penetrando na área. Amauri (Paulo Roberto Pereira Marques) e Mané (José Maurílio Patricio) chegaram a ir até Santa Cruz, enquanto os outros aguardavam num acampamento à margem do Gameleira. Quando Amauri chegou ao povoado, ainda não havia soldados. Ao regressar para avisar os demais, foi surpreendido por tropas que já tinham chegado. Ele foi atacado e respondeu ao fogo. Escondeu-se numa capoeira e conseguiu escapar. Os soldados vinham para atacar o acampamento. Na véspera, passara ali um bate-pau, Mãozinha de Paca, e viu o acampamento. Falou com o Comprido (Simão Cilon Cunha Bruno) e mostrou-se amigo. Em seguida, foi avisar O Exército. No dia 15, os helicópteros começaram a sobrevoar a área. Desta forma, a ação programada para Santa Cruz não poderia mais ser realizada. O comando resolveu retirar o grosso dos combatentes e mudar de área. Foi para a Palestina. Antes de se retirar, foi tentada uma emboscada que não se realizou. Ficaram dois grupos de três, com o objetivo de fazer fustigamento ao inimigo. Deviam permanecer na área por cinco dias e retomar depois para se juntar ao destacamento. Um grupo ficou à espera do inimigo na estrada que vai para Couro d'Anta e outro na estrada que vai para Duas Passagens. Passaram quatro soldados, vestidos à paisana, pela estrada onde estava o primeiro grupo.
Amauri ficou em dúvida se eram realmente soldados, e quando chegou a essa conclusão, já o último tinha passado. Não houve ação. Pelo segundo grupo também passaram vários soldados. Os companheiros atiraram e mataram um, retirando-se em seguida. Na marcha para a Palestina, o destacamento tentou fazer uma ação contra os soldados que estavam acantonados no Castanha. Mas verificou que era grande o número dos inimigos — mais de 80. Desistiu-se da ação. Dividiu-se o destacamento em dois grupos e seguiu-se para a nova área. Aí resolveu-se fazer trabalho de massa, apesar de o inimigo estar desenvolvendo sua campanha. Visitaram-se umas dez famílias, que se mostraram solidárias, ainda que alguns demonstrassem medo do Exército. Obteve-se certa quantidade de farinha e batatas da terra. Logo que começamos as visitas, soubemos que o Exército estava se retirando. Pouco antes, era grande o número de soldados na área. Somente na roça do Osmar chegou a haver 170 soldados e lá pousaram quatro helicópteros. Surgiu um sério atrito entre o vice-comandante Zeca e os demais membros do destacamento. Zeca, irritado, insultou muitos companheiros e acabou dizendo que ia se demitir do cargo. Ele não tinha nenhuma razão e, com isso, perdeu a autoridade. Ocorreu também o desaparecimento do combatente Glênio. Este, em princípios de outubro, já na área da Palestina, perdeu-se e foi preso em dezembro, na casa de um pequeno comerciante, perto de Santa Cruz. Um bate-pau, Mãozinha-de-Paca, o viu lá e foi buscar outro bate-pau, Alfredo Fogoió, e o prenderam. Glênio havia sido procurado pelo destacamento, sem resultado. Chegamos a pensar que ele havia fugido, mas isto não era certo, embora Glênio tivesse mostrado passividade na ocasião da prisão. Parece que estava doente.
No Destacamento C, perto do dia 20 de setembro, dois companheiros, Vitor e Cazuza, deslocavam-se para fazer um encontro com três companheiros. Acamparam perto de onde devia ser o encontro. À tardinha, ouviram barulho de gente que ia passando perto. Cazuza achou que eram os companheiros e quis ir ao encontro deles, mas Vitor não permitiu. Disse que só devia ir ao ponto no dia seguinte. Pela manhã Cazuza convenceu Vitor a permitir que ele fosse ao local onde, na véspera, ouvira o barulho. Vitor ainda insistiu que não se devia ir ao ponto, mas acabou concordando. Ao se aproximar do local do barulho, Cazuza foi metralhado e morreu. Vitor encontrou os três — Dina (Dinalva Oliveira Teixeira), Antonio (Antonio Carlos Monteiro Teixeira) e Zé Francisco (Francisco Chaves).
Como estavam sem alimento, Vitor resolveu ir à roça de um tal de Rodrigues apanhar mandioca. Os companheiros disseram que lá não havia mais mandioca. Vitor, porém, insistiu. Quando se aproximaram da roça, viram rastros de soldados. Então, Vitor decidiu que os quatro deveriam esconder-se na capoeira, próxima à estrada, certamente para ver se os soldados passavam e depois então ir apanhar mandioca. Acontece que, no momento exato em que os soldados passavam pelo local onde eles estavam, um dos companheiros fez um ruído acidental. Os soldados imediatamente metralharam os quatro. Dois morreram logo: Vitor e Zé Francisco. Antonio foi gravemente ferido e levado para São Geraldo, onde foi torturado e assassinado. Escapou a companheira Dina, que sofreu um arranhão de bala no pescoço. Depois destes fatos, o comando do C decidiu recuar e procurar por todos os meios o contato com a CM.
Na CM, foi decidido enviar o Juca, em companhia de mais quatro companheiros: Flávio, Gil, Raul (Antonio Teodoro de Castro) e Valk (Valquíria Afonso Costa), do B, para conseguir o contato com o C. Quando Juca saiu, o Exército não tinha ainda iniciado a segunda campanha. Ele estava a caminho quando isso ocorreu. No segundo dia de viagem, houve um choque na área do Franco. Os cinco estavam numa capoeira quando receberam ordem de prisão de um soldado que apontava a arma. Mas Flávio, que estava um pouco afastado, atirou e acertou, ferindo gravemente o soldado. Em seguida, se afastaram do local. No dia seguinte, ocorreu outro choque. Juca vira um cartaz do Exército pregado numa árvore ao longo de uma estrada. Mandou ver o que o cartaz dizia. Quando o companheiro se aproximava do mesmo, deparou com um soldado. Atirou e errou. O soldado correu. Ao chegar, a 30 de setembro, nas proximidades do local do encontro com o C (Paulo), Juca observou que havia muitos soldados nas redondezas. Em todas as casas de moradores havia soldados. Juca resolveu, porém, aproximar-se de uma das casas, para se orientar melhor. Viu que lá também havia tropa. Retrocedeu e se juntou ao grupo. No momento em que iam saindo, Gil perguntou, talvez um pouco alto, se poderia amarrar a botina. Imediatamente ouviu-se uma rajada. Juca e Flávio caíram mortos. Raul foi ferido no braço, escapando juntamente com Valk. Gil ainda se aproximou de Juca tentando reanimá-lo. Ocorreram novos disparos. Depois não se soube mais de Gil. Deve ter morrido. Raul e Valk, que não conheciam bem a região, vagaram durante dois meses pela mata, até que se encontraram novamente com os companheiros do destacamento B. A CM decidiu também enviar uma companheira para o Sul. A CM discutiu a situação criada pelo vice-comandante do B e decidiu retirá-lo do cargo e incorporá-lo à guarda da CM (como vice-comandante). Indicou Simão para o lugar do Zeca no B.
Ao final da segunda campanha do Exército, as forças guerrilheiras haviam perdido os seguintes companheiros: no Destacamento A, Helenira; no B, Flávio e Gil; no C, Cazuza, Vitor, Antonio e Zé Francisco; na CM, Juca. Além destes, houve o desaparecimento de Glênio. Desde que começou a luta, em 12 de abril, até o final de outubro, as baixas foram 18 (entre mortos e aprisionados). O total de combatentes era então de 50 (com a saída da companheira para o Sul). O destacamento A estava com 19 elementos; o B, com 14; o C, com 9; a CM, com 8.
Em novembro de 1972, iniciou-se um período de trégua. O grosso das tropas se retirou da área. Ficaram algumas tropas na periferia e a PM manteve-se nos postos de fiscalização e controle. Multiplicaram-se também os agentes da Policia Federal (disfarçados). Não tendo conseguido esmagar os guerrilheiros na segunda campanha, o Exército se preparava para realizar uma nova operação. Começou a construir quartéis em Marabá, Imperatriz, Itaituba, Altamira e Humaitá. Procurava recrutar mateiros em vários lugares. Construiu estradas na área e alargou as existentes. Entre estas, a de São Domingos a São Geraldo; Transamazônica — Brejo Grande; da Fazenda do Mano Ferreira, passando pelo Garimpo e a Viúva e indo até o Araguaia; a estrada que ia da Viúva (próximo de Santa Isabel), passando pelo castanhal do Ferreira e indo até Santa Cruz; a estrada da Transamazônica - Tabocão. A serviço do Exército (ao que tudo indica), começaram a aparecer indivíduos estranhos na área, comprando terra, abrindo serviço de roça, instalando-se em fazendas. Eram pessoas de outros Estados, inclusive de São Paulo.
A CM orientou os destacamentos no sentido de melhor aproveitar a trégua para se preparar. Previa a nova ofensiva para o começo do verão, lá para maio. Entre as tarefas mais importantes, destacava: ligação maior com as massas, tanto em extensão como em profundidade; preparação de locais para ações de fustigamento e emboscada, preparação de bons locais de refúgio; conhecimento maior do terreno e melhoramento dos croquis; intensificação do preparo militar; procurar melhorar o armamento através das massas (compra, troca etc) e montar a oficina de consertos, organização de depósitos que garantissem a alimentação para seis meses (sobretudo farinha, milho, arroz). Os depósitos deviam ser pequenos, descentralizados, e a maior parte dos alimentos guardados devia ir para as zonas de refúgio. A CM orientou também para que os destacamentos limpassem a área, eliminando os bate-paus, para que mantivessem vigilância a respeito de todas as pessoas estranhas que aparecessem na área. O principio estratégico fundamental era a sobrevivência das forças guerrilheiras. De acordo com esse principio, era necessário preservar as forças, não fazer ações que redundassem em baixas. A CM insistiu também na necessidade de se criar núcleos da ULDP (União pela Liberdade e pelos Direitos do Povo).
Em janeiro de 1973, o Destacamento C conseguiu estabelecer contato com a CM. Paulo, com outros companheiros, foi até a área da Palestina e lá encontrou os elementos do B e um membro da CM. Logo depois, a CM reuniu-se e tomou as seguintes decisões: colocar Paulo como membro da CM e fundir os destacamentos B e C. O destacamento B deslocou-se para fazer a fusão. A CM, porém, logo depois mudou de opinião e decidiu manter os dois destacamentos separados, procedendo à reorganização do C. Vieram para o C os companheiros Luis (Guilherme Gomes Lund) e Lauro (Custódio Saraiva Nela), do A; Raul e Valk, do B e Ivo (José Lima Piauí Dourado), do destacamento de guarda da CM. Foi designado para comandante do C o companheiro Pedro (Gilberto Maria Olimpio), da CM; ficando Dina como vice-comandante. A CM decidiu que o destacamento C concentrasse sua atividade na área próxima da estrada de São Geraldo, abandonando temporariamente as zonas da Grata Vermelha e do Caiano.
Nesse período da trégua, a CM editou vários materiais de propaganda, uns mimeografados (em reco-reco) e outros escritos à mão. Foram os seguintes: I) Carta ao Povo de Porto Franco e Tocantinópolis, assinada pelo médico João Haas; 2) Carta de Osvaldão aos Seus Amigos; 3) Comunicado sobre a Morte de Helenira Resende; 4) Comunicado sobre a morte do Juca; 5) Manifesto do 1º Ano de Luta; 6) Manifesto ao Soldado. Foram mimeografados mais de cem exemplares do documento "Em Defesa do Povo Pobre e pelo Progresso do Interior" (programa da ULPD). Também foi mimeografado o Romance da Libertação (de autoria de Mundico, do C). Editou-se, igualmente, um manifesto contra o Incra.
A CM elaborou os seguintes materiais: I) Normas sobre Segurança no Trabalho de Massa; 2) Normas sobre Acampamento; 3) Normas sobre Recrutamento para a Guerrilha; 4) Adendo às Normas de Marcha; 5) Indicações para a Organização de Núcleos da ULDP.
As normas de segurança no trabalho de massa foram elaboradas tendo em conta a experiência e os ensinamentos decorrentes das condições em que morreram alguns combatentes, como Jorge, Maria e outros. Aí se dizia que qualquer visita às casas de moradores devia ser encarada como uma operação militar. Antes de entrar nas casas, era necessário observá-Ias de longe, para se certificar de que nelas não havia soldados ou pessoas estranhas. Durante a visita, devia-se manter guardas em todas as vias de acesso às casas. Não se devia permitir a saída de nenhuma pessoa da casa enquanto durasse a visita. Se alguém se aproximasse da casa, deixar passar se fosse amigo, ou deter se não fosse gente conhecida ou amiga. Não largar a arma e explicar o motivo aos moradores, pedindo inclusive desculpas. Nas visitas de massa, os guerrilheiros não deviam conduzir nenhum documento pessoal ou que comprometesse a guerrilha. Antes de ingressar nas casas, os companheiros deviam combinar uma referência para encontro, no caso de terem de se dispersar repentinamente (uma referência próxima e outra mais longe). Quando se tivesse que marcar encontros com elementos de massa, não se devia dizer à massa o dia exato em que se voltaria a sua casa. Ao sair da visita, os visitantes não deveriam dar a entender o rumo que iriam tomar. Também não se devia dormir nas casas de massa.
Quanto às normas de acampamento, dizia-se que, antes de acampar, era preciso pesquisar em torno, para ver se não havia estrada, pique etc. Ao acampar, devia-se fazer o plano de defesa e retirada. Evitar ruídos. O fogo só devia ser aceso quando escurecer. Não se devia dar tiros próximo ao acampamento. A mochila de cada combatente devia estar sempre arrumada, pronta para ser levada no caso de retirada. Reclamava-se o cumprimento das normas de higiene (quando o acampamento era por um prazo mais longo, devia-se abrir pequenas fossas). As armas deviam estar à mão ou bem próximas do combatente. Era necessário evitar cortes na vegetação que deixassem marcas à vista. Os acampamentos não deviam ser conhecidos pelas massas. Quando levantassem acampamento, exigia-se que o mesmo fosse camuflado.
Sobre as normas de recrutamento para a guerrilha, exigia-se que, antes de trazer qualquer elemento de massa para as fileiras dos combatentes, era preciso conhecer bem a pessoa, saber a opinião das massas sobre ela, se se tratava de morador antigo ou novo e se era estimada ou não. Antes do ingresso nas fileiras, se possível, era necessário, durante algum tempo, experimentar os elementos na realização de determinadas tarefas. Convinha ajudar o elemento novo a elevar seu nível político e ideológico e ensinar os analfabetos a ler e escrever. Os recrutados não deviam conhecer os depósitos, áreas de refúgio e locais de encontro com outros destacamentos.
No que se refere à marcha, recomendava-se que, quando se fosse atender a um encontro, era preciso seguir o caminho conhecido, evitando-se fazer pesquisa de novos roteiros, para evitar atrasos prejudiciais. Se ocorresse um engano no caminho, devia-se voltar ao ponto conhecido, para melhor reorientar-se. Os mantimentos para a viagem deviam ser para mais uns dois dias do tempo previsto.
A respeito da criação dos núcleos da ULDP, dizia-se que:
O êxito maior da nossa atuação, nesse período da trégua, foi a ligação com as massas. Estendeu-se nossa influência entre o povo. Ganhamos muitos amigos, e não era só apoio moral. A massa fornecia comida e mesmo redes, calçados, roupas etc. E informação. Contávamos com o apoio de mais de 90% da população. A fraca presença do inimigo na área e a nossa politica correta no trabalho de massa proporcionaram esses exitos. Os guerrilheiros, todos eles, eram bastante estimados pela massa. Os de maior prestígio eram Osvaldo e Dina. Logo depois vinham: Sonia (Lúcia Maria da Silva), Piauí (Nelson Lima Piauí Dourado), Nelito, Zé Carlos (do A); Amauri, Mariadina (Dinaelza Santana Coqueiro) (do B); Mundico (do C); Joca (Giancarlo Castiglia) (do CM) e Paulo. Os guerrilheiros ajudavam as massas no trabalho de roça. O Romance da Libertação era recitado pela massa. Os hinos da guerrilha, elaborados lá mesmo, eram cantados pela massa. Nas sessões de terecô (candomblé) se faziam cantorias de elogio à guerrilha. O primeiro aniversário da luta guerrilheira foi comemorado com a participação de elementos de massa. Na área do Destacamento A, fez-se reunião com a massa (mais de 50 moradores) para discutir medidas contra o Incra. A massa achava que o Incra era nova forma de cativeiro. Criaram-se, em toda a região, 13 núcleos da ULDP. Antes da terceira ofensiva do inimigo, o trabalho junto a outras forças havia se estendido. Ampliaram-se os contatos com comerciantes, religiosos etc. Na propaganda, alcançou também êxito o folheto A vida de um lavrador, literatura de cordel da autoria de Beto (Lúcio Petit da Silva). Uma composição musical em ritmo de toada local (Iindô), da autoria de Osvaldo Peri (Pedro Alexandrino de Oliveira), alcançou êxito. A Rádio Tirana era ouvida por muitos elementos do povo e seus comentários eram bem recebidos. Aderiram à guerrilha, como combatentes, vários elementos da massa: em dezembro de 1972, entrou um; em abril de 1973, um; de junho em diante entraram mais cinco no A; dois no B; e dois no C. Uma boa parte da massa realizou tarefas ligadas à atividade guerrilheira.
No período da trégua, realizaram-se algumas ações militares. Em março, o Destacamento B fez uma operação contra um antigo pistoleiro a serviço da Capingo, chamado Pedro Mineiro. Sua casa foi cercada e ele foi preso. Em seguida, foi julgado e executado. No local, foram apreendidas duas espingardas calibre 16 de dois canos; uma espingarda 16; dois revólveres 38; um revólver 32; uma garrucha; e uma carabina calibre 32-20. Foram apreendidos também roupas, comestíveis e remédios. Em poder de Pedro Mineiro havia mapas aerofotogramétricos da área do Gameleira, vários títulos de posse ilegal de terra e cartas de militares recomendando-o a outros militares. O Destacamento B executou também um morador da área da Palestina, chamado Osmar. Este elemento era o melhor mateiro da zona e se dizia amigo de Osvaldo. Mas foi engajado pelo Exército e se dispunha a perseguir os guerrilheiros.
O Destacamento C, em agosto, realizou uma operação contra a fazenda e a casa de comércio de Nemer Kouri. Este fazendeiro ajudou o Exército a prender Geraldo, no início da luta, e tinha se apossado de um burro que pertencia aos guerrilheiros. A operação foi feita à noite. Sua fazenda foi cercada. Encontravam-se lá Nemer e sua mulher e mais 13 trabalhadores. Nemer foi preso. Aos 13 peões, os guerrilheiros explicaram o motivo da ação e os objetivos da luta. Nada se fez contra eles. Os guerrilheiros confiscaram 400 cruzeiros, um revólver 38, roupas, alimentos, remédios.
O Destacamento A, na segunda quinzena de setembro, realizou uma operação contra um posto da Polícia Militar do Pará, na Transamazônica (entroncamento com São Domingos). O posto foi cercado pelos guerrilheiros, que intimaram os soldados a se entregarem. Não cedendo à intimação, foi incendiado o telhado de palha. Os soldados se entregaram. Na ação foram apreendidos seis fuzis, um revólver 32, roupas e alguma munição. Os soldados foram interrogados e depois libertados, sendo advertidos de que seriam justiçados se voltassem a cometer violências contra as massas.
Todas estas ações contaram com a ampla simpatia da população. Foram emitidos comunicados militares, pelos destacamentos de cada uma dessas ações.
Em agosto, a CM realizou uma reunião com os comandantes dos destacamentos A, B e C e os vice-comandantes do A e do C. Fez-se um balanço da atividade guerrilheira. Constatou-se que se havia obtido êxitos importantes, principalmente no trabalho de massa, que se avançou no conhecimento do terreno e no suprimento de alimentos. Constataram-se também deficiências, entre as quais, que as nossas armas eram ainda precárias e débil nosso serviço de informação, tornava-se necessário consolidar e estender o trabalho de massa e estar atento para o inimigo, que podia entrar a qualquer momento. Examinaram-se várias hipóteses quanto à tática que o inimigo poderia usar.
Na reunião, adotaram-se as seguintes recomendações. Ao começar a ofensiva do inimigo, os destacamentos deviam concentrar todos os seus componentes e, diante das informações concretas, ver como agir. Era preciso ter sempre presente o nosso objetivo estratégico principal nesta primeira fase da luta guerrilheira: conservar as forças, sobreviver. Por isso, evitar ações que redundassem baixas. Dependendo da envergadura da ação do inimigo, poderia se recuar para as áreas de refúgio ou continuar realizando pequeno trabalho de massas e ações militares de fustigamento ou mesmo de emboscadas. Predominava na CM a opinião de que, se o inimigo não entrasse até outubro, possivelmente não entraria no período seguinte, devido às chuvas. E que ele não poderia fazer uma campanha demorada, devido a problemas de logística. Acreditava-se que não entraria na mata, pois não tinha bastantes tropas especializadas para isso. Ficaria nas estradas e batendo as grotas. Achava-se improvável um cerco total da área. Considerava que o inimigo atacaria mais seriamente as massas e, por isso, se devia estudar a possibilidade de a massa proteger. Havia condições para recrutar muitos elementos de massa a guerrilha. Era grande já o número dos que se tinham comprometido ingressar na luta, caso O Exército ocupasse as roças.
A CM decidiu estender a área destacamento B até além da estrada de São Geraldo. O B passaria centrar sua atividade na nova área q lhe foi atribuída pela CM. A anti-área da Palestina seria percorrida dois ou três meses. O Destacamento C deveria deslocar-se para as áreas Grota Vermelha e do Caiano, entretanto, o C ainda continuaria uns dois ou três meses atuando o vinha fazendo, isto é, na área que seria atribuída ao B a fim de os contatos e ajudar o B a conhecer melhor essa zona.
Desde a segunda campanha do inimigo, os destacamentos já não conservaram a antiga estrutura grupos de sete permanentes. Mantiveram-se os chefes de grupos, estes grupos variavam, em sua composição e número, segundo as necessidades das tarefas. Terminada a tarefa, o grupo desaparecia. Os Destacamentos jogavam com o conjunto dos combatentes.
Em setembro, a companheira Tuca (Maria Luiza Garlipe) foi transferida do destacamento B para a CM, na função de responsável pelo setor de saúde.
Dois acontecimentos negativos ocorreram também em setembro: a morte de Mundico, do C, por acidente com a arma que portava; e a fuga de Paulo, do A. Este elemento, desde o início da luta, se mostrara vacilante e criava toda sorte de problemas. Aproveitou a saída dos elementos do A que foram realizar o ato contra o posto policial e desapareceu. Mostrou-se indigno de participar da guerrilha.
A terceira campanha do inimigo iniciou-se a 7 de outubro. Neste momento, a situação das forças guerrilheiras era a seguinte: o destacamento A contava com 22 elementos;o B com 12; o C com 14; a CM com 8. Ao todo, 56 guerrilheiros. O destacamento A tinha oito fuzis e um no conserto, cinco rifles 44, uma metralhadora INA, oito espingardas, 22 revólveres 38 e um revólver 32. O destacamento B tinha um fuzil, uma submetralhadora Royal, três rifles 44, duas espingardas 16 de dois anos, uma espingarda 16, uma carabina 32-20 duas espingardas 20, una carabina 22, 12 revólveres 38. O Destacamento C tinha dois fuzis, sete rifles 44, cinco espingardas 20 e 14 revólveres 38. Em conserto, havia mais de dez armas longas. Havia, em média, 40 balas para cada revolver 38. Eram insuficientes os cartuchos para as espingardas 20 e não havia mais balas de calibre 22. As reservas de alimentos garantiam um abastecimento para cerca de quatro meses. Os remédios também existiam em quantidades suficientes. A maioria dos combatentes estava com pouca roupa e já não havia calçados. Uma parte usava lambreta de sola de pneu e alguns companheiros andavam mesmo descalços. Eram insuficientes as quantidades de bússolas, isqueiros, facas, querosene e pilhas. Muitos companheiros não possuíam plásticos para abrigar-se da chuva. Também faltavam sacos plásticos para guardar comidas e roupas. Todo o dinheiro existente eram 400 cruzeiros. A maioria dos companheiros, 80%, orientava-se bastante bem na mata. No fundamental, toda área era conhecida. O moral dos companheiros era muito bom. Todos mostravam-se confiantes e entusiasmados.
As tropas inimigas entraram por diferentes pontos. Transamazônica, São Domingos, Metade, Brejo-Grande, São Geraldo e, possivelmente, pela Palestina e Santa Cruz. Iniciaram a operação desencadeando intensa repressão contra as massas. Prenderam quase todos os homens válidos das áreas em que atuávamos. Deixaram nas roças só as mulheres e as crianças. Algumas mulheres também foram presas. O Exército procurou implantar o terror entre as massas. Espancou muita gente. Houve elementos que enlouqueceram de tanta pancada. Queimaram casas e paióis onde não encontravam os moradores. Dezenas de pequenos e médios comerciantes foram também presos. As tropas obrigavam elementos da massa a servir de guias. Gradualmente, foi aumentando o número de soldados na zona. Ocuparam fazendas, sedes de castanha, roças, estradas, grotas etc. Na periferia havia também grande número de soldados. Fizeram bases de operação no meio do mato, utilizando fazendas, roças e sedes de castanhas. Estavam apoiados por helicópteros e aviões. A maior parte da tropa era especializada em combate na selva. Traziam bons mateiros.
No dia 7 de outubro, quando as tropas entraram na área, o Destacamento A estava ainda disperso em três grupos. Um dirigido por Zé Carlos, que estava atuando nas proximidades do rio Fortaleza, outro, dirigido pelo Piauí, estava no Tabocão e o terceiro, comandado pelo Nunes, estava na roça do Alfredo, ajudando no trabalho de broqui. Sabedores da presença do Exército, os três grupos se retiraram. No dia 7, o Exército bateu na roça do Alfredo, elemento de massa que integrava a guerrilha. No dia 12, o grupo do Zé Carlos comunicou que o destacamento ficaria na zona em que se encontrava até a data do encontro com a CM, que seria dia 20. Alfredo, na ocasião, insistiu com Zé Carlos para que fossem apanhar dois porcos deles, que se encontravam numa roça próxima. Os porcos ajudariam a alimentação dos guerrilheiros. Zé Carlos considerou temerário o projeto de Alfredo. Chegou a dizer: "Não vamos morrer pela boca", Sabia que o Exército provavelmente estaria emboscado na roça onde se encontravam os porcos. No dia seguinte, saíram cinco companheiros para apanhar farinha num depósito e, se nada de anormal notassem, poderiam ir apanhar os porcos. Mas, no caminho, decidiram ir, primeiramente, apanhar os porcos. Lá chegaram cerca de 9 horas. Mataram os porcos com quatro tiros e os levaram para um lugar limpo a fim de retalhá-los. Fizeram fogo de palha para pelar os porcos. Uma hora depois estava terminado o serviço. Mas quando foram carregar a carne, as alças das mochilas se quebraram. Alfredo resolveu, então, improvisar um cipó (vira mundo) para carregar nas costas. Quando terminou o último atado, eram já 12 horas. Estavam presentes os guerrilheiros Zé Carlos, Nunes, Alfredo, Zebão (João Gualberto) e João (Demerval da Silva Pereira). Preparavam-se para sair, quando Alfredo ouviu um barulho esquisito. Chamou a atenção de João. Este, porém, achou que era uma palha de coqueiro que tinha caído. Ato contínuo, apareceram os soldados, apontando suas armas. Atiraram sobre o grupo. João conseguiu escapar, os outros foram mortos. Não tiveram tempo nem de pegar as armas. Perderam-se, além da vida dos companheiros, quatro fuzis, um rifle 44 e cinco revólveres 38.
No dia 20, houve o contato com um companheiro da CM. Este decidiu nomear o companheiro Piauí para comandante do destacamento e Beta para vice. Como o local onde se encontravam era conhecido de elementos de massa, foi decidido mudar-se para outro ponto. Chegou a informação, dia 22, de que os elementos da massa que queriam entrar na guerrilha não haviam aparecido no ponto. Dia 22 foram enviados dois companheiros para o Tabocão, a fim de trazer o grupo chefiado por Nelito. E no dia 23, pela manhã, dois outros companheiros foram levar, até a estrada que vai para São Domingos, um rapazinho que, por acaso, se encontrava com os nossos. Nesse mesmo dia, os demais, em número de 11, inclusive o membro da CM, deslocaram-se para a margem esquerda do Fortaleza. Dois helicópteros e um avião começavam a sobrevoar a área. No dia 24, Sônia e Manuel (Rodolfo de Carvalho Troiano) foram ao encontro dos dois que haviam levado o rapazinho. Não encontraram. À tarde, novamente Sonia e Wilson (elemento de massa) voltaram ao local de encontro. Recomendou-se que não fossem por um piseiro antigo, pois ali poderia haver soldados emboscados. Acontece que Sônia acabou indo pelo piseiro e, como decidisse caminhar descalça, deixou a botina no caminho. Quando voltou, não encontrou a botina. Pensou que fosse brincadeira de gente de massa. Chamou por um nome conhecido. Apareceu uma patrulha do Exército que atirou nela, ficando ferida. Os soldados, — segundo relatou gente de massa —, perguntaram-lhe o nome. E ela respondeu que era guerrilheira que lutava pela liberdade. Então, o que comandava a patrulha, respondeu: "Tu queres liberdade. Então, toma..." - desfechou vários tiros e a matou. Wilson conseguiu escapar. No momento em que o Exército atirava vinham chegando os dois companheiros a quem Sônia ia buscar. Ouvindo os tiros, retiraram-se e, três dias depois, retornaram ao destacamento. O destacamento deslocou-se para nova área. No dia 27 chegavam Duda (Luiz René Silveira e Silva) e Rib., que informaram que o grupo do Nelito já havia se deslocado quando eles lá chegaram. Dois elementos de massa, bastante jovens, Ribamar e Wilson, mostrando medo, pediram para sair da guerrilha. Diziam que eles não iam agüentar as dificuldades. O comando os dispensou.
Dia 2 de novembro, chegaram Nelito e seu grupo. Assim, o destacamento ficou completo. Nelito informou que tentou realizar uma emboscada com nove elementos de massa, mas os soldados não passaram. Depois, com os mesmos elementos, tentou destruir uma ponte na Transamazônica. Também não conseguiram. Chegaram a tocar fogo na ponte, mas esta não queimou. Os elementos de massa voltaram para suas casas, pois tinham dito que ficariam fora apenas uns poucos dias. Com Nelito, além dos nossos, ficou apenas um jovem de massa, que pediu ingresso na guerrilha. O destacamento decidiu embrenhar-se na área de refúgio.
Passemos, agora, ao que sucedeu com a CM e os destacamentos B e C. Com o início da ofensiva do Exército, a CM decidiu juntar os dois destacamentos e colocá-los sob o comando do Pedro. Então pensava-se em permanecer na mesma área em que se encontravam. A informação inicial era de que o número de soldados não passava de uns 50. Pedro designou um grupo de dez companheiros, sob a direção de Osvaldo, para fazer uma emboscada, em lugar apropriado, contra o inimigo. Outro grupo, de seis companheiros dirigidos por Ari, do C, foi mandado ao Franco para realizar uma operação de fustigamento. Depois de dez dias, Osvaldo retornou. Permaneceu emboscado, mas as tropas não apareceram. O grupo de Ari atacou alguns soldados, mas não liquidou nenhum. Foi recrutado um elemento de massa, Jonas, para a guerrilha. Este elemento já havia sido preso na segunda campanha e seu pai, atualmente, estava preso. No começo de novembro, uma patrulha do Exército passou a uns 30 metros do acampamento onde estavam os dois destacamentos. A patrulha caminhava pela mata, sem fazer ruído. Não foi observada pela guarda. Foi vista por dois companheiros que vinham chegando ao acampamento e se esconderam.
Em meados de novembro, reuniu-se a CM. Fez-se um balanço da situação à base dos informes e se afirmava que a ofensiva do inimigo não era tão grande, aparecia com pouca força. A CM resolveu juntar os três destacamentos, que ficariam sob o seu comando. Esta força não teria mais áreas fixas determinadas, poderia movimentar-se segundo as necessidades. A justificativa apresentada para a fusão dos três destacamentos era a de que, com isso, se teria uma força maior e com maior potência de fogo, podendo-se realizar ações de certa envergadura. Afirmou-se que, com os destacamentos separados, era difícil ter em mãos força suficiente para certos tipos de ação. Quando se discutiram as medidas práticas para levar a cabo essa decisão, chegou-se à conclusão de que o princípio da fusão era justo, mas que apresentava dificuldades quanto à execução, pois surgiam problemas, como o do abastecimento para um grande número de pessoas. Decidiu-se, assim, adiar as medidas práticas para uma próxima reunião da CM. A CM designou o companheiro J. (Ângelo Arroyo) para assumir o comando do destacamento A e manter este concentrado, em condições de poder se reunir aos outros dois logo que a CM tomasse decisão a esse respeito. Nova reunião da CM foi marcada para 20 de dezembro.
No dia 19 de novembro, o membro da CM que voltava para o A, em companhia de dois elementos de guarda da CM, encontrou grande quantidade de rastros de soldados dentro da mata, tanto na área da CM como do destacamento BC e também do A. Os soldados palmilhavam a mata, não só onde existiam moradores, mas também onde não os havia — portanto, em áreas de refúgio. Os soldados, apoiados por helicópteros e aviões, percorriam o Gameleira, o Ezequiel, o Cunha, o Caracol e o Saranzal— todos eles dentro da nossa área.
O destacamento A se mantinha na área de refúgio. Não foi atacado, nem via rastros de soldados nas proximidades. Os helicópteros continuavam voando na área onde foram mortos Zé Carlos e outros. Em fins novembro, Nélito e Carretel foram enviados à Metade para colher informações com a massa. Voltaram mais tarde e disseram que a massa formara que há 15 dias os soldados não passavam por lá. Mas, no momento em que saíam, chegavam soldados no lugar onde eles estivem. A massa informou ainda que os soldados estavam pensando que os guerrilheiros estavam no castanhal do Carlos Holanda e, por isso, faziam muitas batidas. Os helicópteros sobrevoavam aquele castanhal. Landin (Orlando Momente) e outro companheiro foram até Cruzeiro obter informações e ver se conseguiam sal. Voltaram dizendo que todas as casas estavam vazias e que os amigos tinham sido presos. Em dezembro, foi enviado um grupo, chefiado por João, à área do Tabocão, para colher informações e ver se conseguia comprar alguns objetos e se obtinha farinha e sal. Souberam que há 15 dias o Exército não passava lá. Elementos de massa compraram um pouco do que se precisava, inclusive quatro pilhas. Lá disseram que os elementos que atuaram junto com Nelito na tentativa de destruir a ponte da Transamazônica tinham sido presos. Dois desses elementos estariam sendo obrigados a servir de guia. Disseram ainda que o pai de um companheiro de lá, que estava na guerrilha, havia sido barbaramente espancado, tendo sido levado para o hospital. No Tabocão haviam prendido todos os homens, num total de 17.
No dia 20 de dezembro, J., Piauí e Antonio foram atender ao ponto com a CM. No caminho, encontraram rastros de soldado. No dia seguinte, encontraram-se com Ari e Mané, que tinham sido enviados pela CM para conduzir J. à reunião. No ponto apareceram também os companheiros Zezim, Raul e Lourival (Elmo Correia). Piauí e Antonio retornaram ao A. À tardinha, chegavam, também enviados pela CM, os companheiros Jaca e Chica (Sueli Yomiko Kanaiama). A presença de todos esses elementos no ponto foi explicada da seguinte maneira: depois que haviam saído Mané e Ari, ocorreu um ataque aos três outros (Zezim, Raul e Lourival) por tropas do Exército. Sabendo que Ari e Mané tinham ido buscar J. para levá-lo à CM, os três que sabiam o lugar do ponto decidiram ir avisar o que havia ocorrido, para evitar que J. fosse surpreendido pelo inimigo. Mas os companheiros da CM já tinham tomado as providências para esse aviso, enviando o Joca e a Chica. J. decidiu enviar Ari e Mané para apanhar farinha num depósito próximo. Mané ficou aguardando Ari a uma certa distância. Como Ari demorasse, Joca, que havia chegado, foi até o depósito e lá não encontrou o Ari. No local do depósito estava apenas o saco plástico que Ari havia levado para trazer a farinha. A impressão que se teve é de que ele fugiu, pois não apareceu nem no acampamento, nem nas referências.
Joca informou o que havia ocorrido com o BC e a CM a partir de 20 de novembro. Contou o seguinte: dias 21 e 22 de novembro, um grupo de três companheiros — Lauro, Jaime (Jaime Petit da Silva) e Mané — fustigou uma patrulha na estrada e matou um soldado. No dia 24, quando voltavam de um contato com a massa, os companheiros Ari, Raul e Jonas passaram próximo de uma grota. Ari e Raul se aproximaram da grota para melhor se orientar. Jonas ficou de guarda, perto das mochilas. Ouviu-se um tiro e Ari caiu. Em seguida, ouviram-se mais dois tiros. Raul correu. O Comando do destacamento BC, que também ouvira os tiros, enviou quatro companheiros para pesquisar o que teria havido. Logo adiante, esses companheiros encontraram o corpo de Ari sem a cabeça. Sua arma, um rifle 44, seu bornal e sua bússola tinham sido levados. As mochilas de Ari, Jonas e Raul estavam lá. Raul voltou pela manhã ao acampamento e Jonas desapareceu. (Houve suspeitas de que o assassino de Ari fosse o próprio Jonas). Depois disso, houve a junção dos dois destacamentos com a CM, formando uma única força. Devido a Jonas conhecer bem a área onde os companheiros se encontravam e inclusive alguns planos do comando, resolveu-se sair da área e transferir-se para a área da Palestina. Ai havia alguns depósitos e o destacamento B há alguns meses ali não estivera. Dividiram a força em / três grupos para se deslocar. Ao todo eram 32 elementos.
Dias 28 e 29 de novembro o grupo dirigido pelo Simão (oito companheiros) acampou nas cabeceiras da grota do Nascimento. Neste mesmo local, o destacamento B já havia acampado meses atrás. Ferreira ficou na guarda, Jaime foi catar babaçu. Chico (Adriano Fonseca) e Toninho foram procurar jabuti numa gameleira próxima. Chico recebeu um tiro, caindo morto. Eram 17 horas. Em seguida, ouviu-se mais seis tiros. O grupo levantou acampamento imediatamente, deixando, no entanto, as mochilas, as panelas, os bornais. O Doca (Daniel Calado) deixou o revólver, que estava consertando no momento da saída. Jaime e Ferreira ficaram desligados do grupo. O Simão não foi à referência procurá-los. Não se sabe o que ocorreu com eles. Durante cinco dias, os demais companheiros, em número de cinco, caminharam pela mata sem ter o que comer e sequer um isqueiro para acender fogo. Ao se encontrarem com o resto da força, apresentavam o corpo inchado de picadas de tatuquira e estavam famintos. Dia 13, fugiu Toninho (elemento de massa). Ele conhecia a área. Dia 14, toda a força se juntou novamente. Eram 28, caminharam mais dois dias e acamparam num local onde se pretendia fazer a reunião da CM. Os 28 companheiros tinham feito o deslocamento numa só coluna, tendo deixado fortes rastros. No dia seguinte saíram Mané e Ari para ir buscar o J. Os demais afastaram-se uns 200 metros de onde se encontravam e mandaram Zezim, Lourival e Raul apagar os rastros. Quando os três realizavam essa tarefa, foram surpreendidos pelo inimigo. Sem poder voltar de imediato ao acampamento, temerosos de que J. viesse ao ponto sem saber do ocorrido, os três se dirigiram para o local onde J. seria encontrado por Mané e Ari. O resto da força, então 23 pessoas, em face do que sucedera, decidiu abandonar a área em que estava e ir para a área do A. Seguiram em coluna, deixando rastro. Entre 17 e 18 de dezembro, Josias fugiu perto de uma base do inimigo. O comando enviou Joca e Chica para avisar o J. e marcar um novo local e dia para o encontro, que seria já na área de refúgio do A. Joca informou que o grosso da força chegaria depois do dia 24 e que estavam sem comida. Pediam para que J. arranjasse comida com o destacamento A.
Os cinco companheiros — Jaca, Mané, Chica, Lourival e Raul — retornaram e foram esperar o grosso da força em área próxima. J. e Zezim também retornaram para o acampamento do destacamento A.
Dia 25 de dezembro, J. veio ao ponto acompanhado de Zezim, João e Antonio, trazendo umas quatro latas de farinha. No ponto encontraram Mané e Chica. Mané informou que o grosso da força estava acampado a umas duas ou três horas de caminhada. Disse que no caminho encontrou rastros de soldados (papel higiênico servido). Em seguida, os seis dirigiram-se com o máximo de cautela para o acampamento da força. Um helicóptero sobrevoava a área próxima ao acampamento da força. Quando já estavam a mais ou menos a um quilômetro do acampamento, às 11h25 da manhã, ouviram cerrado tiroteio. Encontraram-se logo depois com Áurea e Peri, que vinham apanhá-los para o acampamento.
Os dois afirmaram que o tiroteio tinha sido no rumo do acampamento. Cinco minutos depois do tiroteio, dois helicópteros e um avião começaram a sobrevoar a área onde houvera o tiroteio, e continuaram durante todo o dia nessa operação. Dois helicópteros grandes fizeram duas viagens — da base do Mano Ferreira, a uns cinco ou seis quilômetros, até o local do tiroteio. Tinha-se a impressão de que estavam levando mais tropas ou retirando mortos e feridos do local, e seus companheiros (eram oito)— afastaram-se do local mais ou menos um quilômetro. No dia seguinte, 26, foram a uma referência para encontro, num local próximo. Aí encontraram os companheiros OsvaIdo, Lia (Teima Regina Cordeiro Correa), Batista e Lauro.
Osvaldo informou o seguinte: o grosso da força havia acampado dia 24, mas percebeu que estava perto da estrada. Dia 25, pela manhã, afastaram-se uns cem metros de onde se achavam, designando alguns companheiros para limpar (camuflar) o locaI em que estiveram. Os membros CM e sua guarda ficaram num ponto mais alto do terreno e os demais ficaram na parte de baixo. Na hora do tiroteio, havia 15 companheiros no acampamento: Mário (Mauricio Grabois), Paulo, Pedro, Joca, Tuca, Dina (com febre), Luis (com febre), na parte alta; embaixo: Zeca, Lourival, Doca e Raul (estava ralando coco babaçu para comer). Lia e Lauro faziam guarda. Osvaldo e Batista realizavam a camuflagem. Fora do acampamento estavam Áurea e Peri, que haviam se deslocado para trazer J., João (Wandick Reidner Pereira Coqueiro), Mariadina, que tinham ficado, proximidades do local onde houvera o tiroteio de 17 de novembro sobre Zezim, Raul e Lourival, a de apanhá-los; Amauri e Valk, tinham sido enviados pelo comando para trazer de volta João, Mariadina e possivelmente os outros três; Simão e Ivo, que tinham ido a uma referência ver se conseguiam pegar o Ferreira e o Jaime; Amauri, Valk, João e Mariadina deviam chegar num ponto a uns cem metros de onde houve o tiroteio, a partir do dia 28 de dezembro. Osvaldo achava que os tiros haviam sido sobre o pessoal da CM, e que ele se retirara quando os tiros já o alcançavam.
No dia 27, observava-se crescente pressão do inimigo. Na manhã do dia seguinte, decidiu-se enviar Mané e Chica para apanhar Simão e Ivo (talvez também Jaime e Ferreira) numa referência na área do B, dia 30. Eles não deviam retornar à área do A, mas permanecer com os demais numa área do B. Aí poderiam juntar-se a outros companheiros, os que procurassem na referência conhecida. Ficou combinado que Mané viria a 1º e 15 de fevereiro a um encontro na área do A (com J.), mas isso somente se a barra estivesse limpa. Foi dito que poderiam ficar desligados muitos meses. A partir de março, havia referência no B. Ainda dia 27, os dez companheiros, então juntos, decidiram se transferir para a área de refúgio do A. Caminharam em dois grupos. Chegaram dia 28 à tarde. O acampamento estava em estado de alerta. Tinham ouvido os tiros e a movimentação de helicópteros e aviões. Dia 29, dois companheiros tinham a informação de que, para os lados do Fortaleza, não havia movimento de tropas. Reuniu-se o comando que tomou as seguintes decisões: devia-se abandonar aquele local; os companheiros recentes — em número de 25— deviam se dividir em pequenos grupos e ir atuar na área que mais conhecessem que a experiência das campanhas anteriores mostrara que os pequenos grupos têm mais mobilidade, mais facilidade de abastecer e deixam menos rastros, que os grupos não deviam dar sinal de presença nos locais onde estivessem e, se fossem notados pelo inimigo, deviam afastar-se da zona e ligar se apenas a uma pessoa da massa, de confiança, para obter informações; devia-se ter o máximo de cuidado com os rastros, pois fora pelos rastros que o inimigo nos atacara. Os grupos eram cinco. Um chefiado por Osvaldo (que retomou à sua área); outro por J.; outro pelo João; outro, pelo Nelito; e outro pelo Landim. Foi marcado um ponto para os dias 1º e 15 de fevereiro. À noite do dia 29, fez-se uma reunião com todos os presentes. Mostrou-se a gravidade da situação e destacou-se que este era o periíodo mais critico que atravessava a guerrilha. Acentuou-se que outros povos também tinham passado por momentos muito difíceis e venceram porque persistiram na luta, não se deixaram abater. Mantendo-se unidos e decididos, poder-se-iam superar as dificuldades. O comando indagou se algum dos combatentes queria abandonar a luta. Caso alguém se sentisse abalado e não mais quisesse continuar, poderia dizer. O comando autorizaria a saída. Mas ninguém manifestou desejo de sair. Afirmou-se também que não se conhecia a sorte dos demais membros da CM. Não se podia dizer que tivessem sido mortos, apesar do que ocorrera. Que se ia tentar um contato e procurar agrupar todos os elementos dispersos.
Dia 30, pela manhã, os cinco grupos tomaram seus destinos. As 15 horas ouviu-se ruído de metralhadora no rumo em que havia seguido Osvaldo ou Landim. Não se sabe o que houve. No dia 2 de janeiro, ouviu-se ruído de metralhadora para o rumo em que seguia Nelito. Dia 4, o grupo de J. aproximou-se da casa de um morador para obter informações e alimentos. As pessoas da casa estavam bastante atemorizadas. Não sabiam informar sobre os tiros e disseram que os soldados estavam por perto. Que se tomasse muito cuidado, porque com eles haviam um rastreador, Bigode, carioca, que era bom piseiro. Dia 14, acamparam próximo a uma capoeira. Foram ver se conseguiam alguma mandioca. Iam com a recomendação de ir pela estrada e voltar pela mata, mas voltaram pela estrada. Trouxeram um pouco de mandioca e não camuflaram o local de que arrancaram as mandiocas. Às 9h30, quando estavam preparando a refeição, ouviram um barulho estranho na mata. Ficaram de sobreaviso, com as armas na mão. Viram então os soldados que vinham seguindo o rastro e passavam a uns dez metros de onde os companheiros se encontravam. Os soldados atiraram, ouviu-se várias rajadas. J., Zezim e Edinho (Helio Luiz Navarro) escaparam por um lado. Não se sabe se os outros três — Piauí, Beta e Edinho encontraram Duda, do grupo do Nelito. Ele contou que os tiros do dia 2 tinham sido sobre o grupo em que ele estava. Disse que, depois do almoço desse dia, Nelito e Duda estavam juntos e que Cristina (Jana Morone Barroso) e Rosa (Maria Célia Correa) haviam se afastado por um momento. Carretel estava na guarda. Na véspera, Duda e Carretel tinham ido à casa de um morador. A casa estava vazia. Quando se retiraram, viram que vinham chegando os soldados. Avisaram Nelito. Imediatamente, afastaram-se do local. Mas caminharam em trechos de estrada, deixando rastros. Dia 2, Nelito tinha ido a uma capoeira apanhar alguma coisa para comer. Trouxe pepino e abóbora numa lata grande que lá encontrara. A lata fez muito barulho na marcha de volta. Às 13h30, ouviu-se rajadas. Os tiros foram dados sobre Carretel, que saiu correndo. Nelito não quis sair logo. Entrincheirou-se, talvez pensando nas duas companheiras. Mas os soldados se aproximavam. Então, ele correu, junto com Duda, mas foi atingido. Assim mesmo, ainda se levantou e correu mais uns 20 metros. Foi novamente atingido e caiu morto. Duda conseguiu escapar. Não se sabe o que houve com as duas companheiras, nem com Carretel.
No dia 19 de janeiro, J. decidiu tentar aproximar-se do local de referência com a CM, na esperança de que algum companheiro aparecesse por lá. Foi junto com Zezim, deixando Edinho e Duda juntos. A estes recomendou que, se encontrassem Piauí, avisassem de um encontro para os dias 1º e 15, a partir de março. O local de referência com a CM distava uns quatro a cinco dias. Era na antiga área da CM, de cinco em cinco dias. Quando J. e Zezim se aproximavam do local onde houve os tiroteios de 25 de dezembro, notou-se fortes rastros do inimigo, não só antigos como recentes. E os helicópteros sobrevoavam o local. Decidiram voltar porque não havia condições para prosseguir. A mata estava esquadrinhada pelo inimigo.
Em poder do camarada Mário, responsável pela CM, havia uma espécie de diário, onde ele anotou os principais fatos e as medidas adotadas pela guerrilha, desde o seu inicio. Essas anotações são da maior importância, refletem as opiniões do comando em diferentes ocasiões. Com Mário encontravam-se também cópias de todos os materiais editados, assim como os hinos, poesias etc.
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Inclusão | 11/08/2013 |