"Cordón Cerrillos" e Poder Proletário no Chile em 1972

Eder Sader

Agosto de 1973


Escrito em: Agosto de 1973 para a revista "Marxisme et Révolution", este ensaio reflete, na sua introdução, linguagem e conclusão, um momento preciso da luta de classes no Chile. Creio, no entanto, que a análise mesma das condições de desenvolvimento do Cordón Cerrillos — o primeiro Cordón da região industrial chilena mais importante — permanece válida e necessária para compreender as características e os problemas da vanguarda operária face à criação de um duplo poder. (nota do autor).
Primeira Edição:
Publicado na Revista "LES TEMPS MODERNES" N. 347, junho de 1974.
Tradução: do francês por Ivaldo Pontes

Fonte: Centro de Estudos Victor Myer.
Transcrição: Pery Falcón
HTML:
Fernando A. S. Araújo


Há uma contradição em se querer um poder popular que respeite o Estado de direito: significa ao mesmo tempo reconhecer que esse poder tem a sua base fora do Estado e subestimar a sua realidade.

O programa de governo da Unidade Popular não vê contradição entre "poder popular" e "via legal". A nova ordem surgiria da incorporação massiva do povo às instâncias do Estado chileno que, durante esse processo, se democratizaria e mudaria o seu caráter de classe.

"É graças a um processo de democratização em todos os níveis e a uma mobilização organizada das massas que se construirá, a partir das bases, a nova estrutura de poder. Uma nova constituição institucionalizará a incorporação massiva do povo ao poder do Estado".

A mobilização popular mais revolucionária (na medida em que ela mudaria a natureza do Estado) poderia se realizar pelas vias institucionais.

Não se trata aqui de fazer crítica ideológica a essa concepção oportunista do Estado e da revolução mas, sobretudo de verificar concretamente o caminho pelo qual a classe operária e as mais amplas massas de trabalhadores criaram seus organismos de luta para a tomada do poder no Chile. É muito importante ver como as massas populares mobilizadas no âmbito da Unidade Popular conseguem gerar seus organismos fora dos mecanismos previstos pela estratégia original.

Os "cordones industriales"(1), os comitês coordenadores de lutas, os comandos comunais, não somente surgiram fora da institucionalidade em vigor, mas ao mesmo tempo demonstram uma firme vontade de transformá-la. Não é por acaso que os porta-vozes da burguesia se opõem tão radicalmente a esses organismos, mobilizando contra eles as forças armadas e apelando aos preconceitos mais obscurantistas das classes médias. Isso porque, com os seus primeiros passos no sentido da democracia direta, do controle operário da produção, da organização proletária da distribuição, da formação de uma aliança entre as classes exploradas, esses organismos despertam as mais profundas energias revolucionárias do proletariado e abrem uma perspectiva real para a luta pelo poder no Chile.

Os reformistas, ao quererem enquadrar esses organismos no interior das instituições estabelecidas, mostram-se incapazes de dirigir o exército mais poderoso das massas populares no enfrentamento social atual.

Estudamos o desenvolvimento e as perspectivas do "Cordón Cerrillos - Maipú" em 1972 (ver "Consejo Comunal de Trabajadores y Cordón Cerrillos-Maipú 1972 — Balance y perspectivas de un embrión de poder popular", de Cristina Cordero, Eder Sader, Mónica Threfall, CIDU... 1973), e é a partir desse estudo que pretendemos discutir algumas questões importantes para os desdobramentos do "cordón".

Breve Relato dos Fatos

Em primeiro lugar, deve-se sublinhar a existência de uma tradição sindical na comuna. Isto é, fosse pela força particular de seus sindicatos, fosse pelas características peculiares da comuna (que chega a constituir praticamente uma região autônoma no interior de Santiago), nela começavam já a surgir embriões de articulação intersindical: a Comissão de Defesa das Liberdades Cívicas, o Departamento Sindical do Oeste, a CUT comunal. Mesmo se esses organismos não existiam mais ou não funcionavam mais, de qualquer forma, eles demonstravam uma tendência latente da classe.

A essa força operária, deve-se adicionar em 1972 dois novos elementos: uma onda de ocupação de terras pelos camponeses das áreas rurais da comuna, especialmente durante o mês de março, e também uma retomada do movimento reivindicatório dos "pobladores"(2) (basicamente relacionado à saúde, transportes e habitação). Em abril, os "pobladores" ocupam as ruas e atacam os ônibus em protesto contra a insuficiência dos meios de transporte.

Em abril e maio, uma vanguarda local constituída sobretudo por militantes socialistas teve a iniciativa da organização de um "Cabildo abierto",(3) para que as pessoas pudessem discutir os problemas de habitação, transporte e saúde na comuna. A agitação se devia à incapacidade das instituições burguesas para dar uma resposta concreta a essas reivindicações elementares. É a partir daí que amadurece o projeto de um Conselho Comunal de Trabalhadores.

Em junho novo impulso de greves industriais, durante as quais os operários exigem a passagem das indústrias ao setor estatal ("setor social "). Para lutar juntos, os operários de Perlak, El Mono e Polycron se uniram. No dia 2 deste mês, os operários destas três empresas, bem como os do C.I.C. que também estão lutando, invadem o gabinete do Ministério do Trabalho para exercer pressão sobre as decisões. Uma semana mais tarde, os operários de trinta empresas reuniram-se para coordenar sua luta. Foi nessa reunião que se criou o "Comando de coordenação das lutas dos trabalhadores do Cordón Cerrillos-Maipú". A principal reivindicação é a passagem das indústrias ao setor estatal. Decide-se então ocupar as vias de acesso à comuna para pressionar o governo que, nesse momento, após o conclave "Conclave de Lo Curro", discutia com os democrata-cristãos a regulamentação dos três setores da economia. No dia seguinte, os trabalhadores das principais indústrias da comuna e os moradores de vários "campamentos",(4) além de camponeses e estudantes, tomam as ruas. A força pública está presente, mas não se atreve a intervir diante da atitude decidida dos manifestantes. O governo cede. As massas adquirem confiança.

Em julho, o "cordón" se manifesta através de mobilizações contra os atrasos da passagem ao "setor de propriedade social" e contra o poder judiciário que condena os camponeses da cidade vizinha de Melipilla. Em julho, agosto e setembro, os conflitos operários continuam a crescer.

Mas o Partido Socialista se manifesta contra a Assembléia do Povo de Concepción. Este evento e também o medo de organizações paralelas provocam a saída de seus militantes do comando do "cordón".

A conjuntura de outubro consolida nacionalmente essa mesma concepção do "cordón". O exemplo de Cerrillos espalha-se por toda parte. Na própria comuna se desenvolvem as formas de controle da produção, bem como aquelas das "feiras populares",(5) do controle da distribuição em algumas fábricas; também vão se realizar as primeiras experiências maciças de defesa e vigilância. No entanto, o grande atraso existente na frente dos " pobladores " impede um maior desenvolvimento de novas formas de distribuição que tenham surgido nessa conjuntura em outras comunidades populares.

O Projeto do "Cordón"

A partir dessa descrição, podemos distinguir os aspectos-chave do "cordón" em 1972. As formas de luta utilizadas: ocupação de estradas, indústrias e edifícios públicos e pressão sobre as autoridades. As principais reivindicações: mudança das indústrias para o setor estatal, a sua defesa e seu uso classista (seja do poder interno, seja da distribuição dos bens industrializados). Os objetivos das vanguardas: a criação de um conselho comunal enquanto base loca de um conselho comunal enquanto base local de um poder popular. Os objetivos políticos mais imediatos: a mobilização operária e popular como principal meio para arrancar o poder à burguesia e decidir o caminho concreto para o socialismo através da luta de classes.

O Comitê de Coordenação das lutas do Cordón Cerrillos-Maipú surgiu em junho de 1972 e sua criação revela o grau de maturidade política alcançado por setores importantes da vanguarda operária e também o apogeu de vários movimentos reivindicatórios da comuna. Isto significa que um projeto mais claro de poder revolucionário era canalizado por organismos sindicais e de "pobladores" que conduziam as lutas mais básicas por vias que iam além dos mecanismos tradicionais.

Desde novembro de 1970, o problema da tomada do poder político se coloca objetivamente para a classe operária. A crise da economia capitalista e da dominação burguesa no Chile se aprofundava com o controle do governo pela Unidade Popular que se apoiava, sobretudo nos grandes partidos da classe operária. A divisão da burguesia e a ascensão do movimento de massas permitem que chegue ao Governo a UP, que por sua vez irá estimular a expansão e a radicalização do movimento de massas, o que impede a burguesia de superar a sua crise econômica. Estes fatores caracterizam o período pré-revolucionário que se abre e coloca na ordem do dia a questão da tomada do poder.

No entanto, a forma de intervenção do proletariado em 1970 contribuiu para esconder os problemas reais que teria de enfrentar a classe operária em sua luta pelo poder. As experiências do primeiro ano do governo permitiram a conscientização das possibilidades abertas pelo governo da Unidade Popular. Primeiro, as lutas revelam uma classe dominante na defensiva e desorientada; seu aparato repressivo é quase neutralizado. Já desde aí se fazem sentir os benefícios de uma política popular no que diz respeito aos salários, serviços e democratização da vida pública. Então, progressivamente, com o esgotamento da política de redistribuição, percebem-se os limites de uma política popular no âmbito do regime capitalista. Ao mesmo tempo, começa-se a perceber que o governo não é uma garantia para a criação gradual de um poder popular: a opção pelos caminhos legais bloqueou seu projeto de assembléia do povo, deu ao projeto de gestão operária ("participação") um simples papel de consulta, e estabeleceu severos limites ao projeto de controle de abastecimento (Junta de Abastecimento e Preços), para que este não pudesse intervir no comércio estabelecido.

Nem todos perceberam estes vários elementos desde o início. Obviamente, apenas a vanguarda dos diferentes sectores da esquerda revolucionária viu aí as condições a partir das quais os embriões de poder popular poderiam se formar. A relativa neutralização do aparelho repressivo, a crise econômica que força estratos sociais cada vez maiores a participar da luta, o aprofundamento do processo de construção de um grande setor estatal na economia, todos estes elementos abriram novas vias pelas quais se engajaram novas manifestações das massas de trabalhadores. A ideia que as unificava era a criação de conselhos comunais de trabalhadores, utilizando formas de ação direta para coordenar suas lutas.

Em Maipu essa concepção foi implementada principalmente segundo as estratégias do MIR e do PS.

Caráter do Movimento de Massas que Sustenta o "Cordón"

Dissemos anteriormente que o projeto do conselho comunal dos trabalhadores estava no apogeu de vários movimentos de protesto. Examinemos sua importância e sentido.

O movimento camponês foi significativo em Maipu. Os solos de Maipu e de Barrancas estão entre os mais férteis do Chile e por isso 70% das hortaliças consumidas em Santiago são produzidas nessas duas comunas. A população rural é constituída por 5% dos habitantes da comuna. Havia três sindicatos de agricultores: dois com mais quatrocentos membros: "A Rinconada de Maipú", onde predomina o PS, e "El Abrazo de Maipú" onde predomina a D.C., e um terceiro sindicato contando trinta e cinco membros. O recrudescimento das tomadas de terras no começo do ano (que coincide com o mesmo fenômeno na comuna vizinha de Melipilla) produz uma grande mobilização dos camponeses que vão reforçar as suas organizações. O P.S. se fortalece durante este processo. Em 1972, oito das sessenta e três greves registradas pelos Carabineros em Maipu foram em propriedades rurais. Essa agitação nas áreas rurais ligadas ao movimento operário se manifestará pela presença de líderes camponeses — da "Rinconada de Maipú" — na organização do "cabildo" e, posteriormente, em várias reuniões do comando tanto nas agitações de rua como na realização de "feiras populares" 5 contra o "lockout" de outubro de 1972, liderado pela burguesia.

O movimento de "pobladores" poderia ser importante, dada a defasagem entre a população residente na comuna e aquela que aí trabalha.

Segundo o censo de 1970, a comuna de Maipu tinha 117 mil habitantes. De acordo com uma pesquisa realizada em 1971, 12,4% de seus moradores trabalhavam na indústria, o que pode ser considerado um percentual elevado, levando-se em conta que essa percentagem é de 8% para a Grande Santiago; mas, por outro lado, isso prova que existe uma boa parte da população que não está relacionada à atividade industrial. Mais de 10 mil trabalhadores das indústrias e da construção civil provinham de outras comunas de Santiago, o que corresponde a mais ou menos a metade da sua força de trabalho na indústria e construção.

Certamente, um dos aspectos fundamentais das mobilizações da comuna seria o encontro entre esses trabalhadores e a população que vive na comuna mas não está empregada em suas indústrias. Esse encontro não seria fácil. Na comuna não se encontra nenhum dos "campamentos" que surgiram a partir das ocupações combativas das terras e que foram em outros lugares os centros de difusão da agitação revolucionária. Além disso, os resultados das eleições dos eleitos locais de 1971 mostram a predominância local do P.N. — 31%, seguindo- se o P.S. — 29%, a D.C. — 18%, o P.C. — 15%, o P.S.D. - 2,5% e o P.R., - 2,4%.(6) De qualquer forma, havia na comuna 22 "campamentos", com um total de 3.178 famílias.

O movimento dos "pobladores" não teve, durante 1972, um desenvolvimento relacionado com aquele das ocupações de terras: foram onze em 1970, nove em 1971 e cinco em 1972. Em abril e junho eles se mobilizaram sobre os problemas de transporte. No início de abril os "pobladores" dos "campamentos" "El Despertar" e "3 de la Victoria" e os moradores das Unidades Residenciais nos 13 e 15 se reuniram com outros líderes para discutir os problemas do transporte. Quem conduz a reunião são operários socialistas que vivem na cidade. No final de maio realizou-se um "cabildo" com a participação massiva dos "pobladores" do "El Despertar" e representantes sindicais da comuna, e a partir desse momento o Conselho de Saúde local foi ativado. Em junho, os "pobladores" ocupam a estrada de Pajaritos para protestar contra a falta de transporte. No final do mês muitos deles participarão ativamente na tomada da comuna. Após isso, os "pobladores" de "El Despertar" vão estar presentes nas reuniões do comando.

Assim, o momento da formação do comando coincide com o aumento das atividades locais dos agricultores e da frente dos "pobladores". Mas o apogeu do movimento de massas que serviu de base ao comando é devido às lutas dos operários.

É sabido que os movimentos de greve no Chile estão em ascensão desde 1969. No ensaio de Emir Sader sobre a "Mobilización de Masas y sindicalización en el Gobierno de la U.P." (C.E.S.C.O., 1973), encontramos estes números: 115 greves em 1967; 1124 em 1968; 977 em 1969; 1819 em 1970 e 2709 em 1971.

Durante o primeiro semestre de 1972, já tinha havido 1.763 greves. Nesse mesmo ano, os Carabineros registraram 63 greves só em Maipu, o que representa 9% do total de Santiago. Sua duração média no primeiro semestre foi de 6,4 dias, bem acima dos 3,7 dias que representam a duração média de greves nacionais.

Cerca de 40% das greves ocorreram nas indústrias metalúrgicas, segundo a tabela abaixo, que mostra os conflitos por setor:

Greves em Maipu em 1972
Metalurgia 26
Construção 11
Agricultura 8
Transportes 5
Alimentação 4
Têxtil 3
Eletricidade e água 3
Química 3

As grandes empresas contribuíram significativamente para esse volume de greves. Se nós consideramos apenas as empresas com capital superior a 14 milhões de escudos em 1969, 23 delas se situam em Maipu, onde representam 10% do total das indústrias da comuna. Lá ocorreram 24% do total dos conflitos nesse ano.

Consideremos as razões dos conflitos e veremos que a partir de uma base sólida de reivindicações básicas surgiu um movimento político que permitirá coordenar estas lutas e, assim, dar-lhes um novo significado. Uma divisão sumária destas razões nos dá o seguinte diagrama:

Podemos verificar que quase 60% das greves ocorreram por reivindicações elementares. 10% por movimentos de solidariedade, o que demonstra uma certa disposição para lutas defensivas (demissão de companheiros ou adesão a movimentos em outras empresas). Finalmente, quase 20% das greves são pela mudança para o "setor social".

Quando analisamos os meses em que o conflito começou, vamos verificar uma inter-relação entre as greves econômicas e as greves políticas.

"Em janeiro duas greves já tinham colocado na ordem do dia a questão da nacionalização. No entanto, é durante os meses de março, abril e maio, com o ressurgimento das lutas econômicas, que há uma base para manter a reivindicação da passagem ao setor social. Estas lutas atingem o seu pico em junho, quando o número de lutas econômicas e de lutas para a transição para o setor social é quase igual.

Em julho e agosto, o aumento do número de conflitos econômicos continua e durante o mês de agosto há uma retomada dos movimentos pela transição para o setor social. Mas a partir deste momento há uma diminuição das lutas por reivindicações elementares, o que finalmente leva a uma igual redução das lutas pelo setor social. É na conjuntura de outubro que as lutas recuperam toda a sua magnitude, demonstrando o poder das reservas políticas da classe. Segue-se um novo declínio onde parece que os trabalhadores recobram forças para a retomada dos combates." (Extraído do ensaio, já referido, de Cordero, Sader e Threfall).

Para ter uma visão completa do volume dos conflitos foi montado um quadro que mostra a relação dias/trabalhadores em conflito, separando as greves por motivos econômicos daquelas pela transição para o setor social.

Mês dias/trab
em conflito
motivos
econômicos
passagem
ao
setor social
Janeiro 1.023 843 180
Fevereiro 400 400
Março 7.932 7.932
Abril 7.020 5.512 1.296
Maio 3.842 642
Junho 3.921 2.583 1.128
Julho 8.676 7.656 960
Agosto 15.571 12.293 3.418
Setembro 13.270 10.870
Outubro 4.273 1.500 800
Novembroo 498 418
Dezembro

A partir dessa tabela, podemos verificar que o aumento do movimento em março continua em abril e a retomada em junho — que tem um caráter nitidamente político — tem força suficiente para continuar até agosto, quando se inicia uma queda. Com a coordenação das lutas da classe, a luta pela passagem para o setor social (APS) gerou um impulso que produziu um desenvolvimento geral do movimento. Também deve ser notado que muitas lutas registradas como econômicas receberam uma nova significação graças a sua associação com o resto da classe. A redução dos conflitos em outubro não significa um refluxo do movimento, uma vez que nesta conjuntura, seu dinamismo não podia se manifestar por meio de greves. O mês de outubro, como já dissemos, é o mês da renovação das lutas em Maipu, com novas ocupações de empresas (DESCO, CIC American Screw), uma reativação das comissões de vigilância e de produção, a intervenção na política de distribuição, as atividades associativas dos trabalhadores para a requisição de ônibus e caminhões etc. Essa energia, contudo, não mais se manifesta em novembro.

"A explicação deste fato deve ser buscada na conjuntura que se apresenta após o mês de outubro. Por um lado, a classe trabalhadora - diante da ameaça do patronato — suspende suas demandas econômicas por algum tempo. Por outro lado, no âmbito político, a classe supera a frustração causada pela retração do governo, que recua no processo de constituição da APS. É somente após uma atividade visando à explicação política e ideológica para essa retração, e uma organização dos setores de vanguarda, que a classe vai retomar a luta, mesmo contra a tendência do governo a recuar. A frustração causada pelo aumento dos preços, as dificuldades de abastecimento e a falta de perspectivas conduzem de novo as massas às lutas econômicas em 1973" (Op. cit.).

O Significado Político do Comando de Lutas do "Cordón".

O Comando do "cordón" surge dentro dessa ascensão do movimento operário local, abrindo perspectivas reais para o seu desenvolvimento político, e ele se projeta dessa forma no cenário nacional na luta de classes.

A partir da análise das formas de organização e ação podemos ver os setores e políticas que se manifestam dentro do "cordón". Um primeiro problema que se coloca é a falta de estabilidade orgânica do comando em 1972, o que impede uma verificação precisa dos setores representados em cada momento. De qualquer forma, considerando a participação em reuniões e eventos-chave do "cordón", pode-se ter uma ideia daqueles que dirigem a organização.

A característica comum às empresas que dirigem o "cordón" permaneceu a luta pela APS: Perlak, El Mono e Polycron tomaram a iniciativa; Granja Agrícola se juntou a eles em março, Calvo em outubro; CIC e Fenza participaram durante todo o ano; Fantuzzi, Mapcsa, Insa e American Screw estão presentes. São geralmente empresas com alguma importância econômica que podem ter este objetivo. As empresas de porte médio desempenham um papel decisivo. Perlak, que tem um papel importante em toda a dinâmica do "cordón", ilustra bem as qualidades fundamentais deste tipo de indústria: é uma indústria importante que se encontra no grupo das 260 que têm um capital superior a 14 milhões em 1969. Essa importância será utilizada pelos operários seja para pressionar o governo ou para distribuição em favor da organização popular.

Várias grandes indústrias tiveram um papel importante na organização do "cordón", mas, pelo menos em 1972, sua presença não é massiva nem contínua, como se sua luta se concentrasse principalmente no "front" interno, contra a administração, em alguns casos, em outros contra os sindicatos conservadores, através da criação de organizações de classe combativas. De qualquer forma, essas lutas internas se refletem no "cordón" pela constante presença de seus trabalhadores nas reuniões e eventos do comando.

Para caracterizar o núcleo avançado do "cordón", podemos dizer que ele é formado por trabalhadores de empresas médias mas também economicamente importantes; muitas grandes empresas que fornecem uma base suficiente para as lutas, mas cuja ligação com o "cordón" é pouco expressiva; e várias pequenas empresas, sindicatos de agricultores que estarão sempre presentes em todas as ações.

No início, o caráter pouco orgânico do comando foi devido a uma contradição entre as tarefas que ele se propunha e as bases necessárias para realizá-las. Vimos que a ideia inicial era aquela do "poder dos trabalhadores." Mas para isso faltava maturidade política e faltavam também as massas, isto é, um processo de luta durante o qual os projetos políticos se encarnariam na prática da classe, que, desta forma, formaria os seus líderes e testaria as orientações políticas que a disputam. Para isso, a organização do comando em 1972 é apenas uma serie de reuniões onde a vanguarda operária local prepara as suas lutas e amadurece o seu pensamento político e as suas formas de ação.

No início, há uma grande diferença entre a linguagem dos militantes que discutem a estratégia da revolução, aquela dos operários e até mesmo de alguns dirigentes operários que se sentem mais interessados pelas formas de mobilização da classe. A crise será ainda mais aguda quando o PS — a principal organização "partidária" que impulsionou "cordón" — começará a recuar politicamente, em agosto. As primeiras consequências se manifestarão numa completa desorientação das bases sociais e nas enormes dificuldades para manter o comando. O MIR começa a ter um papel político decisivo, assumindo politicamente o comando com a ajuda de outros grupos menos importantes da esquerda revolucionária e elementos independentes. Este será um período de aprendizagem e formação de líderes locais unidos pelas ações comuns. No final do ano, existem já amplas camadas do proletariado local com um dinamismo político autônomo diante das vacilações da UP. A experiência de uma luta política comum forjou uma vanguarda operária local estreitamente vinculada aos movimentos de base e pronta para enfrentar as fases seguintes, com objetivos claros.

O tipo de ação empregado pelo comando reforça os laços externos dos trabalhadores de cada empresa e politiza suas lutas. As ações características de 1972 foram as ocupações de estradas ou edifícios públicos, as manifestações, as formas de organização de distribuição direta em certos momentos, especialmente por Perlak e Fantuzzi. Parece, portanto, que as ações de projeção política e social para o exterior teriam mais importância do que o trabalho de transformação do poder no interior das indústrias, esse trabalho exigindo uma atividade bem mais massiva e sistemática. Mas é certo que tais ações "exteriores" implicam e refletem esta mesma atividade, ganhando através dela um sentido político. O grupo inicial do comando executa sua tarefa de vanguarda impulsionando as ações conjuntas da classe e demonstrando a necessidade de organizar em torno da classe os outros setores explorados que operam fora das indústrias e devem ser dirigidos pelo proletariado. A continuidade deste trabalho e sua consolidação também dependem da atividade no seio da classe, em cada empresa, a fim de, na luta contra os representantes da burguesia e da burocracia, despertar as novas forças que eles tentam entorpecer. Mas de forma alguma essa busca interna de novas forças deve provocar uma redução da atividade política externa através da qual o proletariado vai desempenhar o seu papel de vanguarda na luta política que vivemos.

O comando coordenador do "cordón" se consolidou politicamente em 1972 através da luta pela APS. E os resultados da formação da APS em Maipu estão diretamente relacionados com a ação do "cordón".

Das treze empresas que no final de 1972 faziam parte da APS e da APM(7) "consolidadas" (segundo "Economia Chilena em 1972," do JEP) da comuna de Maipu, apenas quatro pertenciam à lista das "91 empresas".(8) Para obter uma ideia mais precisa do desenvolvimento das lutas pela APS em 1972 no "cordón", examinemos a seguinte tabela que compara o número de intervenções e requisições em 1971 e 1972 em Maipu e no Chile.

Para cada requisição em 1971, houve onze em 1972. Essas requisições, que caíram pela metade em todo o país, continuaram em 8 em Maipu. Mas o fato mais significativo é o número de desapropriações. De um total de 253 empresas sob intervenção, 53 foram expropriadas. Em Maipu, apenas uma foi expropriada de um total de 18. De um total de 125 sob requisição em todo o país, 12 foram expropriadas, enquanto que em Maipu apenas uma em doze.

Ano Requisições Intervenções
Chile Maipu Chile Maipu
1971 39 1 128 8
1972 86 11 65 8
Tabela foi elaborada a partir dos dados de "Economia Chilena em 1972" do JEP.

O comando se consolida graças à sua política de expansão e defesa da APS e à sua utilização classista (embora ainda embrionária) da política de produção e distribuição.

A Dinâmica do "cordón": germe de um sindicalismo classista ou do Poder popular

A compreensão do significado político do comando em 1972 levanta uma nova questão que continua a ser válida em 1973: em que perspectiva se deve desenvolver o "cordón"?

Vimos que ele surgiu a partir da necessidade da formação de um conselho comunal de trabalhadores, que seria uma base local de poder proletário. Para isso, a classe operária deveria organizar em torno de si as outras camadas exploradas que se encontram na comuna.

No entanto, o desenvolvimento concreto das lutas em Maipu mostra a diluição das lutas em uma frente mais ampla, proporcionalmente à importância que assumem as lutas operárias. O comando realiza sua tarefa de coordenador das lutas do "cordón", mas não a de polo de mobilização de todos os trabalhadores da comuna. Em Maipu isso se deve ao baixo nível de organização e de conscientização desses setores, obrigando o proletariado industrial a realizar um esforço extra para integrá-los. Os trabalhadores de Perlak e Fantuzzi nos dão um exemplo desse esforço, distribuindo seus produtos nas "poblaciones" e, desta forma, organizando os " pobladores". Assim, o proletariado industrial assume a direção de mais amplos setores explorados a partir de sua posição de vanguarda.

Em outubro, podemos constatar as deficiências da organização popular enquanto embrião de poder. Confrontado com as tarefas de direção da distribuição, transporte, defesa, impostas pela situação, o comando revelou suas fraquezas. Mas, ao mesmo tempo, as ações de vanguarda dos setores mais avançados indicam o caminho e as formas concretas para os organismos do poder comunal.

Por outro lado, essas lutas começaram a sacudir o conservadorismo sindical e o peso da burocracia dentro da classe trabalhadora local. O conservadorismo sindical, nas condições atuais, não é senão uma expressão da diluição reformista do proletariado que segue o projeto burocrático do caminho "institucional" para o socialismo. Correia de transmissão das decisões administrativas, o sindicato reformista típico espera as decisões do Estado e garante que as lutas não ultrapassem os limites autorizados pelo Estado. Não é por acaso que os sindicatos da CUT comunal e os sindicatos mais consolidados da comuna resistiram ao "cordón" e que o PC os condenou o quanto pôde. Ao estimular as lutas de classe, o comando impunha mudanças obrigatórias na política de conciliação com setores do patronato. Portanto, o sucesso do "cordón" é inseparável de uma crise das lideranças sindicais tradicionais, causada pela política da esquerda revolucionária, que está ganhando terreno, e pelo despertar de novas forças operárias que exigiam uma representação mais direta e um sindicalismo mais combativo com um questionamento dos limites da "participação".

O peso da burocracia se manifesta mais fortemente nas grandes empresas onde os trabalhadores têm um papel consultivo e onde as decisões são tomadas pela administração. Esses administradores, quando não se colocam inteiramente a serviço da mobilização autônoma da classe, expressam os seus próprios interesses e ideologias. Eles então refletem as suas relações de classe, seus hábitos, seus privilégios, assumindo a defesa das alianças com setores burgueses e opondo-se a qualquer forma de controle operário que rompa com a racionalidade do sistema. Com o despertar político da classe, as ações do "cordón" questionam essa burocracia estatal nas empresas. A intervenção política da classe depende de sua capacidade de usar as empresas e isso, por sua vez, depende de uma direção operária eficaz nessas empresas.

Assim o comando faz lobby para obter formas de organização mais classistas e diretas da classe nas empresas. Estas são formas adaptadas ao nível atingido pela sua luta e pelo papel que ela deve ter no contexto nacional. Trata-se nesse nível do desenvolvimento de conselhos operários nas indústrias que impulsionam as lutas da classe de dentro para fora.

Mas, de forma alguma, isso poderia avançar sem que fossem realizadas as tarefas de criação de organizações para a luta pelo poder. Como já vimos, o mês de outubro mostrou (e devemos aproveitar ao máximo as lições desta experiência, para generalizar o que houve de positivo e corrigir as deficiências), o lugar de direito do proletariado que deve exercer o papel de vanguarda que lhe é atribuído, na medida em que ele mobiliza atrás de si as outras camadas exploradas.

Em qualquer circunstância, uma política mais consistente do proletariado pode ser implementada somente a partir do momento em que escapa das relações diretas com os administradores e patrões e das "relações industriais" em geral. Isso quer dizer que o "classismo" proletário, se isso significa uma política de classe e não um recuo a um simples sindicalismo, afirma-se pela sua capacidade de fazer aceitar as suas próprias perspectivas pelas outras camadas exploradas e em dirigi-las em suas lutas políticas. Também não se trata de diluir a força da classe em uma mistura popular sem direção precisa. Trata-se, pelo contrário, de unir as mais amplas camadas populares em torno das expressões do poder proletário.

Desta forma, as comissões operárias estimuladas de forma espontânea (e que também devem ser estimuladas intencionalmente) pela atividade do "cordón" obterão seus efeitos, tanto na luta sindical quanto nas lutas políticas pelo poder.

Concepción, agosto de 1973.
Eder Sader


Notas de rodapé:

(1) Cordón: coordenação das lutas das empresas de uma região. A partir de um "cordón" de indústrias, organizavam-se comitês para coordenar as suas lutas. (retornar ao texto)

(2) Pobladores: moradores dos bairros populares. O movimento dos "pobladores" foi muito importante no Chile, enquanto mobilização popular em torno de demandas por habitação e infraestruturas coletivas em geral. (retornar ao texto)

(3) Cabildo: conselho municipal da antiga organização administrativa da América espanhola. Logo, um «cabildo abierto» é um conselho municipal «aberto». (retornar ao texto)

(4) Campamento: unidade de moradias constituída como resultado de uma invasão coletiva de terreno urbano. Cada "campamento" formava uma administração própria. (retornar ao texto)

(5) Feira popular: venda direta dos produtos das empresas estatais para a população, sem passar pela rede comercial. (retornar ao texto)

(6) P.N.: Partido Nacional; P.S.: Partido Socialista; D.C. Democracia Cristã; P.C.: Partido Comunista; P.S.D.: Partido Social Democrata; P.R.: Partido Radical. (retornar ao texto)

(7) A.P.S.: setor de propriedade social, estatal; A.P.M.: setor de propriedade mista. (retornar ao texto)

(8) «As 91 empresas» eram aquelas consideradas, pela sua natureza monopolística ou estratégica, como devendo ser nacionalizadas pelo governo no final de 1971. A lista original, apresentada em outubro, incluía cerca de 250 empresas e listava todas aquelas cujos ativos em 31 XII 69 eram superiores a 14 milhões de escudos. (retornar ao texto)

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Inclusão 10/10/2014