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Primeira Edição: Escrito por Eric Sachs em 1983, para discussão interna entre os militantes da PO em Recife-PE. "Ernesto Martins" foi um dos pseudônimos utilizado por Eric Sachs em seus escritos políticos antes e durante a ditadura militar.
Fonte: Centro de Estudos Victor Myer.
Transcrição: Pery Falcón
HTML: Fernando A. S. Araújo
1. A fundação do PT, resultado das greves operárias dos anos 78 a 80, inaugurou uma nova fase da luta de classes no país. Nascido no ABC de São Paulo, ponto de irradiação das greves, a idéia da formação de um partido independente alastrou-se pelo país com a maior ou menor intensidade, da mesma maneira como tinha se propagado as ondas das lutas sociais.
A idéia original dos sindicalistas de fundar um partido de classe independente de todas as facções burguesas atraiu, com certo atraso, organizações de todas as matizes e intelectuais de esquerda que, em muitas regiões, onde os sindicalistas autênticos do ABC não tinham influência e contatos diretos, se encarregavam da fundação dos primeiros organismos. Desta maneira começaram simultaneamente as lutas por área de influência e posto de comando no seio do partido. Quando este estava finalmente estruturado, nas primeiras convenções nacionais, ficou claro que existia uma divisão em sua liderança. A direção nacional estava nas mãos dos sindicalistas que, grosso modo, defendiam uma posição de classe, principalmente pela boca de Lula. As lideranças regionais estavam em sua maior parte nas mãos de organizações tradicionais da esquerda, sectárias ou semi-populistas, que com sua ideologia e postura pequeno burguesa se revelavam uma barreira para a penetração do PT na classe operária, e esse estado de coisa está perdurando até hoje.
2. As eleições representaram a hora da verdade. Enquanto em São Paulo o partido conquistou quase 10% dos votos do colégio eleitoral do Estado, no resto do país, com exceção do Acre, ficou abaixo dos 5%. Em alguns Estados havia menos votos que filiados inscritos. Em São Paulo o voto operário foi decisivo; No Acre, o dos trabalhadores rurais. E as eleições mostraram que o partido dos trabalhadores só era viável como partido dos operários e trabalhadores rurais. A pequena burguesia dispunha de seus órgãos tradicionais de expressão e não ia construir o PT. A pequena burguesia só se interessará pelo PT na medida em que este se torne um fato consumado na vida política do país.
Não pretendemos desconhecer o desenvolvimento desigual da classe operária nas diversas regiões do país. Mas, em primeiro lugar, as direções regionais em muitos lugares não se preocuparam em se dirigir a essas camadas mais jovens e inexperientes do proletariado nacional, limitando-se a concentrar suas atividades nas camadas da classe média. Em segundo lugar, há um movimento dos trabalhadores rurais nas regiões menos desenvolvidas que também não mereceu a devida atenção das lideranças desde a fundação do partido, de maneira que o partido não conseguiu se enraizar nas classes trabalhadoras.
3. O resultado eleitoral decepcionou muita gente, mas não deve nos desanimar ou fazer que mudemos nossa tática no seio do PT. Nossa tarefa, como comunistas, consiste em tornar o PT um partido dos trabalhadores da cidade e do campo. Isto significa que temos de expandi-lo no meio do proletariado e organizar sua parte mais conseqüente em torno do partido. Esse objetivo não se consegue com medidas administrativas. Só se conseguirá mediante um trabalho político de penetração e conscientização da classe, a qual atribuímos papel fundamental na revolução brasileira.
No que diz respeito ao nosso papel, isso significa em primeiro lugar que temos que deixar de ser um grupo de pequenos burgueses com uma herança unilateral de política estudantil. Sem quadros operários em nossas fileiras, dificilmente penetraremos na classe. Mas não é só a composição orgânica do nosso grupo que nos deixa despreparados para essas tarefas fundamentais de qualquer movimento comunista que mereça esse nome. Até agora não houve nenhuma formação de quadros que preparasse o grupo para a propaganda anticapitalista e socialista, indispensável para despertar a consciência de classe do operariado. Não houve nenhuma preparação para enfrentar a tarefa de organizar setores da classe operária. Tudo que fizemos se limitou à agitação que por si só não permite a capitalização. No que toca ao nosso papel no PT, isso significa que temos de nuclear operários por categoria e por bairro, educá-los politicamente e apoiá-los efetivamente nas suas lutas. Temos de jogar todo o nosso peso numa política de nucleação. Os reformistas preferem fazer política à base de diretórios zonais, pois isso dilui a base classista do partido e facilita os conchavos de cúpula. Em resumo, temos que transpor as barreiras que nos separam do mundo dos trabalhadores.
4. E o partido revolucionário da classe operária?
O problema foi colocado na discussão acompanhado por acusações de costume, "que não temos uma tática nem estratégia" para sua formação. Não é verdade companheiros, temos uma linha estratégica para formação do partido revolucionário. Deixamos claro desde o início das atividades da Organização que a formação do partido revolucionário no país, não depende da vontade subjetiva dos revolucionários. Semelhante partido só pode surgir como representante (e não auto-nomeado) da classe operária, ou pelo menos de uma fração da classe. O movimento operário no Brasil já cresceu demais, não é mais um campo virgem para que se possa formar um partido à margem da classe. Isso condenaria o partido de antemão à existência de uma seita impotente.
Dissemos também que esse processo está ligado estreitamente ao amadurecimento do nosso proletariado como classe "para si". Trata-se de dois lados de um mesmo fenômeno, que contêm entre si o que Engels chama de correlação de crescimento.
Duvidamos também que os companheiros que levantaram o problema desconheçam essas teses fundamentais da Organização, e isso mostra a sua argumentação: "Então temos de esperar com os braços cruzados que surja a classe para si, para enfrentar o problema do partido revolucionário?"
Não companheiros, não temos de esperar "com os braços cruzados". No próprio congresso de fundação da PO, quando foi levantada essa tese, consideramos o papel da PO como um "catalizador" no processo de formação do partido da classe. Isso implica evidentemente um papel ativo. Naquela fase, quando o PCB ainda mantinha um papel de monopólio no meio da esquerda brasileira, dirigimos a nossa atenção às contradições e futuras cisões no seio dele. O desenvolvimento posterior nos deu razão. O destino do PCB é conhecido, mas do seio do PCB não surgiram as forças de renovação do movimento operário brasileiro. As diversas cisões não viam outra saída do que lançar-se em atividades militaristas de desespero (PC do B, PCBR, ALN etc). De resto, todas as tentativas de formação do partido revolucionário fracassaram por falta de lastro na classe operária.
O surgimento do PT mudou a situação e colocou o problema da formação do partido revolucionário em uma perspectiva mais concreta. Não é que o PT já seja o partido revolucionário, ou que esteja nas vésperas de sua transformação em semelhante partido. Mas o PT, produto legítimo das lutas de classe no país, ofereceu-se como instrumento indicado para levar avante o processo de amadurecimento e organização política da classe. Nenhum processo é linear. Já tratamos das dificuldades surgidas quando o elemento ideológico pequeno-burguês pretende colocar-se na liderança do partido. Mas, na medida em que o PT tome pé na classe, na medida em que o operariado participe politicamente da vida do partido e se identifique com ele, se criarão as condições para superar a liderança e a tutela pequeno-burguesa. Isso não se dará sem conflitos, lutas internas e prováveis cisões, mas é nesse terreno que temos que desempenhar o nosso papel ativo, e esse papel só poderá ser desempenhado eficientemente em escala nacional por uma Organização nacional de comunistas. Quer dizer que a formação do partido revolucionário nessa fase de luta não pode ser uma palavra de ordem. Levantá-la, agora só teria o único efeito de isolarmo-nos, caracterizarmo-nos como fração e restringir a nossa influência. Não é nem uma palavra de ordem propagandística e sim um objetivo estratégico.
Nessas circunstâncias, não se pode falar "de uma falta de uma tática" para formação do partido revolucionário. Tática só se pode desenvolver à base de fatos e situações concretas, e estes ainda não foram criados. A procura de medidas táticas nas atuais circunstâncias implica forçosamente em receitas e expedientes.
A discussão com outras organizações que se dizem comunistas existe na prática no seio do PT e parte de atividade comum ou divergente no seio do partido. Ela todavia não está ligada ainda à formação do partido revolucionário e sim a uma estratégia à prazo da criação das condições materiais, sociais e políticas para o surgimento de um partido revolucionário.
O perigo inerente a essa perspectiva de desenvolvimento reside na "impaciência revolucionária" de querer antecipar ou precipitar o processo. Isso destruiria as perspectivas reais existentes. Esse processo só poderá ser levado adiante junto com as bases operárias do partido e não contra elas. Só assim o partido revolucionário nascerá enraizado na classe.
Temos de rejeitar aqui certas acusações, de que nossa preocupação com a formação de quadros e lideranças políticas operárias representam uma modalidade de "obreirismo". A formação de quadros e lideranças políticas operárias é inseparável da formação e amadurecimento da classe, processo que pretendemos acelerar. É tarefa fundamental de um movimento comunista, e o padrão para julgar grupos ou organizações é justamente sua atividade prática nesse sentido.
5. Nossa luta é pelo partido Revolucionário, marco indispensável no caminho da Revolução Socialista neste país. E a revolução socialista no Brasil só pode se dar como revolução proletária apoiada diretamente pelos trabalhadores do campo. São essas duas classes que representam o sustentáculo potencial no processo revolucionário, independente de quantas camadas de outras classes sejam atraídas e integradas pelo movimento em ascensão.
Esta visão está obstruída parcialmente para grande parte da esquerda brasileira devido aos acontecimentos que se dão na América Central. Mas se esquece facilmente que o Brasil não é a Nicarágua, não é El Salvador, onde não existe (e não pode existir) hegemonia proletária na luta, onde os objetivos da revolução ainda não são socialistas e sim anti-oligárquicos e anti-imperialistas.
O Brasil, com seus milhões de operários industriais e outros tantos trabalhadores do campo, com uma burguesia industrial e financeira que já exerceu o poder diretamente (e que atualmente procura retomá-lo) representa uma sociedade mais complexa e um terreno mais acidentado para as lutas de classe do que as repúblicas agrárias centro-americanas.
Essa realidade não podemos perder de vista, da mesma maneira como rejeitamos todas as tentações de aplicar mecanicamente "modelos" de revoluções passadas, em outras regiões e países, com situações completamente diferentes. Temos de saber conservar a distância crítica frente às revoluções em curso a fim de não sucumbirmos a fatores emocionais. Temos de aprender de cabeça clara, aplicar a experiência revolucionária mundial à nossa realidade existente.
Estudar e conhecer essa realidade brasileira, estudar e aprender a experiência do marxismo-leninismo (e não se limitar a tirar o chapéu perante os clássicos, como fiéis perante os santos) faz parte da atividade de uma Organização comunista.
Ernesto Martins
Recife, 1983
Uma colaboração do |
Inclusão | 16/03/2013 |