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“Que termine de uma vez por todas este grande escândalo, que aos vindouros parecerá inacreditável! Desapareçam finalmente as infames distinções entre ricos e pobres, entre grandes e pequenos, patrões e servos, governantes e governados!”
François Noel Babeuf, que adoptou durante a revolução o nome do tribuno romano Caio Graco, nasceu em 23 de Novembro de 1760 numa família pobre de Saint Quentin, na Picardia. Aos doze anos, o pai, antigo soldado, pô-lo a trabalhar nas obras dum canal, onde durante quatro anos executou trabalhos pesados por um salário miserável, 14 horas por dia. Aí se deve ter formado a sua revolta contra uma ordem social injusta, que inspiraria a sua curta vida. Passou depois a empregado dum agrimensor, profissão em que mais tarde trabalhou por conta própria. O contacto que esta actividade lhe proporcionou com os abusos do direito senhorial mais lhe acentuou a aspiração a uma sociedade diferente:
“Enquanto não se arrasar este edifício inadequado à felicidade da generalidade dos homens — escrevia a um amigo, aos 26 anos — e não for reconstruído segundo um plano inteiramente novo, em harmonia perfeita com as exigências do seu desenvolvimento livre e completo, tudo deve ser destruído, tudo deve começar do princípio”.
Acolhe com entusiasmo os acontecimentos revolucionários de Julho de 1789 e torna-se, nas suas próprias palavras, “propagandista da liberdade e defensor dos oprimidos”. Reclama a supressão dos impostos exorbitantes, a liquidação da propriedade da terra e da desigualdade dos rendimentos. Após a insurreição popular de 10 de Agosto de 1792, que derruba a monarquia, Babeuf é eleito para o Conselho Geral do departamento de Somme, depois toma-se membro do directório do distrito de Montdidier, e mais tarde secretário da Administração dos Abastecimentos em Paris. Nestes vários cargos e como jornalista, destaca-se pela defesa apaixonada dos interesses dos pobres e oprimidos, pelo ataque aos ricos, especuladores, traficantes, administradores corruptos. Alinha com Marat na tendência mais radical, pelo que os seus adversários o ridicularizam como o “Marat de província”. Odiado pelos meios de negócios devido à sua intransigência, é preso várias vezes. Estava justamente na cadeia quando do golpe de Estado de 9 Termidor (27 de Julho de 1794) que derrubou a ditadura dos jacobinos.
Uma vez libertado, Babeuf começa a publicar o Tribun du Peuple, torna-se membro influente do Clube Eleitoral onde se agrupam os representantes dos grupos de esquerda e apela à insurreição contra os termidorianos. Em Abril e Maio de 95, o povo de Paris levanta-se por duas vezes reclamando “Pão e a Constituição do Ano I” mas estes derradeiros sobressaltos da revolução são cruelmente reprimidos.
Babeuf fora entretanto de novo preso (em Fevereiro) e passa largos meses na cadeia. Aí encontra outros revolucionários como Buonarroti, Germain e Darthé, com os quais organiza a Sociedade dos Iguais, cujo programa ia muito além do dos jacobinos mais extremistas, pois reclamava o estabelecimento da igualdade social, com a supressão total da propriedade privada. Libertado em inícios de 96, Babeuf passa a revolucionário profissional e em Março funda, com os seus camaradas, o Directório secreto de Salvação Pública, que se propõe derrubar o Directório da grande burguesia no poder.
Desenrola-se então no espaço de dois meses, a Conspiração dos Iguais. Babeuf trabalha febrilmente na redacção dum plano detalhado de uma comunidade nacional, associação de homens livres e iguais, unidos pelo trabalho e pela propriedade colectiva, que se formaria em resultado duma revolução radical. Toda a produção deveria ser recolhida em armazéns comunitários a partir dos quais seria feita a sua distribuição equitativa por todos os cidadãos. Os burgueses que não se submetessem à nova ordem seriam privados de direitos políticos e os seus impostos agravados até à confiscação total dos bens.
Estas ideias encontram profundo eco nas massas pobres de Paris. Os Iguais recrutam militantes entre os proletários e os soldados e crêem-se prestes a levantar em armas 17.000 homens em torno da exigência do retorno à Constituição de 1793. A conspiração é contudo rapidamente detectada pela polícia. Em 10 de Maio de 1796, na véspera do dia previsto para o levantamento, o Directório secreto é todo preso, por denúncia dum informador infiltrado. Decapitada, a conjura desmorona-se, pois fora organizada nos moldes das sociedades secretas. Um ano mais tarde, em 27 de Maio de 1797, Graco Babeuf e o seu camarada Augustin Darthé são condenados à morte.
Tentam suicidar-se em pleno tribunal mas apenas conseguem ferir-se gravemente. Após uma noite de agonia, são guilhotinados. Filipe Buonarroti e outros conspiradores são condenados à prisão ou ao exílio.
Babeuf e Buonarroti, com a sua Conspiração dos Iguais, ficaram entre os mais destacados representantes do comunismo utópico, precursores do movimento que encontraria a sua definição plena em 1847 com o Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels. Sem atingir ainda a clarividência destes, eles adivinham já as bases do programa comunista:
“Não precisamos apenas da igualdade consignada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: exigimo-la entre nós, sob o tecto das nossas casas. Estamos dispostos a fazer tábua rasa de tudo para a obter. (…) Visamos algo de mais sublime e mais equitativo, o bem comum, a comunidade dos bens! Não mais propriedade privada da terra: a terra não pertence a ninguém. Reclamamos, exigimos o usufruto comum dos frutos da terra: os frutos pertencem a todos. (…) Que termine de uma vez por todas este grande escândalo, que aos vindouros parecerá inacreditável! Desapareçam finalmente as infames distinções entre ricos e pobres, entre grandes e pequenos, patrões e servos, governantes e governados”.
O Manifesto Comunista terá apenas que limpar este apelo do seu moralismo utópico e definir a natureza histórica do regime burguês e a perspectiva da sua ultrapassagem. Mas só atinge essa precisão científica que lhe permite armar o proletariado com um programa político concreto graças ao heroísmo de precursores como Babeuf, Buonarroti e os seus camaradas.
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