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Acabemos o estudo da Filosofia. Trataremos, a seguir, de outras fantasias contidas no "Curso" para, finalmente, examinarmos os característicos da revolução que o Sr. Dühring introduz no terreno do socialismo. Que nos havia prometido O Sr. Dühring? Tudo. E o que finalmente cumpriu? Absolutamente nada."Os elementos de uma filosofia real e orientada, portanto, para a realidade da natureza e da vida", a"concepção rigorosamente científica do mundo", as"idéias criadoras de sistema", e todas as demais vitórias do Sr. Dühring,
A Economia Política, no sentido mais amplo da palavra, é
a ciência das leis que regem a produção e o intercâmbio dos meios materiais
da vida na sociedade humana. Produção e troca são duas funções distintas. A
produção pode desenvolver-se sem a troca, mas esta pressupõe, sempre,
necessariamente, a produção, pelo próprio fato de que o que se trocam são os
produtos. Cada uma destas funções sociais sofre a influência de um grande número
de fenômenos exteriores, sendo que essa influência é subordinada, em grande
Parte, a leis próprias e especificas. Mas, ao mesmo tempo, a produção e a
troca se condicionam, a cada passo, reciprocamente e influem de tal modo uma
sobre a outra, que se pode dizer que são a abcissa e a ordenada da curva econômica.
As condições sob as quais os homens produzem e
trocam o que foi produzido variam muito para cada país e, dentro de cada país,
de geração para geração. Por isso, a Economia Política não pode ser a
mesma para todos os países nem para todas as épocas históricas. Desde o arco
e flecha, passando pelo machado de pedra do selvagem, com os seus atos de troca,
raríssima e excepcional, até a máquina a vapor de mil cavalos de força, os
teares mecânicos, as estradas de ferro e o Banco de Inglaterra, existe um
verdadeiro abismo. Os habitantes da Terra do Fogo não conhecem a produção em
grande escala, assim como não conhecem o comércio mundial, nem tampouco as
letras de câmbio que circulam a descoberto e os inesperados craques de Bolsa.
Quem quer que se empenhasse em reduzir a Economia Política da Terra do Fogo às
mesmas leis por que se rege hoje a Economia da Inglaterra, não poderia,
evidentemente tirar alguma conclusão, a não ser uns quantos lugares comuns da
mais vulgar trivialidade. A Economia Política é, portanto, uma ciência
essencialmente histórica. A matéria sobre que versa é uma matéria histórica,
isto é, sujeita a mudança constante. Somente depois de investigar as leis
especificas de cada etapa concreta de produção e de troca, como conclusão,
nos será permitido formular, a titulo de resumo. as poucas leis verdadeiramente
gerais, aplicáveis à produção e à troca, quaisquer que sejam os sistemas.
Com isto, quer se dizer que as leis, que se aplicam a um determinado sistema de
produção ou a uma forma concreta de troca, são válidas também a todos
aqueles períodos históricos em que esse sistema de produção ou essa forma de
troca se apresentam. Assim, por exemplo, no período em que se implantou na
Economia o sistema de dinheiro metálico, entra em ação toda uma série de
leis que passam a reger e que se mantêm vigentes em todos os países e em todas
as épocas da história em que a troca se realiza tendo como mediador o dinheiro
metálico.
O regime de produção e de troca de uma sociedade
histórica determinada e, com ele, as condições históricas prévias que
presidem a vida desta sociedade determinam, por sua vez, o regime de distribuição
do que foi produzido. Na comunidade tribal ou na comuna camponesa, organizadas
à base da propriedade coletiva do solo, regime pelo qual passaram - como se
pode observar em seus nítidos vestígios - todos os povos civilizados da história,
é perfeitamente compreensível que imperasse um sistema de distribuição quase
igualitário dos produtos. Ali onde aparece, na distribuição, uma desigualdade
mais ou menos assinalada, esta desigualdade é mais um sintoma de que a
comunidade começa a se desagregar. A grande e a pequena agricultura
correspondem a formas muito distintas de distribuição, conforme as condições
históricas prévias de que tenham nascido. Mas é evidente que a agricultura em
grande escala condiciona sempre um regime de distribuição completamente
diferente do da pequena agricultura; é evidente que, enquanto a primeira
pressupõe ou engendra necessariamente um antagonismo de classes - divisão em
amos e escravos -, a segunda forma, pelo contrário, modela uma diferença de
classes que não está condicionada, de modo algum, pelos indivíduos que
trabalham na produção agrícola, mas que já revela a decadência que se
inicia no regime de exploração parcelada do solo. A implantação e a difusão
do dinheiro metálico nos países em que a Economia tomava desenvolvimento,
exclusiva ou predominantemente, pelas vias naturais, trouxe consigo uma perturbação,
mais ou menos intensa, mais ou menos rápida, do sistema tradicional de
distribuição, uma modificação que torna ainda mais agudas as desigualdades
da distribuição entre os indivíduos, acelerando assim a divisão entre ricos
e pobres. A indústria artesanal da Idade Média, do tipo local e gremial,
impossibilitava a existência de grandes capitalistas e de operários,
assalariados por toda a vida, com a mesma força de necessidade com que a grande
indústria moderna, a atual estrutura do crédito e a forma da troca adequada ao
desenvolvimento desses dois fatores, que é a livre concorrência, faz com que
existam esses mesmos grandes capitalistas e operários assalariados.
E com as diferenças no regime de distribuição
surgem as diferenças de classe. A sociedade se divide em classes privilegiadas
e desprotegidas, exploradoras e exploradas, dominantes e dominadas. E o Estado,
que nasceu do desenvolvimento dos grupos naturais e primitivos em que se começaram
a organizar as comunidades descendentes do mesmo tronco, para a direção de
seus interesses comuns (irrigação da terra, nos países do Oriente, etc.), e
para se defender contra os perigos de fora, formou para si, a partir de então,
uma nova finalidade: a defesa, pelo uso da força, das condições de vida e de
governo da classe dominante frente à classe dominada.
A distribuição não é, pois, um mero produto
passivo da produção e da troca, mas, pelo contrário, repercute também e com
força não inferior. sobre elas próprias. Todo novo regime de produção, toda
nova forma de troca, tropeça, logo ao nascer, não só com a resistência
passiva que lhe opõem as formas tradicionais e as instituições políticas
ajustadas a elas, mas também com as barreiras do velho regime de distribuição.
Por isso, devem esse regime e essa forma lutar duramente e durante largo espaço
de tempo até conquistar um sistema de distribuição adequado à nova
modalidade de produção ou de troca. Mas, quanto mais dinâmico e mais capaz de
aperfeiçoamento e desenvolvimento for um determinado regime de produção e de
troca, mais depressa deverá alcançar também o regime de distribuição um
grande desenvolvimento que deixe para trás o regime seu progenitor, um grande
progresso que se torne incompatível com o regime antigo de troca e de produção.
As velhas comunidades naturais, a que nos referimos atrás, puderam viver
milhares de anos, como aliás ainda perduram em nossos dias entre os índios e
muitos eslavos, antes que o comércio com o mundo exterior engendrasse em seu
seio as diferenças de patrimônio que deveriam acarretar a sua disposição. Ao
contrário, a moderna produção capitalista, que não conta mais de trezentos
anos de existência e que não se impôs mesmo depois da implantação da grande
indústria, isto, é, até há uns cem anos, provocou, no entanto, durante este
curto período, muitos antagonismos no regime de distribuição - de um lado a
concentração de capitais em poucas mãos e, de outro, a concentração das
massas não possuidoras nas cidades mais populosas, - de tal modo que estes
antagonismos necessariamente a farão perecer.
A relação entre o regime de distribuição e as
condições materiais de existência de uma determinada sociedade está tão
arraigada na natureza das coisas, que chega a se refletir, comumente, no
instinto do povo. Enquanto um regime de produção está-se desenvolvendo em
sentido ascensional, pode contar até mesmo com a adesão e a admiração
entusiasta dos que menos beneficiados sairão com o regime de distribuição
ajustado a ele. Basta que se recorde o entusiasmo dos operários inglêses ao
aparecer a grande indústria. E mesmo depois que este regime de produção já
consolidado, constitui, na sociedade de que se trata, um regime normal,
continua-se mantendo, em geral, algum contentamento com a forma de distribuição
e, se se ergue alguma voz de protesto, é das fileiras da classe dominante que
ela sai (Saint-Simon, Fourier, Owen), sem encontrar nem mesmo algum eco no seio
da massa explorada. Há de passar algum tempo - e encaminhar-se o regime de
produção, já francamente pela vertente da decadência, deve este regime já
ter sido superado em Parte. devem ter desaparecido, em grande proporção, as
condições que justificam a sua existência, estando mesmo tomando tal vulto o
seu sucessor -, para que a distribuição, cada vez mais desigual, seja
considerada injusta, para que a voz da massa clame contra os fatos do passado
junto ao tribunal da chamada justiça eterna. Claro está que este apelo à
moral e ao direito não nos faz avançar cientificamente nem uma polegada; a ciência
econômica não pode encontrar, na indignação moral, por mais justificada que
ela seja, nem razões nem argumentos, mas simplesmente sintomas. A sua missão
consiste exclusivamente em demonstrar que os novos abusos e males, que tomam
corpo na sociedade, não são mais que outras tantas conseqüências obrigatórias
do regime de produção em vigor, ao mesmo tempo em que são indícios da
proximidade de seu fim, tornando conhecidos os elementos para a organização
futura da produção e da troca, que já estão contidos no seio do regime econômico
que caminha a passo largos para a sua dissolução, e na qual esses males e
abusos terão que desaparecer. A cólera provocada no poeta tem a sua razão de
ser quando se trata de descrever esses males e abusos, ou de atacar os"harmonizadores"
que pretendem negá-los ou atenuá-los em benefício da classe dominante mas,
para compreender como a cólera prova pouco em cada caso, basta que se considere
que, até hoje, em todas as épocas da História, houve matéria de sobra para
alimentar os seus impulsos.
Mas a Economia Política, concebida como a ciência
das condições e das formas sob as quais as diversas sociedades humanas
produzem e trocam os seus produtos, e sob as quais se distribuem os produtos,
esta Economia Política, nestes termos concedida, com tal amplitude, está ainda
por se criar. Tudo o que até hoje possuímos de ciência econômica se reduz
quase exclusivamente à gênese e ao desenvolvimento do regime capitalista de
produção. Ela Parte da crítica dos restos das formas feudais de produção e
de troca, põe em relevo a necessidade de fazer desaparecer estes restos,
substituindo-os por formas capitalistas, desenvolve as leis do regime
capitalista de produção, com as suas formas correspondentes de troca no seu
aspecto positivo, isto é, do ponto de vista em que contribuem para fomentar os
fins gerais da sociedade e conclui com a crítica socialista do regime de produção
do capitalismo, o que quer dizer com a exposição das leis que presidem o seu
aspecto negativo, com a demonstração de que este regime de produção por força
de seu próprio desenvolvimento, se aproxima de um ponto em que a sua existência
se torna impossível. Esta crítica torna patente que as formas capitalistas de
produção e de troca vão convertendo-se em entraves cada vez mais insuportáveis
para a própria produção; que o regime de distribuição, necessariamente
condicionado por essas formas, engendrou, por sua vez, uma situação de classe
cada dia mais insuportável e mais aguda, um antagonismo sempre mais profundo
entre alguns capitalistas, cada vez em menor número, porém cada vez mais ricos
e uma massa de operários assalariados, cada vez mais numerosa e em geral, também
mais desfavorecida e mal retribuída; e finalmente', demonstra que a massa das
forças produtivas que engendra o regime capitalista de produção e que este
regime não consegue mais governar, está esperando tome posse das próprias forças
produtivas uma sociedade organizada sob um regime de cooperação, baseada num
plano harmônico destinado a garantir a todos os indivíduos da sociedade, em
proporção cada vez maior, os meios necessários de vida e os recursos para o
livre desenvolvimento de sua capacidade.
Para compreender em todo o seu alcance esta crítica
da Economia burguesa, não era suficiente conhecer a forma capitalista de produção,
de troca e de distribuição. Era preciso investigar e trazer à comparação
embora apenas em seus traços mais gerais, as formas que a precederam e que, em
países menos avançados, coexistem ainda com aquela. Até hoje, esta investigação
e este estudo comparativo foram realizados somente por Marx, e devemos, portanto,
a seus trabalhos, quase que exclusivamente, o que até agora se pode esclarecer
com relação à teoria econômica pré-burguesa.
Embora tivesse nascido, nos fins do século XVIII,
em algumas cabeças geniais, a Economia Política, no sentido restrito, tal como
a apresentam os fisiocratas e Adam Smith, é essencialmente um fruto do século
XVIII, figurando entre as conquistas dos grandes racionalistas franceses dessa
época, participando, portanto, de todas as vantagens e todos os inconvenientes
do tempo. O que dissemos dos racionalistas podemos aplicar também aos
economistas desse século. A nova ciência não era, 130 para eles. uma expressão
das circunstâncias e das necessidades da época em que viviam, mas, sim, um
reflexo da razão eterna: as leis da produção e da troca, descobertas por eles,
não possuem uma forma condicionada historicamente, com a qual se deviam
revestir essas atividades, mas outras tantas leis naturais eternas, derivadas da
natureza humana. Mas o homem que eles tinham em conta era, na realidade,
simplesmente o homem da classe média daqueles tempos, do qual depressa deveria
brotar o homem burguês moderno, reduzindo-se a sua natureza apenas a fabricar e
a comerciar, sob as condições historicamente condicionadas de então.
Tendo já ocasião de conhecer, de sobra, ao nosso
"fundamentador crítico", Sr. Dühring, bem como a seu método, por tê-lo
visto operar no campo da filosofia, não nos é difícil predizer como ele
apresentará as suas concepções na Economia Política. No terreno da filosofia,
quando não dizia simples disparates (como o vimos fazer na Filosofia da
Natureza), as suas idéias eram apenas uma caricatura das do século XVIII. Para
ele não existiam leis de desenvolvimento histórico, mas apenas leis naturais,
verdades eternas. As instituições sociais, como a moral e o direito, não eram
determinadas pela localização dentro das condições históricas reais de cada
época, mas pela ajuda prestada por aqueles dois homens famosos, dos quais um
oprimia fatalmente o outro, embora até hoje esta suposição não se tenha dado
nunca, infelizmente, na realidade. Não estaremos errados, pois, se, dessas idéias,
deduzirmos que a Economia se baseia também, no modo de ver do Sr. Dühring, em
verdades definitivas e inapeláveis, em leis naturais e eternas, em axiomas
tautológicos da mais desolada inutilidade, sem, entretanto, deixar de logo nos
ofertar, pelas portas do fundo, todo o conteúdo positivo da Economia, na medida
em que dele tem conhecimento; nem tampouco nos enganaremos ao supormos que, para
o Sr. Dühring, a distribuição, concebida como fenômeno social, não é
derivada da produção e da troca, mas se constrói e fica definitivamente
resolvida por meio dos dois célebres homens. E, como se trata de artifícios
que já conhecemos bastante, não será preciso que nos estendamos em seu exame.
Com efeito, já na página 2 O Sr. Dühring
declara que a sua Economia mantém estreita relação com o estabelecido em sua
filosofia e se"baseia, em alguns pontos essenciais, nas verdades
superiores, já assentadas num campo mais alto de investigação". Sempre o
mesmo empenho em nos convencer de sua grandeza. Sempre as mesmas ponderações
sobre o"assentado" e"estabelecido", pelo mesmo Sr. Dühring.
Já tivemos ocasiões de sobra para ver como é que"assenta" e"estabelece"
as suas verdades o Sr. Dühring.
A seguir deparamos com"as leis naturais mais
gerais de toda a Economia". Nossas previsões não tinham sido pois
desmentidas. Mas estas leis naturais só nos permitem compreender exatamente a
história passada, sempre e quando as"investiguemos sob essa determinação
precisa que as formas políticas de submissão e agrupação imprimiram então a
seus resultados. Instituições como a escravidão e a exploração do trabalho
assalariado, às quais se vem unir, com sua irmã gêmea, a propriedade baseada
na força, devem ser investigados como formas constitutivas econômico-sociais,
de autêntico caráter político, formando as mesmas, no mundo atual, o quadro
fora do qual não se poderiam revelar os efeitos das leis naturais da Economia".
Toda esta tirada complicada é apenas a fanfarra
que anuncia, como tema wagneriano a entrada em cena dos dois famosos homens, Porém,
é, além disso, o tema fundamental do todo o livro do Sr. Dühring. Ao tratar
do Direito, não pode o Sr. Dühring oferecer-nos nada mais que uma péssima
tradução da teoria rousseauniana da igualdade para a linguagem socialista; em
qualquer taberna de operários de Paris poder-se-ia encontrar uma adaptação
muito melhor. Neste novo capítulo, ele nos oferece uma tradução socialista,
igualmente má, das lamentações dos economistas a respeito do fracasso das
leis naturais e eternas da Economia e dos efeitos causados pela intromissão do
Estado e da força. Neste terreno, o Sr. Dühring está como socialista, por
inteiro, completamente, merecidamente. Qualquer operário socialista de qualquer
país sabe perfeitamente que a força ampara a exploração, mas que não lhe dá
origem, que a sua exploração tem a raiz nas relações entre o capital e o
trabalho assalariado e que estas relações tiveram a sua origem num terreno
puramente econômico, e não na simples violência.
Prosseguindo a leitura, verificamos que, em todos
os problemas econômicos,"podemos distinguir duas trajetórias, a da produção
e a da distribuição". E que o conhecido e superficial economista Jean
Baptiste Say acrescenta a estas duas uma terceira trajetória, a do consumo, mas
sem chegar a dizer nada de inteligente a respeito dela, nem mais nem menos que o
seu sucessor. E, finalmente, verificamos que a troca ou circulação não é
mais que um capítulo da produção, devendo entrar nesse capítulo tudo o que
se deve fazer para que os produtos cheguem às mãos do último e verdadeiro
consumidor. O Sr. Dühring, ao identificar dois processos tão substancialmente
diferentes, embora mutuamente condicionados, como são, de fato, a produção e
a circulação, afirmando, sem sombra de dúvida, que, se não se aceitar essa
mistura dos dois capítulos; está-se criando uma"fonte de confusão",
não faz mais que demonstrar que ignora por completo, ou não compreende, o
gigantesco desenvolvimento a que atingiu, nos últimos anos, a circulação,
ignorância e incompreensão que vemos confirmadas por toda a sua obra. Mas, não
contente com isto, não contente por deixar, sob a mesma rubrica de produção,
à produção e à circulação, apresenta a distribuição ao lado da produção,
como um segundo processo perfeitamente independente, que nada tem a ver com
aquele. Como já vimos, a distribuição é sempre, em suas formas mais
importantes, um fruto necessário do regime de produção e de troca, vigente
numa determinada sociedade, de acordo com a condição histórica prévia desta
mesma sociedade, de tal modo que, conhecendo esta condição podemos concluir
com toda a exatidão qual o regime de distribuição que impera nessa sociedade.
Mas reconheçamos desde logo que o Sr. Dühring por não querer trair os princípios
"assentados" em sua concepção da Moral, do Direito e da História, não
tinha outro remédio, senão negar este fato econômico elementar, preparando
assim também o terreno para fazer-nos escorregar, na Economia, para o campo de
seus dois insubstituíveis homens. Assim, desligada já, felizmente, a distribuição
de todo o contato com a produção e a troca, pode, então, realizar-se, por fim
o grande acontecimento.
Recordemos, antes, porém, como se desenvolveu a
coisa no terreno da Moral e do Direito. Começava aí o Sr. Dühring por
manobrar com um só homem, dizendo:"Um homem, na qualidade de indivíduo,
ou seja, desligado de toda a conexão com quaisquer outros homens, não pode ter
deveres. Não há, para ele, outros imperativos que o de sua vontade." Quem
há de ser este homem, desligado de seus deveres e concebido como indivíduo
isolado a não ser o fatal"protojudeu Adão" ainda no paraíso,
despido de todo o pecado, pela simples razão de não ter com quem cometê-lo?
Mas também a este Adão, da Economia da realidade, está reservado o seu pecado
original. Ao lado dele surge, não uma Eva de longos cabelos encaracolados, mas
um segundo Adão. E imediatamente Adão adquire deveres e logo os desrespeita.
Em vez de estreitar contra o peito o seu irmão, como um seu igual, submete-o
logo ao seu domínio, escraviza-o. É este primeiro pecado, este pecado original
da escravidão, é o pecado cujas conseqüências ainda vêm sendo sentidas por
toda a história do mundo, e tal é a causa por que esta história não valha,
segundo o Sr. Dühring, nem uma cadelinha qualquer.
Recordemos, incidentalmente, que o Sr. Dühring
dava de ombros. pejorativamente, à"negação da negação", na qual
ele via um eco grotesco do velho mito do pecado original e da redenção. Que
havemos de pensar agora desta sua novíssima edição do mesmo mito? (pois, como
veremos dentro em pouco, até o mito da redenção foi por ele utilizado). Em
todo o caso, preferimos desde já a versão semítica, na qual, pelo menos, os
dois personagens, o homem e a mulher, saíam lucrando alguma coisa por ter
deixado de lado a inocência primitiva, embora tenhamos de reconhecer que ninguém
disputará ao Sr. Dühring a glória de ter construído o pecado original da
maneira mais original do mundo: com dois homens.
Detenhamo-nos um momento, porém, para escutar a
tradução do pecado original para a linguagem econômica:"Para a idéia
da produção, basta, desde o início, que se represente um Robinson que,
enfrentando isoladamente a natureza, só por meio de suas forças, nada tem a
partilhar com ninguém; isto não basta como esquema especulativo... Existe a
mesma conveniência em se representar o que há de mais substancial na idéia da
distribuição pelo esquema especulativo de duas pessoas, cujas forças econômicas
se combinam, vendo-se naturalmente forçadas a se substituir reciprocamente, sob
uma forma ou outra, em relação às suas participações. É, de fato,
suficiente, este simples dualismo para se poder expor, com todo o rigor, algumas
das relações mais importantes de distribuição e para se poder estudar,
embrionariamente, as suas leis, em sua necessidade lógica... Pode-se,
igualmente, conceber aqui a cooperação num pé de igualdade, com a qual, a
combinação das forças, mediante a total opressão de uma das Partes, vendo-se
esta, neste caso, dominada como escrava ou como mero instrumento de serviço
econômico, somente sustentada na qualidade de instrumento... Entre o estado da
igualdade e o da anulação de uma das Partes, ao lado da onipotência e da
participação ativa da outra, medeia toda uma série de graus que os fenômenos
da história universal se encarregaram de preencher com uma pitoresca variedade.
Uma vista de olhos universal sobre as diferentes instituições do direito e da
injustiça históricos, torna-se aqui uma condição prévia essencial..."
Assim, pois, todo o problema da distribuição converte-se, finalmente, num
"direito econômico de distribuição".
Pisa finalmente o Sr. Dühring em terreno firme.
de mãos dadas com os seus dois insubstituíveis homens, pode ele levar de
vencida a todo o seu século. Por detrás do triunvirato que se forma, ergue-se
um anônimo. "Não foi o capital que inventou
a mais-valia. Onde quer que uma Parte da sociedade possua o monopólio dos meios
de produção, o operário, livre ou escravo, não tem outro remédio senão
acrescentar ao tempo, de trabalho para o seu sustento uma quantidade de trabalho
excedente, destinaria a produzir os meios de vida para o proprietário dos meios
de produção, quer se trate de um caloscágatos ateniense, um teocrata etrusco,
um civis romanus (cidadão romano) quer de um barão da Normandia, um
escravagista americano, um Senhor feudal da Waláquia, um proprietário de
terras moderno ou do um moderno capitalista." (Marx, O Capital, t. I,
segunda edição, pág. 227).
Depois de verificar por este caminho qual era a
forma fundamental de exploração, comum a todas as formas de produção até a
nossa época - desde que baseadas em antagonismos de classes, - não precisava o
Sr. Dühring senão pôr em ação os seus dois homenzinhos e com apenas isso
ficavam armados os alicerces"radicais" de sua Economia da realidade.
E não vacilou ele nem um momento na execução desta idéia criadora de sistema".
Eis o ponto central: trabalho sem remuneração após ter sido gasto o tempo de
trabalho necessário para a conservação do operário. O nosso Adão, agora
convertido em Robinson, põe a trabalhar o segundo Adão, ou seja, o"Sexta-feira".
Porém, como"Sexta-feira" há de se prestar a trabalhar mais do que o
necessário para o seu sustento? Esta pergunta parece que foi também respondida,
em Parte pelo menos, por Marx. Entretanto, a resposta de Marx é demasiada
prolixa para os nossos dois homens. Resolve-se o assunto com mais facilidade.
Robinson"oprime" o"Sexta-feira", espolia-o"como um
escravo ou instrumento, posto ao serviço econômico", e somente o sustenta
"na qualidade de instrumento". Com esta novíssima"manobra
criadora", mata o Sr. Dühring dois coelhos com uma só cajadada. Em
primeiro lugar, poupa-se ao trabalho do explicar-nos as diversas formas de
distribuição que se sucedem na história, com suas diferenças e suas
respectivas causas. Basta que se saiba que todas estas formas são reprováveis,
pois todas elas descansam na opressão, na violência, sobre isso teremos
oportunidade de falar mais adiante. Em segundo lugar, desloca toda a teoria da
distribuição, do terreno econômico para o da Moral e do Direito, ou seja, do
terreno dos fatos materiais concretos e decisivos para o das opiniões e
sentimentos mais ou menos flutuantes. Nesta situação, já não se precisa
molestar em investigações e demonstrações bastando-lhe recitar vastas
tiradas declamatórias e exigir que a distribuição dos produtos do trabalho se
ajuste, não às causas reais. mas ao que ele Dühring, considera justo e moral.
Mas o que o Sr. Dühring considera justo não é, de modo algum, algo de imutável,
distando muito de ser uma autêntica verdade, pois estas, segundo a sua opinião,
"não são nunca imutáveis". Em 1868, o Sr. Dühring afirmava
("O destino de minha memória social", etc.) que"na tendência
de qualquer civilização superior, está o modelamento da propriedade em traços
cada vez mais definidos", e que"nisto e não numa confusão de
direitos e de esferas de influência" se baseava"o caráter e o
futuro da evolução moderna". E afirmava, também, que não podia
simplesmente compreender como a transformação do trabalho assalariado num
regime diferente de subsistência, poderia chegar a ser, de qualquer modo,
compatível com as leis da natureza humana e da estrutura natural e necessária
do organismo social. Como vemos, em 1868. a propriedade privada e o trabalho
assalariado eram instituições naturais e necessárias e, portanto, justas. Em
1876, eram ambas, pelo contrário, resultado da violência e do roubo, e
portanto,injustas. Não é nada fácil saber o que será considerado moral e
justo, dentro de alguns anos, por um gênio tão vertiginoso como esse. Se
quisermos, assim, estudar a distribuição das riquezas, será melhor que nos
restrinjamos às leis reais e objetivas da Economia, e não às idéias momentâneas,
mutáveis e subjetivas do Sr. Dühring, no que diz respeito ao Direito e à
injustiça.
No que diz respeito à revolução, que se
aproxima e que transformará o atual regime de distribuição dos produtos do
trabalho, com todos os seus clamorosos contrastes de miséria e abundância,
fome e dissipação, se contássemos apenas com a consciência de que esse
regime de distribuição é injusto e de que, cedo ou tarde, o direito e a
injustiça acabariam por triunfar poderíamos, então, esperar tranqüilamente
sentados. Os místicos da Idade Média, aqueles que sonhavam com a proximidade
do reino milenar, já tinham consciência dessa injustiça, a consciência da
injustiça dos antagonismos de classe. Nos primórdios da história moderna, há
uns trezentos e cinqüenta anos, ergueu-se a voz de Thomas Münzer, clamando
contra esta injustiça. O mesmo grito novamente ressoa e perde-se na Revolução
Inglesa e na Revolução burguesa da França. O grito, que até 1830 não tinha
comovido ainda as massas trabalhadoras e oprimidas, encontra hoje eco em milhões
de homens, abalando um por um, todos os países, na mesma ordem e com a mesma
intensidade com que, nesses países, se vai desenvolvendo a grande indústria, e
chega a atingir, no decurso de uma geração, uma força tal, que pode desafiar
todos os poderes coligados contra ele, estando mesmo seguro da vitória
definitiva num futuro próximo. Cabe-nos perguntar agora: A que se deve isso?
Simplesmente ao fato de que a grande indústria moderna engendrou, por um lado,
o proletariado, classe que se pôde levantar, pela primeira vez na história,
para exigir a abolição, não de uma ou de outra organização concreta de
classe, não de tal ou qual privilégio concreto de classe, mas de todas as
classes em geral; essa classe, pelas próprias circunstâncias, é obrigada a
impor essa abolição, sob pena de ficar reduzida à situação em que se
encontram os coolies na China. Por outro lado, a grande indústria cria a
burguesia; classe que ostenta o monopólio de todos os instrumentos de produção
e meios de vida, ficando demonstrado, em cada período de saturação e nas
crises que lhes são subseqüentes, que é já incapaz de continuar a governar
as forças produtivas, que fogem ao seu controle; essa classe, sob cujo controle
a sociedade corre, vertiginosamente, para a ruína, como se fosse uma locomotiva,
na qual o maquinista não tem mais força suficiente para abrir nenhuma válvula
de segurança. Ora, por outras palavras: a onda de rebeldia é devida a que as
forças produtivas engendradas, tanto pelo moderno regime capitalista de produção,
como também pelo sistema de distribuição de riquezas, por ele criado, estão
em flagrante contradição com esse regime de produção, numa contradição tão
irredutível que, necessariamente, deverá se produzir uma transformação
radical no regime de produção e de distribuição, arrastando para o abismo
todas as diferenças de classe, se é que a sociedade moderna não quer perecer.
Neste fato material e tangível, que se impõe, dentro de limites mais ou menos
claros, através de uma irresistível necessidade, nos cérebros dos proletários
vítimas da exploração, nesse fato e não nas idéias e maquinações de um
erudito especulador sobre o Direito e a Justiça, é que se evidencia a certeza
de que o socialismo moderno terá de triunfar.
Inclusão | 30/10/2002 |