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"Da mecânica dos choques e pressões até a articulação das sensações e pensamentos, estende-se uma escala una e homogênea de graduações". Por essa afirmação, o Sr. Dühring evita falar por mais tempo sobre a origem da vida, se bem que, de um pensador que acompanhou a evolução do mundo desde o estado idêntico a si próprio, e que tão família se mostra com os outros astros, tenhamos, talvez, o direito de esperar que, nesse problema, nos dê a solução exata. De resto, a afirmação acima não é justa senão pela metade, enquanto não é completada pela linha modal de desproporções de Hegel, da qual já falamos. Ainda que se faça, progressivamente, a passagem de uma forma de movimento a outra, é sempre um salto, uma viravolta decisiva. Assim acontece com a passagem da mecânica dos mundos para a das pequenas massas materiais num mundo concreto e também com a passagem da mecânica das massas para a das moléculas, que compreende os movimentos estudados na física propriamente dita (calor, luz, eletricidade, magnetismo); a passagem da física das moléculas para a física dos átomos - a química - que se processa igualmente por um salto muito nítido, salto esse mais pronunciado ainda na passagem da ação química ordinária ao quimismo da albumina, a que"chamamos vida". No interior da órbita da vida, os saltos tornam-se cada vez mais raros e imperceptíveis. Desse modo é Hegel, mais uma vez, quem deve corrigir o Sr. Dühring.
A via
conceitual pela qual se passa ao mundo orgânico é fornecida ao Sr. Dühring
pela idéia de fim. E outra idéia tomada de Hegel que. na sua Lógica (teoria
do conceito) passa, por meio da teleologia ou teoria dos fins, do mundo físico-químico
ao mundo vivo. Para qualquer lado que volvamos os olhos, encontramos, nas afirmações
do Sr. Dühring."grosserias hegelianas" que ele põe sem nenhum
constrangimento a serviço de sua"ciência radical".
Iríamos longe se fôssemos procurar saber em que
medida a aplicação das idéias de fim e de meio ao mundo orgânico é legitima
e oportuna. Em todo caso, a própria aplicação da idéia hegeliana de
"fim interno". isto é, de um fim que não é introduzido na natureza
por um ser exterior agindo intencionalmente pela sabedoria de nenhuma
"providência", mas que reside na necessidade dos próprios objetos,
conduz, constantemente, as pessoas que não têm uma cultura filosófica
completa, sem se dar conta disso, à suposição irrefletida de uma norma
consciente e intencional nos atos da natureza. O próprio Sr. Dühring, que, à
menor tendência"espiritista" em outrem, explode numa indignação
moral sem limites, afirma-nos com certeza que"as sensações instintivas
foram criadas, em primeiro lugar, graças à satisfação que está ligada a seu
funcionamento." Ele nos conta que a pobre natureza"deve sem cessar
restabelecer e garantir a ordem no mundo dos objetos e que, além disso, há uma
série de outras funções a resolver"que da Parte da natureza exigem mais
sutilezas do que geralmente se pensa".
Mas não só a natureza sabe por que ela cria isto
ou aquilo, não só ela deve fazer serviços de criada, não só ela tem o dom
da sutileza, o que já seria, portanto, um aperfeiçoamento considerável, no
sentido de um pensamento consciente e subjetivo, como tem ainda uma vontade, que
são as tarefas suplementares, graças às quais os instintos além de
satisfazer às necessidades reais da natureza (nutrição, reprodução, etc.),
"não devem ser considerados como diretamente mas só como indiretamente
desejados". Chegamos, assim, a uma natureza cujo pensamento e cuja ação são
conscientes e eis-nos, portanto, sobre a"ponte" que liga, não
certamente o estático ao dinâmico, mas o panteísmo ao deísmo. Ou será que o
Sr. Dühring se permite, de quando em quando, entregar-se um pouco, ele mesmo,
à"meia-poesia filosófica da natureza"?
Não, não é possível! Tudo o que o nosso filósofo
da realidade nos diz sobre a natureza orgânica reduz-se precisamente à luta
contra essa"meia-poesia filosófica da natureza", contra esse
"charlatanismo com suas frivolidades superficiais" e de"suas
mistificações científicas, digamos assim", contra os"rasgos poéticos"
do darwinismo.
Antes de mais nada, o Sr. Dühring acusa Darwin por haver transplantado da economia para as ciências naturais a teoria de
Malthus sobre a população, de não ter ultrapassado as idéias estreitas de um
criador de gado, de ter feito com a luta pela existência uma poesia ou
semi-poesia científica, concluindo que, todo o darwinismo, se excetuarmos os
empréstimos tomados a Lamarck, não é senão uma violência cometida contra a
humanidade.
Darwin trouxera de suas viagens científicas a idéia
de que as espécies vegetais e animais, longe de serem permanentes, são variáveis.
Para continuar, já na Inglaterra, a trabalhar essa idéia, o campo mais favorável
que se lhe oferecia era o da experimentação em animais e plantas. Ora, a
Inglaterra é justamente a terra clássica destas experiências. Os resultados
obtidos nesse terreno em outros países, - a Alemanha, por exemplo - estão
longe de atingir os que se têm conseguido na Inglaterra. De mais a mais, os
grandes sucessos, neste ramo, nestes últimos cem anos, pertencem à Inglaterra,
e a comprovação dos fatos oferece poucas dificuldades. Darwin descobriu,
assim, que, a experimentação havia artificialmente provocado em animais e em
plantas da mesma espécie diferenças maiores que as encontradas entre as espécies
geralmente conhecidas como distintas. Provava-se, assim. de um lado, a
variabilidade relativa das espécies e, de outro, a possibilidade da existência
de antepassados comuns de seres com caracteres específicos e diferentes. Darwin procura saber, então, se não haverá na natureza causas que, de modo geral,
sem a intenção consciente do criador, produziram, nos organismos vivos, mudanças
semelhantes às que o tratamento artificial provoca. Essas causas, ele as
encontrou na desproporção entre o número formidável dos germes criados pela
natureza e o pequeno número de organismos que chegam a se desenvolver. Mas,
como cada germe tende a se desenvolver, resulta dessa desproporção
necessariamente uma luta pela existência, que se manifesta não só sob uma
forma direta e física, mediante batalhas, em que uns organismos morrem
devorados por outros, mas também, mesmo nas plantas, sob a forma de luta pelo
espaço e pela luz. É evidente que nessa luta os indivíduos que têm maiores
possibilidades de atingir à maturidade e se perpetuar são aqueles que possuem
alguma particularidade individual, por mais insignificante que seja, vantajosa
na luta pela existência. Dai resulta que essas particularidades individuais
tendem a transmitir-se hereditariamente e, quando se encontram em vários indivíduos
da mesma espécie, tendem a acentuar-se, pela hereditariedade acumulativa;
quanto aos indivíduos que não possuem tais particularidades, sucumbem mais
facilmente na luta pela existência e pouco a pouco desaparecem. Dessa maneira,
as espécies se transformam, pela seleção natural, pela sobrevivência dos
mais aptos.
Contrariando essa teoria de Darwin, diz o Sr. Dühring
que a idéia da luta pela existência tem a sua origem, como o próprio Darwin havia reconhecido, numa generalização dos pontos de vista de Malthus, autor de
uma teoria econômica da população e está, por conseqüência, eivada de
todos os vícios, próprios às idéias clericais de Malthus, sobre o excesso de
população. Ora, Darwin não sonhou sequer em dizer que a origem da idéia da
luta pela existência era a teoria de Malthus. O que ele diz é que a sua teoria
da luta pela existência é a teoria de Malthus aplicada a todo mundo vegetal e
animal. Por maior que fosse o deslize cometido por Darwin de aceitar, na sua
ingenuidade, a teoria malthusiana, vê-se logo, a um primeiro exame, que, para
se perceber a luta pela existência na natureza - que aparece na contradição
entre a multidão inumerável de germes engendrados pela natureza, em sua
prodigalidade, e o pequeno número desses germes que podem chegar à maturidade,
contradição que, de fato, se resolve em grande Parte numa luta - às vezes
extremamente cruel - pela existência, não há necessidade das lunetas de
Malthus. E, assim como a lei que rege o salário conservou o seu valor muito
tempo depois de estarem caducos os argumentos malthusianos sobre os quais
Ricardo a baseava - a luta pela existência pode igualmente ter lugar na
natureza sem nenhuma interpretação malthusiana. De resto, os organismos da
natureza têm, também eles, as suas leis de população, que estão pouco
estudadas, mas cuja descoberta será de importância capital para a teoria do
desenvolvimento das espécies. E quem, senão Darwin, deu o impulso decisivo
nessa direção?
O Sr. Dühring esquiva-se de abordar esse lado
positivo do problema. Em vez disso, traz novamente à baila, em termos gerais, a
luta pela existência. Não poderia, diz ele, tratar-se de uma luta pela existência
entre vegetais privados de consciência e mansos animais herbívoros;"num
sentido concreto e definido, a luta pela existência aparece, agora,
representada pela brutalidade, à medida que a alimentação toma a forma de
devoramento e rapina"
E, depois de haver reduzido o conceito da luta
pela existência a esses limites estreitos, dá livre curso a toda sua indignação
contra a brutalidade assim conceituada. Mas essa indicação moral atinge apenas
o próprio ar Dühring, único autor responsável por essa limitação da luta
pela existência. Não é portanto Darwin quem"procura, no mundo dos
animais, as leis e a compreensão de tudo o que acontece na natureza" -
pois Darwin torna extensiva a luta a todo o mundo orgânico - mas, sim, um
fantasma imaginário inventado pelo próprio Sr. Dühring. Não há
inconveniente em que a expressão"luta pela existência" seja
abandonada às explosões de cólera moral do Sr. Dühring. Mas que seja apenas
a expressão. Que a coisa se aplica também às plantas, qualquer prado,
qualquer campo de trigo, qualquer bosque o demonstra, e não é precisamente de
nomes que se trata (tanto se pode chamar a isso de"luta pela existência"
ou"falta de condições de existência com seus efeitos mecânicos")
mas sim, trata-se do modo como esse fato atua sobre a conservação e a
transformação das espécies. A esse respeito, o Sr. Dühring persiste num silêncio
obstinado,"idêntico a si próprio". Sua razão de ser sofrerá,
pois, se outra coisa não for demonstrada, o processo de seleção natural.
O darwinismo, afirma-nos ele,"tira a sua
metamorfose e as suas diferenças do nada". Na verdade, Darwin, quando
trata da seleção natural, faz abstração das causas que provocam mudanças em
cada um dos indivíduos e se ocupa, primeiramente, da maneira pela qual tais
variações individuais gradativamente se tornaram caracteres de uma raça, de
uma variedade ou de uma espécie. Para Darwin, trata-se, em primeiro lugar,
menos de encontrar essas causas - que até aqui são completamente
desconhecidas, não podendo ser indicadas senão de um modo geral - do que achar
uma forma racional sob a qual os efeitos se fixam e adquirem uma importância
permanente. Que Darwin tenha com isso atribuído à sua descoberta um raio de ação
exagerado, que dela tenha feito a mola exclusiva da transformação das espécies,
esquecendo-se das causas determinantes das mudanças individuais repetidas, para
fixar-se apenas na forma de generalização dessas mudanças, essa é uma falta
comum a todos os autores que realizam um progresso real. Além disso, se fosse
verdade que Darwin tirou as suas variações individuais do nada e que nisso
aplicou somente a"ciência do criador", é mister. necessariamente.
que o criador tire igualmente do nada as suas variações, não só imaginárias,
mas verdadeiras, das espécies animais e vegetais. Ora, quem deu o primeiro
impulso para pesquisar de onde provêm essas metamorfoses e diferenciações?
Ainda uma vez Darwin, e nenhum outro.
Recentemente, graças principalmente a Haeckel, a
idéia da seleção natural foi ampliada e a transformação das espécies foi
compreendida como resultado de um processo de ações recíprocas de adaptação
e hereditariedade, sendo a adaptação descrita como aspecto modificativo e a
hereditariedade como aspecto conservador do processo. Isso também não merece o
apoio do Sr. Dühring,"Uma adaptação propriamente dita às condições
de vida, tais como são afirmadas ou negadas pela natureza, supõe instintos e
atividades que se determinam, por seu lado, por representações. De outro modo,
a adaptação não será mais que uma aparência e a causalidade, que se
desenvolver, não se elevará acima dos mais baixos graus do mundo da física,
da química e da fisiologia vegetal."
E a nomenclatura outra vez que aborrece e
transtorna o Sr. Dühring. Mas. qualquer que seja o nome por ele dado ao fenômeno.
o que importa é saber, sim ou não, se tais fenômenos provocam mudanças nas
espécies vegetais e animais.
E, no entanto, o Sr. Dühring não nos dá
resposta alguma nesse sentido.
"Quando uma planta toma, em seu crescimento,
a direção em que recebe a luz, esse fato é o efeito da atração que
representa uma combinação de forças físicas e de agentes químicos, e quando
se quer falar de adaptação, não em sentido metafísico mas no sentido real,
isso, fatalmente, é o mesmo que introduzir nos conceitos uma confusão
espiritista" Como é severo para com os outros o mesmo homem que sabe científica
e exatamente por que a natureza faz isto ou aquilo, que nos fala da sutileza da
natureza e até da sua vontade!
Confusão espiritista, com efeito, mas de quem? De
Haeckel ou do Sr. Dühring?
É confusão não apenas espiritista, mas também
lógica. Vimos que o Sr. Dühring faz todos os esforços para aplicar, à
natureza, a idéia do fim."A relação de meio e fim não supõe, de modo
algum, uma intenção consciente". Mas o que é, então, a adaptação sem
intenção consciente, sem transmissão de representações, contra a qual ele
se ergue com tamanho ímpeto, senão uma tal atividade teológica inconsciente?
Assim, pois, as rãs e os insetos, que se nutrem
de folhagens, e que são de cor verde, os animais do deserto que são amarelos
da cor da areia, os animais das regiões polares quase sempre brancos, da cor
dos gelos, não tomaram essas cores intencionalmente, nem por efeito de nenhuma
espécie de representações com essas cores. Pelo contrário, essas cores só
se explicam pelo jogo das forças físicas e dos agentes químicos. É inegável,
portanto, que esses animais se adaptaram, por meio dessas cores, ao meio em que
vivem, e passam dessa maneira muito mais desapercebidos aos olhos de seus
inimigos naturais. Do mesmo modo, os órgãos, com a ajuda dos quais certas
plantas capturam e devoram os insetos que nelas pousam, adaptaram-se a essa função
e de modo conveniente. Se o Sr. Dühring pretende que a adaptação deve ser
sempre e usada por uma série de representações, apenas diz, noutras palavras,
que a atividade teleológica deve, ela também, fazer-se por força das
representações, deve ser consciente, intencional. Isso nos conduz, como de hábito,
à"filosofia da realidade", ao criador consciente, à idéia de Deus.
"Antigamente - diz o Sr. Dühring - chamava-se deísmo a essa doutrina;
mas, também, sobre esse ponto, parece ter-se desenvolvido a coisa para trás."
Da adaptação passemos à hereditariedade. Ainda
aqui, o darwinismo, segundo o Sr. Dühring, engana-se redondamente. Darwin teria
pretendido que todo o mundo orgânico descende de um ser primitivo, sendo, por
assim dizer, a linhagem de um ser único. Não haveria, segundo Darwin, coexistência
paralela de produtos da natureza, seres da mesma espécie, sem vínculo de
descendência. Ele se vê obrigado, pois, a pôr um fim às suas concepções
presas ao passado por ter-lhe faltado o fio da procriação ou de qualquer outra
transplantação.
Mas essa afirmação de que Darwin faz derivar
todos os organismos atuais de um ser primitivo e único não é mais que, para
falarmos cortesmente, criação e"livre fantasia" do Sr. Dühring.
Darwin diz expressamente, na penúltima página da Origem das Espécies (6a. edição)
que ela considera"todos os seres, não como criações especiais. mas como
descendentes em linha direta de um pequeno número de seres". Haeckel vai
ainda mais longe: admite"um tronco absolutamente independente para o reino
vegetal, um outro para o reino animal", e, entre esses dois reinos
"toda uma série de troncos protistas isolados, cada um dos quais se
desenvolvendo de maneira inteiramente independente, a partir de um tipo
particular de monera arquigônica"(3).
O Sr. Dühring não imaginou esse ser primitivo, senão para desacreditá-lo,
anti-semiticamente, equiparando-o a Adão, o protojudeu. Mas, desgraçadamente
(refiro-me ao Sr. Dühring) continua ignorando que as descobertas assíricas de
Smith, mostraram que esse protojudeu era, na realidade, um proto-semita e que
toda a história do Gênesis e do dilúvio universal, que nos conta a Bíblia,
se revela um fragmento da velha mitologia religiosa dos pagãos, comum aos
judeus, aos babilônios, caldeus e assírios.
Trata-se de uma grave censura a Darwin que não
pode ser evitada, essa que se lhe faz quando se diz que suas investigações
falham quando se rompe o fio da descendência dos seres! Infelizmente é uma
censura que se estende a todo o conjunto da nossa ciência da natureza. Uma vez
partido o fio da descendência, chega ao fim a missão de todas as demais ciências.
Nenhum naturalista conseguiu ainda fazer nascer seres a não ser pela descendência,
nem constituir com elementos químicos um simples protoplasma nem mesmo um pouco
de albumina. Tudo o que ela pode dizer até agora, com certeza, sobre a origem
da vida, é que deve ter sido por meios químicos. Mas talvez a"filosofia
da realidade" venha em seu auxilio, ela que dispõe de produtos da natureza
coexistentes de um modo independente e sem descender uns dos outros. Qual,
portanto, poderia ter sido a sua origem? Geração espontânea? Mas até aqui os
mais intrépidos partidários da geração espontânea não pretenderam criar
por esse meio senão bactérias, germes de cogumelos e outros organismos muito
primitivos - nunca insetos, peixes, pássaros ou mamíferos. Portanto, se essas
produções equivalentes da natureza (orgânicas. já se vê, e apenas delas é
que se trata) não estão ligadas pela descendência, é preciso que elas próprias,
ou cada um dos seus antepassados, tenham sido,"onde se rompe o fio da
descendência", postos no mundo por um ato especial de criação. Eis-nos,
portanto, às voltas, outra vez, com o Criador ou"com o que se chama deísmo".
Além disso, o Sr. Dühring censura Darwin por se
ter mostrado muito vulgar"fazendo do simples ato de composição sexual de
certas propriedades orgânicas, o principio fundamental da gênese dessas
propriedades." É ainda um ato de"criação e livre imaginação"
do nosso filósofo radical. Pois, pelo contrário, Darwin declara justamente (página
44) que a expressão seleção natural só abrange a conservação das modificações
e não a sua origem. Mas essa nova suposição desarrazoada sobre coisas que
Darwin nunca disse serve para nos preparar para a profundeza dühringuiana das
seguintes conclusões:"Se se tivesse procurado, no esquematismo interno da
procriação, qualquer principio de modificação substantiva, teria sido muito
racional, porquanto é uma idéia bastante natural a de harmonizar o principio
da gênese geral com o da reprodução sexual, e a de conceber, de um ponto de
vista superior, o que se chama de geração espontânea, não como o contrário
da reprodução, mas precisamente como um caso de produção." E o homem
que pôde redigir semelhante tolice, não hesita em censurar Hegel pela sua
"gíria".
Mas já é tempo de deixarmos de lado essas
recriminações e lamentos aborrecidos e contraditórios com que o Sr. Dühring
extravasa seu despeito ante o surto imenso que as ciências naturais devem ao
impulso da teoria darwiniana. Nem Darwin nem os naturalistas seus partidários
sonham em diminuir, no que quer que seja, os grandes méritos de Lamarck: foram
eles, precisamente, os primeiros que lhe defenderam a reputação. Não temos,
contudo, o direito de esquecer que, ao tempo de Lamarck, a ciência estava muito
longe de dispor de materiais suficientes para poder resolver a questão da
origem das espécies a não ser como uma antecipação a sua época, ou, por
assim dizer, de uma maneira profética. Sem contar a massa enorme de materiais
de zoologia e de botânica, anatômicos e descritivos, que foram reunidos a
partir dessa época, surgiram depois de Lamarck duas ciências inteiramente
novas e de importância decisiva neste terreno, que estudam - uma a evolução
dos germes vegetais e animais (embriologia) e outra - os vestígios orgânicos
conservados nas diversas camadas da crosta terrestre (paleontologia). Com
efeito, descobriu-se que existe uma coincidência entre a evolução gradativa,
segundo a qual os germes orgânicos se tornam organismos adultos, e a série
cronológica das plantas e animais que aparecem sucessivamente na história da
terra. E foi precisamente essa coincidência que deu à teoria da evolução a
sua base mais sólida. Mas a teoria da evolução é ainda bastante nova e, por
conseqüência, está fora de qualquer dúvida que as pesquisas ulteriores devem
modificar notavelmente as idéias atuais, inclusive as que são estritamente
darwinistas, sobre o processo da evolução das espécies.
E, agora, que nos diz de positivo a
"filosofia da realidade", sobre o desenvolvimento da vida orgânica?
"A... mutabilidade das espécies é uma
suposição admissível". Mas é preciso admitir paralelamente"a
ordem coexistente e substantiva de produções da natureza, equivalentes, porém
independentes, sem ligação de descendência."
Ao ler esse trecho, seríamos levados a crer que
as produções não equivalentes da natureza, isto é, as espécies que se
modificam. descendem umas das outras, e os seres da mesma espécie, não. Mas não
é propriamente isso, porque, mesmo nas espécies que se modificam,"o vínculo
da descendência pode ser um ato inteiramente secundário da natureza".
Assim, pois, há descendência, mas de segunda classe. Rejubilemo-nos,
entretanto, por ter entrado pelas portas do fundo, essa descendência, contra a
qual o Sr. Dühring tanto blasfemou e contra a qual se lançou violentamente. O
mesmo se dá com a seleção natural; depois de toda a indignação moral contra
a luta pela vida, por meio da qual, todavia, se executa a seleção natural, o
Sr. Dühring nos oferece, graciosamente:"a causa profunda da contextura
dos seres deve ser procurada, portanto, nas condições vitais e nas circunstâncias
cósmicas; a seleção natural sobre a qual Darwin insiste, pode apenas atuar em
segundo plano". Mas, de qualquer maneira, é seleção natural, embora de
segunda classe; e assim temos, pois, seleção natural, luta pela existência e
excesso de população, segundo a fórmula"clerical" de Malthus... É
tudo: quanto ao resto, o Sr. Dühring nos envia para a teoria de LamarckLamarckLamarck.
Finalmente, ele nos adverte contra o abuso das
palavras metamorfose e evolução. Segundo ele, a idéia de metamorfose é um
conceito vago e a idéia da evolução só pôde ser admitida na medida em que
se pôde verdadeiramente provar a existência das leis que a regem. E
aconselha-nos a substituir ambas as palavras pelo termo"composição"
e então tudo irá bem, É sempre a mesma história: as coisas continuam como são
e o Sr. Dühring mostra-se todo satisfeito se lhes mudamos o nome.
Faremos uma grande confusão se falarmos na evolução do pinto dentro do ovo, porque não conhecemos a ciência das leis que regem esse processo. Para esclarecer, devemos substituir, apenas a palavra"evolução" pela palavra"composição". Não diremos mais: essa criança desenvolve-se magnificamente", mas sim, "essa criança compõe-se esplendidamente". E podemos felicitar o Sr. Dühring pelo fato de, não contente com enfileirar-se dignamente ao lado do autor do Anel dos Niebelung, no que se refere ao alto conceito que tem de si mesmo, ainda não lhe fica atrás como"compositor" do futuro.
Inclusão | 30/10/2002 |