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Passemos, agora, à filosofia da natureza. O Sr. Dühring tem razões, aqui também, para não estar satisfeito com os seus predecessores. A filosofia da natureza"caiu tanto, que se tornou uma árida e má poesia, feita de incultura" e foi"abandonada à filosofia prostituída, à maneira de um Schelling e outros tipos desse gênero que, traficando com o sacerdócio do absoluto, mistificavam o público". A fadiga livrou-nos desses"monstros", mas até agora não deram lugar senão ao"insustentável" e,"no que se refere ao grande público, a retirada de um grande charlatão é sempre, como se sabe, uma oportunidade para um sucessor, embora mais medíocre, mas com habilidade bastante que lhe permita repetir as produções do outro, como rótulo diverso". Os próprios naturalistas não revelam"muito gosto em fazer uma excursão pelo reino das idéias universais", limitando-se, no domínio teórico, a "improvisações incoerentes". Nesse terreno há, pois, necessidade de um socorro urgente e, por felicidade, o Sr. Dühring está presente.
Para poder apreciar com justeza as revelações que se seguem sobre o desenvolvimento do mundo no tempo e sua limitação no espaço, é mister citar aqui algumas passagens da"esquemática do mundo".
O Sr. Dühring, também de acordo neste ponto com
Hegel(2), atribui
ao ser a infinidade - o que Hegel chama de má infinidade - e assim a aprecia:
"A mais clara forma de se representar sem contradição a infinidade é a
sucessão ilimitada dos números na série numérica... Do mesmo modo que a cada
número podemos acrescentar uma nova unidade sem jamais esgotar a possibilidade
de continuar a numeração, a cada estado, do ser, qualquer que seja,
acrescenta-se mais um e é na produção ilimitada desses estados que consiste a
infinidade. Essa infinidade concebida com precisão, não tem, por conseguinte,
senão uma forma fundamental e uma direção única. Se bem que seja, com
efeito, indiferente para o nosso pensamento traçar uma direção oposta a essas
sucessões de estados do ser, a infinidade que progride para trás não é,
entretanto, mais que uma representação precipitada e imatura. Seria preciso
que ela tivesse sido, na realidade, percorrida em sentido contrário; e assim,
teria em cada um de seus estados uma série infinita de números. Mas, então,
cometeríamos a inadmissível contradição de uma série infinita já
percorrida e desse modo se revela como absurda a idéia de supor uma segunda
direção da infinidade".
O primeiro corolário que deriva dessas concepções
da infinidade é que o encadeamento das causas e dos efeitos, no mundo, deve ter
tido necessariamente um começo:"um número infinito de causas, que se
houvessem previamente seguido umas após outras, é inconcebível, só pelo fato
de supor como já percorrido o inumerável". Assim fica demonstrado a existência
de uma causa final.
O segundo corolário é"a lei do número
determinado; a acumulação do idêntico, em não importa que espécie real de
conceitos independentes, não é concebível senão formando um número
determinado". Não só o número dos corpos existentes no universo deve
ser, em qualquer momento, um número em si mesmo determinado, como também deve
sê-lo o número total das partículas independentes de matéria existente no
mundo, por menores que sejam. Esta última necessidade é a verdadeira razão
que impede realizar-se qualquer síntese em átomos. Toda divisão real tem
sempre uma determinação finita e deve te-la, se não quisermos ver surgir a
contradição do inumerável percorrido. Não só pela mesma razão por que o número
de voltas que a terra deu até agora em torno do sol deve necessariamente ser um
número determinado, embora desconhecido, todos os processos periódicos da
natureza devem também ter tido um começo e todas as suas diferenciações,
todas as variedades da natureza, derivadas uma das outras, devem ter, como
origem, um estado idêntico a si próprio. Pode este estado, sem contradição,
ter existido por toda a eternidade; mas mesmo essa representação seria também
inconcebível se o próprio tempo se compusesse de Partes reais, e não por um
fracionamento ideal de possibilidades, classificadas, à vontade, por nosso
entendimento.
Já com o conteúdo real e diferenciável do tempo
não se dá o mesmo: à medida em que o tempo é realmente ocupado por
acontecimentos, diferenciavelmente, específicos, esta função real do tempo e
as formas de existência deste campo se enquadram, por serem mesmo distintas,
como suscetíveis de serem contadas. Imaginemos um estado sem mudanças que, na
sua perfeita identidade consigo próprio, não apresenta nenhuma diferença de
efeitos; o conceito restrito de tempo torna-se, assim, a idéia mais geral do próprio
ser. É impossível fazer uma idéia de acumulação de uma duração vazia.
O Sr. Dühring, até aqui como que se mostra
maravilhado com a importância dessas descobertas. Ele espera, de início, que
"pelo menos não serão consideradas como uma verdade sem importância";
logo depois confere uma maior importância a estas descobertas.
E mais adiante diz:"Lembremo-nos do método
extremamente simples pelo qual nós demos aos conceitos do infinito e à sua crítica
um alcance até aqui desconhecido... Recordemo-nos dos elementos do tempo e do
espaço, concebidos universalmente, que se constituíram de maneira tão simples
pelo presente método de precisá-los e de aprofundá-los".
Acertamos!"Nitidez" e
"profundidade" reais! Mas, quem é que acertou? Em que época vive?
Quem aprofundou e precisou?
"Tese. O mundo teve um começo no tempo e
também no espaço é igualmente limitado.
"Prova: Admitamos, com efeito, que o mundo não
tem começo no tempo, uma eternidade se teria escoado até chegar a um momento
dado, fluindo, portanto, no mundo, uma série infinita de estados de coisas
sucedidos uns aos outros. Mas a infinidade de uma série consiste precisamente
em que ela nunca pode ser rematada por uma síntese sucessiva. Uma série
infinita e desenvolvida é, pois, impossível e, consequentemente, um começo do
mundo é uma condição necessária de sua existência, que é o que se tratava
de demonstrar. Mas, quanto ao segundo ponto de vista, que novamente se admita o
contrário da tese: o mundo seria um todo determinado e infinito de objetos que
existem simultaneamente.
Ora, podemos conceber a grandeza de uma
quantidade, não estabelecida entre certos limites concretos por nós
observados, somente pela síntese das Partes; e a soma total dessa quantidade só
pode ser concebida por meio da síntese acabada, ou pela adição repetida da
unidade a si própria. Por conseqüência, para conceber, como um todo, o mundo
que enche todos os espaços, deveria a síntese sucessiva das Partes do mundo
infinito ser considerada como acabada, isto é, seria mister, com a contagem de
todos os objetos coexistentes, considerar como tendo escoado um tempo infinito.
Disso resulta que não se poderia considerar um agregado infinito de objetos
reais como um todo determinado, nem, conseguintemente, como objetos
simultaneamente determinados. Portanto, um mundo não é infinito quanto à sua
extensão no espaço, mas, pelo contrário, é encerrado sempre dentro de seus
limites, o que era o segundo ponto a demonstrar".
Essas proposições são literalmente copiadas de
um livro bastante conhecido que apareceu, pela primeira vez, em 1781 e que se
intitula: Crítica da Razão Pura, de Emanuel Kant, e no qual todo o mundo pode
lê-las (primeira Parte, 2a. seção, livro segundo, capítulo segundo, artigo
segundo): Primeira Antinomia da Razão Pura. Portanto, ao Sr. Dühring cabe
unicamente a glória de ter batizado uma idéia de Kant, com o nome de"lei
do número determinado" e de ter descoberto a existência de um tempo onde
ainda não existia tempo, mas sim apenas o mundo. Quanto ao resto, isto é,
quanto aquilo que, na análise do Sr. Dühring, tem algum sentido, ao
subentender"nós", na expressão"Encontramos", quer se
referir a Emanuel Kant; a atualidade das descobertas do Sr. Dühring tem apenas
noventa e cinco anos. É, na verdade, extraordinariamente"simples". E
é maravilhoso o"alcance até aqui desconhecido" da nova idéia.
Mas acontece que Kant não considera, de modo
algum, a tese acima, como provada por sua demonstração. Ao contrário, na página
seguinte, sustenta e prova que o mundo não tem começo no tempo nem limite no
espaço e justamente nisso é que reside a antinomia, a contradição irredutível,
segundo a qual podemos provar tanto uma tese como a sua contrária. Talvez
pessoas de menor alcance encontrassem motivos para reflexão no fato de"um
Kant" achar nisso uma dificuldade insolúvel, nunca, porém, o nosso
audacioso fabricante"de resultados e de teorias essencialmente
originais": o que lhe pode servir na antinomia de Kant, ele o copia sem
pestanejar, pondo o resto de lado.
O problema resolve-se muito simplesmente.
Eternidade no tempo, infinidade no espaço, essa coisa consiste, por si mesma,
tomando as palavras no seu sentido literal, em não ter limite nenhum nem pela
frente nem por detrás, nem acima nem abaixo, nem à direita nem à esquerda.
Essa infinidade é diferente da de uma série infinita, porque esta começa
sempre e necessariamente na unidade, num primeiro termo. Essa representação de
série é inaplicável ao nosso objetivo, como verificamos quando a aplicamos ao
espaço. A série infinita adaptada ao mundo especial é uma linha tirada em
direção ao infinito, a partir de um ponto determinado, numa direção
determinada. Isso exprime, mesmo remotamente, a infinidade do espaço? Pelo
contrário: bastam seis linhas tiradas a partir desse ponto único, em três
direções opostas, para circunscrever as direções do espaço e teríamos
assim seis dimensões. Kant o compreendeu tão bem que não foi senão
indiretamente, por um rodeio, que ele transportou a sua série numérica para o
mundo especial. O Sr. Dühring, pelo contrário, força-nos a admitir seis
dimensões no espaço e, logo depois, esquecendo-se do que afirmou, não
encontra palavras para exprimir a sua indignação contra o misticismo matemático
de Gauss que não queria contentar-se com as três tradicionais dimensões do
espaço.
Aplicada ao tempo, a linha ou a série de
unidades, infinita em suas duas direções, tem um certo sentido como imagem.
Mas, se nós nos representamos o tempo como uma série formada a partir da
unidade, ou como uma linha tirada a partir de um ponto determinado, estamos
desde já estabelecendo que o tempo tem um começo; supomos precisamente o que
era necessário provar. Damos à infinidade do tempo um caráter incompleto e
unilateral, e, como sabemos, uma infinidade incompleta, unilateral, é uma
contradição lógica, exatamente o contrário de uma"infinidade concebida
sem contradição". Dessa contradição só podemos sair admitindo que a
unidade da qual partimos para contar a série, o ponto a partir do qual traçamos
a linha, é uma unidade tomada arbitrariamente na série, um ponto tomado
arbitrariamente na linha, de tal modo que resulta indiferente saber onde o
colocamos em relação à linha ou à série.
É a contradição que consiste em"medir uma
série numérica infinita"?
Estaremos aptos a examinar mais de perto essa
contradição, quando O Sr. Dühring realizar diante de nós o prodígio de contá-la,
quando tiver conseguido contar de menos infinito até zero.
É claro que, não importa por onde comece a
contar, deixará sempre atrás de si uma série infinita e com ela o problema
que deve resolver.
Que inverta somente a sua própria série infinita
1 + 2 + 3 + 4..., e experimente contar de novo, desde o fim infinito, até a
unidade; será evidentemente a tentativa de um homem que não sabe nem do que se
trata. Há mais ainda. Quando o Sr. Dühring afirma que a série infinita do
tempo escoado foi contado, afirma, implicitamente, que o tempo tem um começo;
porque, de outro modo, não poderia mesmo começar a"contar".
Introduz, portanto, sub-repticiamente, como hipótese prévia, precisamente o
que devia demonstrar. A idéia da série infinita contada, também chamada a
"lei universal do número determinado" de Dühring. é, pois, uma
contradictio in adjecto, encerra em si não apenas uma contradição, mas uma
contradição absurda.
É evidente que uma infinidade que tem um fim, mas
não tem começo, não é mais nem menos infinita do que aquela que tem um começo,
mas não tem fim. O menor senso dialético teria advertido ao Sr. Dühring que
começo e fim são conceitos necessariamente ligados, como pólo norte e pólo
sul; se se abandona o fim, o começo se torna fim - o único fim da série, e
assim reciprocamente.
Toda essa quimera não existiria se não fosse hábito
dos matemáticos operarem com séries infinitas. Como em matemática é preciso
partir do determinado e finito, para chegar ao indeterminado e infinito, é
preciso que todas as séries matemáticas, positivas ou negativas, comecem pela
unidade, sem o que é impossível calcular com essas séries. Mas a necessidade
mental do matemático está longe de ser uma lei que aja necessariamente sobre o
mundo real.
De resto, o Sr. Dühring não poderá jamais
compreender, sem contradição, a infinidade real. A infinidade é, por si
mesma, uma contradição prenhe de contradições.
Já é contraditório que uma infinidade se
componha de quantidades finitas e, no entanto, isso acontece na realidade.
Admitir que o mundo material tem limites não conduz a menos contradições que
admiti-lo ilimitado. Toda a tentativa para afastar essa contradição leva,
conforme vimos, a novas e mais lamentáveis contradições. Precisamente porque
é uma contradição, a infinidade é um processo infinito a desenvolver-se, sem
fim no tempo nem fim no espaço. A supressão da contradição seria o fim da
infinidade. Hegel já o havia visto muito bem e é por isso que trata aos que se
dedicam a fantasiar sobre essa contradição com um merecido desprezo.
Continuemos. O tempo teve, pois, um começo. Que
havia, então, antes do começo? O mundo num estado idêntico a si próprio e
invariável. E como, nesse estado, não há mudanças que se sucedam umas às
outras, o conceito mais especifico do tempo se transforma na idéia do ser.
Primeiramente, é-nos completamente indiferente
saber quais os conceitos que se transformam na cabeça do Sr. Dühring: não se
trata do conceito do tempo, mas do tempo real, do qual o Sr. Dühring não se
desembaraçará tão facilmente. Em segundo lugar, que o conceito do tempo se
transforme na idéia geral do ser, isso não nos fará dar um passo à frente,
porque as formas essenciais de todo o ser são o espaço e o tempo e um ser fora
do tempo é um absurdo tão grande quanto um ser fora do espaço.
O ser de Hegel,"ser extinto fora do
tempo", e o"ser irrepresentável", de que falam os
neo-schellinguianos, são concepções racionais, se as compararmos com esse ser
concebido à margem do tempo. O Sr. Dühring, aliás, vai com muita cautela por
esse caminho; propriamente falando, é bem um tempo, mas um tempo tal que, no
fundo, não se poderia chamá-lo de tempo, pois o tempo não se compõe em si
mesmo de Partes reais e é somente a nossa inteligência que nele introduz divisões
arbitrárias; só um tempo repleto realmente de fatos diferenciáveis pode ser
contado, não se podendo mesmo descobrir o que poderia significar a continuidade
de uma duração, no vazio, verdadeira quimera.
O que essa sucessão poderia significar é-nos,
agora, completamente indiferente: a questão é saber se o mundo, no estado aqui
suposto, tem ou não uma duração no tempo. Que não se obtém resultado algum
medindo uma duração semelhante e muito menos operando com medidas sem desígnio
e sem finalidade objetiva, no espaço vazio, sabemos de há muito. E é
precisamente no que esse processo tem de inútil que Hegel chama a essa
infinidade de má infinidade. Segundo o Sr. Dühring, o tempo não existe senão
pela mudança e não é a mudança que existe no tempo e pelo tempo. Justamente
por que é tão diverso e independente da mudança, é que se pode medi-lo pela
mudança, porquanto para medir é necessário sempre um elemento distinto da
coisa que se mede. O tempo, em que se não produzem mudanças cognoscíveis está
muito longe de não ser tempo algum, ele é antes o tempo puro, isento de
qualquer influência estranha, isto é, é o tempo verdadeiro, o tempo como tal.
Realmente, quando queremos conceber a idéia do tempo em toda a sua pureza, fora
de todas as misturas estranhas e heterogêneas, somos obrigados a afastar como
estranhos todos os acontecimentos diversos que se produzem, simultânea e
sucessivamente, no tempo, como alheios a ele, representando-nos, assim, um tempo
em que nada se passa. Por aí não fizemos, pois, diluir a idéia do tempo na idéia
geral do ser: pelo contrário, foi por aí somente que chegamos à idéia pura
do tempo.
Mas toda essas contradições e esses absurdos não
passam de brincadeiras de criança ao lado da confusão caótica em que se
embrenha o Sr. Dühring, com o seu"estado primitivo do mundo idêntico a
si próprio". Se o mundo já esteve num estado em que não se produzia
absolutamente mudança alguma, como pode passar desse estado à mudança? O que
é desprovido absolutamente de mobilidade, o que, mais ainda, esteve nesse
estado toda a eternidade, não poderia, de modo algum, sair de si próprio para
passar ao estado de movimento e de mudança. É preciso, portanto, que, de fora
- do mundo exterior - tenha vindo um primeiro impulso que o pusesse em
movimento.
E o"primeiro impulso", como se sabe, é
apenas uma expressão para denominar Deus.
Esse Deus e esse Além, que o Sr. Dühring
pretendia haver eliminado tão galhardamente de sua"esquemática do
universo", ele próprio os reintroduz, reforçados e aprofundados, em sua
filosofia da natureza.
Prossigamos. O Sr. Dühring diz:"Quando um
elemento imóvel do ser adquire grandeza, esta grandeza permanece invariável em
sua determinabilidade. Isso é verdade... para a matéria e para a força mecânica."
A primeira proposição fornece-nos - de passagem seja dito - um exemplo
precioso da grandiloqüência axiomático-tautológica do Sr. Dühring; quando
uma grandeza não muda, continua idêntica.
Assim, a quantidade de força mecânica existente
no mundo, permanece eternamente a mesma. Nada diremos sobre isso senão que, na
medida em que é exato, já o sabia e proclamava, há cerca de três séculos, a
filosofia de Descartes e, nas ciências da natureza, é conhecida há mais de
vinte anos, na teoria da conservação da força. Não insistimos sobre o fato
de que o Sr. Dühring, restringindo-se à força mecânica, não melhora esta
tese de maneira alguma. Mas onde estava, pois, a força mecânica, naqueles
tempos do estado imutável? Essa pergunta o Sr. Dühring recusa-se
obstinadamente a responder.
Onde, portanto, Sr. Dühring, vivia essa força
mecânica, eternamente igual a si própria, e o que a impulsionava? Resposta do
Sr. Dühring:"O estado primitivo do universo, ou, mais precisamente, de um
ser da matéria invariável, não compreendendo nenhuma acumulação de mudanças
no tempo, é uma questão que não pode ser posta de lado senão por um espírito
que vê, na automutilação de sua força procriadora, o cúmulo da sabedoria.
Assim, ou aceitais de olhos fechados o meu estado primitivo invariável ou eu, o
viril e potente Eugen Dühring, proclamo-vos eunucos intelectuais. Eis uma coisa
que pode, sem dúvida, amedrontar a mais de uma pessoa. Nós, porém, que já
vimos alguns exemplos da força viril do Sr. Dühring, podemos tomar a liberdade
de passar por alto, sem réplica, ao elegante insulto e repisar a pergunta Mas
Senhor Dühring, por favor, que ocorre, nesse caso, com a força mecânica?
O Sr. Dühring imediatamente se embaraça. O fato,
balbucia ele, é que"a identidade absoluta desse estado-limite primitivo não
fornece, por si própria, um principio de transição. Lembremo-nos, entretanto,
que, no fundo, sucede a mesma coisa em cada novo elo, que, por menor que seja,
venha a incorporar-se a essa cadeia da existência que tão bem conhecemos. Se
se quer, portanto, criar dificuldades no presente caso, que é fundamental,
tenha-se o cuidado de não as deixar escapar em circunstâncias menos
importantes. De mais a mais, é possível interpolar estados intermediários em
gradação progressiva e, desse modo, teremos aberto o caminho da continuidade
para chegar, pelo retrocesso, a fazer desaparecer o jogo das variações recíprocas.
Como conceito puro, na verdade, essa continuidade não nos permite ultrapassar a
idéia principal, mas é para nós a forma fundamental de tudo quanto se rege
por leis e de todas as transações conhecidas, de maneira que temos o direito
de utilizá-las como intermediárias entre o equilíbrio inicial e a ruptura
desse equilíbrio. Mas, se concebêssemos o equilíbrio por assim dizer imóvel
(!), fundamentando-nos nas idéias admitidas sem grande alarde (!) pela mecânica
atual, seria inteiramente impossível indicar como a matéria poderia chegar à
variação." Além da mecânica das massas, haveria ainda, segundo ele, uma
transformação de movimento de massas em movimento das mais pequenas partículas.
Porém, quanto a se saber como se produz essa transformação,"não temos
ainda à nossa disposição um principio geral que a explique e não devemos
pois admirarmo-nos se esses fenômenos se perdem um pouco na obscuridade".
Eis tudo o que o Sr. Dühring tem a dizer-nos. Efetivamente, ser-nos-ia
indispensável ver não só na auto-mutilação de nossas energias genitais, mas
também na fé cega do carvoeiro, o cúmulo da sabedoria, para nos contentarmos
com esse fogo fátuo e essas fórmulas verdadeiramente lamentáveis. Por si
mesma - reconhece o Sr. Dühring - a identidade absoluta não pode chegar à
mudança. Por seu próprio impulso, o equilíbrio absoluto não tem meio algum
de passar ao movimento. Que resta, portanto? Três afirmações falsas e
insustentáveis.
Primeiramente, dizem-nos que é dificílimo
mostrar a transição do primeiro para o segundo elo, na famosa cadeia da existência.
O Senhor Dühring parece ter os seus leitores na conta de crianças de peito. A
demonstração, uma por uma, das transições e conexões, na cadeia da existência,
é precisamente o que constitui a matéria das ciências da natureza e, se
acontece que a demonstração não fica clara como deve, ninguém. nem mesmo o
Sr. Dühring, sonharia em explicar o movimento que se produziu do nada, mas
sempre e exclusivamente pela transmissão, transformação ou transplantação
de um movimento precedente. Ora, trata-se. aqui, de explicar, segundo se
convencionou, como se pode fazer sair o movimento da imobilidade, ou melhor, do
nada.
Em segundo lugar. temos a"ponte da
continuidade". Este conceito, na verdade, não permite ao Sr. Dühring
superar a dificuldade, mas ele tem o direito de utilizar a continuidade como
intermediária entre a imobilidade e o movimento. Infelizmente, a continuidade
da imobilidade consiste precisamente em não se mover Como pode essa
continuidade produzir um movimento, portanto, é um mistério cada vez maior! O
Sr. Dühring faria bem em dividir a sua transição, do nada do movimento ao
movimento universal, numa infinidade de pequenas partículas, atribuindo-lhes
uma duração tão longa quanto quisesse; nem assim teríamos avançado um décimo
de milímetro para nos esclarecer. Do nada não pode sair nada, sem que
intervenha um ato criador, ainda que essa coisa seja tão pequena quanto uma
diferencial matemática.
A ponte da continuidade não é, portanto, nem
sequer o que os escolásticos chamavam de"ponte dos burros"; é
apenas uma ponte pela qual só o Sr. Dühring sabe passar.
Em terceiro lugar, enquanto valer a mecânica
atual e esta for, segundo o próprio Sr. Dühring, um dos fatores essenciais da
formação intelectual, será inteiramente impossível indicar como se pode
passar da imobilidade ao movimento. Mas a teoria mecânica do calor mostra-nos
que o movimento de massas se transforma, em certas circunstâncias, em movimento
molecular (embora, ainda aqui, um movimento nasça de outro movimento e nunca da
imobilidade). Isso, talvez, insinua o Sr. Dühring timidamente, poderia oferecer
uma ponte entre o que é rigorosamente estático (em equilíbrio) e o que é dinâmico
(em movimento). Todos esses fenômenos, porém, se perdem"um pouco na
obscuridade" na qual, nos deixa, de fato, o Sr. Dühring.
Eis, pois, a que chegamos, após tanta profundeza
e exatidão: enterramo-nos, cada vez mais, em maiores absurdos para, enfim,
aportar onde fatalmente aportaríamos: na"obscuridade". Isso, porém,
não desanima ao Sr. Dühring; já na página seguinte ele tem o desplante de
afirmar que"pode dar ao conceito da permanência a si própria, um conteúdo
real, partindo diretamente da observação da matéria e das forças mecânicas".
E esse homem chama aos outros de"charlatães".
Por felicidade, em meio a todo esse caminhar
desesperadamente errante e incoerente na"obscuridade", temos um
consolo realmente alentador:"A matemática dos habitantes de outros corpos
celestes não pode repousar em axiomas diversos dos da nossa", segundo nos
assevera o Sr. Dühring.
Inclusão | 30/10/2002 |