MIA > Biblioteca > Marx/Engels > Anti-Dürhing > Novidades
As obras do Sr. Dühring,
que devemos, por ora, tomar em consideração para a nossa análise, são: Curso
de Filosofia, Curso de Economia Política e Social e a História Crítica da
Economia Política e do Socialismo. No momento, interessa-nos principalmente a
primeira das obras por nós citadas.
Já na primeira página, o Sr. Dühring se nos
anuncia como o homem"que se outorga a representação desse poder (isto é,
a filosofia) em sua época e em todo o seu desenvolvimento próximo previsível."
Ou, por outras palavras, declara-se como o único filósofo verdadeiro dos
tempos presentes e de um futuro"previsível". Quem dele se afasta,
saiba que se afasta da verdade, Não é o Sr. Dühring o primeiro que assim
raciocina a seu próprio respeito, mas, excluindo-se Richard Wagner - é o
primeiro que o afirma com tranqüilidade. E tenha-se em conta que a verdade que
ele possui não é uma verdade como outra qualquer, mas"uma verdade
definitiva e sem apelação".
A filosofia do Sr. Dühring é"o sistema
natural ou a filosofia da realidade... A realidade apresenta-se nela de modo tal
que exclui toda quimera de representação sonhadora e subjetivamente limitada
do mundo". Esta filosofia está, pois, construída de tal modo, que
transporta seu autor, por cima das fronteiras, acima de sua limitação pessoal
e subjetiva, de modo que nem ele próprio o negará. E, com efeito, nada mais
era preciso para que seu autor estivesse em condições de proclamar verdades
definitivas e sem apelação, ainda que não tenhamos compreendido, até agora,
como pôde realizar-se semelhante maravilha.
Este"sistema natural de um saber, precioso
por si mesmo, para o espírito,"descobriu, com toda a certeza, sem
transigir quanto à profundidade da idéia, as formas fundamentais do Ser",
Desde a sua"plataforma verdadeiramente crítica", o Sr. Dühring nos
apresenta os elementos de uma filosofia real, projetada, portanto, sobre a
realidade da natureza e da vida, ante a qual não se mantém um só horizonte
apenas aparente, mas se desenrola ante os nossos olhos surpreendidos, em suas
potentes comoções, todas as terras e os céus da natureza exterior e interior;
oferece-nos, pois, um novo método especulativo e seus frutos são
"resultados e observações radicalmente novos..., idéias originais
criadoras de sistema... verdades comprovadas." Nela, temos"um
trabalho que encontrará a raiz de sua força na iniciativa concentrada"...
supondo-se que isso queira dizer alguma coisa; uma"investigação que
desce até as raízes..., uma ciência radical..., uma concepção rigorosamente
científica das coisas e dos homens..., um trabalho especulativo que penetra em
todos os aspectos e modalidades das coisas..., um esboço criador das hipóteses
e conseqüências domináveis pelo pensamento..., o absolutamente fundamental. O
Sr. Dühring não se limita a nos oferecer, no campo da Economia Política,
"trabalhos histórica e sistematicamente vastos", entre os quais os
históricos se distinguem ainda pelo"meu traço historicamente
grandioso" e que fazem nascer na economia"ciclos criadores"; além
disso, termina suas investigações com um plano socialista completo, pessoal,
perfeitamente desenvolvido, da sociedade do futuro, plano que é"o
resultado prático de uma teoria clara, que se aprofunda até as últimas raízes"
e, portanto, compartilha com a infalibilidade e a virtude de santificação
universal, que é o atributo da filosofia Dühringuiana, pois,"só sob a
forma socialista por mim desenvolvida em meu Curso de Economia Política e
Social pode uma autêntica propriedade ocupar o posto dessa propriedade aparente
e provisória conquistada pela violência". Já sabe o futuro que, quer
deseje ou não, terá que se basear, forçosamente, nessa concepção.
Nada nos custaria aumentar essa coleção de
elogios dedicados pelo Sr. Dühring ao Sr. Dühring. Mas cremos bastar o que já
dissemos para que o leitor tenha algumas dúvidas sobre o fato de ter realmente
diante de si um filósofo ou... Não; rogamos ao leitor que reserve sua opinião
até conhecer mais de perto o prometido"radicalismo". Se apresentamos
todo esse florilégio é porque queríamos simplesmente demonstrar não se
tratar de um filósofo e socialista vulgar, desses que se limitam a formular
suas idéias deixando que os outros julguem de seu valor, mas de um ser
verdadeiramente extraordinário, que afirma possuir a mesma infalibilidade do
papa e cuja doutrina, de virtude universalmente santificadora, deve ser aceita.
sem discussão, se não se quiser incorrer na mais horrenda das heresias. Não,
não se trata, absolutamente, de um desses trabalhos que enchem e superlotam as
literaturas socialistas de todos os países e, ultimamente, também da Alemanha,
de um desses trabalhos que as pessoas de diversos níveis procuram, com a maior
sinceridade, para alcançar conclusões claras sobre os problemas para cuja solução
lhes falta, em maior ou menor quantidade, dados e conhecimentos. mas nos quais,
apesar de seus defeitos científicos ou literários, merece sempre ser tomada em
conta a boa vontade socialista. Nada disso. O Sr. Dühring apresenta-nos
doutrinas que ele mesmo proclama verdades definitivas e inapeláveis, e,
portanto, de antemão excluem como falsas todas as opiniões diversas. E não só
possui a verdade exclusiva. como também possui o único método rigorosamente
científico para investigá-la, método perto do qual empalidecem, como falhos
de seriedade científica, todos os outros. Ou o Sr. Dühring tem razão e, nesse
caso, estaremos diante do maior dos gênios de todos os tempos, do primeiro
homem sobre-humano, infalível, ou, então, está o Sr. Dühring equivocado,
mas, mesmo assim, seja qual for a nossa opinião, se tomássemos em consideração,
benevolentemente, a sua boa vontade, como se esta existisse, isso seria para ele
a maior das ofensas.
Quando se está de posse da verdade definitiva e
inapelável e da única ciência rigorosamente científica, é natural que se
manifeste certo desprezo pelo resto da humanidade, ignorante da ciência e
extraviada no erro. Nada, tem, portanto, de estranho o fato de O Sr. Dühring
falar de seus predecessores com a mais profundo desprezo e só umas tantas
pessoas, a quem ele mesmo, como favor excepcional, chama de grandes homens,
prevaleçam ante o julgamento de seu"radicalismo".
Vejamos o que nos diz dos filósofos:
"Leibnitz, carente de todo sentido elevado, é o melhor de todos os possíveis
filosofadores cortesãos." Kant é ainda tolerado. Depois dele, entretanto,
tudo virou às avessas, pois vieram as tolices e futilidades, tão sem substância
e tão enganosas, dos primeiros epígonos, de um Fichte e de um Schelling...,
caricaturas monstruosas de incultos filosofastros da natureza..., as
"monstruosidades pós-kantianas" e as"fantasias febris" que
encontram"num Hegel" o seu remate e sua coroação. Este filósofo
falava uma"gíria hegeliana" e propagou a"epidemia
hegeliana", por meio de suas"maneiras e formas anticientíficas",
por suas"grosserias".
Os naturalistas não têm tratamento melhor,
apesar de ser citado apenas Darwin. Portanto, é a este que temos que nos
referir:"A semipoesia e a rapidez darwinista de metamorfoses, com sua
grosseira estreiteza de concepções e sua fraqueza de discernimento... Do nosso
ponto de vista, a darwinismo, do qual se deve separar, naturalmente, as
doutrinas lamarckianas, é uma afirmação de selvageria e um crime de
lesa-humanidade".
Mas os socialistas é que ficam em piores condições.
Com exceção de Louis Blanc - o mais insignificante de todos - eles são todos
pecadores e indignos da fama que o Sr. Dühring lhes poderia dar através de seu
nome. E tudo isso, não apenas pela sua falta de verdade para com a ciência,
mas também por sua falta de caráter. Exceto Baboeuf, e alguns outros
communards, de 1871, todos os outros chegam mesmo a ter
"masculinidade". Os três utopistas não são, segundo ele, mais que
"alquimistas sociais". Unicamente Saint-Simon consegue um tratamento
bastante passável, uma vez que só lhe é reprovado o exagero",
considerando-se caridosamente a enfermidade de megalomania religiosa de que
padecia. Mas, ao chegar a Fourier, o Sr. Dühring perde a paciência. Pois
Fourier"descobriu todos os elementos da loucura...-, idéias que deviam
estar naturalmente num manicômio..., os sonhos mais disparatados..., criaturas
loucas... O inegavelmente"perturbado Fourier", essa"cabecinha
infantil", esse"idiota", nem sequer era socialista; o seu
palavreado nada tinha a ver com o socialismo racional; era simplesmente um
aborto trabalhado pelo padrão da vida vulgar". E, finalmente, àqueles a
quem não bastam essas manifestações (as de Fourier sobre Newton...). para que
se convençam de que no nome de Fourier e em todo o fourierismo só a primeira sílaba
(fou, em francês significa louco) encerra certa verdade, merecem ser incluídos,
por sua vez, em qualquer uma das categorias do idiotismo". E, por fim,
ficamos sabendo que Robert Owen"tinha idéias pobres e mesquinhas..., sua
mentalidade tão grosseira no que se refere ao terreno moral..., alguns lugares
comuns degenerados em idéias confusas..., talento de observação absurdo e
torpe... O processo mental de Owen não merece sequer o tempo que se gasta com
uma crítica séria... A sua vaidade..." etc., etc. O Sr. Dühring
classifica os utopistas, divertindo-se com os seus nomes, com o seguinte desperdício
de humor: Saint-Simon, saint (santo), Fourier, fou (louco), Enfantin, enfant
(criança). Só lhe faltou acrescentar Owen, o weh (oh! dor em alemão),
encerrando um período bastante considerável da história do socialismo. com
uma piada, em quatro letras, e quem se atrever a pôr isso em dúvida,
"merece ser incluído em qualquer uma das categorias de idiotismo".
Dos julgamentos, que Dühring faz dos socialistas
posteriores, limitar-nos-emos a destacar, devido à sua brevidade, os que faz
sobre Lassalle e Marx:
Lassalle:"Ensaios de vulgarização pedantes
e pegajosos... excessos escolásticos..., uma mistura monstruosa de teorias
gerais e de detalhes mesquinhos..., superstição hegeliana absurda e
disforme..., exemplo repelente..., limitação..., envaidecimento jactancioso
com a mais banal mediocridade..., nosso herói judeu..., panfletista..., ordinário...,
uma concepção da vida e do mundo absolutamente insustentáveis...
Marx:"Estreiteza de concepções..., seus
trabalhos e suas conclusões são falhos por si mesmos, isto é, do ponto de
vista de teoria pura. do valor permanente, são indiferentes para o nosso
objetivo (a história crítica do socialismo), e, no que se refere à história
geral sobre as correntes do espírito, pode-se tomá-lo em consideração, no máximo,
como um sintoma da influência atingida por um ramo do escolasticismo sectário
moderno..., impotência e incapacidade de concentração e ordenação...,
deformação de pensamento e de estilo, maneiras de linguagem pouco dignas...,
vaidade anglicana..., engano..., concepções áridas, que, na realidade nada
mais são do que rimas bastardas da fantasia histórica e lógica..., processos
desonestos..., vaidade pessoal..., maneiras insolentes..., impertinências...,
frasezinhas engenhosas e tolices..., erudição mesquinha..., um retrógrado na
filosofia e na ciência."
E assim por diante, pois, o que dissemos, apesar
de suficiente, nada mais é que um florilégio bastante superficial tirado dos
jardins do Sr. Dühring. Mas é preciso ficar bem entendido que, no momento, não
nos interessa saber se esses amáveis insultos, que, com um pouco de boa educação,
poderiam coibir o Sr. Dühring de acusar alguém como"infame"
"impertinente", se essas afirmações são também verdades
definitivas e inapeláveis."Assim mesmo nos abasteremos, pelo menos no
momento - de exteriorizar qualquer dúvida sabre o seu radicalismo", pois
temos muito medo de que isso nem sequer nos permitia escolher a categoria de
idiotas na qual deveríamos ser incluídos.
Vimo-nos obrigados a dar algumas provas daquilo a
que o Sr. Dühring chama de"escolha entre as maneiras corretas e
estritamente modestas de expressão", mostrando, além disso, que para o
Sr. Dühring a insignificância de seus predecessores é tão inalterável como
o é sua própria infalibilidade. Depois disso, nada mais nos resta senão nos
humilharmos na mais profunda reverência ante o mais poderoso dos gênios de
todos os tempos..., se é que as coisas são como ele no-las promete..
Inclusão | 30/10/2002 |