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Livro Primeiro: O processo de produção do capital
Sétima Seção: O processo de acumulação do capital
Vigésimo terceiro capítulo: A lei geral da acumulação capitalista
3. Progressiva produção de uma sobrepopulação relativa ou de um exército industrial de reserva
A acumulação do capital, que originalmente aparecia apenas como seu alargamento quantitativo, completa-se, como vimos, numa contínua variação qualitativa da sua composição, no constante aumento da sua parte camponente constante à custa da sua parte componente variável(1*).
O modo de produção especificamente capitalista, o desenvolvimento da força produtiva do trabalho que lhe corresponde, a variação na composição orgânica do capital por isso causada — não mantêm apenas o passo com o progresso da acumulação ou com o crescimento da riqueza social. Eles andam incomparavelmente mais depressa, porque a acumulação simples ou a extensão absoluta do capital total são acompanhadas pela centralização dos seus elementos individuais, e o revolucionamento técnico do capital suplementar é acompanhado pelo revolucionamento técnico do capital original. Com o avanço da acumulação muda, portanto, a proporção de parte constante e de parte variável de capital; se originalmente [era] 1:1 [muda] para 2:1, 3:1, 4:1, 5:1, 7:1, etc., de tal modo que, à medida que o capital cresce, em vez de 1/2 do seu valor total ser convertida em força de trabalho, progressivamente, só 1/3,1/4, 1/5, 1/6, 1/8, etc., o é, e, em contrapartida, 2/3, 3/4, 4/5, 5/6, 7/8, etc., [são convertidos] em meios de produção. Como a procura de trabalho não é determinada pelo volume do capital total, mas pelo da sua parte componente variável, ela cai portanto progressivamente com o crescimento do capital total, em vez de, como anteriormente suposto, crescer proporcionalmente com ele. Ela cai relativamente à magnitude do capital total e em progressão acelerada com o crescimento desta magnitude. Com o crescimento do capital total cresce decerto também a sua parte componente variável, ou a força de trabalho nele incorporada, mas em proporção constantemente decrescente. Os intervalos em que a acumulação opera como mero alargamento da produção numa base técnica dada encurtam-se. Não é apenas requerida uma acumulação acelerada em progressão crescente do capital total para absorver um número suplementar de operários de dada magnitude, ou mesmo para ocupar — por causa da metamorfose constante do antigo capital — os que já funcionam. Por seu lado, esta acumulação e centralização crescentes reconvertem-se elas próprias numa fonte de nova variação da composição do capital ou de diminuição mais uma vez acelerada da sua parte componente variável comparada com a constante. Esta diminuição relativa da sua parte componente variável, acelerada com o crescimento do capital total e acelerada mais rapidamente do que o crescimento próprio deste, parece por outro lado, inversamente, crescimento absoluto sempre mais rápido da população operária do que o do capital variável ou dos meios de ocupação dela. A acumulação capitalista produz antes — e decerto na proporção da sua energia e do seu volume — constantemente uma população operária relativa, i. é, excessiva para as necessidades médias de valorização do capital, portanto supérflua ou população operária adicional.
Considerando o capital total social, o movimento da sua acumulação ora provoca uma variação periódica ora os seus momentos se repartem simultaneamente pelas diversas esferas de produção. Nalgumas esferas, a mudança na composição do capital tem lugar sem crescimento da sua magnitude absoluta, em consequência de mera concentração(2*); noutras, o crescimento absoluto do capital está ligado à diminuição absoluta da sua parte componente variável ou da força de trabalho por ele absorvida; noutras, ora o capital continua a crescer na sua base técnica dada e atrai força de trabalho adicional na proporção do seu crescimento, ora ocorre variação orgânica e a sua parte componente variável contrai-se; em todas as esferas, o crescimento da parte variável do capital, e portanto do número de operários ocupados, está sempre ligada a fortes flutuações e transitória produção de sobrepopulação, quer adopte a forma notória de repulsão de operários já ocupados quer a forma mais inaparente, mas nem por isso menos efectiva, de absorção mais dificultada da população operária adicional pelos seus canais de escoamento habituais(3*). Com a magnitude do capital social que já funciona e o grau do seu crescimento, com a extensão da escala de produção e da massa dos operários postos em movimento, com o desenvolvimento da força produtiva do seu trabalho, com um caudal mais amplo e mais repleto de todas as fontes manantes da riqueza — amplia-se também a escala em que atracção maior dos operários pelo capital se liga a repulsão maior dos mesmos, aumenta a velocidade da variação na composição orgânica do capital e na sua forma técnica, e dilata-se o círculo das esferas de produção que ora simultânea ora alternadamente são por ele apanhadas. A população operária, com a acumulação de capital por ela própria produzida, produz, portanto, em volume crescente, os meios da sua própria supranumerarização relativa(6*). Esta é uma lei da população peculiar ao modo de produção capitalista, já que de facto cada modo de produção histórico particular tem as suas próprias leis de população particulares, historicamente válidas. Uma lei abstracta da população apenas existe para plantas e animais e enquanto o homem não intervém historicamente.
Se, porém, uma sobrepopulação operária [Surplusarbeiterpopulation] é produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza numa base capitalista, esta sobrepopulação [Übervölkerung] torna-se inversamente numa alavanca da acumulação capitalista, mesmo uma condição de existência do modo de produção capitalista. Ela forma um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital tão absolutamente como se ele o tivesse feito crescer à sua própria custa. Ela cria, independentemente das barreiras ao aumento real da população, o material humano explorável, sempre pronto, para as variáveis necessidades de valorização do capital. Com a acumulação e o desenvolvimento da força produtiva do trabalho que a acompanha, a repentina força de expansão do capital cresce, não apenas porque a elasticidade do capital em funcionamento cresce e a riqueza absoluta, da qual o capital forma apenas uma parte elástica; não apenas porque o crédito, a cada estímulo particular, num abrir e fechar de olhos, põe à disposição da produção, como capital suplementar, uma parte inabitual dessa riqueza — [mas porque] as condições técnicas do próprio processo de produção, maquinaria, meios de transporte, etc., possibilitam na maior escala a mais rápida transformação de sobreproduto em meios de produção adicionais. A massa de riqueza social que se sobredilata com o progresso da acumulação e é convertível em capital suplementar, penetra com frenesim nos antigos ramos de produção, cujo mercado repentinamente se alarga, ou em ramos recentemente abertos, como os caminhos-de-ferro, etc., cuja necessidade brota do desenvolvimento dos antigos. Em todos estes casos, tinham de ser lançáveis em pontos decisivos grandes massas de homens — repentinamente e sem quebra da escala de produção noutras esferas. A sobrepopulação fornecia-as. O curso de vida característico da indústria moderna, a forma de um ciclo de dez anos — interrompido por oscilações mais pequenas — de períodos de vitalidade moderada, produção sob alta pressão, crise e estagnação, repousa na formação constante, na maior ou menor absorção e reconstituição do exército industrial de reserva ou da sobrepopulação. Por seu lado, as alternações do ciclo industrial recrutam a sobrepopulação e tomam-se num dos seus agentes de reprodução mais enérgicos.
Este curso de vida peculiar à indústria moderna, que se nos não depara em nenhuma anterior idade da humanidade, era também impossível no período da infância da produção capitalista. A composição do capital transforma-se apenas muito gradualmente. A sua acumulação correspondia, pois, globalmente crescimento proporcional da procura de trabalho. Por lento que fosse o progresso da sua acumulação, comparado com o da época moderna, o crescimento embateu contra barreiras naturais da população operária explorável, os quais só eram elimináveis por meios violentos a mencionar mais tarde. A expansão repentina e aos sacões da escala de produção é o pressuposto da sua contracção repentina; a última chama de novo a primeira, mas a primeira é impossível sem material humano disponível, sem uma multiplicação de operários independente do crescimento absoluto da população. Ela [a multiplicação] é criada pelo processo simples que «liberta» constantemente uma parte dos operários por métodos que diminuem o número de operários ocupados em proporção com a multiplicação da produção. A forma de movimento toda da indústria moderna provém, pois, da transformação constante de uma parte da população operária em braços desocupados ou meio-ocupados. A superficialidade da economia política mostra-se, entre outras coisas, no facto de ela fazer da expansão e contracção do crédito — mero sintoma dos períodos de alternação do ciclo industrial — causa destes. Do mesmo modo que os corpos celestes uma vez arremeçados num movimento determinado o repetem sempre, também a produção social, uma vez lançada naquele movimento de expansão e contracção altemantes, o repete. Os efeitos tomam-se, por sua vez, causas e as alternações do processo todo, que reproduzem sempre as suas próprias condições, assumem a forma da periodicidade(9*). Uma vez consolidada esta última, a própria economia política concebe a produção de uma população excessiva relativa, i. é, excessiva no que se refere à necessidade média de valorização do capital, como condição de vida da indústria moderna.
«Suponhamos», diz H. Merivale, anteriormente professor de economia política em Oxford e posteriormente funcionário do Ministério das Colónias inglês, «suponhamos que, por ocasião de alguma destas crises, a nação se abalançava ao esforço de se ver livre, por emigração de algumas centenas de milhares de braços supérfluos, qual seria a consequência? A de que ao primeiro regresso de procura de trabalho haveria um défice [deficiency]. Por mais rápida que a reprodução possa ser, leva em todo o caso o espaço de uma geração a substituir a perda de trabalho adulto. Ora os lucros dos nossos manufactureiros dependem principalmente do poder de fazerem uso do momento próspero em que a procura é forte e assim se compensarem do intervalo durante o qual ela é frouxa. Este poder é-lhes assegurado apenas pelo comando de maquinaria e de trabalho manual. Eles têm de ter braços prontos; têm de estar capazes de aumentar a actividade das suas operações quando requerido e de a afrouxarem de novo de acordo com o estado do mercado, ou eles não podem possivelmente manter aquela preeminência na corrida da concorrência sobre a qual se funda a riqueza do país.»(10*)
Mesmo Malthus reconhece na sobrepopulação que, no seu modo tacanho, interpreta partindo do sobrecrescimento absoluto da população operária e não da sua supranumerarização relativa, uma necessidade da indústria moderna. Diz ele:
«Hábitos prudentes no que respeita ao casamento, levados a um grau considerável entre a classe laboriosa de um país principalmente dependente de manufacturas e comércio, podem prejudicá-lo... Pela natureza de uma população, um aumento de trabalhadores não pode ser levado ao mercado em consequência de uma particular procura antes do lapso de 16 ou 18 anos, e a conversão de rendimento em capital por poupança pode ter lugar muito mais rapidamente: um país está sempre sujeito a um aumento da quantidade de fundos para a manutenção de trabalho mais rápido do que o aumento de população.»(11*)
Depois da economia política ter, assim, declarado a produção constante de uma sobrepopulação relativa de operários uma necessidade da acumulação capitalista, ela põe — e com efeito adequadamente na figura de uma solteirona — na boca do «beau idéal»(13*) do seu capitalista as seguintes palavras [dirigidas] aos «supranumerários» atirados para a rua pela sua própria criação de capital suplementar:
«Nós, manufactureiros, fazemos o que podemos por vocês na medida em que estamos a aumentar aquele capital do qual vocês têm de subsistir e vocês têm de fazer o resto acomodando o vosso número aos meios de subsistência.»(14*)
À produção capitalista não basta de modo nenhum o quantum de força de trabalho disponível que o acréscimo natural da população fornece. Para o seu livre jogo ela precisa de um exército industrial de reserva independente destas barreiras naturais.
Até aqui foi pressuposto que ao aumento ou à diminuição do capital variável corresponde exactamente o aumento ou diminuição do número de operários ocupados.
Mantendo-se igual, ou mesmo diminuindo, o número dos operários por ele comandados, o capital variável, todavia, cresce quando o operário individual fornece mais trabalho e, portanto, o seu salário cresce, ainda que o preço do trabalho permaneça igual, ou mesmo caia só que mais devagar do que a massa de trabalho cresce. O acréscimo do capital variável torna-se então índice de mais trabalho, mas não de mais operários ocupados. Cada capitalista tem o interesse absoluto de extorquir um determinado quantum de trabalho a partir de um número de operários mais pequeno em vez de a partir de um número de operários maior igualmente barato ou mesmo mais barato. No último caso, o desembolso de capital constante cresce proporcionalmente à massa do trabalho posta a fluir, no primeiro caso, muito mais devagar. Quanto maior for a escala da produção tanto mais decisivo será este motivo. O seu peso cresce com a acumulação do capital.
Vimos que o desenvolvimento do modo de produção capitalista e da força produtiva do trabalho — simultaneamente causa e efeito da acumulação — habilita o capitalista a, com o mesmo desembolso de capital variável, fazer fluir mais trabalho por maior exploração extensiva ou intensiva das forças de trabalho individuais. Vimos, além disso, que com o mesmo valor de capital ele compra mais força de trabalho ao desalojar progressivamente operários mais destros por menos destros, maduros por imaturos, homens por mulheres, força de trabalho adulta por força de trabalho juvenil ou infantil(15*).
Por um lado, portanto, no decurso da acumulação, capital variável maior faz fluir mais trabalho sem contratar mais operários; por outro lado, capital variável da mesma magnitude faz fluir mais trabalho com a mesma massa de força de trabalho e, finalmente, mais forças de trabalho inferiores por desalojamento de superiores.
A produção de uma sobrepopulação relativa ou a libertação de operários avança, assim, ainda mais depressa do que o revolucionamento técnico, de qualquer modo já acelerado pelo progresso da acumulação, do processo de produção e a diminuição proporcional correspondente da parte variável do capital face à constante. Se os meios de produção, ao aumentarem em volume e eficácia, devêm em grau mais diminuto meios de ocupação dos operários, esta relação é ela própria de novo modificada pelo facto de que na medida em que a força produtiva do trabalho cresce o capital sobe a sua oferta de trabalho mais rapidamente do que a sua procura de operários. O trabalho a mais da parte ocupada da classe operária dilata as fileiras da sua reserva enquanto, inversamente, a multiplicação da pressão que a última pela sua concorrência exerce sobre a primeira constrange esta ao trabalho a mais e à submissão aos ditames do capital. A condenação de uma parte da classe operária a um ócio coercivo pelo trabalho a mais da outra parte e inversamente torna-se meio de enriquecimento do capitalista singular(16*) e acelera simultaneamente a produção do exército industrial de reserva numa medida correspondente ao progresso da acumulação social. Quão importante é este momento na formação da sobrepopulação relativa demonstra-o, p. ex., a Inglaterra. Os seus meios técnicos para «poupança» de trabalho são colossais. No entanto, se amanhã, no geral, o trabalho fosse limitado a uma medida racional e graduado por sua vez de um modo correspondente à idade e sexo para as diversas camadas da classe operária, a população operária existente seria absolutamente insuficiente para o prosseguimento da produção nacional à sua escala actual. A grande maioria dos operários agora «improdutivos» teria de ser transformada em operários «produtivos».
Grosso modo, os movimentos gerais do salário são regulados exclusivamente pela expansão e pela contracção do exército industrial de reserva, as quais correspondem aos períodos de alternação do ciclo industrial. Eles não são, pois, determinados pelo movimento do número absoluto da população operária, mas pela relação alterna em que a classe operária se divide em exército activo e exército de reserva, pelo aumento e diminuição do volume relativo da sobrepopulação, pelo grau em que é ora absorvida ora de novo libertada. Para a indústria moderna, com o seu ciclo de dez anos e as suas fases periódicas — que, além disso, no decurso da acumulação são entrecruzadas por oscilações irregulares que se sucedem umas às outras sempre mais rapidamente —, seria de facto uma bela lei aquela que regulasse a procura [Nachfrage] e oferta [Zufuhr] de trabalho não pela expansão e contracção do capital (portanto, segundo as suas necessidades de valorização do momento, de tal modo que o mercado de trabalho ora aparece relativamente subpreenchido porque o capital se expande, ora de novo sobrepreenchido porque ele se contrai), mas que, inversamente, tomasse o movimento do capital dependente do movimento absoluto do conjunto da população. Este é, todavia, o dogma económico. De acordo com ele, o salário sobe na sequência da acumulação de capital. A elevação do salário incentiva a multiplicação mais rápida da população operária e esta continua até o mercado de trabalho se encontrar superlotado, portanto, até o capital se tomar insuficiente relativamente à oferta de trabalho. O salário cai, e então [temos] o reverso da medalha. Com a queda do salário a população operária é pouco a pouco dizimada, de tal modo que face a ela o capital se toma de novo excessivo ou também, como o explicam outros, a queda do salário e a correspondente elevação da exploração do operário acelera de novo a acumulação enquanto, simultaneamente, o salário mais baixo mantém em respeito o crescimento da classe operária. Assim volta a aparecer a relação em que a oferta de trabalho é menor que a procura de trabalho, o salário sobe, etc. Belo método de movimento este para a produção capitalista desenvolvida! Antes que, em consequência da elevação do salário, pudesse aparecer qualquer crescimento positivo da população realmente capaz de trabalhar, teria uma e outra vez passado o prazo em que a campanha industrial teria de ser conduzida, a batalha de ser travada e decidida.
Entre 1849 e 1859 teve lugar nos distritos agrícolas ingleses, simultaneamente com a queda dos preços dos cereais, uma elevação de salários que, praticamente considerada, era apenas nominal; p. ex., em Wiltshire o salário semanal subiu de 7 para 8 sh., em Dorsetshire de 7 ou 8 para 9 sh., etc. Isto foi consequência do defluxo acima do habitual da sobrepopulação agrícola causado pela procura para as guerras[N178], pela extensão em massa das construções de caminhos-de-ferro, de fábricas, minas, etc. Quanto mais baixo é o salário tanto mais elevadamente se exprime em números percentuais cada subida dele, ainda que insignificante. Se o salário semanal é, p. ex., de 20 sh. e sobe para 22, ele sobe 10%; se, pelo contrário, for apenas de 7 sh. e subir para 9, então são já 28 4/7%, o que soa a muito considerável. Em todo o caso, os rendeiros berraram e até o London Economist(19*) no que se refere a estes salários de fome perorou muito a sério acerca de «a general and substantial advance»(20*). O que fizeram então os rendeiros? Esperaram eles até que os operários rurais, em consequência deste pagamento brilhante, se tivessem multiplicado tanto que o seu salário tivesse novamente de cair, como as coisas se passam no cérebro dogmaticamente económico? Eles introduziram mais maquinaria e, num abrir e fechar de olhos, os operários eram de novo «supranumerários», numa proporção satisfatória mesmo para os rendeiros. Havia então «mais capital» investido na agricultura do que antes e numa forma mais produtiva. Deste modo a procura de trabalho baixou não só relativa, mas absolutamente.
Aquela ficção económica confunde as leis que regulam o movimento geral do salário ou a relação entre classe operára, i. é, força de trabalho total, e capital total social com as leis que repartem a população operária pelas esferas particulares de produção. Se, p. ex., na sequência de conjuntura favorável, a acumulação numa determinada esfera de produção é particularmente viva, os lucros são aqui maiores do que os lucros médios, aflui capital adicional — a procura de trabalho e salário naturalmente sobem. Um salário superior atrai uma parte maior da população operária para a esfera favorecida até ela ficar saturada de força de trabalho e o salário desce de novo com o tempo até ao seu nível médio anterior ou abaixo dele, caso a afluência tenha sido demasiada. Então não só cessa a imigração de operários para esse ramo do negócio em questão, ele dá mesmo lugar à sua emigração. O economista político crê ver aqui «onde e como» com aumento do salário [há] um aumento absoluto de operários, e com o aumento absoluto dos operários uma diminuição do salário, mas ele de facto vê apenas a oscilação local do mercado de trabalho de uma esfera particular da produção, ele vê apenas fenómenos da repartição da população operária pelas diversas esferas de investimento do capital, consoante as suas necessidades altemantes.
Durante os períodos de estagnação e de prosperidade média, o exército industrial de reserva pressiona o exército de operários activo e durante o período da sobreprodução e do paroxismo refreia as suas exigências. A sobrepopulação relativa é, portanto, o pano de fundo sobre o qual se move a lei da oferta e da procura de trabalho. Ela comprime o espaço de manobra desta lei dentro de barreiras que convenham absolutamente à avidez de exploração e à ânsia de dominação do capital. E aqui o lugar de voltar a um dos grandes feitos da apologética económica. Recordar-se-á que quando, pela introdução de nova ou pela extensão de antiga maquinaria, um pedaço de capital variável é transformado em capital constante o apologeta económico interpreta esta operação, que «vincula» capital e precisamente por isso «liberta» operários, de um modo tão invertido que ela liberta capital para os operários. Só agora podemos avaliar completamente a falta de vergonha do apologeta. O que é libertado são não só os operários desalojados imediatamente pela máquina, mas igualmente a sua equipa de substituição e o contingente adicional que durante a expansão habitual do negócio na sua base antiga era regularmente absorvido. Eles são agora «libertados» todos e cada novo capital desejoso de funcionar pode dispor deles. Atraia ele uns ou outros, o efeito sobre a procura geral de trabalho será zero enquanto precisamente este capital chegar para libertar o mercado de tantos operários quantos as máquinas para ele lançam. Se ele ocupar um número mais diminuto cresce o conjunto dos supranumerários; se ocupar um número maior cresce a procura geral de trabalho apenas tanto quanto o excesso dos ocupados sobre os «libertados». O impulso que de outro modo o capital suplementar em busca de investimento teria dado à procura geral de trabalho é portanto, em qualquer caso, neutralizado na medida em que forem suficientes os operários atirados para a rua pela máquina. I. é, portanto: o mecanismo da produção capitalista cuida de que o acréscimo absoluto de capital não seja acompanhado por nenhuma subida correspondente da procura geral de trabalho. E o apologeta chama a isto uma compensação pela miséria, os sofrimentos e a possível morte [Untergang] dos operários deslocados durante o período de transição que os desterra para o exército industrial de reserva! A procura de trabalho não é idêntica ao crescimento do capital, a oferta de trabalho não o é ao crescimento da classe operária, como se duas potências independentes uma da outra se influenciassem mutuamente. Les dés sont pipés(21*). O capital age sobre ambos os lados simultaneamente. Quando a sua acumulação, por um lado, multiplica a procura de trabalho, ele multiplica, por outro lado, a oferta de operários pela sua «libertação», enquanto, simultaneamente, a pressão dos desocupados constrange os ocupados a fazer fluir mais trabalho, portanto, em certo grau toma a oferta de trabalho independente da oferta de operários. O movimento da lei da oferta e da procura de trabalho nesta base perfaz o despotismo do capital. Logo, portanto, que os operários se apercebem do segredo do que se passa, i. é, que na mesma medida em que eles trabalham mais produzem mais riqueza alheia e na mesma medida em que a força produtiva do seu trabalho cresce tanto mais precária se toma para eles a sua função como meio de valorização do capital; logo que descobrem que o grau de intensidade da concorrência entre eles próprios depende exclusivamente de pressão da sobrepopulação relativa; logo que, portanto, procuram organizar por meio de trades unions(22*), etc., uma acção conjunta e planificada entre os ocupados e os desocupados para quebrarem ou enfraquecerem as consequências ruinosas daquela lei natural da produção capitalista sobre a sua classe — o capital e o seu sicofanta, o economista político, clamam que há violação da lei «eterna» e por assim dizer «sagrada» da oferta e da procura. Toda a coesão entre ocupados e desocupados designadamente perturba o jogo «puro» daquela lei. Por outro lado, logo que, nas colónias, p. ex., circunstâncias adversas impedem a criação do exército industrial de reserva e com ela a dependência absoluta da classe operária da classe dos capitalistas, o capital, junto com o seu Sancho Pança de lugares-comuns, rebela-se contra a «sagrada» lei da oferta e da procura e com meios coercivos tentam metê-la nos eixos.
Notas de rodapé:
(1*) {Nota à 3.a edição. — No exemplar de trabalho de Marx encontra-se aqui a [seguinte] nota à margem: «Observar aqui para mais tarde: se o alargamento for apenas quantitativo, os lucros de um capital maior e de um capital menor, no mesmo ramo de negócio, estarão na proporção das magnitudes dos capitais adiantados. Se argamento quantitativo operar qualitativamente, as taxas de lucro para o capital maior sobem simultaneamente.» — F. E.} (retornar ao texto)
(2*) 3ª edição: centralização (Nota da edição alemã) (retornar ao texto)
(3*) O censo para Inglaterra e País de Gales mostra entre outras coisas:
Todas as pessoas ocupadas na agricultura (proprietários, rendeiros, hortelões, pastores, etc., incluídos) — 1851: 2 011 447; 1861: 1 924 110; diminuição — 87 337. Manufactura de worsted(4*) — 1851: 102 714 pessoas; 1861: 79 242; fabrico de seda — 1851: 111 940; 1861: 101 678; estampagem de chitas — 1851: 12 098; 1861: 12 556, cujo aumento diminuto, apesar da enorme extensão do negócio, determina uma grande diminuição proporcional no número dos operários ocupados. Chapeleiros — 1851: 15 957; 1861: 13 814; produtores de chapéus de palha e de gorros — 1851: 20 393; 1861: 18 176; maltagem — 1851: 10 566; 1861: 10 677; cirieiros — 1851: 4 949; 1861: 4 686. Esta diminuição é entre outras coisas devida ao aumento da iluminação a gás. Penteeiros — 1851: 2038; 1861: 1478; serradores — 1851: 30 552; 1861: 31 647, aumento diminuto em consequência da proliferação de máquinas de serrar; pregueiros — 1851: 26 940; 1861: 26 130, diminuição em consequência da concorrência de máquinas; operários em minas de estanho e cobre — 1851: 31 360; 1861: 32 041. Pelo contrário: fiações de algodão e tecelagens — 1851: 371 777; 1861: 456 646; minas de carvão — 1851: 183 389; 1861: 246 613. «O aumento de trabalhadores é maior, em geral, desde 1851, naqueles ramos de indústria em que a maquinaria até ao presente não foi empregue com sucesso.» (Census of England and Wales for 1861, vol. III, Lond., 1863, pp. 35-39(5*).) (retornar ao texto)
(4*) Em inglês no texto: estambre. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(5*) Na edição inglesa: p. 36. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(6*) A lei da diminuição progressiva da magnitude relativa do capital variável, a par dos seus efeitos sobre a situação da classe dos assalariados, foi mais pressentida do que compreendida por alguns economistas notáveis da escola clássica. O maior mérito cabe aqui a John Barton, embora ele, como todos os outros, misture o capital constante com o capital fixo, o capital variável com o capital circulante. Diz ele: «A procura de trabalho depende do aumento de capital circulante e não do de capital fixo. Se fosse verdade que a proporção entre estas duas espécies de capital é a mesma em todos os tempos e em todas as circunstâncias, então, de facto, seguir-se-ia que o número de trabalhadores empregue estaria em proporção com a riqueza do Estado. Mas uma tal proposição não tem vislumbre de probabilidade. A medida que as artes(7*) são cultivadas e a civilização se estende, o capital fixo guarda uma proporção cada vez maior com o capital circulante. O montante de capital fixo empregue na produção de uma peça de musselina britânica é pelo menos cem vezes, provavelmente mil vezes, maior do que o empregue numa peça similar de musselina indiana. E a proporção de capital circulante é cem ou mil vezes menor... a totalidade das poupanças anuais, adicionada ao capital fixo, não teria qualquer efeito de aumentar a procura de trabalho.» (John Barton, Observations on the Circumstances which Influence the Condition of the Labouring Classes of Society, Lond., 1817, pp. 16, 17.) «A mesma causa que pode fazer crescer o rendimento líquido do país, pode ao mesmo tempo tomar a população redundante e deteriorar a condição do trabalhador.» (Ricardo, 1. c., p. 469.) Com o aumento do capital «a procura» (de trabalho) «será numa razão decrescente». (L. c., p. 480, nota.) «O montante de capital votado à manutenção de trabalho pode variar independemente de quaisquer mudanças no montante total de capital... Grandes flutuações no montante de emprego e grande sofrimento podem tomar-se mais frequentes à medida que o próprio capital se toma mais copioso.» (Richard Jones, An Introductory Lecture on Pol. Econ., Lond., 1833, p. 12(8*).) «A procura» (de trabalho) «subirá... não em proporção com a acumulação do capital geral... Por conseguinte, cada aumento do capital [stock] nacional destinado à reprodução vem a ter, com o progresso da sociedade, cada vez menos influência sobre a condição do trabalhador.» (Ramsay, 1. c., pp. 90, 91.) (retornar ao texto)
(7*) Marx traduz: Naturwissenschaften, Ciências da Natureza. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(8*) Na edição inglesa: p. 13. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(9*) Na edição francesa encontra-se neste lugar a seguinte intercalação: Mas é apenas da época em que a indústria mecânica, tendo lançado raízes suficientemente profundas, exerceu uma influência preponderante sobre toda a produção nacional; em que, graças a ela, o comércio externo começou a primar sobre o comércio interno; em que o mercado universal anexou sucessivamente a si vastos terrenos no Novo Mundo, na Ásia e na Austrália; em que, enfim, as nações industriais que entram na liça se tomaram suficientemente numerosas — é desta época apenas que datam os ciclos que renascem, cujas fases sucessivas abarcam anos e que vão sempre dar a uma crise geral, fim de um ciclo e ponto de partida de um outro. Até aqui a duração periódica destes ciclos é de dez ou onze anos, mas não há nenhuma razão para considerar este número como constante. Pelo contrário, deve inferir-se das leis da produção capitalista, tais como acabamos de as desenvolver, que ele é variável e que o período dos ciclos se encurtará gradualmente. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(10*) H. Merivale, Lectures on Colonization and Colonies, Lond., 1841 and 1842, vol. I, p. 146. (retornar ao texto)
(11*) «Prudential habits with regard to marriage, carried to a considerable extent among the labouring class of a country mainly depending upon manufactures and commerce, might injure it... From the nature of a population, an increase of labourers cannot be brought into market, in consequence of a particular demand, till after the lapse of 16 or 18 years, and the conversion of revenue into capital, by saving, may take place much more rapidly; a country is always liable to an increase in the quantity of the funds for the maintenance of labour faster than the increase of population.» (Malthus, Princ. of Pol. Econ., pp. 215, 319, 320.) Nesta obra Malthus descobre por fim, por intermédio de Sismondi, a bela trindade da produção capitalista: sobreprodução — sobrepopulação — sobreconsumo, three very delicate monsters, indeed!(12*) Cf. F. Engels, «Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonomie», 1. c., p. 107 sqq. (retornar ao texto)
(12*) Em inglês no texto: de facto, três monstros muito delicados! (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(13*) Em francês no texto: «belo ideal». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(14*) Harriet Martineau, The Manchesler Strike, 1832, p. 101. (retornar ao texto)
(15*) Na edição francesa a frase prossegue: um Ianque por três Chineses. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(16*) Mesmo durante a escassez do algodão de 1863 encontramos num panfleto dos fiandeiros de algodão de Blackbum uma enérgica denúncia do trabalho a mais, o qual, por força da lei fabril, naturalmente só atingia os operários adultos do sexo masculino. «Nesta fábrica foi exigido aos operários adultos que trabalhassem de 12 a 13 horas por dia, enquanto há centenas que são compelidos ao ócio e que de boa vontade trabalhariam a tempo parcial em ordem a sustentar as suas famílias e salvar os seus irmãos de uma tumba prematura em virtude de estarem a trabalhar a mais.» «Nós», diz-se mais adiante, «perguntaríamos se esta prática de trabalhar tempo a mais [...] é de molde a criar um bom entendimento entre patrões e servidores(17*). Aqueles que são feitos trabalhar tempo a mais sentem a injustiça de modo igual aos que estão condenados ao ócio forçado (condemned to forced idleness). No distrito há quase trabalho suficiente para dar emprego parcial a todos, desde que distribuído equitativamente. Estamos apenas a pedir o que está certo quando requeremos aos Patrões de um modo geral que prossigam um sistema de horas reduzidas, particularmente até que um melhor estado de coisas comece a raiar para nós, em vez de fazer trabalhar uma porção de braços tempo a mais enquanto outros por falta de trabalho são compelidos a viver da caridade.» (Reports of lnsp. of Fact., 31st Oct., 1863, p. 8.) — O efeito de uma sobrepopulação relativa sobre os operários ocupados é compreendido pelo autor do Essay on Trade and Commerce com o seu habitual e infalível instinto burguês. «Outra causa de ociosidade (idleness) neste Reino é a falta de um número suficiente de braços que trabalhem [...]. Sempre que, a partir de uma procura extraordinária de produtos manufacturados, o trabalho cresce pouco(18*) os trabalhadores sentem a sua própria importância e fá-la-ão igualmente sentir aos seus patrões; é espantoso, mas as disposições desta gente são tão depravadas que nestes casos um grupo de operários combinou afligir o empregador mandriando todos juntos um dia inteiro.» (Essay, etc., pp. 27, 28.) Essa gente exigia, designadamente, elevação de salários. (retornar ao texto)
(17*) No alemão esta última palavra figura entre aspas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(18*) Na tradução de Marx: «a massa de trabalho se torna insuficiente». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(19*) Economist, 21 de Jan. de 1860. (retornar ao texto)
(20*) Em inglês no texto: «um aumento geral e substancial». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(21*) Em francês no texto: Os dados estão viciados. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(22*) Em inglês no texto: Sindicatos. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
[N178] Entre 1849 e 1859 a Inglaterra participou em várias guerras: Guerra da Crimeia (1853-1856), guerra contra a China (1856-1858 e 1859-1860) e guerra contra a Pérsia (1856-1857). Além disso, em 1849 a Inglaterra concluiu a conquista da Índia e em 1857-1859 enviou as suas tropas para esmagar a insurreição de libertação nacional indiana. (retornar ao texto)
Inclusão | 12/01/2015 |