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Cidadãos! Cheguei ao ponto em que devo necessariamenteentrar no verdadeiro desenvolvimento do tema. Não posso asseverar que o faça de maneira muito satisfatória, pois isso, me obrigaria a percorrer todo o campo da economia política. Apenas posso, como diria o francês, effleurer Ia question, tocar os aspectos fundamentais.
A primeira pergunta que temos de fazer é esta: Que é o valor de uma mercadoria? Como se determina este valor?
A primeira vista, parecerá que o valor de uma mercadoria é algo completamente relativo, que não se pode determinar sem pôr uma mercadoria em relação com todas as outras. Com efeito, quando falamos do valor, do valor de troca de uma mercadoria, entendemos as quantidades proporcionais nas quais é trocada por todas as demais mercadorias. Isto,porém, conduz-nos aperguntar: como se regulam as proporções em que umas mercadorias se trocam por outras?
Sabemos por experiência que essas proporções variam ao infinito. Tomemos uma única mercadoria, por exemplo, o trigo, e veremos que um quarter de trigo se permuta, numa série quase infinita de graus de proporção, por diferentes mercadorias. E, sem embargo, como o seu valor é sempre o mesmo, quer se expresse em sêda, em ouro, ou outra qualquer mercadoria, este valor tem que ser alguma coisa de distinto e independente dessas diversas proporções em que se troca por outros artigos. Necessariamente há de ser possível exprimir, de uma forma muito diferente, estas diversas equações com várias mercadorias.
De resto, quando digo que um quarter de trigo se troca por ferro numa determinada proporção ou que o valor de um quarter de trigo se expressa numa determinada quantidade deferro, digo que o valor do trigo ou seu equivalente em ferro são iguais a uma terceira coisa, que não é trigo nem ferro, pois suponho que ambos exprimem a mesma grandeza sob duas formas distintas. Portanto, cada um destes dois objetos, tanto o trigo como o ferro, deve poder reduzir-se,independentemente um do outro, àquela terceira coisa, que é a medida comum de ambos.
Para esclarecer este ponto, recorrerei a um exemplo geométrico muito simples. Quando comparamos a área de vários triângulos das mais diversas formas e grandezas, ou quando comparamos triângulos com retângulos, ou com outra qualquer figura retilinea, qual é o processo que empregamos? Reduzimos a área do triângulo qualquer a uma expressão cornpletamente distinta de sua forma visível. E como, pela natureza do triângulo, sabemos que a área desta figura geométrica é sempre igual à metade do produto de sua base pela sua altura, isto nos permite comparar entre si os diversos valores de toda classe de triângulos e de todas as figuras retilíneas, já que todas elas podem reduzir-se a um certo número de triângulos.
Temos que seguir o mesmo processo para os valores das mercadorias. Temos que poder reduzi-los todos a uma expressão comum, distinguindo-os unicamente pela proporção em que contêm esta mesma e idêntica medida.
Como os valores de troca das mercadorias não passam de funções sociais delas, e nada têm a ver com suas propriedades naturais, devemos antes de mais nada perguntar: Qual é a substância social comum a todas as mercadorias? É o trabalho. Para produzir uma mercadoria tem-se que inverter nela ou a ela incorporar uma determinada quantidade de trabalho. E não simplesmente trabalho, mas trabalho social. Aquele que produz um objeto para seu uso pessoal e direto, para consumi-lo, cria um produto,mas não uma mercadoria.Como produtor que se mantém a si mesmo, nada tem com a sociedade. Mas para produzir uma mercadoria,não só se tem de criar um artigo que satisfaça uma necessidade social qualquer, como também o trabalho nele incorporado deverá representar uma parte integrante da soma global de trabalho invertido pela sociedade. Tem que estar subordinado à divisão de trabalho dentro da sociedade. Não é nada sem os demais setores do trabalho, e, por sua vez, é chamado a integrá-los.
Quando consideramos as mercadorias como valores, vemo-las somente sob o aspecto de trabalho social realizado, plasmado ou, se assim quiserdes, cristalizado. Consideradas desse modo, só podem distinguir-se umas das outras enquanto representem quantidades maiores ou menores de trabalho;assim, por exemplo, num lenço de sêda pode encerrar-se uma quantidade maior de trabalho do que um tijolo. Mas como se medem as quantidades de trabalho? Pelo tempo que dura o trabalho,medindo este em horas, em dias, etc. Naturalmente, para aplicar esta medida, todas as espécies de trabalho se reduzem atrabalho médio, ou simples, como a sua unidade.
Chegamos portanto a esta conclusão. Uma mercadoria tem um valor por ser uma cristalização de um trabalho social. A grandeza de seu valor, ou seu valor relativo, depende da maior ou menor quantidade dessa substância social que eIa encerra, quer dizer, da quantidade relativa de trabalho necessário à sua produção. Portanto, os valores relativos das mercadoriasse determinam pelas correspondentes quantidades ou somas de trabalho invertidas, realizadas, plasmadas nelas. As quantidades correspondentesde mercadorias, que foram produzidas no mesmo tempo de trabalho, sãoiguais. Ou, dito de outro modo, o valor de uma mercadoria está para o valor de outra, assim como a quantidade de trabalho plasmada numa está para a quantidade de trabalho plasmada na outra.
Suspeito que muitos de vós perguntareis: existe então uma diferença tão grande, supondo que exista alguma, entre a determinação dos valores das mercadorias na base dos salários e sua determinação pelas quantidades relativas de trabalhonecessárias à sua produção? Não deveis perder de vista que a retribuição do trabalho e a quantidade de trabalho são coisas perfeitamente distintas. Suponhamos, por exemplo, que num quarter de trigo e numa onça de ouro se plasmam quantidades iguais de trabalho. Valho-me deste exemplo porque já foi empregado por Benjamin Franklin no seu primeiro ensaio, publicado em 1729, sob o título de Uma Modesta Investigação Sobre a Natureza e a Necessidade do Papel-Moeda, que é um dos primeiros livros em que se reconhece a verdadeira natureza do valor. Pois bem, suponhamos, como ficou dito, que um quarter detrigo e uma onça de ouro são valores iguais ou equivalentes, por serem cristalizações de quantidades iguais de trabalho médio, de tantos dias, ou tantas semanas de trabalho plasmado em cada uma delas. Acaso, ao determinar assim os valores relativos do ouro e do trigo, fazemos qualquer referência aos salários que percebem os operários agrícolas e os mineiros? Em absoluto, nem por sombra. Não dizemos, sequer remotamente, como se paga o trabalhodiário ou semanal destes obreiros, nem ao menos dizemos se aqui se emprega, ou não, trabalho assalariado. Ainda supondo que se empregue trabalho assalariado, os salários podem ser muito desiguais. Pode acontecer que o operário cujo trabalho se plasma no quarter de trigo só perceba por ele dois bushels enquanto o operário empregado na mina pode ter percebido pelo seu trabalho metade da onça de ouro. Ou, supondo que os seus salários sejam iguais, podem diferir nas mais diversas proporções dos valores das mercadorias por eles produzidas. Podem representar a metade, a terça, quarta ou quinta parte, ou outra fração qualquer daquele quarter de trigo, ou daquela onça de ouro. Naturalmente, os seus salários nãopodem exceder os valores das mercadorias por eles produzidas, não podem ser maiores que estas, mas podem, sim,ser inferiores em todos os graus imagináveis. Seus salários achar- se-ão limitados pelos valoresdos produtos, mas os valores de seus produtos não se acharão limitados pelos salários. E sobretudo aqueles valores, os valores relativos do trigo e do ouro, por exemplo, se terão fixado sem atentar em nada no valor do trabalho invertido neles, isto é, sem atender em nada aos salários. A determinação dos valores das mercadorias pelas quantidades relativas de trabalho nelas plasmado difere, como se vê, radicalmente, do método tautológico da determinação dos valores das mercadorias pelo valor do trabalho, ou seja pelos salários.Contudo, no decurso de nossa investigação teremos oportunidade de esclarecer ainda mais este ponto.
Para calcular o valor de troca de uma mercadoria, temos de acrescentar à quantidade de trabalho invertida nela, em último lugar, a que antes se incorporou nas matérias-primas com que se elabora a mercadoria e o trabalho aplicado nos meios de trabalho - ferramentas, maquinaria e edifícios - que serviram para esse trabalho. Por exemplo, o valor de uma determinada quantidade de fio de algodão é a cristalização da quantidade de trabalho incorporada ao algodão durante o processo da fiação e, além disso, da quantidade de trabalho anteriormente plasmado nesse algodão, da quantidade de trabalho encerrada no carvão, no óleo e em outras matérias auxiliares empregadas, bem como da quantidade do trabalho materializado, na máquina a vapor, nos fusos, no edifício da fábrica, etc. Os meios de trabalho propriamente ditos, tais como ferramentas, maquinaria e edifícios, utilizam-se constantemente, durante um período de tempo mais ou menos longo, em processos repetidos de produção. Se se consumissem de uma vez, como acontece com as matérias-primas, transferir-se-ia imediatamente todo o seu valor à mercadoria que ajudam a produzir. Mas como um fuso, por exemplo, só se desgasta aos poucos, calcula-se um termo médio tomando por base a sua duração média, o seu aproveitamento médio ou a sua deterioração ou desgaste durante um determinado tempo, digamos, um dia. Deste modo calculamos qual aparte do valor dos fusos que passa ao fio fabricado durante um dia e que parte, portanto, dentro da soma global de trabalho realizado, por exemplo, numa libra de fio, corresponda à quantidade de trabalho anteriormente incorporado nos fusos. Para o objetivo a que visamos é desnecessário insistir mais neste ponto.
Poderia parecer que, se o valor de uma mercadoria se determina pela quantidade de trabalho que se inverte na sua produção,quanto mais preguiçoso ou inábil seja um operário, mais valiosa será a mercadoria por ele produzida, pois que o tempo de trabalho necessário para produzi-Ia será proporcionalmente maior. Mas aquele que assim pensa incorre num lamentável erro. Lembrai-vos que eu empregava a expressão 'trabalho social" e nesta denominação de"social" cabem muitas coisas. Ao dizer que o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho incorporado ou cristalizado nela, queremos referir-nos à quantidade de trabalho necessário para produzir essa mercadoria num dado estado social e sob determinadas condições sociais médias de produção, com urna dada intensidade social média e com uma destreza média no trabalho que se emprega. Quando, na Inglaterra, o tear a vapor começou a competir com o tear manual, para converter uma determinada quantidade de fio numa jarda de tecido de algodão, ou pano, bastava a metade da duração de trabalho que anteriormente se invertia. Agora, o pobre tecelão manual tinha que trabalhar 17 ou 18 horas diárias, em vez das 9 ou 10 de antes. Não obstante, o produto de suas 20 horas de trabalho só representava 10 horas de trabalho social; isto é, as 10 horas de trabalho socialmente necessárias para converter uma determinada quantidade de fio em artigos têxteis. Portanto, seu produto de 20 horas não tinha mais valor,do que aquele que antes elaborava em 10.
Se então a quantidade de trabalho socialmente necessário, materializado nas mercadorias, é o que determina o valor de troca destas, ao crescer a quantidade de trabalho exigível para produzir uma mercadoria aumenta necessariamente o seu valor e, vice-versa, diminuindo aquela, baixa este.
Se as respectivas quantidades de trabalho necessário para produzir as respectivas mercadorias permanecessem constantes, seriam também constantes seus valores relativos.Porém, assim não sucede. A quantidade de trabalho necessário para produzir uma mercadoria varia constantemente, ao variarem as forças produtivas do trabalho aplicado. Quanto maiores são as forças produtivas do trabalho, mais produtos se elaboram num tempo de trabalho dado; e quanto menores são, menos se produzem na mesma unidade de tempo. Se, por exemplo, ao crescer a população, se fizesse necessário cultivar terras menos férteis, teríamos que inverter uma quantidade maior de trabalho para obter a mesma produção, e isto faria subir, por conseguinte, o valor dos produtos agrícolas. Por outro lado, se um só fiandeiro, com os modernos meios de produção, ao fim do dia converte em fio mil vezes mais algodão que antes fiava no mesmo espaço detempo com auxílio da roca, é evidente que, agora, cada libra de algodão absorverá mil vezes menos trabalho de fiação que dantes e, por conseqüência, o valor que o processo de fiação incorpora em cada libra de algodão será mil vezes menor. E na mesma proporção baixará o valor do fio.
À parte as diferenças nas energias naturais e na destreza adquirida para o trabalho entre os diversos povos, as forças produtivas do trabalho dependerão, principalmente:
1. - Das condições naturais do trabalho: fertilidade do solo, riqueza das jazidas minerais, etc.
2. - Do aperfeiçoamento progressivo das forças sociais do trabalho por efeito da produção em grande escala, da concentração do capital, da combinação do trabalho, da divisão do trabalho, maquinaria, melhoria dos métodos, aplicação dos meios químicos e de outras forças naturais, redução do tempo e do espaço graças aos meios de comunicação e de transporte, e todos os demais inventos pelos quais a ciência obriga as forças naturais a servir o trabalho, e pelos quais desenvolve o caráter social ou cooperativo do trabalho. Quanto maior é a força produtiva do trabalho, menos trabalho se inverte numa dada quantidade de produtos e, portanto, menor é ovalor destes produtos. Quanto menores são as forças produtivas do trabalho, mais trabalho se emprega na mesma quantidade de produtos e, por conseqüência, maior é o seu valor. Podemos, então, estabelecer como lei geral o seguinte:
Os valores das mercadorias estão na razão direta do tempo de trabalho invertido em sua produção e na razão inversa das forças produtivas do trabalho empregado.
Como até aqui só temos falado do valor,acrescentarei algumas palavras acerca do preço, que é uma forma particular tomada pelo valor.
Em si mesmo, o preço outra coisa não é senão a expressão em dinheiro do valor. Os valores de todas as mercadorias deste país se exprimem, por exemplo, em preços-ouro, enquanto no Continente se expressam quase sempre em preços-prata. O valor do ouro, ou da prata, se determina como o de qualquer mercadoria, pela quantidade de trabalho necessário à sua extração. Permutais uma certa soma de vossos produtos nacionais, na qual se cristaliza uma determinada quantidade de vosso trabalho nacional, pelos produtos dos países produtores de ouro e prata, nos quais se cristaliza uma determinada quantidade de seu trabalho. É por este processo, na verdade pela simples troca, que aprendeis a exprimir em ouro e prata os valores de todas as mercadorias, isto é, as quantidades respectivas de trabalho empregadas na sua produção. Se vos aprofundardes mais na expressãoem dinheiro do valor, ou o que vem a ser o mesmo, na conversão do valor em preço, vereis que se trata de um processo por meio do qual dais aos valores de todas as mercadorias uma forma independente e homogênea, por meio do qual exprimis estes valores como quantidades de igual trabalho social. Na medida em que é apenas a expressão em dinheiro do valor, o preço foi denominado preço natural, por Adam Smith, e prix nécessaire, pelos fisiocratas franceses.
Que relação guardam pois o valor e os preços do mercado ou os preços naturais e os preços do mercado? Todos sabeis que o preço do mercado é o mesmo para todas as mercadorias da mesma espécie, por muito que variem as condições deprodução dos produtores individuais. Os preços do mercado não fazem mais que expressar a quantidade social média de trabalho,que, nas condições médias de produção, é necessária para abastecer o mercado com determinada quantidade de um certo artigo. Calcula-se tendo em vista a quantidade global de uma mercadoria de determinada espécie.
Até agora o preço de uma mercadoria no mercado coincide com o seu valor. Por outra parte, as oscilações dos preços do mercado que umas vezes excedem o valor, ou preço natural, e outras vezes ficam abaixo dele, dependem das flutuações da oferta e da procura. Os preços do mercado se desviam constantemente dos valores, mas, como diz Adam Smith:
"O preço natural é... o preço central em torno do qual gravitam constantemente os preços das mercadorias. Circunstâncias diversas os podem manter erguidos muito acima desse ponto e, por vezes, precipitá-los um pouco abaixo. Quaisquer, porém, que sejam os obstáculos que os impeçam de se deter neste centro de repouso e estabilidade, eles tendem continuamente para lá." [6]
Não posso agora esmiuçar este assunto. Basta dizer que se a oferta e a procura se equilibram, os preços das mercadorias no mercado corresponderão a seus preços naturais, isto é, a seus valores, os quais se determinam pelas respectivas quantidades de trabalho necessário para a sua produção. Mas a oferta e a procura devem constantemente tender para oequilíbrio, embora só o alcancem compensando uma flutuação com a outra, uma alta com uma baixa e vice-versa. Se em vez de considerar somente as flutuações diárias, analisardes o movimento dos preços do mercado durante um espaço de tempo bastante longo, como o fêz, por exemplo, o Sr. Tooke, na sua História dos Preços, descobrireis que as flutuações dos preços no mercado, seus desvios dos valores, suas altas e baixas, se compensam umas com as outras e se neutralizam de tal maneira que, postas à margem a influência exercida pelos monopólios e algumas outras restrições que aqui temos de passar por alto, vemos que todas as espécies de mercadorias se vendem, em termo médio, pelos seus respectivos valores ou preços naturais. Os períodos médios de tempo, durante os quais se compensam entre si as flutuações dos preços no mercado, diferem segundo as distintas espécies de mercadorias, porque numas é mais fácil que em outras adaptar a oferta à procura.
Se, então, falando de um modo geral e abarcando períodos de tempo bastante longos, todas as espécies de mercadorias se vendem pelos seus respectivos valores, é absurdo supor que o lucro - não em casos isolados, mas o lucro constante e normal das diversas indústrias - brota de uma majoração dos preços das mercadorias, ou do fato de que se vendam por um preço que exceda consideravelmente o seu valor. O absurdo desta idéia evidencia-se desde que a generalizamos. O que alguém ganhasse constantemente como vendedor, haveria de perder constantemente como comprador. De nada serve dizer que há pessoas que compram sem vender, consumidores que não são produtores. O que estes pagassem ao produtor, teriam antes de recebê-lo dele grátis. Se uma pessoa recebe o vosso dinheiro e logo vo-lo devolve comprando-vos as vossas mercadorias, por este caminho nunca enriquecereis por mais caro que vendais. Esta espécie de negócios poderá reduzir uma perda, mas jamais contribuir para realizar um lucro.
Portanto, para explicar o caráter geral do lucro não tereis outro remédio senão partir do teorema de que as mercadorias se vendem, em média, pelos seus verdadeiros valores e que os lucros se obtêm vendendo as mercadorias pelo seu valor, isto é, em proporção à quantidade de trabalho nelas materializado. Se não conseguirdes explicar o lucro sobre esta base, de nenhum outro modo conseguireis explicá-lo. Isto parece um paradoxo e contrário à observação de todos os dias. Parece também paradoxal que a Terra gire ao redor do Sol e que a água seja formada por dois gases altamente inflamáveis. As verdades científicas serão sempre paradoxais, se julgadas pela experiência de todos os dias, a qual somente capta aaparência enganadora das coisas.
Depois de termos analisado, na medida em que podíamos fazê-lo, em um exame tão rápido, a natureza do valor, do valor de uma mercadoria qualquer, devemos volver nossa atenção para o valor específico do trabalho. E aqui tenho eu, novamente, que vos surpreender com outro aparente paradoxo. Todos vós estais completamente convencidos de que aquilo que vendeis todos os dias é vosso trabalho; de que, portanto, o trabalho tem um preço e que, embora o preço de uma mercadoria mais não seja que a expressão em dinheiro do seu valor, deve existir, sem dúvida alguma, qualquer coisa parecida com o valor do trabalho. E, não obstante, não existe tal coisa como o valor do trabalho, no sentido corrente da palavra. Vimos que a quantidade de trabalho necessário cristalizado numa mercadoria constitui o seu valor. Aplicando agora este conceito do valor, como poderíamos determinar o valor de uma jornada de trabalho de 10 horas, por exemplo? Quanto trabalho está contido nesta jornada? Dez horas de trabalho. Se disséssemos que o valor de uma jornada de trabalho de 10 horas equivale a 10 horas de trabalho, ou à quantidade de trabalho contido nela, faríamos uma afirmação tautológica e, além disso, sem sentido. Naturalmente, depois de haver desentranhado o sentido verdadeiro, porém oculto, da expressão valor do trabalho, estaremos em condições de interpretar esta aplicação irracional e aparentemente impossível do valor, do mesmo modo que estamos em condições de explicar os movimentos, aparentes ou somente perceptíveis em certas formas, dos corpos celestes, depois de termos descoberto os seus movimentos reais.
O que o operário vende não é diretamente o seu trabalho, mas a sua força de trabalho, cedendo temporariamente ao capitalista o direito de dispor dela. Tanto é assim que, não sei se as leis inglesas, mas, desde logo, algumas leis continentais fixam o máximo de tempo pelo qual uma pessoa pode vender a sua força de trabalho. Se lhe fosse permitido vendê-la sem limitação de tempo, teríamos imediatamente restabelecida a escravatura. Semelhante venda, se o operário se vendesse por toda a vida, por exemplo, convertê-lo-ia sem demora em escravo do patrão até o final de seus dias.
Thomas Hobbes, um dos economistas mais antigos e dos mais originais filósofos da Inglaterra, já havia assinalado em seu Leviathan, instintivamente, este ponto que escapou a todos os seus sucessores. Dizia ele:"o valor de um homem é, como para todas as outras coisas, o seu preço; quer dizer, o que se pagaria pelo uso de sua força".
Partindo desta base podemos determinar o valor do trabalho, como o de todas as outras mercadorias.
Mas, antes de fazê-lo, poderíamos perguntar: de onde provém esse fenômeno singular de que no mercado nós encontremos um grupo de compradores, que possuem terras, maquinaria, matérias-primas e meios de vida, coisas essas que, exceto a terra, em seu estado bruto, são produtos de trabalho, e, por outro lado, um grupo de vendedores que nada têm a vender senão sua força de trabalho, os seus braços laboriosos e cérebros? Como se explica que um dos grupos compre constantemente para realizar lucro e enriquecer-se, enquanto o outro grupo vende constantemente para ganhar o pão do cada dia? A investigação deste problema seria uma investigação do que os economistas chamam"acumulação prévia ou originária", mas que deveria chamar-se expropriação originária. E veremos que esta chamada acumulação originária não é senão uma série de processos históricos que resultaram na decomposição da unidade originária existente entre o homem trabalhador e seus instrumentos de trabalho. Esta observação cai, todavia, fora da órbita do nosso tema atual. Uma vez consumada a separação entre o trabalhador e os instrumentos de trabalho este estado de coisas se manterá e se reproduzirá em escala sempre crescente, até que uma nova e radical revolução do sistema de produção a deite por terra e restaure a primitiva unidade sob uma forma histórica nova.
Que é, pois, o valor da força de trabalho? Como o de toda outra mercadoria, este valor se determina pela quantidade de trabalho necessário para produzi-la. A força de trabalho de um homem consiste, pura e simplesmente, na sua individualidade viva. Para poder crescer e manter-se, um homem precisa consumir uma determinada quantidade de meios de subsistência, o homem, como a máquina, se gasta e tem que ser substituído por outro homem. Além da soma de artigos de primeira necessidade exigidos para o seu próprio sustento, ele precisa de outra quantidade dos mesmos artigos para criar determinado número de filhos, que hão de substituí-lo no mercado de trabalho e perpetuar a raça dos trabalhadores. Ademais, tem que gastar outra soma de valores no, desenvolvimento de sua força de trabalho e na aquisição de uma certa habilidade. Para o nosso objetivo bastar-nos-á considerar o trabalho médio,cujos gastos de educação e aperfeiçoamento são grandezas insignificantes. Devo, sem embargo, aproveitar a ocasião para constatar que, assim como diferem os custos de produção de força de trabalho de diferente qualidade, assim têm que diferir, tambérn, os valores das forças de trabalho aplicadas nas diferentes indústrias. Por conseqüência, o grito pela igualdade de salarios assenta num erro, é um desejo ôco, que jamais se realizará. É um rebento desse falso e superficial radicalismo que admite as premissas e procura fugir às conclusões. Dentro do sistema do salariado, o valor da força de trabalho se fixa como o de outra mercadoria qualquer, e como distintas espécies de força de trabalho possuem distintos valores, ou exigem para a sua produção distintas quantidades de trabalho, necessariamente têm que ter preços distintos no mercado de trabalho. Pedir uma retribuição igual ou simplesmente uma retribuição justa, na base do sistema do salariado, é o mesmo que pedir liberdade na base do sistema da escravatura. O que pudésseis considerar justo ou equitativo não vem ao caso. O problema está em saber o que vai acontecer necessária e inevitavelmente dentro de um dado sistema de produção.
Depois do que dissemos, o valor da força de trabalho é determinado pelo valor dos artigos de primeira necessidade exigidos para produzir, desenvolver, manter e perpetuar a força de trabalho.
Suponhamos agora que a quantidade média diária de artigos de primeira necessidade imprescindíveis à vida de um operário exija seis horas de trabalho médio para a sua produção. Suponhamos, além disso, que estas 6 horas de trabalho médio se materializem numa quantidade de ouro equivalente a 3 xelins. Nestas condições, os 3 xelins seriam o preço ou a expressão em dinheiro do valor diário da força de trabalho desse homem Se trabalhasse 6 horas diárias, ele produziria diariamente um valor que bastaria para comprar a quantida de média de seus artigos diários de primeira necessidade ou para se manter como operário.
Mas o nosso homem é um obreiro assalariado. Portanto, precisa vender a sua força de trabalho a um capitalista. Se a vende por 3 xelins diários, ou por 18 semanais, vende-a pelo seu valor. Vamos supor que se trata de um fiandeiro. TrabaIhando 6 horas por dia, incorporará ao algodão, diariamente, um valor de 3 xelins. Este valor diariamente incorporado oor ele representaria um equivalente exato do salário, ou preço de sua força de trabalho, que recebe cada dia. Mas neste caso não iria para o capitalista nenhuma mais-valia ou sobreproduto algum. É aqui,então, que tropeçamos com a verdadeira dificuldade.
Ao comprar a força de trabalho do operário e ao pagá-la pelo seu valor, o capitalista adquire, como qualquer outro comprador, o direito de consumir ou usar a mercadoria comprada. A força de trabalho de um homem é consumida, ou usada, fazendo-o trabalhar, assim como se consome ou se usa urna máquina fazendo-a funcionar. Portanto, o capitalista, ao comprar o valor diário, ou semanal, da força de trabalho do operário, adquire o direito de servir-se dela ou de fazê-la funcionar durante todo o diaou toda a semana. A. jornada de trabalho, ou a semana de trabalho, têm naturalmente certos limites, mas a isto volveremos, em detalhe, mais adiante.
No momento, quero chamar-vos a atenção para um ponto decisivo.
O valor da força de trabalho se determina pela quantidade de trabalho necessário para a sua conservação, ou reprodução, mas o uso desta força só é limitado pela energia vital e a força física do operário. O valor diário ou semanal da força de trabalho difere cornpletamente do funcionamento diário ou semanal desta mesma força,de trabalho, são duas coisas completamente distintas, como a ração consumida por um cavalo e o tempo em que este pode carregar o cavaleiro. A quantidade de trabalho que serve de limite ao valor da força de trabalho do operário não limita de modo algum a quantidade de trabalho que sua força de trabalho pode executar. Tomemos o exemplo do nosso fiandeiro. Vimos que, para recompor diariamente a sua força de trabalho, este fiandeiro precisava reproduzir um valor diário de 3 xelins, o que realizava com um trabalho diário de 6 horas. Isto, porém, não lhe tira a capacidade de trabalhar 10 ou 12 horas e mais, diariamente. Mas o capitalista,ao pagar o valor diário ou semanal da força de trabalho do fiandeiro, adquire o direito de usá-la durante todo o dia ou toda a semana. Fa-lo-á trabalhar, portanto, digamos, 12 horas diárias, quer dizer,além das 6 horas necessárias para recompor o seu salário, ou o valor de sua força de trabalho, terá de trabalhar outras 6 horas, a que chamarei horas de sobretrabalho, e este sobretrabalho irá traduzir-se em uma mais-valia e em um sobre-produto. Se, por exemplo, nosso fiandeiro, com o seu trabalho diário de 6 horas, acrescenta ao algodão um valor de 3 xelins, valor que constitui um equivalente exato de seu salário, em 12 horas acrescentará ao algodão um valor de 6 xelins e produzirá a correspondente quantidade adicional de fio. E como vendeu sua força de trabalho ao capitalista, todo o valor ou todo o produto por ele criado pertence ao capitalista, que é dono de sua força de trabalho, por tempore. Por conseguinte, desembolsando 3 xelins, o capitalista realizará o valor de 6, pois com o desembolso de um valor no qual se cristalizam 6 horas de trabalho receberá em troca um valor no qual estão cristalizadas 12 horas. Se repete, diariamente, esta operação, o capitalista desembolsará 3 xelins por dia e embolsará 6, cuja metade tornará a inverter no pagamento de novos salários, enquanto a outra metade formará a mais-valia, pela qual o capitalista não paga equivalente algum. Este tipo de intercâmbio entre o capital e o trabalho é o que serve de base à produção capitalista, ou ao sistema do salariado, e tem que conduzir, sem cessar, à constante reprodução do operário como operário e do capitalista como capitalista.
A taxa de mais-valia dependerá, se todas as outras circunstâncias permanecerem invariáveis, da proporção existente entre a parte da jornada que o operário tem que trabalhar para reproduzir o valor da força de trabalho e o sobretempo ou sobretrabalho realizado para o capitalista. Dependerá, por isso, da proporção em que a jornada de trabalho se prolongue além do tempo durante o qual o. operário, com o seu trabalho, se limita a reproduzir o valor de sua força de trabalho ou a repor o seu salário.
Devemos agora voltar à expressão"valor ou preço do trabalho".
Vimos que, na realidade, este valor nada mais é que o da força de trabalho, medido pelos valores das mercadorias necessárias à sua manutenção. Mas como o operário só recebe o seu salário depois de realizar o seu trabalho e como,ademais, sabe que o que entrega realmente ao capitalista é o seu trabalho, ele necessàriarnente imagina que o valor ou preço de sua força de trabalho é o preço ou valor do seu próprio trabalho. Se o preço de sua força de trabalho é 3 xelins, nos quais se materializam 6 horas de trabalho, e eIe trabalha 12 horas, forçosamente o operário considerará esses 3 xelins como o valor ou preço de 12 horas de trabalho, se, bem que estas 12 horas representem um valor de 6 xelins. Donde se chega a um duplo resultado:
Primeiro: O valor ou preço da força detrabalho toma a aparência do preço ou valor do próprio trabalho, ainda que a rigor as expressões de valor e preço do trabalho careçam de sentido.
Segundo: Ainda que só se pague uma parte do trabalho diário do operário, enquanto a outra parte fica sem remuneração, e ainda que este trabalho não remunerado ou sobre-trabalho seja precisamente o fundo de que se forma a mais-valia ou lucro, fica parecendo que todo o trabalho é trabalho pago.
Esta aparência enganadora distingue o trabalho assalariado das outras formas históricas do trabalho. Dentro do sistema do salariado, até o trabalho não remunerado parece trabalho pago. Ao contrário, no trabalho dos escravos parece ser trabalho não remunerado até a parte do trabalho que se paga. Claro está que para poder trabalhar, o escravo tem que viver e uma parte de sua jornada de trabalho serve para repor o valor de seu próprio sustento. Mas como entre ele e seu senhor não houve trato algum, nem se celebra entre eles nenhuma compra e venda, todo o seu trabalho parece dado de graça.
Tomemos, por outro lado, o camponês servo, tal como, existia, quase diríamos ainda ontem mesmo, em todo o oriente da Europa. Este camponês, por exemplo, trabalhava três dias para si, na sua própria terra, ou na que lhe havia sido atribuída, e nos três dias seguintes realizava um trabalho compulsório e gratuito na propriedade de seu senhor. Como vemos, aqui as duas partes do trabalho, a paga e a não paga, aparecem visivelmente separadas, no tempo e no espaço, e os nossos liberais podem estourar de indignação moral ante a idéia disparatada de que se obrigue um homem a trabalhar de graça.
Mas, na realidade, tanto faz uma pessoa trabalhar três dias na semana para si, na sua própria terra, e outros três dias de graça na gleba do senhor como trabalhar diariamente na fábrica, ou na oficina, 6 horas para si e 6 para o seu patrão, ainda que neste caso a parte do trabalho pago e a do não remunerado apareçam inseparavelmente confundidas e o caráter de toda a transação se disfarce por completo com a interferência de um contrato e o pagamento recebido no fim da semana. No primeiro caso, o trabalho não remunerado é visivelmente arrancado pela força; no segundo, parece entregue voluntariamente. Eis a única diferença.
Sempre que eu empregue, portanto, a expressão"valor do trabalho", empregá-la-ei como termo popular, sinônimo de"valor de força de trabalho".
Suponhamos que uma hora de trabalho médio materialize um valor de 6 pence ou 12 horas de trabalho médio, um valor de 6 xelins. Suponhamos, ainda, que o valor do trabalho represente 3 xelins ou o produto de 6 horas de trabalho. Se nas matérias-primas, maquinaria, etc., consumidas para produzir uma determinada mercadoria se materializam 24 horas de trabalho médio, o seu valor elevar-se-á a 12 xelins. Se, além disso, o operário empregado pelo capitalista junta a estes meios de produção 12 horas de trabalho, teremos que estas 12 horas se materializam num valor adicional de 6 xelins. Portanto, o valor total do produto se elevará a 36 horas de trabalho materializado, equivalente a 18 xelins. Porém, como o valor do trabalho ou o salário recebido pelo operário só representa 3 xelins, decorre daí que o capitalista não pagou equivalente algum pelas 6 horas de sobretrabalho realizado pelo operário e materializadas no valor da mercadoria. Vendendo esta mercadoria pelo seu valor, por 18 xelins, o capitalista obterá, portanto, um valor de 3 xelins, para o qual não pagou equivalente. Estes 3 xelins representarão a mais-valia ou lucro que o capitalista embolsa. O capitalista obterá, por conseqüência, um lucro de 3 xelins, não por vender a sua mercadoria a um preço que exceda o seu valor, mas por vendê-la pelo seu valor real.
O valor de uma mercadoria se determina pela quantidade total de trabalho que encerra. Mas uma parte desta quantidade de trabalho representa um valor pelo qual se pagou um equivalente em forma de salários; outra parte se materializa num valor pelo qual nenhum equivalente foi pago. Uma parte do trabalho incluído na mercadoria é trabalho remunerado; a outra parte, trabalho não remunerado. Logo, quando o capitalista vende a mercadoria pelo seu valor, isto é, como cristalização da quantidade total de trabalho nela invertido, o capitalista deve forçosamente vendê-la com lucro. Vende não só o que lhe custou um equivalente, como também o que não lhe custou nada, embora haja custado o trabalho do seu operário. O custo da mercadoria para o capitalista e o custo real da mercadoria são coisas inteiramente distintas. Repito, pois, que lucros normais e médios se obtêm vendendo as mercadorias não acima do que valem e sim pelo seu verdadeiro valor.
Notas:
6. Adam Smith, The Wealth of Nations..., t.1, cap VII+. (retornar ao texto)
Inclusão | 15/01/2003 |