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Vejamos em seguida o que se passa na cultura do algodão, que tipos de renda aí predominam, até onde se estendem os restos feudais, até que ponto existe uma penetração capitalista, até onde o monopólio da terra facilita o domínio do imperialismo.
A cultura do algodão é feita à base do arrendamento da terra, que cria o tipo rural do arrendatário e estabelece na lavoura algodoeira relações econômico-sociais de tipo inteiramente diverso das da fazenda de café ou usinas de açúcar.
O latifundiário se apropria da renda-produto na lavoura do algodão quando em troca de produtos arrenda a sua terra ao pequeno arrendatário, ao arrendatário pobre, que não pode tocar mais de 4 alqueires com a sua família e que não pode contratar nenhum trabalhador para ajudá-lo. O tipo rural do arrendatário pobre sujeita-se a contratos tão extorsivos quanto os do colono do café. Ele entrega o seu produto suplementar ao latifundiário, a maior parte sob forma de renda-produto, o resto sob a forma de trabalho, renda-trabalho.
Lênin caracteriza a renda-produto dizendo:
"A próxima forma de renda é a renda em espécie (Productenrende) quando o produtor direto produz na terra que ele mesmo explora e dá ao latifundiário o total do produto suplementar em espécie. O produtor aqui se torna mais independente e obtém a possibilidade de adquirir através de seu trabalho certa quantidade de produtos acima de suas necessidades" (The Development of Capitalism in Russia – International Publishers, Nova York – 1943 – pág. 103).
O arrendatário pobre da lavoura do algodão, incluído nessa categoria de produtor direto que paga ao latifundiário renda-produto em troca da terra, é o tipo de arrendatário a porcentagem.
Mas ele não está excluído de entrar com a renda-trabalho para o latifundiário, isto é, com o trabalho suplementar, acima do que lhe é necessário. É por isso que nos contratos de arrendamento se estabelecem cláusulas tipicamente feudais, como a prestação de uma diária de serviços por alqueire arrendado e isso, sem nenhuma remuneração, para consertar estradas, além da obrigação de plantar capim, fazer aceiros na mata e outros trabalhos gratuitos.
Nesse sentido, a servidão do arrendatário a porcentagem em nada difere daquela do colono e é tão séria que o arrendatário não pode vender seus produtos livremente no mercado; e, não raro, fica sujeito ao regime de cadeado ou correntes nas porteiras e à vigilância dos capangas do latifundiário.
Encontramos nessas terríveis condições do arrendatário a confirmação das palavras de Marx:
"Conquanto a renda-produto seja a forma imperante e mais desenvolvida da renda da terra, estará mais ou menos acompanhada pelos resíduos da forma antiga, isto é, da renda que se exprimirá diretamente em trabalho, ou seja em servidão, tanto faz que o senhor seja o particular ou o Estado". (O Capital, livro III, Cap. 47, III).
O latifundiário que arrenda sua terra para o plantio do algodão não se limitará a embolsar a renda-produto do arrendatário pobre, a que juntará as sobras da renda-trabalho. Em muitos casos, terá em suas terras colhedores de algodão que receberão salário por este serviço; e, então, se comportará como um capitalista, arrancando mais-valia do proletariado rural e obtendo lucro. Mas fará isto na colheita, quando, então, precisa de assalariados para executar os serviços de que o arrendatário não for capaz de dar conta.
O exemplo típico, entretanto, é o do latifundiário que permanece como tal, vivendo sobretudo da renda-produto do arrendatário. Outras vezes, exigirá dos arrendatários a renda-dinheiro. O arrendamento será pago em dinheiro e não em produto.
Daí surgirá o tipo rural do arrendatário a dinheiro, hoje mais difundido que o arrendatário a porcentagem (2), mas, assim como ele, sujeito toda ordem de restrições feudais e semifeudais, não podendo vender o produto da colheita do algodão senão ao latifundiário em primeiro lugar, sendo obrigado a plantar capim, proibido de derrubar madeira de lei, tolhido da liberdade de plantar, e assim por diante.
As características do arrendatário decorrentes da renda-dinheiro que o latifundiário do algodão apropria permanecem tais e quais Marx as definiu, ao dizer:
"Em vez do produto, o produtor direto tem que pagar aqui ao proprietário da terra (seja este um particular ou o Estado) o preço do mesmo. Já não basta, pois, um excedente do produto em espécie; tem que transformá-lo de sua forma natural em dinheiro. Se bem que o produtor direto continue agora produzindo pelo menos em grande parte sua própria subsistência, tem que converter uma parte de seu produto em mercadoria e produzi-lo como mercadoria". (O Capital, livro III, Cap. 47, IV)
Isso dá idéia do caráter mais elevado da renda-dinheiro, que exige a quebra do isolamento do arrendatário em relação ao estado social, e pressupõe um nível alto de troca e de circulação monetária. Entretanto, o fato de a terra constituir um monopólio do latifundiário leva-o a restringir o mercado de que poderia servir-se o arrendatário para trocar sua mercadoria por dinheiro e isso não se dá por acaso. É que o latifundiário visa ele próprio realizar essas trocas com o arrendatário, pagando-lhe pela mercadoria um preço inferior ao do mercado, com o que aumenta a parte da renda-dinheiro que lhe é devida pelo produtor.
O latifundiário do algodão simboliza o oposto do fazendeiro de café e do usineiro. Enquanto estes encarnam a aliança da terra com o capital e sintetizam, nas condições do nosso desenvolvimento, a fórmula trinitária de Marx, o latifundiário do algodão isola-se na terra e é dela somente que aspira extrair a renda, erguida sobre a fome e a miséria de milhões de arrendatários.
Sua propriedade territorial será a sua fazenda; ele próprio será denominado fazendeiro, mas não haverá equivalência entre uma fazenda de algodão (com o seu fazendeiro) e uma fazenda de café (com o tipo rural do fazendeiro de café).
Tratamos até agora da renda pré-capitalista produzida pelos arrendatários pobres e apropriada pelo latifundiário ou fazendeiro do algodão. Continuemos.
Em determinadas fazendas se fazem contratos de parceria, mas o que aí se denomina parceiro não é, no caso, mais do que o arrendatário a porcentagem ou o arrendatário a dinheiro, produzindo renda-produto ou renda-dinheiro. O verdadeiro tipo rural do parceiro é diferente desses tipos de arrendatários. Um deles é, por exemplo, o que entrega a terça, o terceiro. Mas ainda aqui se trata da renda-produto O mesmo se dá com o meeiro, que é outro tipo de parceiro. A diferença é que o preparo da terra, os animais, as sementes, o veneno e a colheita são por conta do terceiro. O meeiro recebe a semente e a terra preparada. Mas tanto o arrendatário pobre, quanto o terceiro e o meeiro dão ao fazendeiro a renda-produto.
Às vezes, entre o latifundiário e esses tipos rurais surge um tipo rural intermediário, o arrendatário médio.
O tipo rural do arrendatário médio é menos freqüente. Este tipo corresponde ao daqueles camponeses que, possuindo alguma reserva conseguida com o trabalho de sua família, contratam para trabalhar na terra que arrendam ao latifundiário um ou outro trabalhador ou cedem uma parte de sua terra à meia ou subarrendam. Surge assim o tipo rural do subarrendatário. Mas o aparecimento de um novo tipo rural na extremidade inferior da escala não significa outra coisa senão que sendo insuficiente o produto suplementar do arrendatário, a ele se junta o do subarrendatário, apropriando-se o latifundiário, então, de toda a renda-produto.
Em qualquer dos casos, seja a terra do latifundiário arrendada pelo arrendatário pobre ou pelo arrendatário médio (que pode arrendar terras acima de 4 alqueires até 10 ou 12 alqueires), o latifundiário luta para que os contratos tenham curta duração (um ano no máximo), enquanto os arrendatários estão sempre a reivindicar a prorrogação dos contratos. Esta contradição assenta suas raízes em que o arrendatário pobre ou médio sempre emprega trabalho ou capital na terra e que é isso que dá valor ou melhor lhe dá o preço. Quanto mais benfeitorias na terra, tanto mais aumentará seu rendimento, subirá seu preço. Independente de saber a quem pertence a terra, neste caso, dada a sua maior fertilidade, localização, etc., ela produzirá renda diferencial. Interessa ao arrendatário pobre ou médio ter contratos por muitos anos, ficar o maior tempo possível com a terra arrendada, já que de ano para ano irá colhendo melhores frutos do seu trabalho. Fixado de antemão o preço do arrendamento, ele permaneceria estável durante todo o tempo do contrato, quer se tratasse de pagamento em espécie (renda-produto), quer se tratasse de pagamento em dinheiro (renda-dinheiro). Todo e qualquer aumento das colheitas resultantes do aumento do rendimento agrícola ou do maior valor do produto seria para o arrendatário. O latifundiário quer exatamente o contrário. Para ele, a vantagem está em renovar contratos de ano em ano, a fim de exigir sempre ao novo arrendatário um preço mais alto pela terra, o que lhe aumenta a renda, pois o preço da terra é renda posta a juros, é renda capitalizada.
Desta contradição, que o latifundiário resolve a seu favor manejando os privilégios do monopólio da terra e mobilizando as instituições jurídicas, surgem os mais sérios conflitos pela posse da terra. É daí que se origina o despejo, categoria da sociedade baseada no monopólio da terra.
O despejo é a maneira violenta que o latifundiário encontra para assegurar em seu benefício a renda capitalizada em constante progressão.
O interesse oposto do arrendatário pode levá-lo reciprocamente à luta violenta contra o despejo, mas se manifesta de modo crescente na aspiração à baixa do arrendamento. Com isso, procura diminuir o produto suplementar exigido pelo fazendeiro.
Até agora, numa constância rigorosa, temos visto que a renda de que se apropria o latifundiário do algodão é toda ela pré-capitalista, o que dá a este tipo de latifundiário uma série de características diferentes daquelas do fazendeiro de café ou do usineiro de açúcar. Isso distancia o latifundiário do algodão de um empresário agrícola e fornece elementos novos para avaliar a penetração capitalista na lavoura algodoeira.
Quanto ao tipo rural do sitiante, também denominado situante, difere do arrendatário porque não paga arrendamento. Ele compra a terra, a maior parte das vezes a prestações.
Se é um pequeno sitiante, seu lote não irá além de 4 alqueires, que é o que ele poderá tocar com sua família. Se é um sitiante médio, seu lote terá entre 4 e 15 alqueires, que é o que ele pode tocar com sua família e mais um ou outro assalariado, parceiros, arrendatários pobres e subarrendatários.
Não pagando arrendamento ao latifundiário e limitando-se suas relações com ele à compra da terra ou ao pagamento de prestações, o sitiante é um proprietário livre, mas só em certo sentido.
Podemos situá-lo na categoria de que fala Marx, ao tratar da propriedade parcelária:
"O lavrador é aqui proprietário livre de seu terreno, que figura como seu principal instrumento de trabalho, imprescindível para a aplicação de seu trabalho e de seu capital. Nesta forma não se paga arrendamento (renda)". (O Capital, livro III, cap. 47, V).
Mas até onde vai a liberdade do sitiante, proprietário livre terra, que não precisa pagar renda?
Sua liberdade é precária e não apresenta nenhuma segurança ou estabilidade. O latifundiário não renuncia à posse da terra, ainda quando ela é vendida. Levemos em conta que o número dos que possuem pequenos lotes de terra no Brasil (propriedade parcelária) é escasso. O latifundiário prefere alugar sua terra a vendê-la. Novas parcelas de terra estão sendo sucessivamente incorporadas às grandes áreas dos latifundiários, quer por compra, quer por expropriação e despejo dos pequenos proprietários, cujo número decresce cada vez mais. Podemos dizer que milhões de camponeses não têm terra. Cerca de 75% das terras cultivadas só o são pelos arrendatários que não têm terras, e entregam a renda, o produto suplementar do seu trabalho, aos latifundiários.
A escassa minoria dos que possuem terra cai assim sob a dependência dos latifundiários. Em primeiro lugar, a base econômica dos proprietários parcelários, sitiantes pequenos e médios, é muito restrita, a começar pela esfera do crédito, dominado pelo capital usurário.. Em segundo lugar, o capital de que poderiam dispor para empregar nos meios de produção é gasto na compra do terreno, entregue, portanto, ao latifundiário.
Ao vender a terra, o latifundiário capitaliza a renda. Ao incorporar novos domínios e novos lotes de terra, o latifundiário reduz a área de terra posta à venda; com isto, aumenta a procura e aumenta o preço, aumenta a possibilidade de elevar a renda capitalizada. Daí por que o latifundiário prefere alugar a terra, aumentando sempre o preço do arrendamento, sem nunca alienar a posse do terreno.
Quando vende a terra (vende sempre as piores terras), ainda assim lhe resta a possibilidade de expulsar o proprietário, despejá-lo logo após as primeiras benfeitorias e quando ele se atrasar nas prestações. Com isso tornará a vender a terra, por preço mais elevado, pois ela já está beneficiada pelo capital e o trabalho do proprietário expulso.
Para os casos em que o proprietário parcelário tenha melhorado suas terras (já pagas), o latifundiário terá o recurso de propor-lhe a compra por um preço abaixo da renda que ela produz. Aos que resistem, não haverá outra, saída senão a defesa a qualquer preço de sua posse, até pela violência, ou então bater em retirada, acossado pelos capangas e pela polícia a serviço do proprietário feudal. A instituição que resulta de todas essas relações econômico-sociais, na base das quais se encontra a renda territorial que o latifundiário canaliza sem cessar para o seu bolso, denomina-se, grilo, caxixe. Significa, em última análise, o roubo da terra, ou seja o incontrolável crescimento da renda do proprietário feudal e a expropriação interminável, a miséria e a fome dos proprietários parcelários e de toda a massa camponesa.
É nessa instituição que o tipo social do grileiro encontra sua razão de ser, até o dia em que for varrido o monopólio da terra, principal entrave das forças produtivas.
Ainda aqui a renda territorial é absorvida pelo latifundiário, sem que para isso recorra aos métodos capitalistas de exploração. Trata-se da renda territorial obtida por força do predomínio absoluto do monopólio da terra e dos métodos feudais e semifeudais de exploração, conservados religiosamente com a penetração e o domínio do imperialismo no país.
É isso que na cultura do algodão estabelece, ao contrário da usina de açúcar, uma separação rigorosa entre a indústria de beneficiamento do produto e a exploração agrícola.
A primeira, a indústria de beneficiamento do produto tanto quanto a indústria dos subprodutos, conserva-se na mão dos imperialistas americanos (Anderson Clayton e Sanbra(1*)), donos das máquinas, usineiros, industriais do campo, que manejam o capital comercial, monopolizam os produtos industriais destinados à lavoura e absorvem como senhores absolutos toda a matéria-prima.
A segunda, a exploração agrícola, com todos os seus restos feudais e semifeudais, permanece nas mãos do latifundiário. Este possui a terra, mas nada tem a ver com as máquinas.
O estudo da renda territorial na cultura do algodão revela que a penetração capitalista é maior na lavoura da cana e na do café.
O usineiro e o fazendeiro de café desde o primeiro momento, ao lado da renda pré-capitalista, se apropriam do lucro e da renda capitalista, quer sob a forma de renda diferencial, quer sob a forma de renda absoluta.
Não é o que acontece com o fazendeiro de algodão, que prefere entregar suas terras em troca do arrendamento a pequenos arrendatários, quando não adota o sistema da venda de lotes a prestações aos pequenos sitiantes. O proletariado rural na cultura algodoeira cinge-se quase aos colhedores de algodão, e, por isso, como é evidente, o seu mais largo emprego apenas se efetua na época das colheitas. Assim mesmo é na maior parte utilizado pelos arrendatários e outros intermediários da lavoura algodoeira, que pagam a renda da terra ao latifundiário.
Somente agora se começa a falar em substituir o arrendatário pelo assalariado nas fazendas de algodão, mas isso se deve ao temor do latifundiário ante o descontentamento cada vez maior que a alta dos arrendamentos vem provocando.
Além de tudo, o emprego do salariato na cultura algodoeira exige mecanização em larga escala dessa lavoura, o que certamente não será fácil enquanto o algodão brasileiro for concorrente do algodão americano no mercado internacional e o Brasil depender dos Estados Unidos (como depende) para a importação de máquinas e implementos agrícolas. São mais reduzidas, assim, embora não excluídas, as possibilidades de transformação, por essa via, do latifundiário do algodão num empresário capitalista do campo ou, melhor, da junção da categoria de latifundiário à de empresário capitalista, com o que se apossaria da renda absoluta e da diferencial. Entretanto, há fatores novos intervindo na lavoura algodoeira e em tais condições que vêm implicando aparecimento e desenvolvimento da renda capitalista. Muitos latifundiários estão passando do sistema de arrendamento a pequenos produtores para o de arrendamento a grandes intermediários. Esboça-se a tendência para só conceder arrendamentos de 100 alqueires para cima, ao inverso da maioria dos contratos estabelecidos na base de 1 a 4 alqueires (pequenos arrendatários) ou entre 4 e 15 alqueires (arrendatários médios, menos freqüentes).
Sem dúvida, este sistema está levando a criar no campo uma classe de locatários capitalistas, que são os únicos que podem arrendar dos latifundiários lotes de terra de mais de 100 alqueires.
O aparecimento do locatário capitalista, isto é, do arrendatário rico, está condicionado, porém, a mais de um fator, O primeiro deles é a elevada taxa de arrendamento resultante do aumento crescente do preço da terra, que a torna cada vez mais inacessível ao arrendatário pobre.
O segundo fator, que condiciona o aparecimento do arrendatário rico, é o maior emprego de máquinas no campo. Ainda que seja pequeno o emprego de máquinas em nossa agricultura, o mínimo que delas se utilize tem que gerar novas condições. O emprego de máquinas requer capital, um mercado mais amplo capaz de absorver o maior volume de mercadorias que a máquina proporciona. Só o capitalista está em condições de fazê-lo. Mas a terra está em poder do latifundiário e é preciso alugá-la ou comprá-la. Se o capitalista compra a terra e continua a utilizar as máquinas, a tirar a renda capitalista dos seus trabalhadores, transforma-se num empresário agrícola, dono de enormes áreas, sem o que o emprego das máquinas não daria resultado. Se aluga a terra, sua condição é a de um arrendatário rico, um locatário capitalista, que entrega ao latifundiário a renda absoluta.
O terceiro fator que condiciona o aparecimento do locatário capitalista é a existência de amplas áreas de terras para serem alugadas. Não é por acaso que o arrendatário rico surge em zonas como a de Barretos, onde o Frigorífico Anglo monopoliza vastas extensões de terra. Suas terras são alugadas (e não vendidas) com o objetivo de restaurar as pastagens, transformando provisoriamente as invernadas em áreas plantadas com algodão, arroz, milho.
Os contratos de arrendamento, concedidos pelo frigorífico, na sua condição de latifundiário, não vão além de 3 e 5 anos. Mas isto é o bastante para renovar as pastagens, e ao fim desse prazo já o plantio do capim-colonião substitui as antigas lavouras. É um processo mais vantajoso do que o primitivo sistema de roçada. O emprego da máquina nestes vastos campos de pastagem é uma necessidade para o arrendatário rico e uma conseqüência natural da existência das invernadas dos frigoríficos. Não é outro o motivo por que também a zona pastoril de Barretos se transformou no maior centro de agricultura motomecanizada do país, com a média de um trator para cada 40 alqueires plantados, num total de 20.000 alqueires de área cultivada.
Ainda nesse caso, o arrendatário rico substitui o arrendatário pobre que, em outras zonas pastoris, arrendava dos frigoríficos pequenos lotes de 1 a 4 alqueires para, no fim dos contratos, plantar capim-colonião ou ser despejado.
Isto não quer dizer que o arrendatário rico já esteja predominando sobre o arrendatário pobre, que o trator sobrepuja a enxada e o arado puxado a boi, que a renda capitalista esteja mais difundida que a renda pré-capitalista. Revela apenas uma evolução em determinado sentido, uma tendência que não modifica, entretanto, o caráter da nossa produção agrícola, nem elimina o monopólio da terra e a tremenda sobrecarga dos restos feudais.
Há por isso mesmo necessidade de assinalar que o aparecimento do arrendatário rico não corresponde a um crescimento acelerado do proletariado rural. E fora de dúvida que com as máquinas também se cria um certo proletariado no campo. Mas isso só poderá ter certa significação se, ao lado do proletariado exigido pelo maneio das máquinas, desenvolver-se a utilização em massa do trabalho assalariado no campo. Não é o que se dá, e tal fenômeno se explica pela sobrevivência do monopólio da terra, que entorpece o desenvolvimento das forças produtivas.
Além do pessoal das máquinas, tratoristas principalmente, os arrendatários ricos, salvo certas exceções, não lançam mão do proletariado para a exploração da terra. Feita a destoca, nivelado e preparado o terreno, o arrendatário rico o entrega ao meeiro. E à meia que recorre e não ao proletariado rural. Isto estabelece sérias relações de dependência do produtor ao arrendatário rico, sobressaindo a particularidade do meeiro dele receber adiantamentos a juros até de 12% ao ano. A colheita é dividida ao meio, depois dos descontos feitos pelo locatário capitalista. O trabalho suplementar do meeiro vai assim às mãos do arrendatário rico. O meeiro pode lançar mão de assalariados, ter arrendatários pobres e parceiros trabalhando no seu lote. Toda a renda pré-capitalista ou produto da mais-valia que chegar às suas mãos passará para o arrendatário rico. Este pagará por sua vez ao latifundiário a renda absoluta, que é o tributo do monopólio da terra.
De qualquer modo é o monopólio da terra que pesa. E de tal modo que os arrendatários ricos que prosperam logo passam a adquirir terras, transformam-se eles também em latifundiários. É o caso, para citar um exemplo, dos irmãos Lemos, arrendatários ricos de Barretos. Eles arrendam dos frigoríficos quase 2.000 alqueires de invernadas, mas, em virtude dos altos preços dos arrendamentos e da pequena duração dos contratos, encaminharam-se para a compra de vastas extensões de terras em outras zonas. Preferem, assim, transformar-se em latifundiários e empregar as máquinas em seus próprios latifúndios destocando e preparando as terras para entregar à meia e à parceria.
Isso tudo indica que, embora existindo o arrendatário rico, a renda predominante não é a diferencial, o que é resultado da exploração da terra a ser feita pelo meeiro e não pelo proletariado rural.
Estamos aqui em face de uma classe de locatários capitalistas, mas não em face de uma numerosa classe de trabalhadores, "libertos" dos meios de produção, alugando a sua força de trabalho.
Termina aqui a análise do que há de essencial na renda da terra na cultura algodoeira. As rendas que nela predominam são a renda-dinheiro e a renda-produto. Mas o aparecimento do arrendatário rico leva a que do trabalho da terra se obtenha um excedente da mais-valia sobre a taxa de lucro médio. Surgem a renda absoluta e a diferencial, embora a predominância seja da renda pré-capitalista.
É preciso dizer que nas outras culturas de ciclo anual a situação não é diferente. Aliás, o aparecimento do arrendatário rico, nas condições já examinadas, pagando renda absoluta ao latifundiário, obtendo renda diferencial e lucro, não é exclusivo da lavoura algodoeira. E comum que ele, na mesma terra destocada e nivelada pelo trator, também se dedique a explorar o arroz e o milho, utilizando a meia e a parceria.
Isto se explica pelo fato de a máquina só oferecer vantagem se empregada em vastas extensões de terra, uma vez que os meios de produção são propriedade privada.
Quanto mais a lavoura seja custosa e exija inversão de capital, tanto mais campo haverá para o arrendatário rico. E o que se passa com a cultura do arroz. Quer se trate do plantio no seco, onde o trator prepara a terra em larga escala simultaneamente para o arroz, o algodão e o milho, quer se trate do plantio na várzea, onde predominam as drenagens, as obras de irrigação e outras semelhantes, o empresário agrícola, locatário capitalista, tem sempre mais possibilidade de surgir. No entanto, arrendando terras dos frigoríficos ou de grandes companhias (donos de latifúndios), o arrendatário rico só em parte utiliza o proletariado rural, para serviços mecanizados, semimecanizados ou à mão (capina, trilhagem, sega, colheita).
É comum arrendatários ricos usarem o sistema da meia e, não raro, a parceria pela terça e pela quarta parte da produção. Em muitas regiões, a cultura do arroz é feita por pequenos arrendatários e subarrendatários que, ao lado dos meeiros, passam então a constituir a maioria dos produtores.
O aspecto geral da cultura do arroz no país não modifica o aspecto da renda territorial, sabido que só uma pequena parte dessa cultura é mecanizada e mesmo assim não exclui o trabalho de produtores não assalariados.
É evidente que, em tais condições, a renda-dinheiro e a renda-produto, como toda a renda pré-capitalista, têm largo curso, sem que por isso, entretanto, se deixe de registrar a existência da renda absoluta e da diferencial.
De qualquer maneira, porém, o latifúndio domina aqui também e o tributo da renda absoluta se torna um peso insuportável e um freio às forças produtivas.
O caminho da criação de uma burguesia rural pela via do arrendatário rico choca-se com o monopólio da terra, que gera a alta dos arrendamentos e o curto prazo dos contratos. Este tipo de burguesia rural evolui para o tipo rural do latifundiário, torna-se capitalista e proprietário da terra, limitando-se a uma débil utilização do proletariado rural, contentando-se com a renda-produto e em seguida com a renda absoluta e a diferencial, sobre o excedente da quota de lucro.
O outro caminho para a criação da burguesia rural é o da posse da terra, em que o camponês rico cultiva o excedente acima das forças dos membros de suas famílias utilizando o trabalho assalariado. Os empreiteiros formadores de café seguem este caminho, sem conseguir, porém, a posse da terra, que só permanece em suas mãos enquanto dura o contrato (no máximo 6 anos). Entretanto o representante típico da burguesia rural que segue este caminho é o do posseiro ou posseante, de cuja luta pela posse da terra tivemos uma amostra em Porecatu.
O posseiro ou posseante, tipo de camponês rico bem caracterizado, consegue a posse da terra, inicialmente, em geral, nas zonas novas. Realizadas, porém, as benfeitorias terá que defrontar-se com o despejo, a grilagem de terras. Contra ele se voltarão o latifundiário e todo o peso do aparelho de Estado se porventura resistir.
O posseante está destinado a uma luta constante contra o latifundiário e seu complemento, o grileiro. A esperança da posse pacífica da terra o levará a vacilações e concessões nessa luta, mas não conseguirá atingir um pleno desenvolvimento como classe em conseqüência do monopólio da terra.
Quanto à grande massa camponesa, esta terá que vegetar como a grande criadora da renda-dinheiro, da renda-produto e de toda a renda pré-capitalista; irá se diferenciando para a condição de semiproletariado, impossibilitada de chegar à condição de pequeno produtor independente, ou proprietário parcelário. A massa camponesa Vagueará como uma grande massa expropriada, impelida sem cessar para as cidades e para as novas zonas agrícolas, lutando por um pedaço de terra, mas sempre empurrada para engrossar o proletariado rural. As contradições entre as forças produtivas e as relações de produção chegaram a um ponto crucial. Elas nos dão a caracterização no Brasil de um desenvolvimento à moda prussiana, sob a ação e a influência do imperialismo. Avança sem dúvida a penetração capitalista, mas os restos feudais vão sendo conservados e o monopólio da terra zelosamente defendido.
Daí o quadro que deparamos: de um lado os latifundiários e os latifundiários-capitalistas, de outro lado a grande massa de arrendatários pobres, os semiproletários e o proletariado rural, toda a massa de camponeses pobres ao lado dos camponeses médios e da burguesia rural em luta pela posse da terra.
De um lado acumula-se a enorme riqueza dos latifundiários e latifundiários-capitalistas; de outro lado, a miséria e a ruína, a fome e a doença de milhões de camponeses sem terra. De um lado, a renda-dinheiro, a renda-produto, a renda-trabalho, toda a renda pré-capitalista e mais a renda absoluta, a renda diferencial, os lucros, tudo isso arrancado do trabalho suplementar e da mais-valia dos pequenos produtores e trabalhadores do campo sem meios de produção. De outro lado, a pobreza absoluta de toda a população que vive no campo.
Há nisso uma profunda contradição e ela assenta, sem dúvida, no monopólio da terra e no imperialismo. Este, por toda a parte, trata de conservar e eternizar (especialmente no campo) as formas pré-capitalistas de exploração, que constituem a base da existência de seus agentes e aliados. Em tais condições, o estudo da renda da terra nos levará à compreensão da necessidade de abalar ou eliminar o monopólio da terra, o que, ao lado da derrota do imperialismo norte-americano, criará novas condições para o desenvolvimento das forças produtivas. A eliminação do monopólio da terra deverá ser precedida da abolição das formas de renda pré-capitalista, pelo menos da renda-trabalho e da renda-produto. Isto implica resguardar os empreendimentos industriais do campo, extinguindo, porém, as formas feudais de exploração, estendendo a legislação trabalhista ao campo, separando a usina da terra, retirando aos frigoríficos a posse das invernadas, criando a propriedade parcelária, baixando o arrendamento, prorrogando os contratos de arrendamento, incrementando o crédito agrícola e dando fim ao capital usurário, assegurando a posse da terra ao posseante, acabando com o despejo e a instituição do grilo, empreendendo, enfim, modificações radicais na estrutura agrária.
Notas
(2) Vide Os problemas da terra no Brasil e na América Latina – Comissão Nacional de Política Agrária, 1954 – pág. 42. (retornar ao texto)
(1*) Sanbra: controle acionário argentino. (N. do Editor.) (retornar ao texto)
Inclusão | 20/04/2006 |