História do Mundo
Volume II - O Período Moderno

A. Z. Manfred


Capítulo VII - A Reacção na Europa e os Movimentos Revolucionários de Libertação entre 1820 e 1830


O Congresso de Viena
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Depois de o império de Napoleão ter sido esmagado, o destino da Europa não seria decidido pelos povos que tinham lutado pela sua liberdade, mas por monarcas e ministros.

Em Outubro de 1814, foi aberto em Viena um Congresso das potências europeias com duzentos e dezasseis representantes de todos os estados europeus à excepção da Turquia. Foi o primeiro congresso a reunir tantos delegados. Contudo entre todas estas pessoas não havia um único democrata. Nenhum porta-voz do povo seria ouvido neste congresso: foram os soberanos e os seus representantes que se reuniram em Viena e que tomaram decisões contra os interesses dos seus povos.

Os papéis decisivos no Congresso foram desempenhados pelo Czar Alexandre, pelo Chanceler austríaco Metternich (1775-1859) pelo primeiro-Ministro inglês Lord Castlereagh, por Talleyrand e pelo Príncipe de Hardenberg, que representavam a França e Prússia respectivamente. Nada importante foi decidido nas sessões plenárias. O Congresso durou quase um ano mas a maior parte do tempo passou-se em recepções extravagantes, bailes e outras formas de entretenimento. Era no meio de bailes que se faziam as negociações secretas em tête-à-tête, que iam decidir do destino de milhões de pessoas.

O princípio fundamental que unia a maior parte dos membros do Congresso e dava o tom às decisões tomadas era o legitimismo, isto é, a restituição dos direitos «legítimos» aos antigos monarcas que tinham sido privados dos seus reinos. Este princípio do legitimismo deu aos poderes da reacção a arma ideológica necessária para justificar a inversão das principais mudanças políticas e territoriais que tinham sido feitas pela revolução e pelas guerras napoleónicas.

Desafiando os interesses nacionais dos povos da Europa e ignorando em absoluto as suas exigências, o Congresso de Viena refez o mapa da Europa. A Bélgica foi incluída no Reino dos Países Baixos e a Noruega no reino da Suécia. A Polónia foi mais uma vez dividida entre a Rússia e a Áustria. A Prússia fez conquistas territoriais à custa da Saxónia e de alguns outros estados alemães. A Áustria reconquistou tudo o que tinha perdido e recebeu ainda o reino da Lombardia e da Veneza. A Itália, a que Metternich se referiu desdenhosamente como «um conceito geográfico», foi dividida em alguns pequenos estados governados por membros de antigas dinastias. O Congresso também reconheceu a Grã-Bretanha como senhor legítimo da Província do Cabo na África do Sul, das ilhas de Ceilão e Malta e de outras possessões coloniais de que se tinha apoderado.

A odiada dinastia dos Bourbons foi restaurada em França, na Espanha e no reino de Nápoles e também noutros Estados: dinastias que tinham sido exiladas foram restauradas. O princípio do legitimismo garantia agora às forças da reacção mão livre sobre as conquistas pela força dos territórios, levada a cabo pelas grandes potências — processo que seria doravante considerado prática perfeitamente legítima.

Os cem dias

Em Março de 1815 um dos bailes de Viena foi interrompido por uma notícia extraordinária. Murmurava-se que Napoleão tinha fugido de Elba, aportado a França em 1 de Março e marchava para Paris. Este boato foi logo confirmado. Tão grande era o ódio do povo francês por Luís XVIII, que havia sido instalado no trono com a ajuda das baionetas estrangeiras e pelos nobres emigrados que tinham voltado com ele, que Napoleão conseguiu controlar toda a França em três semanas sem disparar um único tiro, e manobrar em triunfo sobre Paris.

Esta notícia agitou toda a Europa. Contava-se que quando a notícia do desembarque de Napoleão no Golfo de Juan, no Sul da França chegou à Prússia Oriental, os proprietários prussianos começaram a juntar as suas coisas para procurar refúgio nos confins da Sibéria. Em Viena, esta notícia pôs fim a todos os conflitos e oito potências assinaram uma declaração condenando a acção de Napoleão como ilegal. Fez-se logo nova coalização antifrancesa e os exércitos de uma Europa unida partiram a defrontar-se com Napoleão.

A Batalha de Waterloo

Napoleão tinha apenas uma possibilidade perante esta poderosa coalização a de se socorrer do apoio popular, travando uma guerra revolucionária contra as monarquias europeias. O povo francês estava mais do que disposto a entregar o seu destino a esta luta. Contudo, Napoleão teve medo das aspirações populares e da guerra revolucionária. «Não desejo ser rei da Jacquerie», afirmou. Recusando este tipo de guerra, Napoleão desperdiçou esta última e única oportunidade de vencer a superioridade numérica dos exércitos da coalização. Napoleão foi esmagado definitivamente na Batalha de Waterloo em 18 de Junho de 1815. Em 22 de Junho, assinou outra declaração de abdicação. Este seu segundo reinado tinha durado cem dias, depois do que foi mandado para o exílio na longínqua ilha de Santa Helena, onde morreu em 1821.

 
A Santa Aliança e a Reacção Europeia

Em Setembro de 1815, o czar Alexandre I, o imperador da Áustria, Francisco I e o rei da Prússia, Frederico Guilherme III assinaram um documento que fundava a Santa Aliança, à qual a maioria dos monarcas da Europa se juntaria mais tarde. A Santa Aliança era uma aliança de monarcas europeus, unidos com o objectivo de reprimir os movimentos revolucionários e de libertação nacional. Foi o mais reaccionário de todos os movimentos internacionais que até então tinham surgido: o seu único objectivo era evitar, desarreigar e esmagar «a subversão revolucionária» onde quer que ela surgisse.

A Santa Aliança foi apoiada por todas as forças da reacção europeia e encorajava-as a lutar contra os «livres pensadores». A Igreja, particularmente a Igreja Católica, cujos tentáculos chegavam a toda a parte, a poderosa ordem dos Jesuítas, um amplo sistema policial de investigações secretas, a espionagem, os informadores e as cartas anónimas, tudo foi utilizado na tentativa de esmagar a «heresia revolucionária».

A política reaccionária seguida pela nobreza feudal tinha por objectivo inverter o curso da história, como se tudo o que tinha acontecido durante a revolução não tivesse existido, e restaurar a ordem antiga que prevalecera antes da tomada da Bastilha. Os ideólogos reaccionários troçavam da literatura do iluminismo e tentavam estabelecer um contrapeso para ela, uma «fé que tudo redimia», divulgando a humilde submissão ao poder absolutista. Gabriel Bonald tentava demonstrar nas suas obras necessidade de restaurar o antigo sistema de classes e o poder da Igreja, Ludwig Haller pedia a obediência cega ao poder dos monarcas absolutos, Joseph de Maistre apontava a Inquisição como bastião da sociedade, condenava as ciências naturais e propunha que se impedisse que a cultura chegasse ao povo.

Mas as actividades dos reaccionários não se limitavam às palavras. Os Bourbons de quem, com toda a razão, se dizia que «não tinham aprendido nem esquecido nada» durante os seus vinte e cinco anos de exílio, começaram uma campanha de impiedosa perseguição de figuras proeminentes do movimento revolucionário e da era napoleónica. Muitas pessoas foram sumariamente executadas sem julgamentos e tribunais extraordinários pronunciaram mais de dez mil duras sentenças. Em 1825, durante o reinado de Carlos X (1824-1830) foi promulgada uma lei que decretava que os antigos emigrados seriam indemnizados de mil milhões de francos como compensação pelas terras que lhes tinham sido confiscadas pelo governo revolucionário. Neste mesmo ano foi feita uma outra lei que aplicava pesados castigos por sacrilégio ou actos perpetrados contra a Igreja: em casos extremos, tais sentenças iam até à guilhotina, depois da decepação da mão direita da vítima. Em Espanha. Fernando VII (1814-1833) aboliu a Constituição de 1812 e reintroduziu um regime repressivo de absolutismo. Mais uma vez, a Espanha estava nas mãos da nobreza feudal e dos grandes senhores católicos; os autos-de-fé estavam mais uma vez na ordem do dia. Condições semelhantes verificam-se também nos reinos italianos. Mesmo em Inglaterra, que ainda não tinha assinado a Santa Aliança e tinha fama de ser o país mais progressista da Europa, firmou-se a reacção. Em Agosto de 1819, nos Campos de S. Pedro, em Manchester, a polícia abriu fogo sobre um grupo de operários desarmados. Quinze pessoas foram mortas e quatrocentas feridas. Esta cruel represália dos militares contra operários indefesos foi ironicamente chamada o Massacre de Peterloo. O Parlamento promulgou imediatamente os reaccionários Six Combination Acts que eliminavam a liberdade de reunião e introduziram estreitas limitações à liberdade de imprensa. A estas leis chamou o povo «Seis Leis da Mordaça».

Luta Política e Ideológica contra as Forças da Reacção

O domínio arbitrário da reacção feudal e clerical provocou a indignação de todos os grandes espíritos da época. O grande poeta inglês George Byron (1788- 1824), nas suas notáveis obras Childe Harold, Don Juan e The Age of Bronze criticava amarga e duramente o mundo hipócrita e insidioso da reacção que dominava a Inglaterra. Com plena justificação, escreveria de si próprio:

«Travarei um guerra, pelo menos com palavras, com...todos os despotismos de cada nação.»

Outro grande poeta inglês, Shelley (1792-1822), também se opôs aos poderes constituídos. O famoso escritor francês Stendhal (Henry Beyle, (1783-1842), nos seus romances Le Rouge et le Noir e La Charlreuse de Parme pintou um quadro gráfico das forças omnipotentes da reacção e da opressão religiosa. O grande pintor espanhol Francisco Goya (1746-1828) que dedicou toda a sua vida a descrever o mundo terrível da inquisição e do obscurantismo, teve sempre presente a sua responsabilidade perante o povo espanhol. Os temas nobres da responsabilidade cívica e do amor da liberdade inspiravam o notável compositor alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827).

Àquilo que era expresso por dezenas de grandes artistas e escritores, também foi sentido, talvez de forma menos hábil e coerente, por centenas de milhar e muitas vezes por milhões de pobres da Europa, que havia pouco tinham respirado o ar vivificante do fermento revolucionário e da luta de libertação, e estavam agora sujeitos a uma política selvagem e à perseguição religiosa. Os povos da Europa não estavam dispostos a aceitar este arbitrário retorno aos odiados padrões do passado.

As Revoluções de 1820

Por mais selvagem que fosse esta onda de reacção, já não podia fazer voltar atrás o relógio da história. Os profundos processos que tinham afectado inclusive a estrutura da sociedade europeia e americana levaram a uma rápida consolidação dos padrões sociais burgueses, mais progressistas do que os feudais que os haviam precedido, e ao aparecimento de uma mais nítida consciência de classe e de nacionalidade entre os povos do mundo. As cruéis represálias desta reacção feudo-clerical serviram apenas para cristalizar esta nova consciência. E isto ia dar origem a algumas revoluções e movimentos revolucionários entre 1820 e 1830. Os seus resultados foram muito diferentes e muitos foram esmagados. No entanto, influenciaram o destino posterior dos povos que se ergueram para defender a sua liberdade.

A Revolução de 1820-1823 em Espanha

Em Janeiro de 1820, perto da cidade Cádiz, um regimento espanhol comandado por Rafael Diego y Nunez (1785-1823) amotinou-se. O coronel Riego era um valente defensor da liberdade do povo espanhol e tinha começado a preparar com outros oficiais uma revolta. Havia alguns oficiais com as mesmas ideias noutros regimentos e a revolta que rebentou em Cádis espalhou-se logo por todo o país. A principal exigência dos oficiais era voltar a pôr em vigor a constituição de 1812 e Fernando VII foi obrigado a fazer esta concessão. Em Julho de 1820, as Cortes prepararam-se para abolir a Inquisição e para restaurar as liberdades estabelecidas na constituição de 1812.

Estes factos foram importantes mas não foram aprofundados. A Espanha era um país eminentemente agrário e os camponeses, privados de terras e obrigados a viver numa abjecta pobreza pelos seus senhores, esperavam naturalmente uma solução para a questão agrária. Ora os oficiais, que eram, sobretudo, nobres ou burgueses liberais não queriam tocar no problema da propriedade de terra. Sem grandes esperanças, os camponeses não apoiaram a revolução com entusiasmo. Isto ia revelar-se fatal para o ulterior progresso da revolução.

No Outono de 1822, no Congresso de Verona, a Santa Aliança aprovou uma resolução para esmagar pela força a revolução espanhola. A França dos Bourbons tomava a seu cargo esta missão punitiva.

Na Primavera de 1823, o exército francês de intervenção, juntamente com forças espanholas contra-revolucionarias, marcharam através do país e tomaram Madrid. No Outono daquele ano a sua missão estava cumprida — a revolução tinha sido esmagada. Riego foi executado e teve uma morte de herói. A famosa «Marcha Riego», escrita pelo compositor espanhol Huerta, ia tornar-se o hino de batalha de muitas gerações de revolucionários espanhóis e em 1931 tornou-se o hino nacional da República espanhola. Embora a revolução de 1820- 1823 fosse esmagada, ela inspirava um amplo movimento que exigia mudanças sociais e políticas no resto do mundo. Byron, Puchkine e o poeta democrata francês Béranger, entoavam cânticos aos defensores da revolução espanhola, e condenaram a Santa Aliança, agora manchada com o sangue dos inocentes.

As Revoluções Italianas de 1820-1821

Uma vaga de actividades revolucionárias ia varrer as cidades da Itália quase na mesma altura em que ocorria a revolução em Espanha. As revoltas foram preparadas pela organização secreta dos Carbonari que nesta época tinha já estendido uma rede de células ou lojas, sujeitas a uma rigorosa disciplina, por todo o país. Homens corajosos e decididos juntaram-se aos Carbonari, homens que não tinham medo de arriscar a vida pelos seus compatriotas. A maioria eram membros da Inteligentsia burguesa ou da nobreza liberal. A fraqueza dos Carbonari, como tinha sido o caso dos revolucionários espanhóis, foi o seu isolamento das massas e terem avaliado mal a importância do problema agrário e da propriedade da terra.

Em Julho de 1820, um regimento perto de Nápoles amotinou-se. Em breve se lhe juntaram tropas comandadas pelo general Pepe que era membro dos Carbonari, e à acção de Pepe seguiram-se vários outros regimentos. O rei Fernando IV outorgou apressadamente uma constituição e prometeu reinar de acordo com os seus princípios, mas foi entretanto pedindo auxílio à Santa Aliança. Os membros do’ congresso da Santa Aliança reunidos no final de 1820 e no início de 1821, que esperavam ansiosamente um pretexto para esmagar o movimento revolucionário na Itália, confiaram à Áustria a tarefa de esmagar a revolução no reino de Nápoles.

Quando a expedição punitiva austríaca invadiu a Itália em Março de 1821, a revolução estalou também no Piemonte. Aqui o movimento também foi conduzido por oficiais e membros da nobreza liberal. O Conde de Santa Rosa, líder do movimento, não estava preparado para incitar o povo a pegar em armas e nem ele nem os revolucionários napolitanos conseguiram, com as suas limitadas forças, oferecer uma resistência eficiente ao exército austríaco de intervenção. Em Março, em Nápoles, e em Abril no Piemonte os movimentos revolucionários foram esmagados. Seguiu-se uma vaga de execuções e de cruel perseguição contra todos os que neles tinham tomado parte.

Tanto a revolução espanhola como a revolução italiana foram esmagadas pelos exércitos de intervenção contra-revolucionária enviados pela Santa Aliança. Esta devia ser claramente interpretada como executor da vontade dos monarcas europeus. O destino de ambos os movimentos foi decidido pelo facto de serem dirigidos por uma pequena minoria da classe burguesa e de os seus líderes não confiarem no apoio das massas populares.

O Movimento de Libertação Nacional da Grécia

O povo grego estava, havia vários séculos, à mercê das autoridades turcas. Erguia-se, ele também, contra os seus opressores. Em Março de 1821 estalou uma revolta que se espalhou rapidamente, e em Janeiro de 1822 uma assembleia nacional reunida no Epidauro declarou a Grécia independente. Isto foi apenas o começo da luta. Os Turcos responderam com uma impiedosa selvajaria. Toda a população grega da ilha de Quios, que contava mais de cem mil pessoas foi massacrada ou reduzida à escravatura. Este massacre bestial foi imortalizado pelo famoso pintor francês Delacroix numa das suas telas. Numerosas forças do exército turco foram enviadas para reprimir os revoltosos.

Os gregos lutaram valorosamente pela liberdade da sua pátria. Destacamentos de guerrilhas infligiram aos opressores turcos sérios golpes. A força do movimento grego de libertação estava no facto de que era um movimento popular no qual todo o povo tomava parte. Muitos chefes de valor surgiram das massas, dos quais o mais notável foi sem dúvida Makriyannis. Outro hábil comandante foi o general Kolokotronis, que também gozava de um grande apoio popular.

A valorosa luta do povo grego ganhou o apoio e a simpatia dos círculos progressistas em toda a parte. Byron cairia a lutar pela independência grega, e Puchkin e Shelley foram ambos inspirados pelo heroísmo grego. Os membros da Santa Aliança, entretanto, embora os gregos fossem seus irmãos de credo (cristãos), consideravam-nos revoltosos fora-da-lei.

Em 1825, um poderoso exército egípcio comandado por Ibrahim Pacha ergueu-se contra a Grécia. O governo do sultão, que não era suficientemente forte para aguentar a situação sozinho, voltou-se para o seu estado vassalo, o Egipto, a conselho de Metternich, procurando ajuda para esmagar os revoltosos gregos. O exército egípcio avançou em marcha lenta pelo país, destruindo tudo à sua frente.

Contudo, os patriotas gregos continuaram a lutar com bravura, preferindo a morte à rendição. A luta tornou-se cada vez mais desesperada. Interesses contrários que tinham surgido entre as potências europeias em relação ao Médio Oriente e rivalidades pelas esferas de influência na Grécia levaram-nas a intervir na questão grega. A 20 de Outubro de 1827, uma esquadra combinada de navios de guerra ingleses, franceses e russos destruiu completamente as esquadras egípcia e turca em Novarino. A guerra entre a Turquia e a Rússia, que começou em 1828, manteve uma larga proporção das tropas turcas fora da Grécia e por fim o povo grego sairia vitorioso da sua justa guerra de libertação. Em 1830 a Grécia foi reconhecida como um estado soberano independente.

A Guerra de Libertação travada pelos Povos das Colónias Espanholas da América

Novos sucessos do movimento revolucionário de libertação nacional também foram obtidos do outro lado do Atlântico. Os povos da América Central e do Sul haviam sido submetidos durante mais de dois séculos, a uma cruel exploração pelos conquistadores espanhóis, dos vastos recursos naturais da América Latina. Desde o final do século XVIII e, em particular, durante a Guerra da Independência

Norte-Americana e a Revolução Francesa, o movimento de libertação nas colónias espanholas tinha começado a ganhar terreno. Quando os franceses derrubaram os Bourbons, surgiram em Espanha condições favoráveis para o início de uma luta aberta contra os opressores.

A Fase do Movimento de Libertação

Em 1810-1815 ocorreu a primeira fase das guerras de libertação nas colónias espanholas da América. Os creoulos, mestiços e índios reuniram-se para lutar pela libertação da terra em que nasceram.

Em 11 de Abril de 1810 uma Junta Revolucionária, dirigida por Francisco de Miranda (1756-1816), que tinha tomado parte na revolução francesa, organizou uma revolta em Caracas que logo se espalharia por toda a Venezuela. Esta revolta serviu para despertar outras através do continente. Em Maio o Governo Provisório das Províncias Unidas de la Plata (mais tarde chamadas Argentina) foi designado por uma Junta em Buenos Aires. O movimento de libertação de La Plata foi chefiado por Mariano Moreno e mais tarde por José de San-Martin (1778-1850) e Belgrano. A guerra de libertação estendeu-se depois de La Plata para o Uruguai e o Paraguai, que também se declaram independentes. Em Setembro de 1810 teve início no México um movimento de libertação sob a chefia dum pároco de aldeia, Miguel Hidalgo.

A luta contra os colonialistas espanhóis foi muito dura e a sorte da guerra esteve ora de um lado ora do outro. No decurso da luta de libertação Miranda e Hidalgo pereceriam às mãos de executores espanhóis. O herói lendário Simão Bolívar (1783-1830) havia de adquirir fama imortal na luta pela libertação da Venezuela. Contudo, depois de Fernando VII ter sido reposto no trono espanhol, o colonialismo ia ser consideravelmente reforçado na mãe-pátria e passar à ofensiva. Em 1815 todos os baluartes da revolução foram tomados, à excepção de La Plata.

A Segunda Fase da Guerra de Libertação
As Expedições de Bolívar
Simão Bolivar

Em Novembro de 1816, Simão Bolívar, depois de voltar à Venezuela da ilha de Haiti com um destacamento, libertou a cidade de Angostura no delta do Orenoco e daí partiu para uma famosa expedição para libertar a Venezuela. Bolívar proclamou a abolição da escravatura e em 1817 anunciou que a todos os llaneros (camponeses) que se alistassem no exército seriam distribuídas parcelas de terra depois da guerra. Estas medidas progressistas trouxeram ao exército de Bolívar um grande afluxo de voluntários. Mais de 5000 voluntários de várias nacionalidades vieram também da Europa para ajudar o exército de libertação sul-americano. Bolívar conseguiu fazer do seu exército de libertação uma força de combate bem disciplinada e eficiente. Os colonialistas espanhóis viram-se assim perante um exército invencível de lutadores dedicados, pronto a dar a sua vida em nome da liberdade.

Em 1819 o Congresso de Angostura proclamou a República da Grande Colômbia, incorporando a Venezuela e Nueva Granada. O ilustre Bolívar foi eleito presidente da nova república. Entretanto, uma grande parte do país continuava por conquistar aos Espanhóis. O exército de Bolívar empreendeu nova e heróica expedição pelos Andes cujos cimos estavam cobertos de neve. Muitos destes bravos campeões da liberdade pereceram no decurso desta arriscada campanha, cheia de perigos. Em 1822, Bolívar conseguir libertar Quito, (Equador) que foi incorporado na Grande Colômbia.

A Libertação de La Plata, do Chile e do Peru

Os colonialistas espanhóis desencadearam também uma ofensiva no Sul. A 9 de Julho de 1816, no Congresso de Tucuman foi aprovada a declaração de Independência das Províncias Unidas de La Plata. Outro exército de lutadores pela liberdade, desta vez sob a chefia de outro talentoso e heróico comandante do movimento de libertação, José de San-Martin, fez também uma audaciosa travessia dos Andes no curso da sua bem sucedida luta contra os Espanhóis. No Chile juntar-se-lhes-iam os campeões da liberdade locais chefiados por Bernardo O’Higgins. Nas batalhas de Chacabuco (Fevereiro de 1817) e de Maipu (Abril de 1818) o exército de San-Martin derrotou os Espanhóis. A estas vitórias seguiu-se a declaração de independência chilena.

Entretanto a praça forte do domínio espanhol do Peru ainda se mantinha firme, e foi para lá que San-Martin e Bolívar levaram os seus exércitos em 1821. A guerra contra os Espanhóis no Peru ia durar vários anos, até que Simão Bolívar finalmente conseguiu quebrar a teimosa resistência dos colonialistas. A 6 de Agosto de 1824 os Espanhóis sofreram uma derrota decisiva em Junin, que foi o ponto de viragem da sua resistência. Em 1825 o Alto Peru foi libertado e chamado Bolívia em honra do comandante dos exércitos de libertação. Em Janeiro de 1826 rendeu-se a última guarnição espanhola da cidade de Callao.

O domínio dos colonialistas espanhóis na América do Sul estava no fim. Durante o mesmo período (1821-1824) o México e a América Central também adquiriram a sua independência. Após um período de revolta contra os Portugueses (1817-1822), o Brasil conquistou também a sua independência.

O Significado Histórico das Guerras de Libertação Latino-Americanas

A heróica luta de libertação que tinha durado mais de 15 anos tornou livre do jugo espanhol e português, toda a América Latina, à excepção de Cuba e Puerto Rico. Esta vitória ficou a dever-se sobretudo ao facto de as massas se terem unido numa justa luta contra os seus odiados opressores. A vitória desta revolução na América latina foi de grande significado internacional, e tornou possível o estabelecimento de algumas novas repúblicas independentes no Novo Mundo e serviu para minar seriamente as forças da reacção internacional chefiadas pela Santa Aliança. A vitória das revoluções latino-americanas infligiu um golpe fatal a dois vastos impérios coloniais — os da Espanha e de Portugal — e representou um estádio importante na luta dos povos coloniais contra os seus opressores.


Inclusão