A Guerra de Guerrilhas

V. I. Lénine

30 de Setembro de 1906

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Primeira Edição: Publicado a 30 de Setembro de 1906 no jornal Proletári nº 5.
Fonte: Obras Escolhidas em seis tomos, Edições "Avante!", 1986, t1, pp 296-306.
Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, russo t.14, pp. 1-12.
Transcrição: Manuel Gouveia
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" — Edições Progresso Lisboa — Moscovo.

capa

A questão das acções de guerrilha interessa fortemente o nosso partido e a massa operária. Já tocámos repetidamente esta questão de passagem, e agora tencionamos passar a uma exposição mais integral, que tínhamos prometido, das nossas concepções.

I

Comecemos pelo começo. Quais são as exigências fundamentais que qualquer marxista deve apresentar ao exame da questão das formas de luta? Em primeiro lugar, o marxismo distingue-se de todas as formas primitivas de socialismo pelo facto de ele não amarrar o movimento a qualquer forma determinada e única de luta. Ele reconhece as mais diferentes formas de luta, e além disso não as «inventa», mas apenas generaliza, organiza, dá consciência àquelas formas de luta das classes revolucionárias que surgem por si no curso do movimento. Absolutamente hostil a todas as fórmulas abstractas, a todas as receitas doutrinárias, o marxismo exige uma atitude atenta em relação à luta de massas em curso, a qual, com o desenvolvimento do movimento, com o crescimento da consciência das massas, com a agudização das crises económicas e políticas, gera métodos sempre novos e cada vez mais diversos de defesa e de ataque. Por isso o marxismo não renuncia absolutamente a nenhumas formas de luta. O marxismo não se limita em nenhum caso às formas de luta possíveis e existentes apenas num dado momento, reconhecendo a inevitabilidade de novas formas de luta, desconhecidas dos participantes do período dado, com a modificação da conjuntura social dada. O marxismo neste aspecto aprende, se assim nos podemos exprimir, com a prática das massas, está longe da pretensão de ensinar às massas formas de luta inventadas por «sistematizadores» de gabinete. Nós sabemos — disse, por exemplo, Kautsky ao analisar as formas da revolução social — que a crise futura nos trará novas formas de luta que nós não podemos prever agora.

Em segundo lugar, o marxismo exige um exame absolutamente histórico da questão das formas de luta. Colocar esta questão fora da situação histórica concreta significa não compreender o á-bê-cê do materialismo dialéctico. Em diferentes momentos da evolução económica, dependendo das diferentes condições políticas, nacionais-culturais, de vida, etc., diferentes formas de luta passam para primeiro plano, tornam-se as principais formas de luta, e, em ligação com isto, modificam-se também as formas secundárias, acessórias, de luta. Tentar responder por sim ou não à questão da utilização de um determinado meio de luta, sem examinar detalhadamente a situação concreta do movimento dado no grau dado do seu desenvolvimento, significa abandonar completamente o terreno do marxismo.

Tais são as duas proposições teóricas fundamentais pelas quais devemos guiar-nos. A história do marxismo na Europa ocidental dá-nos uma infinidade de exemplos que confirmam o que foi dito. A social-democracia europeia considera em dado momento o parlamentarismo e o movimento sindical como formas principais de luta, reconheceu a insurreição no passado e está plenamente disposta a reconhecê-la, com a modificação da conjuntura, no futuro — apesar da opinião dos burgueses liberais como os democratas-constitucionalistas e os sem-título russos(1). A social-democracia rejeitou nos anos 70 a greve geral como panaceia social, como meio de derrubar de imediato a burguesia por via não política — mas a social-democracia reconhece plenamente a greve política de massas (particularmente depois da experiência da Rússia em 1905) como um dos meios de luta, necessário em certas condições. A social-democracia reconheceu a luta de barricadas nas ruas nos anos 40 do século XIX, rejeitou-a na base de determinados dados no fim do século XIX, exprimiu a sua plena disposição de rever esta última opinião e de reconhecer a conveniência da luta de barricadas depois da experiência de Moscovo, que avançou, segundo as palavras de K. Kautsky, uma nova táctica de barricadas.

II

Depois de assentar as proposições gerais do marxismo, passemos à revolução russa. Recordemos o desenvolvimento histórico das formas de luta por ela avançadas. Primeiro greves económicas dos operários (1896-1900), depois manifestações políticas dos operários e estudantes (1901-1902), revoltas camponesas (1902), começo das greves políticas de massas em diferentes combinações com manifestações (Rostov 1902, greves do Verão de 1903, 9 de Janeiro de 1905), a greve política em toda a Rússia com casos locais de luta de barricadas (Outubro de 1905), luta massiva de barricadas e insurreição armada (1905, Dezembro), luta parlamentar pacífica (Abril-Junho de 1906), insurreições militares parciais (Junho de 1905-Julho de 1906), insurreições camponesas parciais (Outono de 1905-Outono de 1906).

Tal é a situação no Outono de 1906 do ponto de vista das formas de luta. A forma de luta «de resposta» da autocracia é o pogrome das centúrias negras, a começar em Kichiniov na Primavera de 1903 e a acabar em Sedlets no Outono de 1906(2). Em todo este período a organização do pogrome cem-negrista e do espancamento de judeus, estudantes, revolucionários, operários conscientes, progride cada vez mais, aperfeiçoa-se, combinando as violências das tropas cem-negristas com a violência de uma populaça comprada, indo até à utilização de artilharia em cidades e aldeias, fundindo-se com expedições punitivas, comboios punitivos, etc.

Tal é o fundo geral do quadro. Sobre este fundo destaca-se — é indubitável que como algo de parcial, secundário, auxiliar — o fenómeno a cujo estudo e apreciação é dedicado o presente artigo. Que representa este fenómeno? quais são as suas formas? as suas causas? quando surgiu e qual o seu grau de difusão? o seu significado no curso geral da revolução? a sua relação com a luta da classe operária organizada e dirigida pela social-democracia? Tais são as questões às quais devemos agora passar depois de traçar o fundo geral do quadro.

O fenómeno que nos interessa é a luta armada. Ela é conduzida por pessoas isoladas e por pequenos grupos de pessoas. Em parte eles pertencem a organizações revolucionárias, em parte (em algumas localidades da Rússia a maior parte) não pertencem a qualquer organização revolucionária. A luta armada persegue dois objectivos diferentes, que é necessário distinguir rigorosamente um do outro; a saber, esta luta visa, em primeiro lugar, matar pessoas isoladas, chefes e subordinados do serviço militar-policial; em segundo lugar, a confiscação de meios monetários tanto do governo como de pessoas particulares. Os meios confiscados vão em parte para o partido, em parte especialmente para armamento e para a preparação da insurreição, em parte para a manutenção das pessoas que travam a luta por nós caracterizada. As grandes expropriações (a do Cáucaso, de mais de 200 000 rublos; a de Moscovo, de 875 000 rublos 147(3)) foram precisamente para os partidos revolucionários em primeiro lugar; as pequenas expropriações vão antes de mais, e por vezes inteiramente, para a manutenção dos «expropriadores». Esta forma de luta indubitavelmente só teve um amplo desenvolvimento e difusão em 1906, isto é, depois da insurreição de Dezembro. A agudização da crise política até ao nível da luta armada, e particularmente a agudização da miséria, da fome e do desemprego nos campos e nas cidades, desempenharam um grande papel entre as causas que provocaram a luta que estamos a descrever. Adoptaram esta forma de luta, como forma preferencial e mesmo exclusiva de luta social, os elementos desclassados da população, os lumpenproletários e os grupos anarquistas. Deve encarar-se como forma de luta «de resposta» por parte da autocracia o estado de sítio, a mobilização de novas tropas, os pogromes das centúrias negras (Sedlets), os tribunais militares.

III

A apreciação habitual da luta que estamos a examinar reduz-se ao seguinte: isto é anarquismo, blanquismo, o velho terror, acções de indivíduos separados das massas, que desmoralizam os operários, afastam deles vastos círculos da população, desorganizam o movimento, prejudicam a revolução. Encontram-se facilmente exemplos que confirmam esta apreciação nos acontecimentos relatados cada dia nos jornais.

Mas serão esses exemplos probatórios? Para verificar isto, tomemos o lugar com maior desenvolvimento da forma de luta que estamos a examinar — o Território Letão. Eis como se queixa da actividade da social-democracia letã o jornal Nóvoe Vrémia (de 9 e 12 de Setembro). O Partido Operário Social-Democrata Letão (parte do POSDR) publica regularmente o seu jornal(4) em 30 000 exemplares. Na secção oficial publicam-se listas de espiões, cuja liquidação é dever de cada cidadão honesto. Aqueles que colaboram com a polícia são declarados «inimigos da revolução» e estão sujeitos a execução, respondendo além disso com os seus bens. Os sociais-democratas instruem a população para só entregar dinheiro ao partido contra a apresentação de recibo carimbado. No último relatório do partido, entre os 48 000 rublos de ingressos num ano figuram 5600 rublos da secção de Libava para armamento, obtidos através de expropriação. — O Nóvoe Vrémia fica fora de si, é claro, com esta «legislação revolucionária», com este «governo terrível».

Ninguém se decidirá a chamar anarquismo, blanquismo, terrorismo a esta actividade dos sociais-democratas letões. Mas porquê? Porque aqui é clara a ligação entre a nova forma de luta e a insurreição que houve em Dezembro e que amadurece de novo. Aplicada a toda a Rússia, esta ligação não é tão claramente visível, mas existe. São indubitáveis a difusão da luta «de guerrilhas» precisamente depois de Dezembro e a sua ligação com a agudização da crise não só económica mas também política. O velho terrorismo russo foi obra do intelectual conspirador; agora a luta de guerrilhas é travada, regra geral, pelo operário dum grupo de combate ou simplesmente pelo operário desempregado. O blanquismo e o anarquismo ocorrem facilmente à cabeça das pessoas inclinadas aos chavões, mas na situação de insurreição, tão clara no Território Letão, salta aos olhos que estas etiquetas aprendidas de cor não servem.

Pelo exemplo dos letões vê-se claramente que é completamente incorrecta, não científica e não histórica a análise, tão habitual entre nós, da guerra de guerrilhas sem a ligar à situação de insurreição. É preciso ter em atenção esta situação, meditar nas particularidades do período intermédio entre os grandes actos da insurreição, é preciso compreender quais as formas de luta que então se geram inevitavelmente, e não escapar-se com um par de palavras aprendidas de cor, iguais nos democratas-constitucionalistas e nos novo-vremistas: anarquismo, roubo, vadiagem!

Dizem: as acções de guerrilhas desorganizam o nosso trabalho. Apliquemos este juízo à situação depois de Dezembro de 1905, à época dos pogromes das centúrias negras e do estado de sítio. Que é que desorganiza mais o movimento em tal época: a ausência de resistência ou a luta de guerrilhas organizada? Comparai a Rússia central com a sua periferia ocidental, com a Polónia e o Território Letão. É indubitável que a luta de guerrilhas está muito mais amplamente difundida e mais desenvolvida na periferia ocidental. E é igualmente indubitável que o movimento revolucionário em geral e o movimento social-democrata em particular estão mais desorganizados na Rússia central do que na sua periferia ocidental. Naturalmente que não nos passa pela cabeça concluir daqui que o movimento social-democrata polaco e letão estão menos desorganizados graças à guerra de guerrilhas. Não. A única coisa que daqui decorre é que a guerra de guerrilhas não é culpada da desorganização do movimento operário social-democrata na Rússia de 1906.

Aqui refere-se não raramente a particularidade das condições nacionais. Mas esta referência trai de modo particularmente claro a fraqueza da argumentação corrente. Se a questão está nas condições nacionais, então a questão não está no anarquismo, no blanquismo, no terrorismo — pecados comuns a toda a Rússia e até especialmente russos —, mas em qualquer outra coisa. Analisai esta outra coisa concretamente, senhores! Vereis então que a opressão ou o antagonismo nacionais nada explicam, porque eles existiram sempre nas periferias ocidentais, mas só um período histórico dado gerou a luta de guerrilhas. Há muitos lugares onde há opressão e antagonismo nacionais mas não há luta de guerrilhas, que se desenvolve por vezes sem qualquer opressão nacional. A análise concreta do problema mostrará que a questão não está na opressão nacional mas nas condições da insurreição. A luta de guerrilhas é uma forma inevitável de luta numa altura em que o movimento de massas já chegou de facto até ao ponto da insurreição e quando surgem intervalos mais ou menos grandes entre as «grandes batalhas» da guerra civil.

Não são as acções de guerrilhas que desorganizam o movimento mas sim a fraqueza do partido, que não sabe tomar em mão estas acções. É por isso que os anátemas habituais entre nós, russos, contra as acções de guerrilhas se combinam com acções de guerrilhas secretas, ocasionais e não organizadas que realmente desorganizam o partido. Incapazes de compreender quais as condições históricas que causam esta luta, somos também incapazes de paralisar os seus lados maus. E no entanto a luta prossegue. Provocam-na poderosas causas económicas e políticas. Não está nas nossas forças eliminar estas causas e eliminar esta luta. As nossas queixas da luta de guerrilhas são queixas da nossa fraqueza partidária em matéria de insurreição.

O que dissemos sobre a desorganização aplica-se também à desmoralização. O que desmoraliza não é a guerra de guerrilhas mas a falta de organização, a falta de ordem e o sem-partidarismo das acções de guerrilhas. As condenações e maldições em relação às acções de guerrilhas não nos livrarão um bocadinho sequer desta indubitabilíssima desmoralização, porque estas condenações e maldições são absolutamente incapazes de deter um fenómeno suscitado por profundas causas económicas e políticas. Objectar-nos-ão: se somos incapazes de deter um fenómeno anormal e desmoralizador, isso não é argumento para que o partido passe a meios de luta anormais e desmoralizadores. Mas tal objecção seria puramente liberal-burguesa e não marxista, porque um marxista não pode considerar em geral anormal e desmoralizadora a guerra civil ou a guerra de guerrilhas, como uma das suas formas. Um marxista coloca-se no terreno da luta de classes e não da paz social. Em certos períodos de crises económicas e políticas agudas, a luta de classes desenvolve-se até ao nível de uma guerra civil directa, isto é, de uma luta armada entre duas partes do povo. Nesses períodos um marxista é obrigado a colocar-se no ponto de vista da guerra civil. Qualquer condenação moral dela é perfeitamente inadmissível do ponto de vista do marxismo.

Na época da guerra civil o ideal do partido do proletariado é um partido combatente. Isto é absolutamente indiscutível. Admitimos plenamente que do ponto de vista da guerra civil se possa fundamentar e provar a inadequação destas ou daquelas formas de guerra civil neste ou naquele momento. Reconhecemos plenamente a crítica das diferentes formas da guerra civil do ponto de vista da adequação militar e estamos absolutamente de acordo que o voto decisivo nesta questão pertence aos militantes práticos sociais-democratas de cada localidade. Mas em nome dos princípios do marxismo exigimos absolutamente que não se eluda a análise das condições da guerra civil com frases batidas e com chavões sobre o anarquismo, o blanquismo, o terrorismo, que os meios insensatos de acções de guerrilhas empregues por certa organização do PPS(5) em certo momento não sejam usados como espantalho a propósito da questão da própria participação dos sociais-democratas na guerra de guerrilhas em geral.

É preciso ter uma atitude crítica em relação às referências à desorganização do movimento pela guerra de guerrilhas. Todas as novas formas de luta, ligadas a novos perigos e novas vítimas, «desorganizam» inevitavelmente as organizações impreparadas para essa nova forma de luta. A passagem à agitação desorganizou os nossos velhos círculos de propagandistas. A passagem às manifestações desorganizou posteriormente os nossos comités. Todas as acções militares em qualquer guerra introduzem uma certa desorganização nas fileiras dos combatentes. Não se pode concluir daqui que não se deve combater. É preciso concluir daqui que é preciso aprender a combater. Só isso e mais nada.

Quando vejo sociais-democratas que declaram altivamente e cheios de si: «nós não somos anarquistas, ladrões, assaltantes, somos superiores a isso, rejeitamos a guerra de guerrilhas», então pergunto a mim próprio: perceberá esta gente o que diz? Têm lugar em todo o país escaramuças e embates armados do governo cem-negrista com a população. Este fenómeno é absolutamente inevitável no actual grau de desenvolvimento da revolução. A população, espontânea e desorganizadamente — e precisamente por isso muitas vezes em formas infelizes e más — , reage a este fenómeno também com escaramuças e ataques armados. Compreendo que nós, devido à fraqueza e impreparação da nossa organização, possamos renunciar num dado local e num dado momento à direcção pelo partido desta luta espontânea. Compreendo que esta questão deve ser resolvida pelos militantes práticos locais, que a remodelação das organizações fracas e impreparadas não é uma coisa fácil. Mas quando eu vejo num teórico ou num publicista da social-democracia não um sentimento de tristeza por esta impreparação mas uma altiva presunção e uma repetição narcisisticamente maravilhada de frases aprendidas de cor na primeira juventude sobre o anarquismo, o blanquismo, o terrorismo, então magoa-me o rebaixamento da doutrina mais revolucionária do mundo.

Dizem: a guerra de guerrilhas aproxima o proletariado consciente de bêbados e vadios degradados. É verdade. Mas daqui decorre apenas que o partido do proletariado nunca pode considerar a guerra de guerrilhas como o único ou mesmo como o principal meio de luta; que este meio deve ser subordinado a outros, deve estar em conformidade com os meios principais de luta, enobrecido pela influência esclarecedora e organizadora do socialismo. E, sem esta última condição, todos, decididamente todos, os meios de luta na sociedade burguesa aproximam o proletariado de diferentes camadas não proletárias acima e abaixo dele e, sendo deixados ao curso espontâneo das coisas, se deterioram, se pervertem, se prostituem. As greves deixadas ao curso espontâneo das coisas são pervertidas e transformadas em «Alliances» — acordos dos operários com os patrões contra os consumidores. O parlamento é pervertido e transformado em bordel onde uma corja de politiqueiros burgueses negoceia por grosso e a retalho a «liberdade do povo», o «liberalismo», a «democracia», o republicanismo, o anticlericalismo, o socialismo e todas as outras mercadorias vendáveis. Um jornal é pervertido e transformado em alcoviteira venal, em instrumento de depravação das massas, de lisonja grosseira dos mais baixos instintos da turba, etc., etc. A social-democracia não conhece meios universais de luta, meios que separem com uma muralha da China o proletariado das camadas que estão um pouco acima ou um pouco abaixo dele. A social-democracia aplica em diferentes épocas diferentes meios, rodeando sempre a sua aplicação de condições ideológicas e organizativas rigorosamente definidas(6).

IV

As formas de luta na revolução russa distinguem-se pela sua gigantesca variedade em comparação com as revoluções burguesas da Europa. Kautsky previu parcialmente isto ao dizer em 1902 que a revolução futura (ele acrescentou: talvez com excepção da Rússia) seria não tanto uma luta do povo contra o governo como uma luta entre duas partes do povo. Na Rússia vemos, indubitavelmente, um desenvolvimento mais amplo desta segunda luta do que nas revoluções burguesas do Ocidente. Os inimigos da nossa revolução entre o povo são pouco numerosos, mas com a agudização da luta eles organizam-se cada vez mais e recebem o apoio das camadas reaccionárias da burguesia. É por isso perfeitamente natural e inevitável que em tal época, na época das greves políticas de todo o povo, a insurreição não possa manifestar-se na velha forma de actos isolados, limitados por um intervalo de tempo muito curto e por uma área muito pequena. É perfeitamente natural e inevitável que a insurreição assuma as formas mais elevadas e complexas de uma guerra civil prolongada e que abarque todo o país, isto é, de uma luta armada entre duas partes do povo. Não se pode conceber essa guerra senão como uma série de algumas grandes batalhas, separadas por intervalos de tempo relativamente grandes, e uma quantidade de pequenas escaramuças no decurso destes intervalos. Uma vez que é assim — e é indubitavelmente assim -, a social-democracia tem necessariamente de colocar como sua tarefa criar organizações que sejam capazes em maior medida de dirigir as massas tanto nestas grandes batalhas como, tanto quanto possível, nestas pequenas escaramuças. A social-democracia, na época da luta de classes que se agudizou até à guerra civil, tem de colocar como sua tarefa não só participar mas também desempenhar um papel dirigente nesta guerra civil. A social-democracia tem de educar e preparar as suas organizações para que elas actuem realmente como parte beligerante que não perde nem uma só ocasião de causar dano às forças do inimigo.

É uma tarefa difícil, não há que dizer. Não se pode resolvê-la de repente. Tal como todo o povo se reeduca e aprende na luta no decurso da guerra civil, assim também as nossas organizações têm de ser educadas, têm de ser reconstruídas, na base dos dados da experiência, para cumprir esta tarefa.

Não temos a menor pretensão de impor aos militantes práticos qualquer forma inventada de luta ou mesmo de resolver no gabinete a questão do papel destas ou daquelas formas da guerra de guerrilhas na marcha geral da guerra civil na Rússia. Longe de nós a ideia de ver numa apreciação concreta destas ou daquelas acções de guerrilhas a questão de uma orientação na social-democracia. Mas vemos a nossa tarefa em contribuir, na medida das nossas forças, para uma apreciação teórica correcta das novas formas de luta avançadas pela vida; em lutar implacavelmente contra os chavões e os preconceitos que impedem os operários conscientes de colocar correctamente uma questão nova e difícil, de abordar correctamente a sua solução.


Notas de rodapé:

(1) Sem-título: grupo da intelectualidade burguesa russa, surgido no período do começo do descenso da revolução de 1905-1907. O grupo deve o seu nome ao semanário político Sem Título, publicado em Sampetersburgo em Janeiro-Maio de 1906. Encobrindo-se com o seu apartidarismo formal, os «sem-título» eram defensores das ideias do liberalismo burguês e do oportunismo. (retornar ao texto)

(2) Pogrome de Kichiniov: um dos mais sangrentos pogromes contra os judeus na Rússia tsarista, organizado em Abril de 1903. Em resultado do pogrome foram mortas e feridas algumas centenas de pessoas e destruídas e pilhadas mais de mil habitações.
O pogrome contra os judeus de Sedlets foi organizado em fins de Agosto de 1906. Durante o pogrome a cidade foi submetida a fogo de artilharia; foram mortas e feridas centenas de pessoas. (retornar ao texto)

(3) A expropriação do Cáucaso foi realizada na cidade de Ducheti da gubérnia de Tiflís. Na noite de 13 (26) de Abril de 1906 seis homens armados, disfarçados de soldados do regimento aquartelado em Ducheti, penetraram, fazendo-se passar pela guarda, na tesouraria local e apoderaram-se de 315 000 rublos.
A expropriação de Moscovo foi realizada pelos socialistas-revolucionários em 7 (20) de Março de 1906 no banco Sociedade Comercial de Crédito Mútuo. Um grupo de homens armados, contando uns 20 elementos, desarmou a segurança do banco e expropriou 875 000 rublos. (retornar ao texto)

(4) Referência ao jornal Zihna (Luta), órgão central da social-democracia letã; fundado em Março de 1904. Publicou-se ilegalmente em Riga com grandes intervalos até Agosto de 1909, e depois no estrangeiro. Depois do estabelecimento do poder soviético na Letónia, em Junho de 1940, o jornal tornou-se órgão do CC do Partido Comunista da Letónia e do Soviete Supremo da RSS da Letónia. (retornar ao texto)

(5) PPS -. Polska Partia Socjialisticzna (Partido Socialista Polaco): partido nacionalista reformista criado em 1892. Actuando sob a palavra de ordem de luta por uma Polónia independente, o PPS realizava uma propaganda separatista e nacionalista entre os operários polacos e esforçava-se por afastá-los da luta conjunta com os operários russos contra a autocracia e o capitalismo. (retornar ao texto)

(6) Os sociais-democratas bolcheviques são frequentemente acusados de uma atitude leviana e parcial em relação às acções de guerrilhas. Não é por isso descabido lembrar que no projecto de resolução sobre as acções de guerrilhas (n.° 2 do Partínie Izvéstia e relatório de Lénine sobre o congresso(7) a parte dos bolcheviques que as defende apresentou as seguintes condições para o seu reconhecimento: as expropriações de propriedade privada não eram admitidas de modo nenhum; as expropriações de propriedade do Estado não eram recomendadas mas apenas admitidas com a condição de o partido as controlar e de os meios serem dirigidos para as necessidades da insurreição. As acções de guerrilhas sob a forma de terror eram recomendadas contra funcionários brutais do governo e membros activos das centúrias negras, mas com as seguintes condições: 1) ter em conta o estado de espírito das amplas massas; 2) ter em atenção as condições do movimento operário da localidade dada; 3) velar por que as forças do proletariado não sejam dissipadas em vão. A diferença prática entre este projecto e a resolução que foi aprovada no Congresso de Unificação consiste exclusivamente em que não são admitidas expropriações de propriedade do Estado. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(7) Tem-se em vista o Relatório sobre o Congresso de Unificação do POSDR (Carta aos Operários de Sampetersburgo). O IV Congresso do POSDR, «de Unificação», realizou-se em Estocolmo de 10 a 25 de Abril (23 de Abril a 8 de Maio) de 1906. O Congresso entrou na história do partido como «de Unificação». Mas no Congresso realizou-se apenas uma unificação formal do POSDR. Na realidade os bolcheviques e os mencheviques tinham diferentes concepções e plataformas sobre as questões mais importantes da revolução e representavam de facto dois partidos. (retornar ao texto)

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Inclusão 17/09/2015