Carta a S. I. Gússiev

V. I. Lênin

13 de Outubro de 1905


Primeira Edição: Remetida de Genebra a Odessa. Publicada, pela primeira vez, em 1926. Encontra-se in Obras, t. XXXIV, págs. 306/310.
Fonte: Editorial Vitória Ltda., Rio, novembro de 1961. Traduzido por Armênio Guedes, Zuleika Alambert e Luís Fernando Cardoso, da versão em espanhol de Acerca de los Sindicatos, das Ediciones em Lenguas Extranjeras, Moscou, 1958. Os trabalhos coligidos na edição soviética foram traduzidos da 4.ª edição em russo das Obras de V. I. Lênin, publicadas em Moscou pelo Instituto de Marxismo-Leninismo, anexo ao CC do PCUS. As notas ao pé da página sem indicação são de Lênin e as assinaladas com Nota da Redação foram redigidas pelos organizadores da edição do Instituto de Marxismo-Leninismo. Capa e planejamento gráfico de Mauro Vinhas de Queiroz. Pág: 165-168.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.

De Lênin a Natsia
13/X/905

capa

Caro amigo:

A resolução do Comitê de Odessa sobre a luta sindical (“decisões” n.° 6 ou 5, não sei bem; na carta n.° 24. Datada de setembro de 1905) parece-me totalmente equivocada. Na minha opinião, o ardor com que se luta contra os mencheviques explica essa resolução, e isso é natural, mas é preciso não cair no outro extremo. Pois bem, a resolução cai precisamente no outro extremo. Por isso me permitirei analisar com um sentido crítico a resolução do Comitê de Odessa, pedindo aos camaradas que discutam as minhas opiniões, que não foram feitas, de modo algum, para mortificar ninguém.

A resolução consta de três partes (não numeradas) nos motivos e cinco partes (numeradas) na parte propriamente resolutiva. A primeira parte (o ponto inicial dos motivos) é francamente boa: assumir “a direção de todas as manifestações da luta de classe do proletariado” e “não esquecer nunca a tarefa” de dirigir a luta sindical. Magnífico. Depois, o segundo ponto: “em primeiro lugar” se propõe a tarefa de preparar a insurreição armada e (ponto terceiro ou final dos motivos) “em virtude disso a tarefa de dirigir a luta sindical do proletariado fica relegada inevitavelmente a segundo plano. A meu ver, isto é errado teoricamente e desacertado no sentido da tática.

É errado do ponto de vista teórico estabelecer um paralelo entre estas duas tarefas, apresentando-as como se fossem iguais, como se estivessem situadas no mesmo nível: a “tarefa de preparar a insurreição armada” e a “tarefa de dirigir a luta sindical”. Uma tarefa no primeiro plano e outra no segundo. Falar assim significa comparar e estabelecer um paralelo entre coisas de ordem diferente. A insurreição armada é um meio de luta política num dado momento. A luta sindical é uma das manifestações permanentes de todo o movimento operário, sempre necessárias sob o capitalismo e obrigatórias em todos os momentos. Engels, num trecho citado por mim em Que Fazer?, distingue três formas fundamentais da luta proletária: a econômica, a política e a teórica, isto é, a sindical, a política e a teórica (científica, ideológica, filosófica). Como é possível colocar junto uma destas formas fundamentais de luta (a sindical) e o método próprio de outra forma fundamental de luta num dado momento; colocar junto a toda a luta sindical, como “tarefa”, um meio de luta política que tem caráter de atualidade e que está longe de ser o único? Isto é simplesmente absurdo, algo assim como somar avos e centésimos sem reduzir os quebrados a um denominador comum. Na minha opinião, estes dois pontos (o segundo e o terceiro) dos motivos devem desaparecer. Junto à “tarefa de dirigir a luta sindical” só se pode colocar a tarefa de dirigir toda a luta política em geral, a tarefa de sustentar a luta ideológica em geral e em seu conjunto, e de modo algum tais ou quais tarefas parciais, determinadas e atuais da luta política ou ideológica. Estes dois pontos deveriam ser substituídos pela indicação de que é necessário não esquecer nem um instante a luta política, a tarefa de educar a classe operária em todo o conjunto das ideias social-democratas, a necessidade de esforçar-se para estabelecer uma ligação estreita e indissolúvel entre todas as manifestações do movimento operário para criar um movimento operário coerente e verdadeiramente social-democrata. Esta indicação poderia ser o segundo ponto dos motivos. O terceiro poderia ser a constatação da necessidade de prevenir contra uma compreensão e uma formulação estreitas da luta sindical, ingentemente difundidas pela burguesia. Naturalmente, não proponho um projeto de resoluções, não abordo a questão de se é mister falar disto de modo especial; a única coisa que faço por enquanto é elucidar qual expressão de vosso pensamento seria teoricamente acertada.

Do ponto de vista da tática, a resolução, em sua forma atual, apresenta as tarefas da insurreição armada de modo muito infeliz. A insurreição armada é o meio supremo da luta política. Para o êxito da insurreição do ponto de vista do proletariado, isto é, para o êxito de uma insurreição proletária e dirigida pela social-democracia, e não de outra insurreição qualquer, é preciso um amplo desenvolvimento de todos os aspectos do movimento operário. Por isso. é ultra-desacertada a ideia de contrapor a tarefa da insurreição à tarefa de dirigir a luta sindical. Assim, rebaixa-se e diminui-se a tarefa da insurreição. Em lugar da soma e coroamento de todo o movimento operário em seu conjunto, destaca-se à parte a tarefa da insurreição. Confundem-se, por assim dizer, duas coisas: a resolução sobre a luta sindical em geral (a esse tema está consagrada a resolução do Comitê de Odessa) e a resolução sobre a distribuição das forças no trabalho atual do Comitê de Odessa (nesta confusão incorre a vossa resolução, tratando-se, como se trata, de duas questões completamente diferentes).

Passarei a analisar os pontos numerados da parte resolutiva no sentido estrito da palavra.

Ad. I — “Desmascarar as ilusões” “a respeito dos sindicatos”..., isto ainda pode passar, embora fosse melhor suprimi-lo. Em primeiro lugar, isto entra nos motivos, onde deve ser indicada a ligação indissolúvel de todos os aspectos do movimento. Em segundo lugar, não se diz que ilusões. Era preciso acrescentar: ilusões burguesas sobre a possibilidade de satisfazer as necessidades econômicas e de qualquer outra espécie da classe operária na sociedade capitalista.

“...acentuando fortemente sua (dos sindicatos?) estreiteza em comparação com os objetivos finais do movimento operário”. Conclui-se que todos os sindicatos são “estreitos”. E os sindicatos social-democratas, vinculados à organização política do proletariado? O centro de gravidade não está em que os sindicatos sejam “estreitos”, mas em vincular este aspecto (estreito por ser um só) com os demais. Por conseguinte, ou tirar isto ou falar mais uma vez na necessidade de criar e fortalecer a ligação de um aspecto com todos os demais, impregnar os sindicatos de conteúdo social-democrata, de propaganda social-democrata, incorporá-los a todo o trabalho social-democrata, etc.

Ad. II — Pode passar.

Ad. III — Não é justo, pelas causas indicadas, estabelecer um paralelo entre a tarefa dos sindicatos e a “urgentíssima e primordial tarefa” da insurreição armada. Numa resolução sobre a luta sindical não há por que falar da insurreição armada, pois esta é um meio para a “derrubada da autocracia tzarista” a que se refere o ponto II. Os sindicatos poderiam ampliar a base de onde tiramos a força para a insurreição, de modo que, direi mais uma vez, é errado contrapor um ao outro.

Ad. IV — “Sustentar uma enérgica luta ideológica contra a chamada minoria, que retrocede para o “economismo” “nas questões referentes aos sindicatos”. Isso não é demasiadamente geral para uma resolução do Comitê de Odessa? Não é um exagero? Pois na imprensa não houve crítica a nenhuma resolução de todos os mencheviques sobre os “sindicatos”. Indicou-se apenas que os liberais elogiam os mencheviques por sua tendência a se esforçarem imprudentemente nesse sentido. Mas a única conclusão que daí se infere é que nós devemos esforçar-nos “prudentemente”, mas nos esforçar a todo transe. A meu ver, ou bem é preciso prescindir absolutamente deste ponto, limitando-se a indicar que é preciso prevenir contra a estreiteza e lutar contra as tendências da burguesia e dos liberais a desfigurar as tarefas dos sindicatos, ou bem formular este ponto de modo especial em relação com alguma resolução concreta dos mencheviques (e não sei se há resoluções desse tipo atualmente; acaso tenham surgido entre vós no Sul algumas resoluções ao estilo de Akímov).

Ad. V — Isso sim. As palavras: “e se for possível, a direção”, eu substituiria por: “e a direção”. Fazemos tudo “se for possível”. Colocar aí estas palavras, e só aí, pode gerar interpretações errôneas como a de que o que menos aspiramos é a direção, etc.

Na minha opinião, falando em termos gerais, é preciso evitar exagerar a luta contra os mencheviques nesse assunto. Agora, provavelmente, começarão logo a surgir sindicatos. É preciso não ficar à margem e, acima de tudo, não dar motivo para pensar que é preciso ficar à margem, mas sim esforçar-se para participar, influir, etc. Pois há uma camada especial de operários, os de idade madura, os que têm família, que colaboram agora muito pouco na luta política, mas muito na luta sindical. É preciso aproveitar essa camada, orientando seus passos nesse aspecto da luta. Para a social-democracia da Rússia é importante atuar com tino desde o próprio começo nos sindicatos, criar em seguida uma tradição de iniciativa social-democrata, de participação social-democrata e de direção social-democrata nesse aspecto. De início, podem faltar forças na prática, mas isso já é uma questão muito diferente; além disso, se se sabe utilizar todas as diversas forças, sempre as encontraremos também para os sindicatos. Encontraram-se forças para escrever uma resolução sobre os sindicatos, isto é, para dirigi-los ideologicamente, e nisso está a essência!

Um aperto de mão. Peço que me escreva acusando o recebimento desta carta e comunicando-me sua opinião sobre ela.

Seu N. Lênin.


Inclusão 13/11/2012