Revolução do Tipo de 1789 ou do Tipo de 1848?

V. I. Lenine

Abril de 1905


Escrito: em Março-Abril de 1905
Primeira Edição: Publicado pela primeira vez em 1926, in Lenin Miscellany V.
Fonte da Presente Tradução: Lenine, Oeuvres, tomo 8, pp. 256-258. Ed. du Progrès, Moscovo, 1973.
Tradução para o português: José André Lôpez Gonçâlez.
HTML: Fernando A. S. Araújo, maio de 2007 .
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Uma questão importante relacionada com a revolução russa exprime-se nestes termos:

  1. Conseguirá ela derrubar inteiramente o governo czarista e instituir a república?
  2. Ou resumir-se-á a limitar, a restringir o poder imperial, estabelecendo uma constituição monárquica?

Por outras palavras: teremos uma revolução do tipo de 1789 ou do tipo de 1848? (Dizemos do tipo para afastar a ideia absurda da possibilidade de repetição das situações sociais, políticas e internacionais, para sempre ultrapassadas, de 1789 e 1848).

Não existem muitas dúvidas de que os sociais-democratas devem desejar a realização da primeira hipótese e tender nesse sentido.

Ora, a forma como Martinov coloca a questão redunda completamente no desejo seguidista de uma revolução muito modesta. Admitido o segundo tipo, o “perigo” da tomada do poder pelo proletariado e pelos camponeses, perigo que assusta os Martinov, fica completamente afastado.

Na segunda hipótese, a social-democracia terá inevitavelmente de “manter-se na oposição” mesmo em relação à revolução – e Martinov entende precisamente manter-se na oposição mesmo em relação à revolução.

Perguntemos: qual é o tipo mais provável?

Argumentos a favor do primeiro tipo:

  1. a cólera acumulada no seio das classes inferiores da sociedade russa, o seu estado de espírito revolucionário, numa medida muito mais forte do que na Alemanha de 1848; temos de passar por uma viragem mais brusca, não existiram e não existem entre nós graus intermédios de qualquer espécie entre a autocracia e a liberdade política (os zemstvos não contam), contamos com um despotismo puramente asiático;
  2. uma guerra desastrosa torna ainda mais provável, no nosso caso, um colapso brusco, fazendo cair na lama definitivamente o governo do czar?
  3. a situação internacional é-nos mais favorável, devendo a Europa proletária tornar impossível o apoio dos monarcas europeus à monarquia russa;
  4. o desenvolvimento dos partidos revolucionários conscientes, das suas publicações e das suas organizações é muito superior entre nós do que era em 1789, 1848 e em 1871;
  5. existem entre nós numerosas nacionalidades oprimidas pelo czarismo: polacos, finlandeses, etc., que tornam particularmente vigoroso o assalto à autocracia;
  6. a classe camponesa está entre nós particularmente arruinada, remetida a uma miséria inacreditável e já não tem nada a perder.

Todas estas considerações não são evidentemente absolutas. Podemos opor-lhes outras:

  1. existem entre nós muito poucos vestígios da feudalidade;
  2. o governo é mais experiente e dispõe largamente dos meios que lhe permitem desmontar o perigo revolucionário;
  3. a guerra perturba a espontaneidade de uma explosão revolucionária colocando problemas estranhos à revolução. A guerra demonstra a fraqueza das classes revolucionárias russas que não estavam em estado de se sublevarem sem a guerra (cf. A revolução social de Karl Kautsky);
  4. não recebemos qualquer impulso revolucionário por parte de outros países;
  5. os movimentos nacionais que tendem para o desmembramento da Rússia são susceptíveis de afastar da nossa revolução a massa da pequena e da grande burguesia russa;
  6. o antagonismo entre o proletariado e a burguesia é entre nós muito mais profundo do que era em 1789, 1848 1871; desta forma, a burguesia irá de tal modo temer a revolução proletária que se entregará nos braços da reacção.

É evidente que só a história poderá pesar os prós e os contras. A nossa tarefa, enquanto sociais-democratas, é de levar tão longe quanto possível a revolução burguesa, sem nunca esquecer o nosso objectivo principal: a organização autónoma do proletariado.

E é neste ponto que Martinov cai na confusão. Uma revolução completa é a tomada do poder pelo proletariado e pelos camponeses pobres. Ora, estas camadas, uma vez no poder, terão que tender para uma revolução socialista. Logo, a tomada do poder, que no início não passará de um acto da revolução democrática, tornar-se-á por força das circunstâncias, contra a vontade (e por vezes a consciência) dos seus participantes, uma revolução socialista. Então, a derrocada será inevitável. E se a derrota das tentativas de revolução socialista é inevitável, devemos (como Marx que previa em 1871 a inevitável derrota da insurreição parisiense) recomendar ao proletariado para não se insurgir, esperar, organizar-se, recuar para melhor avançar.

Seria este o raciocínio de Martinov (e da nova Iskra) se o aprofundasse até ao fim.


Inclusão 02/06/2007