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Primeira Edição: discurso realizado na cidade italiana de
Teramo em que explica explica as causas da derrota do socialismo na Albânia.
Fonte: Fundação Maurício Grabois. Revista Princípios, Edição 50, Ago-Out, 1998, pág: 26-36.
Transcrição: Diego Grossi
HTML: Fernando A. S. Araújo
Sabe-se que um dos princípios fundamentais do comunismo é o papel de guia do Partido Comunista na organização, na direção e na realização bem-sucedida das revoluções proletárias e da edificação do socialismo.
A experiência e a realidade da Albânia testemunham sobre a coerência dessa tese leninista não somente do ponto de vista teórico mas também prático. Desde a fundação do Partido do Trabalho da Albânia em 1941, o povo albanês lutou contra os ocupantes nazifascistas sob a direção desse partido e do camarada Enver Hoxha, realizou passo a passo a revolução popular, estabeleceu o poder da democracia popular segundo os princípios da ditadura do proletariado e edificou o socialismo. Não me deterei aqui no período de 45 anos da construção do socialismo na Albânia, porque os resultados obtidos sob a direção do Partido do Trabalho e do camarada Enver Hoxha são mais ou menos conhecidos e o tempo de que disponho não me permite. Efetivamente, tenho em mente expor o aspecto negativo da dolorosa experiência albanesa, daquilo que ocorre quando o partido da classe operária abandona a luta em defesa dos princípios leninistas, deixa-se atrair pelos lemas e pelas alternativas dos revisionistas modernos renunciando assim não somente a seu papel hegemônico, mas indo até o ponto de negar-se a si mesmo.
Em 1985, o povo albanês e o Partido do Trabalho perderam seu guia, Enver Hoxha. Foi exatamente em 1985 que na União Soviética Mikhail Gorbachev assumiu a frente do estado soviético e com suas idéias sobre a Perestroika e a Glasnost foi, com efeito, mais longe que o revisionista antileninista e antistalinista Nikita S. Kruschev. Enver Hoxha não viveu para lutar contra Gorbachev, mas até o fim dos seus dias lutou com a exemplar determinação de um grande revolucionário marxista-leninista, denunciando abertamente os perigos que o revisionismo moderno causava ao movimento operário, e sobretudo os provenientes do revisionismo que se alimentava e se inspirava pela direção do primeiro país da Revolução Proletária, da edificação socialista e comunista. No que concerne ao seu país, Enver Hoxha não limitou essa luta unicamente ao plano ideológico mas denunciou sempre o perigo que ameaçava a independência da Albânia socialista nos planos político, econômico e militar, decorrente das intenções da nova superpotência imperialista soviética.
À chegada de Gorbachev à cabeça da União Soviética, com suas reformas tão aplaudidas e exageradas pelos círculos imperialistas, pelas chancelarias ocidentais e pela imprensa burguesa mundial, apareceram as primeiras fissuras no seio do Estado criado por Lênin e Stalin, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, no país que tinha salvado o mundo do nazismo alemão, que era a esperança dos povos do mundo e do movimento operário internacional, que sempre tinha apoiado as suas lutas pela liberdade, a independência, por seus direitos nacionais e sociais. Gorbachev e seus colaboradores não apenas atacaram os fundamentos do Estado criado pela Revolução de Outubro, mas servindo-se de suas teorias anti-leninistas, destruiu os laços fraternais e as situações internas nos países de democracia popular. Ele disse ao imperialismo norte-americano e ao grande capital ocidental: "façam o que quiserem".
Gorbachev afirmou sua traição de antileninista com o discurso que pronunciou há dez anos, por ocasião do 70° aniversário da Revolução de Outubro. Para nós está claro tudo o que aconteceu e continua a acontecer na ex-União Soviética após essa queda vertiginosa e o afastamento da linha leninista, queda que o próprio Gorbachev não pôde suportar, cedendo lugar aos Ieltsins para que estes consumassem a traição até o fim, reduzindo a União Soviética a um país sem o peso político e militar que representava, abandonando-a a um completo caos econômico, moral e social.
O X Congresso, de junho de 1991, foi preparado por uma comissão especial que fez de tudo para desacreditar os membros mais antigos do Birô Político e os comunistas mais determinados.
Mas é hora de falar sobre meu país onde uma inaudita catástrofe aconteceu. Que eu saiba, ninguém até o presente fez uma análise profunda e geral do que ocorreu e continua a ocorrer na Albânia. Não é fácil fazer essa análise porque os fatores internos e externos são numerosos, sendo as ligações entre uns e outros evidentes, mas, também, é indiscutível que houve nos bastidores cenários e planos que se podem imaginar e que até o momento permanecem desconhecidos.
Eu própria ainda não me lancei a esse trabalho, porque depois de 1991 estive presa durante mais de cinco anos e apenas tinha sido libertada quando ocorreram os indesejáveis acontecimentos de 1997, período durante o qual estive praticamente isolada, sendo impossível deslocar-me e encontrar quem eu queria. Mas, pelo que pude compreender e acompanhar dos acontecimentos ocorridos na Albânia, tentarei apresentar de maneira incompleta, apenas alguns momentos cruciais que influenciaram a crise albanesa.
Não me deterei na descrição do fundo histórico e das circunstâncias que influenciaram a crise albanesa, nem da situação catastrófica resultante.
Em suas análises o camarada Enver Hoxha sublinhava que o estabelecimento dos revisionistas no poder levaria à degenerescência do socialismo e à restauração do capitalismo, que os partidos se encontravam na lama da social-democracia, que o revisionismo moderno se transformaria num ninho de gatos. O curso dos acontecimentos que estamos vivendo dá-lhe completa razão no que concerne a essas previsões.
Desgraçadamente, seu Partido não se ateve estritamente às lições leninistas sobre o indiscutível papel dirigente do Partido como vanguarda da classe operária. Não valorizou a importância de suas advertências sobre o perigo do revisionismo moderno ressuscitado que ameaçava o socialismo nos países onde ele estava sendo construído e todos os partidos comunistas e operários do mundo.
O guia de nosso Partido se separou de nós no momento em que as forças políticas da grande burguesia capitalista dos países mais industrializados encontravam-se no auge da atividade para assentar um golpe eliminador nas forças comunistas, sobretudo nos países onde estas se encontravam no poder.
É dessa maneira que a pressão euroatlântica se faz sentir também sobre nós. Altas personalidades oficiais vinham à Albânia e insistiam em que "a Albânia mudasse de via". A resposta de nossa direção era: "A Albânia deve ser aceita tal como ela é" (tratava-se da Comunidade Européia, da Convenção de Helsinque, da OSCE etc). Mas, o “quartel general” anticomunista, sob a direção dos Estados Unidos, que organizava a última batalha pela derrubada do sistema socialista-comunista na União Soviética e nos países do Leste europeu, não podia suportar a obstinação dos albaneses. Organizou, então, a quinta coluna. As ameaças políticas e econômicas,vinham assim, tanto do Leste, dos “ex-amigos”, como do Oeste e se sucediam umas às outras.
Logo que assumiu o poder, Sali Berisha empreendeu uma campanha feroz contra os comunistas.
Era a época em que caía o muro de Berlim. Na Romênia ocorriam os processos e fuzilamentos horripilantes. A Rede Italiana de Televisão (RAI) continuava a enganar os jovens albaneses com a publicidade de uma vida paradisíaca.
Os comunistas honestos se esforçaram por manter durante o ano de 1990 o mais firmemente possível as principais posições encarnadas na Constituição da República Popular da Albânia do ano de 1976, que Enver Hoxha nos deixara como herança.
A verdade é que durante esse período a situação econômica do país não era satisfatória devido a razões objetivas e subjetivas, que não mencionarei aqui. Os elementos que organizaram manifestações turbulentas em nome da democratização do país, valeram-se do descontentamento de muitos coletivos da classe operária, aos quais já não se assegurava a matéria-prima para a produção, e dos jovens que já não encontravam trabalho como antes.
Encontrávamos-nos sob uma extraordinária pressão, tanto interna como externa. Insistia-se particularmente na revisão da Constituição, exigia-se a supressão do papel dirigente do Partido do Trabalho e a permissão do pluralismo político; a supressão da teoria marxista-leninista como ideologia guia de nosso Partido e de nosso estado; a introdução no país das sociedades de economia mista e dos créditos externos; o estabelecimento de relações diplomáticas com os Estados Unidos; a abertura das instituições religiosas; e a libertação dos prisioneiros políticos.
Havia entre todas essas exigências algumas que podíamos aceitar, mas eram de importância secundária. Exigia-se que renunciássemos à via marxista-leninista, ao socialismo, que retrocedêssemos ao passado, que restaurássemos o capitalismo, com todos os seus fundamentos e estruturas. Em meio a essa encruzilhada, a direção do Partido se encontrou na discórdia. A maioria era fiel à linha de Enver Hoxha. O mesmo aconteceu nas organizações do Partido. Mas o primeiro-secretário do Comitê Central e alguns outros dirigentes não compartilhavam o mesmo ponto de vista. Ele tomou duas decisões fatais para o Partido: primeiro, num discurso pessoal, sem pedir a aprovação do Birô Político, sem submeter aos votos do Pleno do Comitê Central, ele deu a orientação de abrir as reuniões das organizações do Partido a quaisquer pessoas que delas desejassem participar, com o direito de intervir nas discussões, sem a obrigação de serem membros. Habitualmente, nas reuniões das organizações de base das empresas, das escolas, das cooperativas etc, e mesmo nas reuniões plenárias do Comitê Central, em que se discutiam importantes problemas econômicos e científicos, sempre convidávamos especialistas renomados não membros do partido, mas não quem quer que desejasse, como se as organizações do Partido fossem clubes com entrada franca. Os comunistas reagiram mal a essa decisão. Com efeito, a vida do Partido foi destruída e durante os acontecimentos posteriores ele chegou a ser liquidado para se fazer substituir por um novo partido, o qual, no X Congresso, em junho de 1991, assumiu a denominação de Partido Socialista. A maioria dos comunistas, assim como a maior parte dos delegados, acreditavam que esse partido seria o continuador do Partido do Trabalho e chegaram mesmo a propor diferentes nomes, como Partido Renovado, etc. Foi nesse mesmo Congresso que se desferiu o segundo golpe, eliminador, no Partido do Trabalho. Refiro-me à maneira como o Congresso foi preparado, como se desenvolveu, seus bastidores e sobretudo a eleição do novo Comitê Central e às competências que este se atribuiu.
O Congresso e seu informe não foram preparados pelo Comitê Central, que era considerado conservador, mas por uma comissão especial, da qual participavam os membros liberais chamemos assim — do Comitê Central e outras pessoas indicadas pelo próprio primeiro-secretário. Não tendo sido aprovado pelo Comitê Central, sobretudo por suas críticas a Enver Hoxha, a Comissão exigiu a dissolução do CC apenas quatro dias antes do início dos trabalhos do Congresso. Não ficamos de acordo porque isto contrariava o Estatuto do Partido. A comissão organizou o trabalho de maneira que no congresso os mais antigos membros do Birô Político, assim como os comunistas mais determinados, fossem desacreditados por meio de acusações baixas sem caráter político e que serviram de fundamento às acusações que Sali Berisha lhes imputou mais tarde quando seu governo os aprisionou. O partido que foi criado nesse Congresso realizou um outro no qual se fundou um Partido Socialista, de tipo Ocidental, que enviou o primeiro documento a Betino Craxi, da Internacional Socialista européia. É compreensível que nessas condições o eleitorado que continuava votando no Partido do Trabalho ficasse desorientado e uma boa parte dele desse nas eleições de 22 de março de 1992 seu voto ao Partido Democrático, dizendo: "vejamos o que esse partido vai fazer"! E o povo viu o que esse partido fez e pagou ao preço de vidas humanas e angústias intermináveis a escolha que houvera feito nessas eleições. Durante todos esses anos ele conheceu também o Partido Socialista, o qual, estando em posições social-democratas, faz uma transição rumo à centro-direita, como ele próprio declara, em coalizão com os demais partidos no governo.
Em sua maioria, o povo, tomando consciência de sua responsabilidade, se insurgiu em revoltas, para reconquistar os direitos perdidos.
Em dezembro de 1990 um grupo de estudantes universitários conhecidos por seu liberalismo, se lançaram na empreitada de organizar protestos e manifestações. No começo, sob o pretexto de reivindicações econômicas. Mais tarde, apresentaram exigências políticas relacionadas à democratização da vida do país, a liberdade de opinião e de organização. Junto aos estudantes, encontrava-se — enviado pelo próprio Ramiz Alia, segundo ouvimos dizer — o cardiologista e professor, comunista há 25 anos, secretário do partido na Faculdade de Medicina, Sali Berisha, sob o pretexto de tranquilizar a situação. Sali Berisha, originário dos povoados mais recônditos do norte da Albânia, veio a Tirana para seguir seus estudos universitários financiado pelo Estado. Estudou com zelo e foi enviado várias vezes à França para se especializar. Era um bom médico, mas também ambicioso, autoritário, duro com os amigos. Dizia-se que se mostrava muito devoto e militante corajoso porque pretendia ser eleito para o Comitê Central do PTA, objetivo que jamais pôde realizar, talvez porque se casara com uma albanesa cuja mãe era de Montenegro, ligada à OZNA (serviço secreto iugoslavo). Era esta a razão também por que ele jamais foi chamado para consulta médica por Enver Hoxha como frequentemente se falou.
Sempre ambicioso e carreirista, farejando os ares que sopravam nos países ex-socialistas do Leste europeu, à primeira ocasião que se apresentou na Albânia, ele passou para o lado dos estudantes revoltados. Dando cotoveladas nos estudantes e em outros iniciadores do Partido Democrático, colocou-se à frente desse partido.
Sali Berisha não se acanhou por ter feito uma viragem de 180 graus para se transformar de comunista em anticomunista raivoso. Sua crueldade aumentou com o tempo, transformando-o no primeiro perseguidor impiedoso, paranóico dos comunistas.
Sob acusações absurdas ele mandou prender uns após outros os membros do Birô Político, assim como altos funcionários do Partido e do Estado, inclusive a mim, companheira de Enver Hoxha. Milhares de simpatizantes, funcionários e trabalhadores honestos perderam seus empregos, foram afastados de seus escritórios, das instituições, das escolas, das sessões militares.
Ele se colocou à frente da oposição, mas não de uma oposição política democrática. As pessoas sérias que compreenderam seus propósitos e suas ações vis, se afastaram dele. O movimento de dezembro (1990), que muitas pessoas chamaram de Revolução Democrática, sob a direção de Sali Berisha, transformou-se num movimento fascista anti-revolucionário, em que o próprio se colocou à frente de esquadrões tipicamente mussolinianos e hitleristas. Sua palavra de ordem era: "Morte ao comunismo", a destruição até a "cota zero" de tudo o que houvera sido construído pelo regime comunista, porque os Estados Unidos tinham dado o "cheque em branco" para reconstruir edifícios mais belos e mais modernos.
O Partido Democrático se transformou num conglomerado de pessoas reacionárias, colaboracionistas, de ex-prisioneiros políticos, de proprietários e de ricos deserdados, de pessoas ambiciosas, intelectuais servis e medíocres e de outros ainda desejosos de fazer carreira, entre os quais se encontravam também comunistas.
Foi com a ajuda desse contingente, transbordante de ódio represado durante 50 anos, dos vencidos e deserdados, de políticos suspeitos e corrompidos, que Sali Berisha empreendeu uma campanha feroz de represálias, até ao ponto de atos de vandalismo e macabros.
Ele começou com a demolição dos monumentos e bustos de Stalin e Lênin para mais tarde derrubar os de Enver Hoxha, o que provocou a ira do povo, que se levantou em manifestações massivas de protesto em todo o sul da Albânia e em algumas cidades do norte. Grupos de vândalos, de ex-prisioneiros comuns, incitados e pagos, derrubaram todos os símbolos da Luta Antifascista de Libertação Nacional, destruíram museus, violaram os cemitérios dos guerrilheiros. Eles foram ao ponto de cometer o ato macabro de na calada da noite sem avisar às famílias, desenterrar os restos mortais dos comandantes mais destacados que tinham libertado o país, entre os quais o comandante geral, Enver Hoxha, retirando-os do lugar respeitado designado aos mártires da Nação, onde repousavam ao lado de seus camaradas guerrilheiros. Berisha revogou todas as homenagens concedidas pelos órgãos legítimos do Estado, ao passo que ao mesmo tempo condecorou os colaboracionistas e os criminosos que tinham lutado pela destituição do poder popular e que tinham assassinado professores, pioneiros, jovens mulheres que lutaram pela abertura das escolas e pela emancipação feminina nos povoados mais distantes das regiões montanhosas, onde ainda existiam costumes atrasados e severos.
Após terem levado a Albânia à beira do precipício, as potências ocidentais, os EUA, o FMI e o Banco Mundial ditam agora o que ela deve fazer.
Sali Berisha aboliu por decreto as festas nacionais, o 29 de novembro, a festa da libertação do país que foi realizada ao preço de sangue e de sacrifícios e o 11 de janeiro, dia da proclamação da República.
Os fatos acima mencionados não são sequer a centésima parte de todos os males que Sali Berisha acarretou a nosso povo e nosso país. A indústria voltou à estaca zero, a agricultura retrocedeu ao nível do período do Rei Zog, todos os fenômenos negativos do passado ressuscitaram: as querelas por um pedaço de terra e por um riacho, as antigas vendetas, as doenças endêmicas já inteiramente desaparecidas, ressurgiram os pântanos, apareceram os fenômenos novos da sociedade capitalista, totalmente esquecidos, como a emigração, ou completamente desconhecidos na Albânia, como a droga, a Aids, e absolutamente inaceitáveis, como a prostituição e o crime organizado.
Durante os cinco anos do poder de Sali Berisha não se construiu sequer uma fábrica, a não ser a da coca-cola, inaugurada pomposamente, que Berisha chamou "a andorinha" da nova indústria. Construíram-se apenas 5 km de estrada, quando todas as estradas da Albânia foram mais destruídas que no tempo da guerra. Lançou-se a palavra de ordem: "Nós governamos, o mundo nos ajuda".
Após a derrubada do sistema socialista, todas as janelas e portas da Albânia se abriram aos estrangeiros. Aqueles que desembarcavam não eram simples turistas, mas políticos, economistas e homens de negócios. Será que estes homens não viam a que estado a Albânia estava se reduzindo e como os valores materiais e culturais do povo albanês, conquistados e mantidos ao longo dos séculos ao preço de sangue e sacrifícios, estavam desaparecendo?
Na Albânia circula o rumor, e não é sem fundamento, de que tudo o que acontece em nosso país faz parte de cenários já preparados nos dois lados do Atlântico. Na época em que Sali Berisha visitava todas as capitais da Europa e os Estados Unidos e propagandeava os resultados obtidos pela Albânia, dizendo que a renda dos cidadãos albaneses era mais elevada do que a de todos os países ex-comunistas do Leste europeu, é possível que todos esses países, assim como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Europeu, não soubessem que na Albânia a produção não existia, que o desemprego era quase total, que a juventude atacava o litoral da Itália e as barreiras da fronteira grega e que finalmente a população sobrevivia graças às fundações das “Pirâmides” rentistas?
Não! Os Estados Unidos, assim como a Europa conheciam bem a situação na Albânia e sabiam que ela se precipitava para a catástrofe. Mas as potências ocidentais pensaram que Sali Berisha era o homem de que precisavam, apoiaram-no, afagaram seu ego, e tudo fizeram para que ele vencesse. Em seus comícios eleitorais era sempre acompanhado pessoalmente pelo embaixador norte-americano, ato ilegítimo e sem precedentes. Ele contou com o apoio declarado da presidente do Conselho da Europa, Madame Eleni Fischer. A Alemanha e a Grã Bretanha enviaram especialistas para dar instruções sobre a organização de uma campanha eleitoral. Com a ajuda de todo tipo de pesquisas manipuladas e de métodos sofisticados, eles tentaram convencer a opinião pública de que a vitória nas eleições de 26 de maio (1997) seria do Partido Democrático, porque nos bastidores, valendo-se de regulamentos e de leis impostos pela maioria do PD no parlamento, foram tomadas todas as medidas para concretizar essa "vitória". Mas os impostores não se contentaram com um percentual razoável e aceitável. Extremamente zelosos e usando violência nas urnas, os democratas roubaram os votos do povo e declararam que obtiveram de 80% a 90% dos votos. Esta vitória embriagou Sali Berisha e quando, em 28 de maio a oposição, os socialistas e seus aliados social democratas e liberais, se lançaram à Praça Skanderbeg, líderes e eleitores desse partido foram impiedosamente batidos e ensanguentados.
Naquele momento, Sali Berisha pensava que doravante ninguém podia arrancá-lo do trono do presidente. Sem levar em conta os informes dos observadores da OSCE, ele marcou as próximas eleições para o ano 2000 e a maioria de seu partido no parlamento deu-lhe o segundo mandato como presidente da República, até que no país declarou-se o estado de guerra. Somente nós, que vivêramos os anos da guerra sob a ocupação nazifascista, conhecíamos o que significava estado de sítio, ao qual tínhamos sido submetidos somente duas vezes no prazo de 24 horas, quando as residências eram inspecionadas, ao passo que o "cessar fogo" era praticado à noite e somente em Tirana. A juventude e as gerações que viveram durante os 50 anos do poder popular não sabiam o que queria dizer cessar-fogo nem estado de sítio.
Do ponto de vista histórico e geográfico a Albânia se divide em duas partes, o Norte, chamado Guéguéri e o Sul, chamado Toskeri. Houve no passado remoto diferenças evidentes no terreno da cultura (os dialetos, os costumes e o modo de vida), assim como no terreno religioso e econômico-social. Os inimigos do país quiseram usar essa divisão em benefício de seus interesses expansionistas e chauvinistas. A Sérvia visava ao Norte e a Grécia visava ao Sul. Mas o povo albanês jamais aceitou a idéia de uma luta entre albaneses, de uma guerra civil fratricida, e que o Norte combatesse o Sul e vice-versa. Os grandes representantes do Renascimento albanês realizaram um excelente trabalho quanto à defesa da integridade territorial e da unidade nacional na Albânia.
A religião não era um fator determinante na divisão da população e do país. Os católicos constituem de 10% a 11% da população e se concentram mais no norte, cuja principal cidade é Shkodra. Os ortodoxos constituem cerca de 20% da população e se concentram mais em Korça, Berat, Tirana etc. A outra parte da população é muçulmana e se encontra espalhada por todo o país, mas sua presença é mais evidente nas regiões central e nordeste da Albânia.
No Norte, os católicos sempre estiveram de acordo com os muçulmanos para enfrentar lado a lado as intenções e as agressões dos ortodoxos sérvios e montenegrinos. No Sul, os muçulmanos homenageavam os mártires ortodoxos que haviam sido cruelmente torturados, envenenados e massacrados pelo Patriarcado Ortodoxo de Constantinopla, porque lutaram pela salvaguarda da língua albanesa sob o slogan: "A Albânia é a religião dos albaneses", ou outros lemas como "A Albânia é um único país de sul a norte".
Excetuando Shkodra, onde os católicos em geral e os clérigos eram ligados ao Vaticano e se distinguiam por sua cultura, a outra parte dos católicos vivia nos povoados montanhosos cujas residências encontravam-se afastadas umas das outras em razão da vendeta e das disputas por motivos econômicos, sociais e morais, e devido a inimigos eventuais e agressores estrangeiros. Estas regiões eram extremamente pobres e atrasadas. Os ocupantes nazifascistas se utilizavam dessa situação e recrutavam mercenários que enviaram para fazer a guerra contra o povo que lutava nas cidades e nas montanhas para conquistar a liberdade perdida e sobretudo eles os enviavam ao sul propagandeando que os combatentes nessa região eram os comunistas eslavos e gregos.
Um dos pontos mais importantes da estratégia de Enver Hoxha após a libertação do país era o reforço da unidade entre a população do norte – os guégues e a do sul – os tosks. Elaborou-se e colocou-se em prática todo um programa com o objetivo de reduzir as diferenças econômicas, culturais e sociais entre essas regiões. Trabalhou-se no sentido de que a população dessas regiões não se afastasse e que essas regiões estratégicas e bastante cobiçadas pelos sérvios e montenegrinos não se desertificassem.
Foi com esse objetivo que se tentou explorar o subsolo dessas regiões, muito ricas em minerais raros e preciosos, explorar as florestas, as pastagens e desenvolver a pecuária. Havia em cada família alguém que trabalhava nas minas ou nas serragens, sendo que os salários correspondentes a esses postos de trabalho eram mais elevados do que os pagos aos trabalhadores de outras profissões. Para completar o ensino da população dessas regiões, dava-se prioridade nas escolas profissionais e na Universidade ao acesso dos jovens delas provenientes. Sali Berisha é um exemplo de beneficiário desta política.
Sali Berisha fez exatamente todo o contrário. Ele destruiu e colocou fora de funcionamento todas as empresas de produção e estimulou a emigração interna em nome do direito democrático e da liberdade de movimento. O mundo e os estrangeiros não sabem que esta migração da população dentro do país foi mais dolorosa do que a dos refugiados que atacaram a Itália ou a Grécia. Esses imigrantes internos não são menos numerosos do que os que partiram para o exterior, são cerca de meio milhão e são ainda os mais miseráveis, porque habitando nos subúrbios de Tirana e de Durres, falta-lhes abrigo, trabalho e é em seu meio que os bandos criminosos de Berisha encontram refúgio. Aproximando de Tirana esses montanheses pobres e enviando muitos deles para o sul, aos centros mais bonitos e mais produtivos, o espírito diabólico de Berisha visava a obter os seus votos e pretendia, se a ocasião se apresentasse, armá-los, como efetivamente ele o fez para esmagar a revolta popular de Vlora e dos demais centros do Sul, que ele considerava como comunistas e inimigos pessoais.
Traidor e criminoso de sua própria pátria, Berisha fez de tudo para colocar em prática os planos historicamente conhecidos de provocação de uma guerra civil entre o Norte e o Sul, para dividir a Albânia e dar o Norte aos sérvios e o Sul aos gregos. Mas a Itália não podia permanecer como espectadora, ela sempre quis a sua parte. Já não estávamos na época da Segunda Guerra Mundial, não estávamos mais em 1920 nem em 1939, não era mais o tempo da explosão de conflitos. Apesar disso foram enviados para a Albânia tanques de assalto e navios de guerra, soldados bem alimentados, bem equipados e bem armados, para deter o élan dos "rebeldes" albaneses, para esfriar suas cabeças. Em nome da paz e das ajudas humanitárias, as forças multinacionais frearam a revolução popular. Os patriotas albaneses, os antifascistas, os comunistas e todos nós saudamos a decisão do Partido da Refundação Comunista de votar contra o envio de tropas à Albânia, e por isso somos reconhecidos e lhes agradecemos de coração, assim como a todos os amigos que nos apoiaram nestes dias difíceis.
Para nós foi um grande conforto espiritual saber que, embora o povo estivesse armado e que Berisha e seus colaboradores organizassem bandos criminosos que semeiam o caos e aterrorizam as pessoas, não ocorreu nenhum incidente com as forças multinacionais. Foi um grande prazer constatar que o povo, nessa situação explosiva, mostrou sua sabedoria participando em massa nas eleições e dando seu voto aos socialistas, assegurando que estes juntamente com seus aliados obtivessem 2/3 dos assentos no parlamento. Na capital, que era considerada como o bastião do Partido Democrático, os eleitores não deram nenhum voto aos deputados do Partido Democrático.
Estes resultados provam até que ponto o povo detestava Sali Berisha que destruiu e cobriu de vergonha a Albânia, que causou a morte de tantos jovens, que nos privou do Estado, do Exército e tudo mais. Berisha foi a maldição da Albânia, foi o Nero da Albânia.
Mas as inquietações do povo ainda não terminaram. Ele deu seu voto aos socialistas e tem um governo de coalizão, mas está perdendo a paciência e não compreende como se deixa livre, e por quanto tempo, Berisha que cometeu tantos crimes? Este faz de tudo para impedir o trabalho normal do governo, organiza greves de fome, protestos e manifestações quotidianamente, aparece na televisão em coletivas à imprensa etc. As pessoas se perguntam: Quem se esconde atrás desse homem? Além de seus colaboradores próximos, comprometidos em atos criminosos e corrompidos até a medula, quem do outro lado da fronteira quer prolongar a vida política de Sali Berisha? É esta a razão por que nos últimos tempos aumentaram as exigências feitas por grupos de diferentes camadas sociais sobre a legalização do Partido Comunista Albanês, que embora fosse ilegal, obteve grande apoio do eleitorado.
Tudo isso faz com que a situação da Albânia não seja ainda tranqüila nem segura. Após terem levado a Albânia à beira do precipício e os albaneses à pobreza extrema, as potências ocidentais, os Estados Unidos, o Conselho da Europa, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial podem ditar à Albânia o que ela deve fazer.
Nós perdemos a independência política e econômica, mas o povo albanês sempre lutou no curso da história para sobreviver, pela independência, pela liberdade. A revolta popular de Vlora e de todos os centros do Sul,assim como a solidariedade manifestada pelo Norte comprovam uma vez mais o espírito combatente do povo, que nos dá a coragem e nos faz esperar por melhores dias para a Albânia e os albaneses.
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