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Primeira Edição: discurso final de defesa, pronunciado quando do julgamento no qual foi condenada a 9 anos de prisão. .
Tradução: Olival Freire Jr. O texto foi traduzido do Faxogramme Quotidien LML (Le marxiste-léniniste), v. XXIII, nº 32, 1993, Órgão do Partido Comunista do Canadá (ML).
Fonte: Fundação Maurício Grabois. Revista Princípios, Edição 29, Mai-Jul, 1993, pág: 31-33.
HTML: Fernando A. S. Araújo
Senhores e Senhoras
No seu libelo acusatório, o promotor público, Teodor Mosko, repetiu as acusações e as conclusões da ata de acusação. É como se, diante deste tribunal, dia após dia, não tivesse havido qualquer análise das acusações, qualquer declaração ou intervenção de nossa parte. Como se, e eu falo de meu caso pessoal, nenhuma das testemunhas, ainda que citadas pelo promotor, pois a defesa não solicitou nenhuma, tivesse confirmado minhas declarações; o que todas elas fizeram, à exceção de uma das testemunhas que me contradisse por razões pessoais.
Pela minha parte, não mudo uma palavra das declarações que fiz no curso da instrução e que repeti, sob juramento, diante do tribunal. Eu considero inútil repeti-las, mas faço questão de sublinhar uma vez mais que as acusações levantadas contra mim, minha prisão e este processo têm motivos políticos.
O promotor público reconheceu este fato ao começar seu libelo acusatório pela descrição do passado em termos duros e pungentes, fazendo até um paralelo literário com O Inferno de Dante.
Esta parte do libelo não tem espaço em um processo versando sobre acusações de natureza econômica e financeira. Contudo, isso revelou os motivos políticos deste processo, ainda que ele os tenha negado na abertura do processo. O verdadeiro objetivo deste caso é límpido como a água da fonte: perseguir politicamente a família Hoxha e desacreditá-la perante a opinião pública.
Eu poderia escolher responder a estas novas acusações, mas me recuso a utilizar este tribunal para exprimir minhas opiniões políticas, meu ponto de vista sobre o passado e as transformações que tiveram lugar em nosso país. As realizações do poder popular, que se seguiram à vitória sobre os nazi-fascistas, serão julgadas pela história, que é o mais equânime dos juízes, em todos os países do mundo e para todos os seres humanos. Mesmo se até o impossível é feito em nosso país para deformar a história, uma coisa permanecerá escrita claramente em letras radiosas: no curso dos 45 anos, durante os quais Enver Hoxha guiou nosso país, este tornou-se não só um país civilizado, e mais importante ainda a Albânia era livre, independente e soberana. Ela nunca submeteu-se e nem permitiu a qualquer potência, grande ou pequena, dominá-la.
Nos nossos dias é claro, aos olhos de todos, a quem cabe a responsabilidade da pobreza inimaginável das massas populares e do nível de destruição da Albânia, pior ainda do que existiu ao fim da Segunda Guerra Mundial. Aqueles que planificaram esta destruição e que tinham como divisa passar tudo a limpo estão agora desmascarados, porque um bom número dentre eles são os herdeiros dos grandes proprietários e dos colaboradores nazi-fascistas. São suas mentalidades feudais que os levam a reclamar seu “ouro” à família Hoxha.
Que procurem, eles e todos aqueles que querem os acompanhar, nas diversas pontes reconstruídas depois da guerra, sob as dormentes das primeiras vias férreas, sob as estradas que ligam nossas cidades às montanhas, nos pântanos secados e hoje sob as ruínas das escolas, dos jardins de infância, das clínicas médicas, nos fornos destruídos das vilas e sob os restos dos campos e das florestas que eles incendiaram.
Eles assim têm não somente profanado o sangue e suor derramados pelo povo e pela juventude, mas, também, destruído o capital utilizado pelo poder popular depois da libertação para reconstruir o país e criar uma nova Albânia.
Quanto às mudanças e aos transtornos que se produziram no mundo comunista, por razões objetivas e subjetivas, nossa pequena Albânia não podia escapar a este maremoto anticomunista. Face às condições que existiam, nos planos interno e externo, na condição pessoal de comunista e membro do Comitê Central do Partido do Trabalho da Albânia, então no poder; e na condição de presidente da Frente Democrática da Albânia, apoiei o processo democrático, na esperança e com a convicção de que nossa Albânia, sempre livre, continuaria a progredir no curso deste período e que o povo viveria melhor. Eu apoiei o pluralismo das idéias e o pluralismo dos partidos, enquanto medidas democráticas, sempre na esperança de que o povo permaneceria unido, sob uma base nova e ainda mais sólida, com uma consciência mais forte. Eu apoiei nossa participação na Comunidade Européia com a convicção de que isto servia ao interesse vital de nosso Estado democrático e que nossa nação, dividida pelas grandes potências, poderia, enfim, realizar seu sonho de unidade e tomar o lugar que lhe cabe nesta comunidade, na condição de uma nação que possui uma história e uma cultura antigas.
No que diz respeito ao aspecto econômico do libelo acusatório, faço questão de sublinhar que o abandono da acusação de “abuso de poder” conta a meu favor, assim como a redução, nas três sucessivas atas de acusação, das quantias “desviadas”, redigidas ao longo do meu ano de encarceramento. De outro lado, estas “flutuações” e a pena requisitada contra mim fazem duvidar da justeza destas cifras. Ao mesmo tempo elas revelam as injustiças da pena extraordinária solicitada pelo procurador. Esta não toma em consideração nem a idade, nem o estado de saúde da mulher que consagrou cinquenta anos de sua vida de luta e trabalho ao seu povo e seu país. Eu sustento que a pena requisitada contraria a convenção internacional, da qual a Albânia é signatária, e ignora, totalmente, as intervenções feitas por numerosas personalidades, da Organização Européia de Proteção aos Direitos do Homem, perante o presidente e os órgãos de justiça etc. das quais recebi cópias, bem como as cartas e telegramas que recebi na prisão e atenção dirigida ao meu caso, como testemunham os pedidos de entrevistas dos jornalistas e da televisão.
Com referência à legalidade destas quantias e despesas, meu advogado, Dhimiter Beshiri, com o qual estou inteiramente de acordo, já deu as explicações e espero que o tribunal as tome em consideração.
Eu rejeito categoricamente a humilhante acusação do promotor, segundo o qual essas cifras mostram “o roubo e os desvios deliberados”.
Eu dei a este tribunal as explicações destas despesas e justifiquei-as. De todas essa despesa nem um só lek foi para os meus bolsos ou foi desviado para o meu benefício pessoal ou de minha família. Por outro lado, muitas destas cifras são falsas, elas foram adulteradas e eu não tenho sobre elas nenhuma responsabilidade legal.
A ata de acusação e o libelo do promotor afirmam que eu “vivia no luxo”. Esta acusação absurda nem mesmo merece resposta. Eu observei no libelo a introdução de uma nova noção segundo a qual fui “passiva” antes de 1985 e tornei-me “ativa” depois de 1985, aumentando minhas demandas para viver em um luxo grandioso. Porque esta distinção entre períodos, o porquê desta distinção eu não sei. De mais a mais, do que li e compreendi, não compreendo as coisas “fantásticas” ditas a propósito de meu papel ao lado de Enver Hoxha.
É muito difícil, para mim, falar de mim mesma, mas é meu direito defender-me contra essa pena absurda (porque é difícil viver aprisionada até a idade de 87 anos). Os quatorze anos de prisão pedida pelo promotor me obrigam a declarar que não sou uma pessoa que viveu e se habituou a “viver no luxo”. Sabeis que nasci em Manastir, na Macedônia; e os Sérvios, os mesmos que oprimem os albaneses de Kosovo e as antigas repúblicas da Iugoslávia, incendiaram nossa casa e tudo o que nós possuíamos. Em 1927, depois de numerosas vicissitudes, toda a minha família chegou a Tirana para, aqui, ganhar a vida e nós prosseguirmos nossa educação em língua albanesa. Com a idade de 15 anos, expressei, por escrito, a opinião de que estava próximo o dia onde as moças e mulheres albanesas seriam emancipadas. Aos vinte anos fui a única mulher delegada à histórica conferência de Peza, em 16 de setembro de 1942, ao lado de personalidades de diferentes opiniões como Ahaz Kupi, Ndoc Coba, Myslim Peza e outras convocadas para erigir a Frente Nacional Antifascista para a libertação da Albânia dos invasores fascistas. Como eu tinha participado de todas as manifestações da juventude, fui condenada a treze anos de prisão. Contudo, os colaboradores e os nazi-fascistas foram incapazes de me aprisionar porque eu tinha passado à clandestinidade, aqui, em Tirana, sob o jugo do mais feroz terror. Em seguida me liguei às fileiras dos guerrilheiros e não puderam me acorrentar.
O “destino” quis que hoje, cinquenta anos mais tarde, os herdeiros destes colaboradores, que galgaram os degraus do poder com o revanchismo nos lábios, se vingassem: eles me lançaram na prisão, me acorrentaram, e agora, pela imprensa, pelos jornais albaneses, por aqueles de seus patrões estrangeiros e por outros meios obscuros, decidiram sobre o número de anos que eu deverei passar na prisão.
Mas nestes tempos difíceis que atravessa a Albânia, quando nós estamos longe ainda da democracia verdadeira e da aplicação plena e integral das garantias de um Estado de direito; quando o sangue dos 28 mil mártires tombados no curso da guerra, dos quais a maior parte não tinha mais que 20 ou 25 anos, é esquecido; e que o 29 de novembro, aniversário da libertação da Albânia, não é mais celebrado. Minha prisão, meu processo e sentença que vai ser adotada não me farão abaixar a cabeça.
Por quê? Porque sou inocente. Eu combati durante cinquenta anos pela emancipação da mulher e da sociedade albanesas. Qualquer que seja a sentença, espero-a com calma e paciência. O importante é que hoje o povo albanês seja mais consciente de sua força e direitos democráticos que estão ao seu alcance, dos quais dependem seu bem-estar e o futuro da Albânia enquanto Estado e sobretudo enquanto nação.
Em conclusão, declaro ante este tribunal: com toda consciência, não
cometi o crime de desvio de fundos do Estado. Eu sou inocente perante a
lei.
Notas de rodapé:
(1) Condenada
a nove anos de prisão, a viúva de Enver Hoxha denuncia o esforço que o
governo albanês faz para desmoralizar a história da luta pelo socialismo
naquele país.
Publicamos, nesta edição, o discurso final de
defesa, pronunciado por Nexhmije Hoxha, em 26 de janeiro passado,
quando do julgamento no qual foi condenada a 9 anos de prisão. O texto
foi traduzido do Faxogramme Quotidien LML (Le marxiste-léniniste), v.
XXIII, nº 32, 1993, Órgão do Partido Comunista do Canadá (ML).
Ressalta no seu conteúdo a denúncia, sustentada com coragem e firmeza
por uma mulher de 73 anos de idade, doente, símbolo da revolução
albanesa. O processo teve motivações políticas, onde o novo poder
restaurador tentava desmoralizar toda a luta emancipadora do povo
albanês.
Os novos governantes usam hoje as mesmas armas que foram usadas contra a
burguesia em períodos de restauração que sucederam-se às revoluções
burguesas. O exemplo mais notável aconteceu na Inglaterra do século
XVII. Quando a Revolução Inglesa foi derrotada pela realeza feudal, esta
ordenou que fosse exumado o cadáver do líder republicano burguês
Cromwell, para que fosse julgado e “de novo executado”. No final do
século XX, a restauração burguesa derrubou estátuas e procura processar
símbolos vivos das lutas libertadoras.
O resultado desfavorável deste primeiro julgamento impõe a continuidade da campanha exigindo a libertação de N. Hoxha. (Nota Revista Princípios) (retornar ao texto)
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