Carta a Paul Mattick

Henryk Grossmann

16 de Setembro de 1931


Primeira Edição: ...
Fonte: ....
Tradução para o português da Galiza: José André Lôpez Gonçâlez. Janeiro de 2008.
HTML:
Fernando A. S. Araújo, Junho 2008.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.


Frankfurt am Main, 16 de Setembro de 1931

Estimadísimo colega: enviei-lhe uma cópia do meu ensáio sobre a Internacional. Simultaneamente, mando-lhe outros três exemplares para os nossos colegas dacolá, dos quais pode você dispor como melhor lhe apraçer. Antes de passar para as questões teôricas quisera destinar algumas palavras à sua observação. Você afirma ser "antiparlamentarista". Caro colega, eu não tenho nenhuma intenção de "preocupá-lo" ou de "angustiá-lo" — visto que, polo facto de me encontrares aqui, não estou em aptidão de compreender a situação dos Estados Unidos minuciosamente, tal como se precisaria. No entanto, acho que a velha definição de "antiparlamentarismo" perdeu hoje em dia a sua justificação e tornou-se rançosa. Precisa-se revê-la. Houve um tempo que o movimento operário e a socialdemocracia determinaram aproveitar o parlamentarismo como condição para atingir o objectivo da emancipação proletária e sobretudo com o único motivo de fazer propaganda. Depois embaraçaram-se de tal jeito no cretinismo parlamentar que ao se ocupar da classe trabalhadora apelavam exclusivamente aos rendimentos parlamentares "democrâticos". Perante este cretinismo desonesto, desculpava-se em parte o "anti-parlamentarismo". Agora, no entanto — quando o movimento proletário se propõe aproveitar o parlamentarismo precisamente para a propaganda, quando é que save perfeitamente que só é possível abater a burguesia na praça pública e nas fábricas apelando à revolução violenta — seria uma irresponsabilidade não aproveitar a tribuna parlamentar. Tira-se daqui que a situação do capitalismo mudou de todo em todo, porquanto hoje em dia torna-se perigoso para os representantes proletários estarem no parlamento. Na Polónia, por exemplo, há deputados comunistas que foram submetidos ao Tribunal de Justiça e condenados a 4 ou 6 anos de prisão. As classes proprietárias burguesas são hoje em dia "anti-parlamentares" e fascistas, desejam a ditadura — aberta ou dissimulada. O afã e o dever do movimento proletário é assinalar esta alteração, demonstrar que a burguesia tem estado em favor da "democracia" enquanto pôde dispor duma grande maioria do parlamento. Agora que na Europa a classe operária dispõe de 40% ou mais dos delegados no parlamento, agora que a democracia poderia tornar-se contra a burguesia, as classes proprietárias atraiçõam os seus princípios, o seu passado e correspondem às exigências dos trabalhadores com a ditadura e com as metralhadoras, suprimem a liberdade de imprensa e de associação.

Se você quer ser realmente coerente com o seu "antiparlamentarismo" tem de deixar de publicar jornais legais como por exemplo o Chicagoer Arbeiter Zeitung, pois que a "liberdade de imprensa" é uma parte constitutiva da democracia parlamentar burguesa. Neste caso, você deveria utilizar exclusivamente a imprensa ilegal. Mas, entretanto exista a possibilidade, você utiliza a imprensa reconhecida pola lei, e tem razão. Fale-se igual a respeito da "liberdade de associação". Este também é um direito garantido "polo parlamento". Seria insensato não o usufruir, desde que existe a possibilidade de o fazer. A diferença, aqui entre nós, entre o movimento revolucionário e os vigoristas parlamentares consiste em sabermos que nem sempre há existir a possibilidade de aproveitar estes meios; ha chegar o momento que as classes dominantes suprimam a liberdade de imprensa e de associação. Somos prevenidos e nesse dia replicaremos com a imprensa ilegal, com reuniões ilegais. Nos últimos meses, na Alemanha, proibiram-se por decretos de emergência 73 jornais comunistas.

Com o dito chega polo que atinge este problema. É de bastante interesse todo o que me diz a respeito dos debates defendidos no congresso do Proletarian Party de Chicago, e ocupar-me-ei em seguir com o maior interesse possível o desenvolvimento dos debates ulteriores. No meu livro ataco Varga numa questão importante (trata-se da "renda absoluta" de Marx, que Varga discorreu dum jeito inteiramente confundido. Demonstro-lhe onde tem seu erro). Não soube o quê replicar a este respeito. Por isso foi que escolheu insultar-me numa revista comunista. Não dissera nem palavra sobre a minha argumentação e as minhas objecções. Quase não tenha um bocado mais de tempo hei escrever uma crítica contra do Varga e porei em evidência este estatístico petulante.

Vaiamos agora para a teoria e para algumas questões que você suscita na sua carta. Antes de mais: Otto Bauer não escreveu nenhum livro sobre a acumulação. Em 1913 escreveu dous artigos contra Rosa Luxemburgo em Die Neue Zeit, que dirigia na altura Karl Kautsky. precisamente nesses dous artigos é onde adopta os esquemas aos que tenho aludido. O colega que me propôs as perguntas dera-se conta com perfeição: Bauer transferiu um resto de 4 666 do sector II para o sector I, de maneira que o sector I, além duma parte de mais-valor de 10 000, destinada para a acumulação, acumula 4 666 mais; o sector II cumula, pola contra, menos da parte destinada à acumulação de 10 000, isto é 10 000 - 4 666: 5 334.

Surge a pergunta: Porquê? Rosa Luxemburg e o seu discípulo Fritz Sternberg sustentam que estes 4 666 não se podem comerciar no sector II e por consequencia constituem um resto não comerciável, e já agora se demonstra que é impossível um equilíbrio, isto é, um comércio sem restos. Este era o argumento mais forte. Que resposta deu Bauer a esta questão? Ficou calado. Mas, a sua mulher, Helene Bauer, que desempenha um papel importante em Viena, sobretudo na redacção do órgão da socialdemocracia austríaca Der Kampf — que, além disso é uma pessoa sumamente torpe — replica(1*) que estes 4 666 transferem-se do sector II para o sector I mediante o crédito. Uma resposta deste género equivale a um fracasso teórico de Otto Bauer, e Sternberg conseguiu ter êxito bem doado. Se efectivamente se supõe que os deslocamentos no esquema realizam-se sem necessidade do crédito (Marx estabelece efectivamente este suposto), não se pode depois, quando é que aparecem as dificuldades, alterar o suposto para sairem do impasse.

Rosa Luxemburg e Sternberg, no seu livro Der Imperialismus, chegaram à conclusão que este "resto não comerciável dentro do capitalismo só se pode colocar na "área não capitalista". Marx não se dera conta de todo isso, no seu sistema existe uma importante lacuna, não se dera conta da cousa mais importante e Rosa Luxemburg veu encher esta perigosa lacuna. Acho que uma das minhas tarefas mais importantes consiste em refutar esta entorse da teoria de Marx por Rosa Luxemburg e os seus discípulos e pôr em ênfase mais uma vez que é insustentável desde diferentes pontos de vista. Tanto no meu livro maior(2*), quanto na minha crítica a Sternberg(3*), e por último no trabalho acerca da "modificaçao do projecto originário(4*), tenho clarificado diferentes aspectos desta teoria.

Aqui pretendo proporcionar outros argumentos novos que tirei dum capítulo acerca da taxa de lucro meia que ainda não publiquei. No esquema de Bauer, no sector I (se é que se supõe que as mercadorias vendem-se a razão do seu valor), tem-se uma taxa de lucro diferente da do sector II. Ponhamos um exemplo simples:

I 4000c + 1000v + 1000pv = 6000
taxa de lucro g= 1000:5000 = 20%

II 2000c + 1000v + 1000pv = 4000
taxa de lucro g= 1000:3000 = 33,3%

No sector I a taxa de lucro é 20%, no sector II g= 33,3%. Em longo prazo, no sistema capitalista não podem subsistir disparidades tão grandes na taxa de lucro. Há tendência para a perequação da taxa de lucro. De que maneira se pode efectuar esta perequação? Numa carta não posso entrar a pormenorizar. Mas, uma cousa é certa: qualquer que seja o caminho a seguir, o formato que se perfilhe para chegar a esta perequação, o seu resultado será sempre que ambos sectores terão igual taxa de lucro, isto é, 25%

Sector I: Com um capital gastado de 5000 = 25% de lucro = 1250
Sector II: Com um capital gastado de 3000 = 25% de lucro = 750

Para chegar à perequação da taxa de lucro, o sector I tem que vender as mercadorias por cima do seu valor, o sector II por baixo do seu valor. Desta maneira, em preços diferentes dos seus valores. Mediante estes afastamentos do preço, uma parte da mais-valia excessiva do sector II transfere-se para o sector I onde é insuficiente, e para sermos mais precisos, não por causa do crédito, mas polo comércio normal fora das mercadorias. Explica-se assim qual a razão de uma parte da mais-valia ter de se passar do sector I para o sector II. Caso não se dar este passo, esta transferência, haveria uma desigualdade nas taxas de lucro. Marx assinala, e a realidade capitalista confirma-o, que a tendência para a perequação das taxas de lucro é o factor impulsor do sistema capitalista.

À margem tenho de fazer menção de uma outra circunstância de relevo que esclarece toda a discussão sustentada até hoje no campo marxista (Tugán-Baranovski, Hilferding, Rosa Luxemburg, Otto Bauer, Sternberg): Toda a discussão dera voltas a roda dum esquema que apenas tinha em conta os valores, mas não os preços. Visto que se ocupa de sectores individuais do esquema, isto é de esferas individuais de produção, este hipotético é ficticio, erróneo, que contrasta com a realidade e se não pode conciliar com a teoria de Marx. De parecer com Marx, em cada uma das esferas, os preços de produção têm de se desviar dos valores. E isto por causa do esforço feito para terem a mesma taxa de lucro. Toda a discussão sustentada até hoje nem se preocupou deste problema. Conseqüentemente, as conclusões que se tiraram dum esquema onde cada uma das esferas tem conta só dos valores e não dos preços de produção, são equivocadas. Mais ainda, sem valor nenhum. São erradas, com independência do facto de com fundamento no supradito esquema se procure demonstrar a existência de um equilíbrio (Hilferding, Bauer, ou se procure provar o desequilíbrio forçoso (Rosa Luxemburg). Toda a discussão se põe num formato desorientador, por termos não marxistas.

Por isso é que no meu esquema, a situação é totalmente diferente. Como pode ver no meu livro, para mim, as esferas individuais não têm qualquer importância. Por conseqüência, o único que tenho em conta é a edição dos dous sectores. E a cousa torna-se manifesta, porquanto me proponho pôr em evidência a tendência da acumulação, a sua dinâmica, para a sociedade no seu conjunto, prescindindo da forma na que o capital cumulado se subdivide entre as esferas individuais. Para mim, só são importantes o dado real da acumulação de capital e as suas conseqüências. Mas, concordando com Marx, os valores e os preços são indênticos para toda a sociedade no seu conjunto. Não podia, porém, fazer outra cousa que me unir aos valores. Mas, se é que alguém se põe no terreno da teoria da proporcionalidade, e estima a relação recíproca entre os dous sectores, como o problema mais importante do esquema, não se podem deixar de lado os preços. E, contudo, isto é precisamente o que se tem feito durante muitos anos. O resultado é, então, o que se segue:

  1. Se no esquema se estimar apenas os valores, obtem-se desiguais taxas de lucro em cada uma das esferas. O esquema é irreal. Só neste modelo de esquema se encontra um "resto não comercial".
  2. Mas, se é que se quer chegar à mesma taxa de lucro em todas as esferas, há que deslocar uma parte do mais-valor desde o sector II para o sector I. Todo a argumentação de Rosa Luxemburg vem-se abaixo. Em Marx, o esquema do valor é precisamente uma hipótese temporal, depois os valores têm de se converter em preços, se aproximando assim à realidade concreta. Às vistas deste problema você pode observar mais uma vez a importância do método de aproximação de Marx que consegui reconstruir.

Vejamos agora o problema da minha colaboração. Como pode observar no meu artigo sobre a Internacional, estou afeito a manifestar francamente as minhas convicções recolucionárias — que aqui na Alemanha são de um intenso desagrado nos ambientes universitários. Mas, a colaboração num jornal revolucionário de esquerdas nos Estados Unidos, e penso que colaborando com jornais de esquerda não poderei conseguir a visa ou a licença para a entrada das autoridades norte-americanas. São obrigado, então, a ser prudente. Acho que um teórico marxista não pode deixar de apreender a conhecer o capitalismo mais desenvolvido, isto é, o capitalismo norte-americano, não apenas através dos livros, embora pola própria experiência também. Não desejo aventurar esta ocasião.

A respeito da crítica de Pannekoek tenho que dizer: bem sei o que ele pode dizer destes problemas e quanto à precisão fundada na sua polémica de há vinte anos contra Tugán-Baranovski em Die Neue Zeit (ano XXVIII, 1910). Eram argumentos bem pouco convincentes e fracos. Estudarei todavia à vontade os argumentos que aduz contra o meu livro e, se é que tenho tempo, replicarei de contado. Como você está informado, é que a minha colaboração no Dicionário de Elster absorve todo o meu tempo livre. São prazos urgentes determinados pola sucessão alfabética do trecho da obra que está na imprensa. Se é que não puder responder sem demora, facilmente se poderia crer que não tenho nada a dizer. Por isto, a minha possível resposta deverá retardar mais um ano.

Aceite as minhas melhores saudações,

Henryk Grossmann.

(Nota.- as letras cursivas pertencem a Grossmann).


Notas:

(1*) Internationale Kapitalkonzentration und leninistische Katastrophentheorie des Imperialismus, Der Kampf, 1928, ano XXI, números 8-9. (retornar ao texto)

(2*) Das Akkumulations und Zusammenbruchsgesetz des Kapitalistischen Systems. (retornar ao texto)

(3*) Eine neue Theorie über den Imperialismus und die soziale Revolution, em Grünbergs Archiv, 1928. (retornar ao texto)

(4*) Die Änderung des ursprunglichen Ausbanplans des Marxschen "Kapital" ind ihre "Ursachen", Archive für die Geschichte des Sozialismus und der Arbeiterbewegunf, ano XIV (1929), pp. 305-338. (retornar ao texto)

Inclusão 21/01/2008