Homens de Carne e Osso

António Gramsci

8 de Maio de 1921


Primeira Edição: L’Ordine Nuovo, 08 de maio de 1921;
Fonte da Presente Tradução:
versão em inglês existente no MIA.
Tradução: Camila Stukas, 2012
HTML: Fernando Araújo
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Os operários da Fiat retornaram aos seus trabalhos. Traição? Negação dos ideais revolucionários? Os operários da Fiat são homens de carne e osso. Eles resistiram por um mês. Eles souberam como lutar e resistir, não apenas por eles mesmos, não apenas pelo resto das massas operárias de Turim, mas por toda a classe operária italiana.

Eles resistiram por um mês. Estavam fisicamente desgastados porque, por várias semanas e vários meses, seus salários foram reduzidos e não eram mais suficientes para sustentar suas famílias, e ainda assim resistiram por um mês. Eles foram completamente isolados da nação, imersos numa atmosfera geral de cansaço, indiferença e hostilidade, e ainda assim resistiram por um mês.

Eles sabiam que não podiam esperar nenhum auxílio externo. Eles sabiam que a classe operária italiana estava agora desamparada, fadada à derrota, e ainda assim resistiram por um mês. Não há vergonha alguma na derrota dos operários da Fiat. Não podemos pedir a uma massa de homens, acometida pelas necessidades mais opressoras de existência, que é responsável pela existência de uma população de 40.000 pessoas, não podemos pedir a eles mais do que nos foi dado por esses camaradas que retornaram ao trabalho, infelizes, pesarosos, conscientes da impossibilidade de uma resistência ou ação mais além.

Principalmente nós, Comunistas, que vivemos lado a lado com os operários, que conhecemos suas necessidades, que temos uma ideia realista da situação, deveríamos entender os motivos para a conclusão da luta turinesa.

Por vários meses as massas lutaram, por vários anos elas se esgotaram em ações de pequena escala, desperdiçando seus recursos e suas energias. E esta é a reprimenda que, ao final de maio de 1919, nós do “Ordine Nuovo” oferecemos aos líderes dos movimentos operários e socialistas: não abusem da resistência e da virtude de sacrifício do proletariado. Nós estávamos lidando com homens comuns, homens reais, sujeitos às mesmas fraquezas de todos os homens comuns que passam por nós nas ruas; que bebem nas tavernas, conversam em grupos nas praças, que estão famintos e com frio, que ficam comovidos quando sabem que seus filhos choram e suas esposas lamentam ruidosamente.

Nosso otimismo revolucionário sempre foi sustentado por esta visão pessimista da realidade humana, que deve, inexoravelmente, ser levada em conta. Há um ano atrás, já antevimos no que iria resultar a situação italiana se os líderes responsáveis continuassem com suas táticas de rajadas revolucionárias e práticas oportunistas. E desesperadamente lutamos para fazer estes indivíduos responsáveis retornarem a uma visão mais realista, mais prática, a uma visão mais de acordo com a evolução dos acontecimentos.

Hoje pagamos pela ineptidão e pela cegueira dos outros. Mesmo hoje, o proletariado turinês tem que suportar o adversário, fortalecido pela não-resistência dos outros. Não há vergonha na rendição dos operários da Fiat. O que implacavelmente aconteceria, aconteceu. A classe operária italiana foi achatada pelo rolo compressor da reação capitalista. Por quanto tempo? Nada é perdido se a crença e a consciência continuam intactas, se os corpos se rendem, porém não as almas.

Os operários da Fiat lutaram arduamente por anos, banharam as ruas com seu sangue, padeceram de fome e frio. Graças ao seu glorioso passado, continuam na vanguarda do proletariado italiano, continuam militantes fiéis e devotados à revolução. Eles fizeram o que homens de carne e osso podem fazer. Deveríamos tirar nossos chapéus antes de sua humilhação, pois mesmo nisto há algo de grandioso que inspira os sinceros e honestos.


Inclusão 04/04/2012