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HCS: O sr. diz que a classe operária é, em si, reformista. Essa posição não é incomum, raro é o modo como o sr. a expressa.
Jacob Gorender: O que se dá é que Marx tomou como premissa o fato de ser o proletariado uma classe revolucionária. Isso está mais do que claro em sua obra. E os marxistas em geral, eu inclusive, aceitamos esse princípio. Hoje podemos observar isso com bastante clareza: o fato de ser explorada não é suficiente para que uma classe seja revolucionária. O proletariado é, sem dúvida, uma classe explorada, criadora do valor do qual se apropria a burguesia em uma parte. Ele é combativo como reformista, isso eu acentuo. Não obteve nada graciosamente da burguesia, mas não deixa, por isso, de ser reformista.
HCS: O sr. acha que os trabalhadores intelectuais assalariados podem assumir o papel de classe revolucionária. O que tornaria essa classe ontologicamente (em si) revolucionária?
Gorender: Eu não afirmo “ontologicamente”. Afirmo que eles podem assumir esse papel por dois fatores: primeiro porque é um setor assalariado que está crescendo; segundo porque ocupam não só as clássicas posições de formadores de opinião, mas também posições-chave no processo de produção. Considero que isso é discutível, mas é a procura de um novo sujeito.
HCS: Não tenderia a acontecer com esses trabalhadores o mesmo que o sr. diz acontecer com os políticos que representam a burguesia, ou seja, a aspiração à condição de burgueses?
Gorender: Uma série de alternativas é possível. Vejo uma repetição cada vez mais grave das crises do capitalismo, um aumento das desigualdades, uma situação que pode levar a uma radicalização de um grande conjunto de assalariados e em particular desses que têm, por suas condições, uma capacidade maior de percepção.
HCS: Esse grupo não teria de ser tão grande, numericamente, quanto o proletariado?
Gorender: Eu não coloco isso como condição “sine qua non”. Digo que já é uma classe-massa, já não é somente uma classe-elite. Ao que parece, esse segmento será cada vez maior, dependendo do avanço tecnológico, e pode ser que suplante o proletariado tradicional também em quantidade.
HCS: O sr. cita autores históricos, como Marx, Lênin, Trótski, mas também dialoga com brasileiros como Maria da Conceição Tavares, Fernando Haddad e Francisco de Oliveira.
Gorender: Eu valorizo os autores brasileiros. Considero que são nomes importantes, que têm uma contribuição e eu me manifesto a respeito dela. Não estou dizendo quem é mais importante, Robert Kurtz, Giovanni Arrighi, Paul Kennedy ou eles. Para mim, é indispensável falar a respeito deles.
HCS: O sr. é um marxista otimista. Acredita numa revolução ou reforma que leve ao socialismo. Não estaria aí repetindo o utopismo que critica em Marx?
Gorender: Pode ser que, no final, apesar de me empenhar numa filtração das idéias utópicas, eu próprio ainda seja utópico. Mas essa conclusão eu deixo para o “post-mortem”. Eu me empenhei em retirar do “corpus” marxista aquelas teses que são manifestamente utópicas. Algumas dizem respeito ao futuro, se o Estado vai desaparecer ou não. Eu penso que a história não termina com o capitalismo, mas quando ele vai sair de cena, eu evito. Além disso, incorporei de forma bastante clara o elemento da indeterminação, da incerteza, tal qual as ciências exatas modernas. Não é uma mera repetição de afirmações que Marx fez como ressalvas. Para mim, é um elemento novo no marxismo,fundado na experiência concreta do século 20.
HCS: Há dez anos caía o Muro de Berlim.
Gorender: Eu não me associo às comemorações da queda do muro. Não vou me associar a George Bush, a Helmut Kohl. Nunca vi o muro como algo louvável. Foi algo triste, lamentável, que bem representou o tipo de socialismo de certo modo até carcerário que existiu até 1991. A queda do muro pelo menos eliminou um fator de divisão.
HCS: O sr. vê o PT como um partido social-democrata e reformista. Assim, hoje ele representaria mais a classe operária?
Gorender: De certo modo, sim. Não digo isso como uma censura ao PT, que nasceu colado à classe operária e que não pode ser muito diferente do que representa. Ele entrou nos canais do reformismo da própria classe operária.
HCS: Os trabalhadores assalariados intelectuais não têm um partido organizado que defenda seus interesses.
Gorender: Eu creio que esses representantes já estão nos partidos que existem. Não espero que eles se organizem num partido isolado, podem atuar nos já existem, no PT, no Brasil, por exemplo. Eu não faço muita figuração a respeito desse segmento.
HCS: Isso tem um significado prático. É desistir de fazer do proletariado senhor da história.
Gorender: Não se trata de desistir, mas de abrir mão de um mito, de que o proletariado assumiria o papel de vanguarda. Essa expectativa não existe mais, isso é mais ou menos difundido no meio marxista, mas talvez não se tenham dito as coisas da maneira que eu digo. Agora podemos tomar as coisas com mais propriedade do ponto de vista concreto.
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