Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas - Vasco Gonçalves

J. J. Teixeira Ribeiro


Introdução


capa

1. Este livro é importante. Desde logo porque nos discursos, comunicações ao País, conferências de imprensa, entrevistas, que nele se reúnem, está o pensamento do Primeiro-Ministro de quatro sucessivos Governos Provisórios da III República, desde o II ao V.

Vasco Gonçalves é chamado a formar o II Governo quando falha a primeira tentativa para afastar da cena política o Movimento das Forças Armadas. Discursando no acto de posse, em 18 de Julho de 1974, ele reitera

«a decisão inabalável de cumprir escrupulosamente o Programa do Movimento».

Que Programa, porém? É que o Programa do Movimento, apesar de ser matéria constitucional, não era unívoco. Na verdade, propunha-se dois objectivos em larga medida inconciliáveis: de um lado, a instauração de instituições democráticas, feita a qual o exército regressaria aos quartéis, confinando-se à sua missão específica de salvaguarda da soberania; do outro lado, o lançamento das bases duma política económica antimonopolista e duma política social visando essencialmente a defesa dos interesses das classes trabalhadoras.

O primeiro objectivo traduzia-se no estabelecimento duma democracia política, isto é, duma democracia sem conteúdo ideológico, meramente formal; enquanto o segundo objectivo apontava claramente para o advento duma democracia socialista.

A democracia, como se sabe, não é compatível com a plena liberdade política(1). Não o é a democracia formal, pois que não pode consentir em actividades ou movimentos antidemocráticos que a ponham em perigo. Porque consentiu num movimento desses—o partido nacional-socialista, que conquistou o Poder em 1938 pela via eleitoral — é que a democracia Weimariana se condenou à morte a si mesma. Mas ainda menos compatível com a plena liberdade política é a democracia socialista, uma vez que não pode consentir nem em movimentos antidemocráticos, como a democracia formal, nem em movimentos anti-socialistas que ponham em risco a construção do socialismo.

Essas duas democracias assim tão diferentes, inserir das lado a lado no Programa do Movimento, exprimiam as concepções das duas grandes correntes do M. F. A., e que eram a corrente conservadora e a corrente progressista. Ora, sempre que se pretendeu afastar da cena política o Movimento, não foi por causa da sua corrente conservadora, mas da sua corrente progressista.

A segunda tentativa de afastamento veio com o 28 de Setembro. Gorada ela, Vasco Gonçalves forma o III. Governo, e de novo sublinha no acto de posse, em 30 desse mês, o propósito de cumprir estritamente o Programa do Movimento. Curioso, porém, é que ele próprio, apesar de ser um dos expoentes da corrente progressista, parece manifestar certa ambiguidade na interpretação do Programa.

Veja-se o discurso do 5 de Outubro, no Porto. Aí disse:

«O Movimento das Forças Armadas só fixa um objectivo: lançar os fundamentos para que o povo português possa escolher livremente as instituições por que se quer reger. Depois recolherá aos quartéis para defender as conquistas democráticas».

— o que soa a democracia formal; mas também disse:

«Na nossa democracia cabem todos, todos os que não sejam fascistas nem reaccionários»

— o que já não soa a democracia formal, pois, se é certo que nesta não cabem os fascistas, também o é que cabem à vontade os reaccionários.

Só com o 11 de Março — terceira tentativa falhada para afastamento da corrente progressista do M. F. A. — a ambiguidade desaparece ao nível do Poder. É, na própria noite de 11 de Março, a institucionalização do Movimento, por obra duma assembleia revolucionária de oficiais, sargentos e praças; é, no dia 14, a substituição da Junta de Salvação Nacional e do Conselho de Estado pelo Conselho da Revolução e a nacionalização dos bancos, e, no dia 15, a nacionalização dos seguros — é tudo isso que em poucos dias vem afirmar e consagrar a opção pela via socialista.

Vasco Gonçalves procede, então, a ajustamentos do elenco governamental, a fim de lhe dar maior operacionalidade e de o pôr em condições de dinamizar a actividade económica. A dinamização significa, como teve ocasião de esclarecer no acto de posse do IV Governo, em 27 de Março, a consolidação da política antimonopolista do Programa do M. F. A. e a defesa das classes mais desfavorecidas. Para tal, acrescentou,

«é necessário pôr a funcionar uma nova economia que conduza a uma verdadeira democracia, política, económica e social. A crise que atravessamos será vencida na medida em que consolidarmos as conquistas já feitas num sistema económico mais avançado».

Previa Vasco Gonçalves, para isso: a reestruturação da banca nacionalizada; o controlo de empresas privadas pelo Estado; a criação do sistema de planeamento; o prosseguimento da nacionalização dos sectores básicos, com clara demarcação do domínio da iniciativa privada, a qual o Estado apoiaria; a reforma agrária.

Seguiu-se a Plataforma do Acordo Constitucional do M. F. A. com os partidos políticos, a propósito da qual Vasco Gonçalves declarou, na conferência de imprensa realizada na Gulbenkian em 8 de Abril, que ela visava a garantir a continuidade do processo revolucionário, tendo em conta dois elementos fundamentais: a acção do Povo, através dos partidos, das associações cívicas, dos sindicatos, conjugada com a acção do M. F. A., que era o motor e garante do processo revolucionário. A Constituição deveria institucionalizar, portanto, essa aliança Povo-M.F.A. No fundo, e com as suas próprias palavras:

«não poderíamos (...) ir perder por via eleitoral o que tanto tem custado a ganhar ao Povo Português.»

Veio depois o Plano de Acção Política, aprovado pelo Conselho da Revolução em 21 de Junho. Aí se proclama em termos incisivos a democracia socialista:

«O pluralismo socialista compreende a coexistência, na teoria e na prática, de várias formas e concepções de construção da sociedade socialista. O M.F.A. repudia, portanto, a implantação do socialismo por via violenta ou ditatorial.

O pluralismo partidário, tal como consta da Plataforma de Acordo Constitucional, implica o reconhecimento da existência de vários partidos políticos e correntes de opinião, mesmo que não defendam necessariamente opções socialistas. Admite, portanto, uma oposição, cuja crítica poderá ser benéfica e construtiva, desde que a sua acção não se oponha à construção da sociedade socialista por via democrática.»(2)

Entretanto, o infeliz caso República agudizara-se, acabando por provocar a saída, em Julho, de alguns ministros, pelo que entra em crise o IV Governo; o Conselho da Revolução encarrega Vasco Gonçalves de os substituir, o que leva, ao cabo de longas diligências, à formação, em Agosto, do V Governo.

Este Governo, diferentemente dos anteriores, já não resulta de coligação dos principais partidos políticos. E nem sequer se baseia num entendimento entre eles. É um Governo de emergência, de duração breve (dois meses, no máximo, previa-se), proposto a fazer face a problemas económicos de solução urgente para defesa da revolução, de solução tão urgente que não podia aguardar a solução, com certeza morosa, dos problemas políticos.

Tratava-se, sobretudo, do défice da balança dos pagamentos, do desemprego e da inflação, contra cujo agravamento haveria que tomar medidas imediatas, sob pena de se criarem condições propícias à perda da revolução e da independência do País. Essas medidas, implicando sacrifícios para os próprios trabalhadores, tomar-se-iam necessariamente impopulares. Só um Governo, portanto, que merecesse a confiança dos trabalhadores poderia conseguir que estes as aceitassem sem forte reacção. Entendeu-se — a nível do Conselho da Revolução, então consubstanciado no Directório — que tal seria um Governo apartidário, presidido por Vasco Gonçalves e constituído por socialistas de várias tendências. Com esse espírito se formou o V Governo.

O seu carácter transitório foi devidamente focado no acto de posse, em 8 de Agosto, pelo Presidente da República. E Vasco Gonçalves, falando a seguir, teve ocasião de acentuar:

«Na tentativa de superação da crise económica que o País atravessa, empenhará este Governo todo o seu esforço, sendo a tónica dominante dirigida à execução de medidas imediatas e pontuais.

A par de outras acções que se impõem para já e que estão na fase final de elaboração, serão imediatamente promulgadas algumas medidas moralizadoras e de austeridade, que o momento actual exige.»

Mas o V Governo, mercê da oposição de parte do M. F. A. e dos partidos políticos do centro e da direita, não conseguiu praticamente governar no curto período da sua duração, que foi de um mês. Em 11 de Setembro cessava funções, sem ter podido tomar as medidas urgentes que a situação económica requeria, o que implicou naturalmente o agravamento do défice externo, o aumento do desemprego, a persistência da inflação.

2. Esteve, assim, Vasco Gonçalves à testa do Governo durante cerca de 14 meses. E como ele para lá foi levado e lá foi mantido pela corrente progressista do M. F. A., não admira que fosse sob a sua égide que se desenvolveu — embora com erros e defeitos, vários inevitáveis e muitos corrigíveis — uma política de primeiros passos na via de transição para o socialismo: essa política que vai desde o congelamento das rendas urbanas e a nacionalização dos Bancos emissores, a que procedeu o II Governo, e a Lei do arrendamento rural, obra do III, até às nacionalizações dos sectores-chave e das empresas monopolistas, decretadas quase todas pelo IV Governo e algumas pelo V, à reforma agrária, do IV Governo, e à Lei do controlo operário, aprovada pelo V, mas que não chegou a ser promulgada.

Ora, enquanto a facção progressista do M. F. A. se manteve coesa, também se manteve firme a posição de Vasco Gonçalves. No decurso, porém, do IV Governo, e sobretudo em consequência das eleições para a Assembleia Constituinte, que deram a vitória aos partidos do centro e da direita, Vasco Gonçalves começa a ser abertamente contestado dentro do M. F. A. Essa contestação culmina com a publicação de dois documentos — um, na véspera da tomada de posse do V Governo, o chamado Documento dos Nove; outro, cinco dias após aquela tomada de posse, o Documento do COPCON.

Desses Documentos, o que obteve maior, e até vasta, audiência e aprovação nos meios militares foi o dos Nove. Nele se defende a democracia socialista, pois que se propõe um modelo nacional de socialismo, a construir em pluralismo político com os partidos que o aceitarem. E expressamente se recusa tanto a social-democracia, que só viria reforçar o capitalismo, como o socialismo ditatorial, que se julgava estar a pretender implantar-se entre nós, e isso contra a vontade da maioria dos portugueses, os quais se tinham nitidamente manifestado nas umas por um socialismo pluralista. À teoria leninista da vanguarda revolucionária, perfilhada pela direcção política do País, haveria que contrapor a estratégia dum amplo bloco social de apoio a um projecto nacional de transição para o socialismo.

A direcção política do Pais, a que se refere o Documento dos Nove, é, desde logo, Vasco Gonçalves. Mas a verdade é que este, sempre que nos seus discursos aludiu à vanguarda revolucionária, o fez em termos de mostrar que a sua concepção não se confunde com a leninista.

Como se sabe, Lenine entendia que, dada a tendência da generalidade do proletariado para o reformismo, a revolução não podia ser conduzida pelas massas trabalhadoras, tendo de o ser por aquele número restrito de intelectuais e operários revolucionários que, organizados em partido político, formariam precisamente uma vanguarda(3). Ora, para Vasco Gonçalves, a revolução portuguesa também teria de ser obra duma vanguarda revolucionária. Simplesmente, essa vanguarda seria muito mais ampla, uma vez que abrangeria não só o M. F. A. como as classes trabalhadoras. Assim o disse com toda a nitidez, no discurso que proferiu em 27 de Julho no congresso dos sindicatos:

«Nós não podemos caminhar para o socialismo sem os trabalhadores estarem integrados na vanguarda deste processo. Há o Movimento das Forças Armadas e um movimento revolucionário autónomo composto pelos trabalhadores, quer do campo, quer da cidade. É a esta aliança, a esta união, que cabe o papel de vanguarda neste processo.

Mas esta vanguarda revolucionária não pode caminhar isolada para a construção do socialismo. Ela necessita de alianças. (...) Nós — quando falo em nós somos todos aqueles que fazemos parte da vanguarda — nós temos que ter aliados. Esses aliados terão de ser a pequena burguesia, os pequenos industriais, os pequenos e médios agricultores.»

E mais adiante, referindo-se aos partidos:

«Este processo tem uma vanguarda e tem aliados. E é nessa fusão desta vanguarda com esses aliados que devemos caminhar para o futuro. É claro que isto tem uma transposição ao nível político, ao nível das organizações políticas. E nós devemos procurar que essa aliança seja feita também ao nível das organizações políticas.»

A concepção de vanguarda revolucionária de Vasco Gonçalves é, pois, muito diferente da concepção leninista. O que não impediu que frequentemente as tivessem confundido, na ânsia de amarrar Vasco Gonçalves a uma posição partidária, assim o comprometendo e atacando, não por si próprio, evidentemente, mas pelas ideias que representava. Ele o frisou em 20 de Agosto, na tomada de posse dos Secretários de Estado do V Governo:

«Ninguém aqui, sr. Presidente da República, está agarrado ao lugar, mas todos estamos ligados a uma revolução que não queremos ver recuar e muito menos perder. Daí que não tenha sentido, e que cada vez o vá tendo menos, o centrar-se a presente crise à volta da figura do Primeiro-Ministro. Não é a figura do Primeiro-Ministro que se pretende abater, mas sim as ideias que ele defende. Com este ou outro Primeiro-Ministro empenhado na revolução, os nossos adversários não cessariam de mover os seus ataques à revolução e à democracia. Repito: não é uma questão de nomes que está em causa. O problema é outro e a sua compreensão, bem como a compreensão geral da crise que atravessamos, terá de ir buscar-se à intensa luta de classes hoje vivida neste País.»

Sim, o problema era outro, como o mostrou concludentemente o sucedido depois.

3. Mas este livro não é apenas importante porque nele se exprime o pensamento de Vasco Gonçalves, Primeiro-Ministro de quatro Governos Provisórios. Ainda o é porque nele algo transluz do jeito próprio de Vasco Gonçalves nas suas falas e dizeres.

Só algo, pois que uma coisa é o que a leitura dá, outra o que se colhe ouvindo e vendo. Mas transluz o bastante para serem apercebidas as principais facetas do orador.

Primeiro que tudo, a sua simplicidade. Vasco Gonçalves não tem preocupações de estilo, usa uma linguagem comezinha e directa, como que em conversa desataviada com o auditório. São palavras dele, e algumas lapidares, no dia 18 de Agosto, em Almada:

«Isto não é um trabalho literário. Toda a gente sabe que eu não sou um literato, nem interessa que haja aqui literatos. O que interessa é que haja homens transparentes que digam a verdade ao povo na linguagem que ele entende.»

Não tem preocupações de estilo, e nem sequer de exposição ordenada, já que, na maior parte das vezes, ou não escreve os discursos, ou, quando os escreve, acaba por não os ler, ou por os entremear de reflexões e reparos adrede ocorridos, o que frequentemente origina desvios, retornos e repetições.

Depois, a sua sinceridade — a sinceridade que ressalta de tudo o que Vasco Gonçalves diz, e com tanta força que não podem ficar dúvidas a quem o ouve sem preconceito, quer concorde ou discorde, de que de facto ele é sincero. Aos que têm o culto da franqueza, como eu, é este aspecto da personalidade de Vasco Gonçalves, tão pouco vulgar no mundo da política, o que logo mais impressiona. É um aspecto, aliás, que se compagina com a sua ideia de que «política e moral são inseparáveis», como igualmente afirmou em Almada, acrescentando:

«O socialismo que queremos consiste também na possibilidade de cada cidadão ser um homem de lisura, um homem limpo, um homem íntegro, um homem transparente.»

Por último, o seu entusiasmo, o calor que põe na expressão das suas ideias, a vida que lhes dá, patentemente convicto de que a facção por ele encabeçada é que encarna o espírito da revolução rumo ao socialismo. Dai que, nesse entusiasmo, até pareça, por vezes, um iluminado ou um eleito do carisma revolucionário.

Pois é principalmente isso — a simplicidade, a sinceridade e o entusiasmo —, tudo junto em doses extremas, que faz de Vasco Gonçalves um caso à parte na nossa oratória política.

Em 29 de Agosto, na véspera de o Presidente da República anunciar a sua decisão de substituir Vasco Gonçalves no cargo de Primeiro-Ministro, escreveu de França, sobre ele, Eduardo Lourenço(4):

«Não se pode negar ao actual Primeiro-Ministro nem coragem física, nem coragem moral, nem coerência política e ideológica. Os que subestimam o homem que é humanamente estimável ou os que negam coerência ao seu projecto político, mais não fazem que reforçar a estatura moral do primeiro e ampliar as «chances» de sobrevivência do segundo. De um homem vulnerável fazem um mito e de um projecto político, objectivamente desastroso e inaplicável à situação portuguesa actual, a única bandeira identificável ao mesmo tempo com a Revolução e a defesa intransigente da independência nacional.»

A verdade, porém, é que os factos acabaram por dar razão aos que temiam que o afastamento da facção Vasco Gonçalves viesse a implicar a própria derrota do projecto socialista, o abandono da via de transição para o socialismo. O que parece, aliás, os adversários desse projecto bem sabiam, já que foram mestres no encarniçamento, no ódio e, tantas vezes, na falta de escrúpulos com que combateram Vasco Gonçalves.

O processo conheceu várias fases, algumas das quais não estão por agora suficientemente esclarecidas. Mas na primeira, que foi a formação do VI Governo, ainda Pinheiro de Azevedo, novo Primeiro-Ministro, pôde afirmar no acto de posse, em 19 de Setembro:

«Uma revolução socialista constrói-se, dia a dia, com a participação de todos os que se encontram num horizonte comum de liberdade, de dignidade humana, de justiça social.

Como o Senhor Presidente da República, também eu rejeito a social-democracia, como objectivo final dá Revolução.

Pretendo incluir-me num esforço conjunto, consciente e responsável, centrado na edificação da República Socialista Portuguesa.

Defendemos a via do socialismo e da democracia pluralista, para atingirmos a sociedade socialista, o que exige uma clara e firme direcção política.

Admitimos partidos que defendam a social-democracia, com os quais consideramos ser necessário e útil colaborar, sem no entanto lhes permitir tomar a direcção política do processo revolucionário.

Permitimos outros partidos capitalistas, definindo-os, desde já, como oposição ao socialismo que pretendemos, e não transigindo com acções contra-revolucionárias.»

Como essas palavras estão perto no tempo calendar e longe no tempo vivido!

5. É por isso que este livro surge na sua altura.

Uma revolução, já o escreveu David Caute(5), não pode ficar parada, tem de avançar ou recuar. Ora, em Agosto de 1975, reconhecia-se a necessidade não só de vencer a crise económica (e para isso a crise social, que resultava da falta de autoridade, de disciplina e de confiança) como de fazer uma pausa no processo revolucionário. Era preciso, porém, que tudo isso se traduzisse em avanço, e não em recuo. Assim o pensava Vasco Gonçalves, como largamente o documentam as páginas deste livro.

Afinal, foi o recuo que veio, e na própria ideologia. O projecto de democracia socialista, que remontava ao Programa do M. F. A., fora seguidamente consagrado no Plano de Acção Política, subsistira no Documento dos Nove e ainda estivera presente, através das palavras de Pinheiro de Azevedo, no acto de posse do VI Governo, aparece agora substituído, a todos os níveis do Poder, pelo projecto de democracia formal. E o facto é que, entre os responsáveis por este novo curso, se contam militares e civis que são partidários da democracia socialista.

O livro de Vasco Gonçalves é publicado, pois, na altura em que o devia ser — na altura em que já se torna patente o erro que cometeram.

J. J. Teixeira Ribeiro


Notas de rodapé:

(1) Vide, por todos, Julien Benda, La grande épreuve des démocraties, Nova Iorque, 1942, págs. 14? e segs.; Bénès, La démocratie, Neuchatel, 1944, págs. 96 e segs. (retornar ao texto)

(2) Sublinhado meu. (retornar ao texto)

(3) Estas ideias as foram defendidas por Lenine desde os princípios do século, em Que Fazer? (1902) e Um passo adiante, dois passos atrás (1904), e então criticadas não só por alguns dos mais destacados socialistas russos (Plekanov, Martov, Axelrod) como por Rosa Luxemburgo. (retornar ao texto)

(4) O «Camarada Vasco», publicado no Jornal Novo de 4 de Setembro. (retornar ao texto)

(5) Le gauche en Europe depuis 1789, Paris, 1966, pág. 172. (retornar ao texto)

Inclusão