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Primeira Edição: Intervenção Abertura do VII Congresso (Extraordinário) do Partido Comunista Português.
Fonte: Partido Comunista Português - Organização Regional de Lisboa
Enviado por: Diego Grossi
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Camaradas:
Encarregou-me o Comité Central de informar este Congresso Extraordinário acerca dos traços principais da situação política e das tarefas do Partido no momento actual.
Permiti, porém, que comece por saudar, em nome do Comité Central, os delegados ao Congresso e por seu intermédio todos os membros do nosso glorioso Partido.
Houve tempo em que esta sala teria sido demasiado grande para abrigar todos os membros do Partido. Hoje não há em Portugal sala ou pavilhão, por maior que sejam, onde caibam todos os comunistas.
Por vosso intermédio, camaradas, saudamos todos os membros do nosso Partido, sem esquecer os jovens comunistas de organizações autónomas, confiantes em que todos, nos seus postos de luta, serão dignos das tradições gloriosas do Partido e das suas responsabilidades na construção do novo Portugal democrático.
Permiti, também, que saúde os nossos convidados, representantes do Movimento das Forças Armadas e dos Partidos Socialista e Popular Democrático, assim como os representantes do Movimento Democrático Português e do Movimento da Esquerda Socialista, da Intersindical, do Movimento da Juventude Trabalhadora, do Movimento Democrático das Mulheres Portuguesas.
A presença de todos neste Congresso testemunha os laços de unidade e cooperação existentes entre aqueles que lutam pela instauração no nosso País de um regime de democracia e progresso social.
Estou certo de traduzir o sentimento unânime deste Congresso, saudando daqui o P.A.I.G.C., que hoje dirige os destinos da República da Guiné-Bissau, finalmente livre e soberana, a FRELIMO, hoje no Governo Transitório de Moçambique a um ano de independência completa, o M.P.L.A., de cuja luta difícil na complexa situação de Angola somos inteiramente solidários, e ainda as forças de libertação em Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e Timor, por cuja vitória fazemos votos.
Não temos também a assistir ao nosso Congresso delegações de partidos comunistas e operários de outros países. O único motivo foi o brevíssimo prazo da preparação do Congresso. Nada mudou nas relações do nosso partido com os partidos irmãos, nem nas suas posições quanto ao movimento comunista internacional. Continuamos como sempre a guiar-nos pelos princípios do internacionalismo proletário e a nossa política é no sentido do reforço e não do enfraquecimento dos laços de amizade e cooperação com os partidos irmãos, estejam eles no Poder como o Partido Comunista da União Soviética e outros partidos de países socialistas, actuem na legalidade em países capitalistas, ou sejam forçados à dura luta clandestina. Para aqueles que, tal como o nosso Partido durante quase 50 anos, hoje são vitimas da repressão de ditaduras fascistas e reaccionárias, aqui expressamos a solidariedade fraternal de combate do Partido Comunista Português.
Camaradas:
Este nosso Congresso (o primeiro que o nosso Partido realiza na legalidade nos últimos 48 anos) é só por si uma mostra da radical transformação da situação política verificada em Portugal a partir do 25 de Abril.
Desde há seis meses o povo português goza de liberdade. A imprensa publica-se sem Censura. Os partidos, os sindicatos, as organizações democráticas organizam-se e actuam livremente. O direito de reunião é exercido. O direito à greve, reconhecido.
Entretanto, foi posto fim à guerra colonial, deram-se passos históricos na descolonização, iniciaram-se relações diplomáticas com a União Soviética e outros países socialistas.
Os trabalhadores alcançaram a satisfação de algumas importantes reivindicações. O estabelecimento do salário mínimo, a conclusão de acordos colectivos de trabalho, os aumentos do funcionalismo, a obtenção de benefícios sociais representam um melhoramento apreciável nas condições de vida das camadas trabalhadoras mais mal remuneradas.
Em todos os sectores da vida nacional, embora num processo irregular e dificultoso, vão sendo dados passos para fazer desaparecer tudo quanto de mau nos deixou o fascismo e para ir melhorando e transformando as instituições, os serviços, a prática política e cívica.
Se considerarmos o espaço de tempo relativamente curto decorrido desde o 25 de Abril e todas as modificações já realizadas na vida política, social, económica e cultural, temos de concluir que o processo revolucionário se desenvolve numa rápida cadência, animado, impulsionado, dirigido pela aliança do movimento popular com o Movimento das Forças Armadas.
O Movimento das Forças Armadas, ao qual se deve o derrubamento da ditadura fascista e a firme defesa da nova situação democrática, que desempenha um papel ímpar na actual situação política, ao qual têm cabido as decisões capitais nos momentos de crise, não poderia entretanto só por si ter realizado as transformações já verificadas. Os êxitos alcançados, nem os podia alcançar o M.F.A. sem as forças democráticas e as massas populares, nem os poderiam alcançar as forças democráticas e as massas populares sem o M.F.A.
Há quem refira o que se chamam «exageros» e «excessos» em lutas e iniciativas populares. Se se fala de certas acções provocatórias de grupos pseudo-revolucionários, tem de afirmar-se que essas acções não favorecem, antes prejudicam, a dinâmica do movimento popular de massas. Se serviram alguém, foi a reacção que serviram.
Se não fosse a luta da classe operária, das massas trabalhadoras, dos camponeses, da juventude trabalhadora e estudantil, dos intelectuais, das mulheres, das classes e camadas médias, se não fosse a entrada no campo de batalha política da dinâmica própria das forças populares — as liberdades seriam incomparavelmente mais estreitas, se é que teríamos ainda liberdades. Sem a luta popular, todo o processo de democratização estaria incomparavelmente mais atrasado.
A experiência dos primeiros seis meses de liberdade mostra que no processo revolucionário em curso, a aliança do movimento popular com o Movimento das Forças Armadas decide do rumo dos acontecimentos.
A actual correlação de forças permite ter confiança em que prosseguirá o caminho para a consolidação das liberdades, para as eleições, para a futura edificação de um Portugal democrático.
Ao longo destes seis meses de liberdade, a reacção tentou por diversas vezes passar à ofensiva, pôr em causa a nova situação democrática, liquidar as liberdades e instaurar uma nova ditadura.
Com o professor Palma Carlos e seus cúmplices, o plano era de um golpe de Estado constitucional, em que seria o Conselho de Estado a atribuir plenos poderes ao general Spínola na pessoa do seu Primeiro-Ministro para que este pudesse organizar em menos de três meses uma mascarada eleitoral que elegesse o general Presidente da República, deixando assim de ser mandatado pelo Movimento das Forças Armadas e passando a ser mandatado pela Nação, o que lhe permitiria muito legalmente instaurar uma nova ditadura.
Com a operação da «maioria silenciosa», já não se procuraria uma cobertura constitucional. Seria a «Nação» que viria à rua, num ambiente de provocação armada, exigir a intervenção salvadora e os plenos poderes do general Spínola.
Nos aspectos gerais da preparação, houve semelhança nos planos. Num caso e noutro, as tentativas de golpe foram precedidas de acções de agitação social artificialmente criadas por «greves» sem causa directa a justificá-las, por manifestações e provocações ruidosas de fascistas e esquerdistas a lançarem um ambiente de «desordem nas ruas» e de «caos» a dar razão aparente às exigências dos conspiradores. Será por acaso que precisamente no dia 27 de Setembro os aventureiros da T.A.P. publicaram um comunicado alarmista dizendo não haver segurança nos voos?
A derrota da operação Palma Carlos saldou-se por uma importante perda de posições pela reacção. Pela derrota de Setembro, a reacção pagou ainda mais pesado preço.
Dois factores intervieram para essa derrota clamorosamente.
O primeiro foi o movimento popular de massas, em que o nosso Partido representou decisivo papel. Quando a grande operação contra-revolucionária estava já alcançada, foi o nosso Partido que desvendou os seus objectivos, que advertiu dos perigos, que compreendeu e indicou que a manifestação da chamada «maioria silenciosa» fazia parte de uma vasta conspiração para instaurar uma nova ditadura e que tomou a iniciativa de lhe dar abertamente combate, assumindo as responsabilidades e os riscos.
Nesse momento, em que a tendência geral era para que a manifestação fosse autorizada, houve quem não acreditasse nos perigos, quem os subestimasse, e também alguns preferiram durante algum tempo ver em que paravam as modas.
Acompanhado firmemente desde o primeiro momento pelo Movimento Democrático Português, pela Intersindical e sindicatos, pelo Movimento da Juventude Trabalhadora e pela União dos Estudantes Comunistas, e por outras organizações democráticas, o Partido mobilizou as massas para dar combate à operação reaccionária.
A grande acção popular que de norte a sul do País, em alguns casos com a cooperação das Forças Armadas, ergueu barreiras e sistemas de controlo e boicote nas estradas e nos transportes, que cortaram literalmente o caminho à «marcha sobre Lisboa» e desorganizaram e desarticularam o plano contra-revolucionário, inscreve-se como a mais brilhante e decisiva acção popular desde o 25 de Abril e como uma confirmação da força, da organização, da capacidade e do papel das massas na defesa e na construção da democracia.
Depois, nas manifestações da vitória, enquanto milhares de comunistas, compreendendo a complexidade da situação política, enrolavam as suas bandeiras, outros houve que apareceram para desfraldar as suas e colher louros que lhes não pertenciam. O essencial não são, porém, essas pequenas incompreensões. O essencial é que a reacção não passou, e as forças populares e democráticas saíram reforçadas, temperadas e unidas da batalha vitoriosa.
O segundo factor da vitória, e que lhe deu, na fase final, todo o seu profundo alcance e significado, foi o Movimento das Forças Armadas. Intervindo com decisão na altura própria, detectando e desmantelando redes clandestinas, anulando a tentativa inicialmente bem sucedida de silenciar a TV, a rádio e a imprensa, o M.F.A., ao lado do povo e em defesa da liberdade, consumou a derrota estrondosa da reacção, que arrastou consigo o afastamento dos três generais reaccionários da Junta de Salvação Nacional e, finalmente, a demissão do general Spínola.
Objectivamente, há muito o prosseguimento do processo da democratização e da descolonização tropeçava com a acção do general Spínola e daqueles três generais da Junta. Há muito as manobras e conspirações da reacção rondavam em torno deles. O general Galvão de Melo várias vezes, demasiado confiante, descobriu o jogo. Em todos os casos, quando o nosso exame seguia a pista da conspiração, éramos conduzidos invariavelmente para Belém. Em todos os esquemas (designadamente na tentativa de golpe constitucional de Palma Carlos e na grande operação contra-revolucionária do 28 de Setembro) o objectivo pretendido seria a tomada de plenos poderes pelo general Spínola, com a proclamação do estado de sítio, a repressão às forças democráticas, a dissolução do M.F.A., a liquidação das liberdades.
O general Spínola tornara-se um ponto de polarização das forças reaccionárias e conservadoras. O fundamental da história do complexo poder politico nos primeiros cinco meses decorridos após o 25 de Abril foi a história do conflito entre o M.F.A. e as forças democráticas, de um lado, e as forças conservadoras, tendo objectivamente como aglutinador o general Spínola, então presidente da República, do outro.
Das mais importantes medidas de democratização e de descolonização, pode dizer-se que elas foram tomadas apesar do general. Este tivera em certo momento um papel positivo, como já temos dito. Mas tornou-se um travão a uma política democrática.
O 28 de Setembro fica sendo uma data de transcendente importância na história da revolução democrática portuguesa. O poder político fica mais homogéneo e com maior capacidade operativa. Consolida-se o aparelho do Estado. Reforça-se o M.F.A. e as forças democráticas. A aliança do movimento popular com o Movimento das Forças Armadas confirma-se como o eixo político das transformações democráticas do País.
É ainda cedo para medir todo o alcance da derrota da contra-revolução em fins de Setembro.
Se as forças progressistas souberem tomar as medidas adequadas e explorar a sua vitória em profundidade, poderá então afirmar-se que a construção da democracia em Portugal é um processo irreversível.
Não se julgue, porém, que os perigos passaram, que as forças reaccionárias não têm possibilidade de recuperação e que daqui em diante tudo será fácil.
Isto não é assim. A reacção continua a ser forte e activa. Dispõe ainda de posições no aparelho do Estado. Dispõe do poder económico e utiliza-o contra o processo democrático e contra a descolonização.
E isso impõe, desde já e sem perda de tempo, precisamente agora que a reacção recuou parcialmente desmoralizada, medidas de emergência para defesa da liberdade, o reforço do Estado democrático e a solução dos problemas económicos e financeiros mais urgentes.
A ameaça para a liberdade não consiste só na acção contra-revolucionária de conspiradores. A principal ameaça para a liberdade vem do poder económico que estrangula o desenvolvimento do País e que é a base de apoio político e financeiro da contra-revolução.
Os monopolistas e os latifundiários recusam-se a aceitar a nova situação democrática. Recusam-se a aceitar uma situação em que têm de pagar melhores salários aos trabalhadores, em que deixaram de poder multiplicar várias vezes o capital em poucos anos. São eles o principal obstáculo ao desenvolvimento económico independente, à elevação do nível de vida da classe operária e das massas trabalhadoras dos campos, ao desafogo dos pequenos industriais, comerciantes e agricultores.
Ao mesmo tempo que conspiram com vistas a impôr novamente uma ditadura que proteja pela força a sua ilimitada exploração do povo português, sabotam a economia, cortam créditos, anulam investimentos e encomendas, organizam a evasão de capitais, paralisam ou diminuem a laboração de fábricas, deixam campos por lavrar e colheitas por colher, despedem sem justa causa os trabalhadores, e procuram assim provocar uma grave situação económica em que a desorganização da produção e as dificuldades levantem o descontentamento, oponham o povo ao Governo e abram fácil caminho à contra-revolução.
Os acontecimentos têm mostrado e continuam a mostrar que a democratização e a descolonização encontram pela frente, como seu principal adversário, os monopólios e os latifundiários.
Não se poderá consentir que as liberdades sejam ameaçadas, comprometidas e estranguladas por meia dúzia de famílias de grandes senhores do capital e da terra. Os interesses egoístas de meia dúzia de famílias não podem sobrepor-se aos do povo inteiro.
O próprio desenvolvimento objectivo da economia coloca uma inelutável alternativa:
Depois do 25 de Abril, o poder económico e o poder político deixaram de ser coincidentes. O poder político está nas mãos das forças democráticas que prosseguem uma política voltada para a defesa dos interesses do povo e do País. Mas o poder económico continuou e continua nas mãos dos monopólios e latifundiários. Esta situação não pode manter-se por longo tempo. Ou os monopólios e latifundiários tomam conta do poder político, instaurando uma nova ditadura, ou as forças democráticas, para construírem um Portugal democrático, põem fim ao poder económico dos monopólios e latifundiários.
Tudo faremos para que esta contradição se resolva pela segunda alternativa. Estamos confiantes que assim se resolverá.
Pode ser que hoje não estejam criadas condições para radicais reformas sociais. Mas a própria sobrevivência da democracia, a própria estabilidade economia e social obrigam a tomar medidas antimonopolistas e anti-latifundistas adequadas.
O Programa do Movimento das Forças Armadas indica uma «estratégia antimonopolista» como princípio orientador de «uma nova política económica posta ao serviço do Povo Português, em particular das camadas mais desfavorecidas». É a aplicação prática desta ideia que a situação presente exige com urgência.
De acordo com esse princípio orientador, considerando indispensável encarar de frente os problemas mais agudos, o P.C.P. propõe ao Povo Português e às forças democráticas através deste nosso Congresso uma Plataforma de Emergência. Essa plataforma inscreve-se agora no Programa do Partido como definição de tarefas imediatas prioritárias.
Para assegurar o curso democrático da política portuguesa, para conduzir o País à realização de eleições livres para a Assembleia Constituinte, para criar as bases indispensáveis para a instauração de um regime democrático, a política portuguesa tem de orientar-se no imediato em três direcções fundamentais:
A defesa das liberdades e o reforço do Estado democrático, o prosseguimento da descolonização e a defesa da estabilidade económica e financeira com vista ao desenvolvimento.
Os conspiradores fascistas e reaccionários quiseram justificar a sua intentona de Setembro com uma pretensa ameaça dos comunistas contra a liberdade. O próprio general Spínola invocou também um tal pretexto quando exigia plenos poderes e a declaração do estado de sítio, ou seja, no fim de contas, a liquidação das liberdades, a suspensão das garantias constitucionais, a instauração de uma nova ditadura.
É demasiado evidente que se desmentem a si próprios aqueles que invocam um inexistente perigo para a liberdade como pretexto para liquidá-la.
Ninguém mais que os comunistas ontem, hoje e sempre, lutou, luta e lutará pelas liberdades do nosso povo. O P.C.P. luta para que hoje e amanhã tenham liberdade de falar, de se organizar, de agir, todos quantos queiram viver em liberdade, respeitá-la e defendê-la. Em Setembro, os comunistas (e outros também acusados de pôr em perigo a liberdade) foram precisamente aqueles que a salvaram.
É a reacção que não desistiu de liquidar as liberdades democráticas. E é para as salvaguardar que se impõe uma política clara e firme e a execução, tão pronta quanto possível, de algumas medidas de emergência.
Em primeiro lugar, a garantia do amplo exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos, existindo agora, depois do 28 de Setembro, a possibilidade de examinar a uma nova luz alguns diplomas em discussão ou em vias de promulgação.
Em segundo lugar, o reforço do Estado democrático pelo saneamento, pela reorganização das forças militarizadas e policiais de forma a torná-las de facto força de defesa da ordem democrática, pela colocação nos postos-chave de pessoas de completa confiança das forças democráticas, pela formação de um funcionalismo devotado à nova situação política.
Finalmente, o respeito da ordem democrática, a proibição das organizações, propaganda e actividades fascistas e reaccionárias, a severa punição da conspiração e da sabotagem económica.
Só os inimigos da democracia podem criticar que a democracia se defenda.
Se os fascistas e a reacção tivessem conseguido ganhar a partida em 28 de Setembro (ou se conseguissem vir a ganhá-la no futuro), ninguém tenha dúvidas de que não tomariam o Poder com cravos nas espingardas, antes, como anunciavam nas vésperas da intentona, teriam afogado a liberdade num banho de sangue.
O povo português lutou quase meio século para se libertar da tirania. Há que tomar agora todas as medidas necessárias para que a tirania não volte. Não o fazer seria imperdoável.
Defendemos as mais amplas liberdades. E defendemos com mão firme (e bem firme se necessário) contra os seus inimigos.
Os passos históricos dados no caminho da descolonização constituem outra das grandes realizações da nova situação política portuguesa.
Quando nos lembramos que o nosso Partido, outras forças democráticas, a juventude portuguesa, pusemos ao longo dos anos, como uma direcção central da nossa luta, o fim da guerra colonial e o reconhecimento do direito dos povos submetidos ao colonialismo português à completa e imediata independência, melhor se compreende o que significam os passos dados nesta direcção.
O fim da guerra colonial, o reconhecimento da República da Guiné-Bissau e o estabelecimento com ela de relações de Estado a Estado, a formação do Governo Transitório de Moçambique da FRELIMO e o processo encetado para a independência total no prazo de um ano constituem vitórias históricas para os povos da Guiné-Bissau e de Moçambique e também para o povo português que, finalmente livre da ditadura fascista, deu uma contribuição valiosa para o apressamento do processo e com eles coopera agora fraternalmente.
Os grandes passos dados não devem, porém, levar-nos a fechar os olhos ante os complexos problemas e as grandes dificuldades que estão por diante.
Podem estar a criar-se situações que atrasem o processo em alguns territórios e venham a ter graves incidências na própria situação interna de Portugal.
No nosso entender, a política a seguir, embora tendo em conta as características específicas de cada caso, deve manter-se na mesma linha de reconhecimento real e efectivo do direito de cada povo à auto-determinação e à independência.
Isto é válido para Cabo Verde, para Angola, para S. Tomé e Príncipe, para Timor e para Macau.
Não poderia haver solução para o problema em Cabo Verde se esse princípio não fosse observado, se não fosse reconhecido o direito ao P.A.I.G.C. de desenvolver livremente a sua actividade, se se reprimissem os defensores da independência e se fomentasse a criação de partidos-fantoches ao serviço do neocolonialismo.
Tão-pouco poderia haver solução para Angola se se pretendesse marginalizar o M.P.L.A. do processo em geral e de negociações em particular e se se fizesse qualquer jogo dirigido precisamente contra o partido que tem conduzido a luta de libertação. A liberdade ao M. P. L. A. para desenvolver a sua acção em Angola é uma medida que se impõe no imediato.
No conjunto do problema colonial, é necessário garantir através de uma política clara que a guerra não recomeçará. É necessário, logo que as circunstâncias o permitam, fazer regressar os soldados e marinheiros e reduzir o tempo de serviço militar obrigatório. Subindo a 25 milhões de contos anuais, as despesas militares constituem um obstáculo para o desenvolvimento da economia nacional e para o melhoramento das condições de vida do povo português. É necessário, no mais curto espaço de tempo possível, reduzi-las drasticamente.
Quanto aos novos Estados que conquistaram a independência, tudo deve ser feito para que relações fraternais de cooperação se desenvolvam na base da igualdade, do respeito pela soberania, respeito pelos interesses mútuos e não ingerência nas questões internas.
Também se não deve esquecer que Portugal tem escassos recursos e que portanto terá que ser necessariamente limitada a sua ajuda financeira aos novos Estados.
Se isto não é tido em conta, podem fazer-se promessas ou criar-se ilusões, depois desfeitas com todos os prejuízos, ou seguir uma política de ajuda financeira que não só não poderá ser mantida, criando súbitos e graves problemas aos povos aos quais seja prestada, como poderá agravar extraordinariamente os problemas económicos e financeiros que Portugal defronta.
Portugal encontra-se numa grave situação económica e financeira, que resulta em larga medida da pesada herança que nos deixou o fascismo: a herança de uma economia deficitária cujo precário equilíbrio assentava em recursos externos.
Diminuídas subitamente as remessas dos emigrantes e as receitas do turismo, recebendo-se de fora o influxo da grave conjuntura internacional, sofrendo-se a sabotagem dos grandes grupos económicos portugueses e de alguns estrangeiros, a situação económica e financeira não podia deixar de ressentir-se. Algumas crises sectoriais (como na construção civil), dificuldades em pequenas e médias empresas, afrouxamento dos investimentos constituem sérios aspectos da situação. Os mais graves no imediato são, porém, grandes deficits no orçamento, na balança comercial e na balança de pagamentos.
Estes deficits citados, a não serem prontamente diminuídos, porão em perigo a estabilidade económica de Portugal.
Procuram alguns tranquilizar-se com as elevadas reservas existentes. A verdade é porém que, a não haver uma intervenção enérgica do Estado, as reservas de que Portugal ainda dispõe seriam, ao ritmo actual, rapidamente esgotadas.
Se não soubermos solucionar os actuais problemas da economia nacional, não é só a economia que marchará direito a uma crise profunda. Será a democracia portuguesa que correrá o risco de soçobrar.
Não estamos, porém, ainda lá. Podem tomar-se medidas adequadas. O necessário é não perder tempo.
Se a qualquer pessoa o dinheiro não chega, das duas uma: ou consegue arranjar mais ou não tem outro remédio senão gastar menos. O mesmo sucede com as finanças públicas.
Impõe-se, por um lado, aplicar uma real política de austeridade, cortar no imediato as despesas não essenciais do Estado, designadamente, agora que acabou a guerra, tudo quanto seja possível nas despesas militares. Impõe-se, por outro lado, reforçar as receitas, aumentando os impostos, não dos trabalhadores e dos pequenos industriais, comerciantes e agricultores, mas dos grandes detentores das riquezas e dos capitais.
O melhoramento da gestão das empresas públicas é, também, da máxima urgência, acabando-se com o escândalo de ser regra, hábito ou vício que as empresas públicas sejam deficitárias, mesmo quando antes, quando privadas, haviam obtido fortes lucros.
Se há um grande deficit na balança comercial e de pagamentos, o remédio essencial é exportar mais e para isso fazer um esforço decidido; é importar menos, reduzindo verticalmente importações não essenciais.
Para este efeito há que andar depressa em negociações eficientes, designadamente com os países socialistas e com o Mercado Comum, tendo em conta as diferenças de nível de desenvolvimento.
Mas isso não basta. Dada a desordem de toda a acção de comércio externo por entidades privadas, hoje em apressada corrida para novos mercados, impõe-se que o Governo assegure a sua direcção, controlo e planificação.
A nacionalização de alguns bancos dá novas possibilidades de intervenção do Estado na vida económica, seja assumindo um papel dirigente e corrector através do Banco de Portugal, seja atraindo depósitos através da secção comercial do Banco Ultramarino, seja obrigando as Caixas de Previdência a fazerem os seus depósitos na C.G.D.C.P., seja por outros mecanismos que dêem ao Estado maiores recursos de intervenção e que obriguem a banca privada a reanimar as suas actividades. Os grandes capitalistas dizem agora que não têm dinheiro e, entretanto, vão transferindo ilegalmente fundos para o estrangeiro, utilizando todos os processes e formas, desde o uso de amantes para arriscarem o pêlo no contrabando ao uso de malas diplomáticas. A fiscalização à fuga de capitais tem de melhorar radicalmente e autores e cúmplices dessas fugas devem ser severamente punidos.
Se, como as fugas de capitais mostram, existem capitais disponíveis, nada justifica a afirmação de que não há dinheiro para investir. Há que dizer a esses senhores que, se se aceita a mobilização dos trabalhadores, tem de aceitar-se também a mobilização dos capitais.
No que respeita à indústria, as linhas de acção do Estado são também variadas.
Em primeiro lugar, devem apoiar-se as empresas grandes e pequenas que invistam capitais e contribuam positivamente para o desenvolvimento e a expansão da produção.
Em segundo lugar, devem tomar-se severas medidas contra a sabotagem económica, contra os encerramentos, reduções de laboração e despedimentos sem justa causa, fiscalizando empresas que se entreguem a irregularidades, a especulações e a processes fraudulentos.
Em terceiro lugar, deve reforçar-se decididamente o sector industrial do Estado, com o melhoramento da gestão e da rentabilidade das empresas públicas e a constituição de novas empresas do Estado e mistas.
Em quarto lugar, devem apoiar-se as pequenas e médias empresas.
É muito discutido se, na actual situação, se devem facilitar ou dificultar os investimentos estrangeiros em Portugal. A nosso ver devem ser facilitados, desde que com suficiente controlo da parte do Estado.
A acrescida intervenção do Estado coloca complexos problemas de administração. Já no tempo da ditadura, com o progresso do capitalismo monopolista de Estado, havia administradores por parte do Estado e delegados do Governo. A sua função era, porém, estarem nos corpos gerentes das sociedades para aí servirem o melhor possível essas sociedades, pondo ao seu serviço os serviços do Estado. Actualmente a sua função é outra: é defenderem os interesses do Estado nas sociedades, mesmo que em detrimento dos interesses privados quando houver contradições. Isto exige quadros capazes, sérios, com um mínimo de experiência e dedicados à situação política actual. Não é com elementos desafectos à democracia ou com saneados reconduzidos que se pode resolver um tal problema.
Daí a necessidade de continuar a vigilância dos trabalhadores sobre as administrações das empresas do Estado e a necessidade de proporem ao Governo nomes de gente séria capaz de ocupar cargos de direcção.
Há quem não goste daquilo que chamam as intromissões do pessoal na vida das empresas.
A essas intromissões, com erros decerto aqui e acolá, se deve a rectificação de muita situação irregular e a defesa do interesse da comunidade nacional em circunstâncias em que seria impossível assegurá-la sem a participação dos trabalhadores.
Os problemas que defronta a agricultura portuguesa não são menos graves que aqueles que defrontam as finanças públicas e a indústria.
A população laboriosa dos campos atravessa sérias dificuldades que se devem encarar de frente e com urgência. Primeiro porque os problemas são reais e eles afectam a vida de milhões de portugueses e a situação geral do País. Depois porque a revolução democrática portuguesa, ganha nas cidades, não deve vir a perder-se nos campos.
A democracia tem sólida base de apoio nos campos do sul, no proletariado ribatejano e alentejano, e conta também em algumas regiões com o apoio dos camponeses, que lutam em torno de ligas e associações que nos devemos esforçar por desenvolver.
Mas seria ilusão pensar que a democracia tem semelhante apoio nos campos do centro, do interior e do norte. Nessas regiões, caciques reaccionários, ricos proprietários mantêm o povo no maior obscurantismo e dominam e atemorizam as consciências com o poder que têm de cortar o trabalho e o pão às populações.
Eles propagam que se os comunistas chegarem (e chamam «comunistas» a todos os que lutam por um Portugal democrático) irão tirar as terras e as casas aos camponeses, matar os velhos inválidos, roubar as mulheres aos maridos e os filhos às mães. Infelizmente, o isolamento de algumas populações é tão grande que há quem acredite nestas patranhas.
Não devemos ser pessimistas perante esta realidade. Temos de trabalhar para modificá-la. E se soubermos trabalhar, ela será modificada.
A situação exige uma grande campanha de esclarecimento. Temos de enviar para essas regiões propagandistas corajosos e sensíveis, capazes de vencer a despolitização e preconceitos anticomunistas e antidemocráticos de algumas populações e de romper o muro de isolamento político levantado pela reacção em torno de grandes zonas rurais.
Mas a propaganda e o esclarecimento não bastarão para desfazer preconceitos arraigados, para subtrair certas camadas ao domínio de tiranetes locais, para atrair o campesinato à revolução democrática, para tornar o pequeno proprietário, o pequeno rendeiro ou parceiro um firme e confiante defensor do curso da política actual. O que verdadeiramente ligará o campesinato aos destinos da democracia são as medidas concretas que respondam aos seus problemas mais instantes e os solucionem.
A propaganda é necessária e muito necessária. Mas o que acabará por deslocar politicamente o campesinato para a revolução não são palavras, mas actos.
Se a nova situação política assegurar que os produtos que de momento lutam com dificuldades de mercado, como o vinho e a amêndoa, são vendidos, e vendidos a preços compensadores; que o mesmo sucede para o leite e outros produtos; que os impostos e taxas são diminuídos; que os baldios são restituídos às populações; que o regime de arrendamento e de parceria são revistos, com aumento dos prazos, diminuição das rendas e o seu pagamento em dinheiro se o rendeiro o desejar; que é concedido crédito em boas condições — se a nova situação política resolver estes e outros problemas, então sim, o campesinato tornar-se-á uma firme base de apoio da revolução democrática.
A situação nos campos exige as medidas apontadas e outras de maior alcance.
Impõe-se considerar a requisição pelo Estado de terras incultas e a sua entrega a cooperativas, a explorações familiares ou a formas de gestão pública. Impõe-se a reestruturação e simplificação dos circuitos comerciais. Impõe-se o aligeiramento da carga fiscal aos pequenos camponeses ao mesmo tempo que se agrave a tributação aos grandes proprietários e rendeiros absentistas. Impõe-se um auxílio sério em créditos, máquinas, apoio técnico à formação e reorganização de cooperativas, não essas falsas cooperativas que eram instrumentos da exploração de milhares de camponeses por alguns grandes agrários e grandes capitalistas, mas verdadeiras cooperativas constituídas e geridas livremente pelos pequenos e médios agricultores.
É toda uma nova política agrária que se impõe, tomando medidas de emergência, que resolvem os problemas mais agudos da população trabalhadora dos campos e atraiam assim irreversivelmente o campesinato à torrente revolucionária que se propõe construir um Portugal próspero e livre.
São os trabalhadores Portugueses os que pagam mais caro as dificuldades existentes na economia nacional.
É certo que, desde o 25 de Abril, os trabalhadores conseguiram mais na satisfação das suas reivindicações do que haviam conseguido em muitos anos de ditadura fascista. O salário mínimo nacional, apesar de modesto, modificou para melhor a vida de muitas centenas de milhares de Portugueses. Novos benefícios sociais foram alcançados.
Mas o agravamento da situação económica geral, a inflação, a crise em alguns sectores da indústria e na agricultura vão anulando os aumentos e melhorias alcançados e lançando milhares de trabalhadores para o desemprego, como é o caso da construção civil, da electrónica e dos campos alentejanos.
Os trabalhadores, embora não se deixando arrastar em acções animadas por reivindicações irrealistas, não podem abrandar a luta pelo melhoramento das suas condições de vida. Têm de insistir no cumprimento dos contratos colectivos de trabalho que uma parte do patronato se recusa a cumprir. Têm de insistir na actualização periódica dos salários acompanhando o aumento dos preços. Têm de insistir no melhoramento dos benefícios sociais. Têm de insistir na luta pela proibição dos despedimentos sem justa causa. Têm de insistir na abertura de obras públicas e na atribuição de subsídios. Têm de insistir na contenção dos preços dos géneros de primeira necessidade e das rendas de casa.
Na luta junto do patronato e através dos sindicatos, duas observações são de fazer.
A primeira é que os trabalhadores devem decidir democraticamente das reivindicações a apresentar e ter o cuidado de não apresentar reivindicações sopradas demagogicamente por reaccionários ou esquerdistas pseudo-revolucionários interessados em criar situações insolúveis e provocar choques e roturas entre os trabalhadores e o Governo Provisório.
A segunda é que os trabalhadores devem escolher a forma de luta adequada, tendo em conta todas as incidências sociais e políticas da sua acção.
Há que ter bem presente que, na actual situação política portuguesa, para consolidar as liberdades e prosseguir o caminho para transformações democráticas mais profundas, a força serena e organizada é a mais eficiente. As perturbações na produção e nos transportes, tudo quanto agrave a situação económica não aproveita aos trabalhadores, mas à reacção. Por isso temos insistido muitas vezes que, na actual situação, a greve, continuando embora a ser uma arma inalienável dos trabalhadores a que estes devem, mesmo desde 25 de Abril, numerosas vitórias, só deve ser utilizada depois de se ver se não haverá formas mais adequadas de luta e depois de considerar se a greve em causa não será susceptível de criar graves perturbações económicas e sociais favoráveis às forças reaccionárias.
Há quem pretenda que, por exigências da estabilidade da economia nacional, os trabalhadores devem desistir temporariamente de melhorar as suas condições de vida e aceitar mesmo piorá-las se necessário for.
Pode afirmar-se que os trabalhadores portugueses estão dispostos, com o seu suor e o seu sangue, a pagar o preço da liberdade. Mas desde que aqueles que enriqueceram e enriquecem à custa do suor do povo trabalhador e que têm nas suas mãos as riquezas do País o paguem também.
Os trabalhadores são os primeiros a ter plena compreensão de que, para construir um Portugal novo e democrático, será necessário trabalhar muito e duramente. O atraso económico de Portugal é grande. A economia é deficitária. Mesmo que se eliminassem todos os lucros da grande burguesia e se procedesse a uma melhor distribuição da riqueza o produto nacional não asseguraria, ao nível actual, a acumulação necessária para um desenvolvimento económico rápido e uma vida desafogada para todos os portugueses. Para o melhoramento das condições de vida gerais será necessário aumentar a produção em ritmo acelerado. E isso obrigará não só a investir como a trabalhar mais e melhor.
Os trabalhadores Portugueses estão prontos a fazê-lo, mas quando trabalharem para si, para a comunidade nacional, para o País, e não para uma burguesia parasitária, cuja ostentação é um insulto para a vida de dificuldades e mesmo de miséria das grandes massas do povo trabalhador.
Trabalhar mais para o País, sim. Trabalhar mais para os exploradores, não.
Ao apelo do Primeiro-Ministro, brigadeiro Vasco Gonçalves, o domingo de trabalho voluntário do dia 6 de Outubro mostrou que os trabalhadores portugueses, quando se puser na ordem do dia a construção de um Portugal para os Portugueses e não para os exploradores, serão capazes de trabalhar mais horas por semana, com maior intensidade, com mais perfeição e mesmo com heroísmo, e que verão no trabalho, não a canseira obrigatória para ganhar o pão de cada dia, mas um motivo de honra e de orgulho.
Estamos certos, absolutamente certos, de que esse dia chegará.
Caberá à Assembleia Constituinte a eleger na Primavera próxima elaborar a Constituição da futura República Portuguesa. A República será o que os deputados aprovarem e os deputados serão aqueles que o eleitorado escolher.
Daqui a extraordinária importância das próximas eleições e a necessidade de que elas sejam realmente livres, com eleitores libertos de qualquer coacção física, material ou psíquica, que sejam, desde o recenseamento até à contagem dos votos, devidamente controladas pelo povo, sejam a verdadeira expressão da vontade popular.
Se a lei eleitoral estabelece princípios e normas que possam conduzir, de uma forma ou de outra, ao falseamento da vontade do povo, o resultado não será aquele indiscutível sufrágio que todos se sentem obrigados a respeitar. Se, por exemplo, organizações como o Movimento Democrático Português ficam impossibilitadas de apresentar candidatos; se não se estabelece nenhum processo que permita ao Movimento das Forças Armadas ter se o desejar eleitos seus; se a atribuição do voto aos emigrantes é por tal sistema que poderão votar em consulados por sanear os que se encontram em países com ditaduras reaccionárias — tudo isso prejudicará a genuinidade das eleições como as eleições livres e democráticas pelas quais o povo português lutou ao longo dos anos.
O P.C.P. continuará a lutar para que as eleições sejam realmente livres e, se o forem, respeitará a vontade popular e exigirá que todos os outros a respeitem também.
Pergunta-se muitas vezes qual é o plano de acção do Partido para as eleições. Concorreremos sós? Faremos listas comuns? Estabeleceremos frentes com outros partidos? Parece, camaradas, que ainda é cedo para responder a tais questões. Tudo depende da situação que então se apresente e é difícil prever neste momento como se apresentará.
Uma ideia geral é porém de conservar: que as eleições não devem constituir um motivo de divisões e de roturas entre as forças democráticas, mas um novo motivo de reforço da unidade e das alianças com vistas à tarefa da construção de um Portugal democrático.
O grande objectivo desta fase da luta é a instauração de um regime democrático escolhido pelo próprio povo. Lutamos para que se institua um regime no qual sejam reconhecidas as mais amplas liberdades democráticas: de imprensa, de associação, de formação de partidos, de reunião e sindical, assim como o direito à greve.
Estes são os nossos objectivos e escusam de fingir que não o crêem alguns inquietos amigos e inimigos.
Lutamos ao mesmo tempo para que seja um regime em que tenham lugar profundas reformas sociais; em que sejam plenamente realizados os 8 pontos que o Programa do nosso Partido indica como sendo os seus objectivos da etapa actual da revolução, da revolução democrática e nacional:
Instaurado um regime democrático, existem amplas possibilidades de desenvolvimento pacífico do processo revolucionário, da realização de profundas reformas sociais no quadro de uma legalidade democrática.
Algumas características específicas que apresenta a revolução democrática portuguesa, e entre elas a aliança Povo-Forças Armadas, criam condições favoráveis para uma via pacífica para as transformações democráticas da sociedade portuguesa.
Estamos empenhados num tal caminho e tudo faremos para que se venha a concretizar.
Na luta de hoje para defender e consolidar as liberdades, na luta de amanhã para instaurar um regime escolhido pelo próprio povo e construir um Portugal democrático, é indispensável prosseguir consequentemente uma política de unidade e de alianças.
A quebra da unidade e das alianças existentes conduziria a curto prazo à derrota da democracia. Reforçar a unidade e as alianças é assegurar o caminho para a vitória.
É nossa tarefa reforçar a unidade da classe operária nas fábricas e em todos os locais de trabalho, nas lutas quotidianas, nas grandes acções políticas.
É nossa tarefa reforçar a unidade sindical, lutando por uma vida amplamente democrática e sem ingerências estranhas nos sindicatos e para que exista apenas uma única central sindical.
É nossa tarefa reforçar a unidade dos camponeses, desenvolvendo as suas Ligas e Associações.
É nossa tarefa reforçar a unidade da juventude trabalhadora na acção e na organização e da juventude estudantil nas suas associações e iniciativas.
É nossa tarefa reforçar a unidade de acção de todas as classes e camadas populares, do proletariado, do campesinato, dos intelectuais, da pequena burguesia urbana, mesmo de sectores da média burguesia, na luta por um Portugal democrático.
É nossa tarefa a reforçar a unidade entre o P.C.P. e o Movimento Democrático Português, entre o P.C.P., Partido Socialista e outros partidos democráticos.
É, finalmente, nossa tarefa reforçar a aliança entre o movimento popular e o Movimento das Forças Armadas, condição indispensável para o prosseguimento com êxito do processo revolucionário.
Lutando pela unidade, tem de combater-se firmemente os factores e os fautores de divisão.
Procuramos esclarecer os trabalhadores e as massas de forma a não se deixarem arrastar por orientações políticas divisionistas. Mantemos sem vacilação a nossa cooperação com o M.D.P., que outros gostariam de ver marginalizado e dissolvido. Combatemos o divisionismo sindical mesmo que disfarçado em defensor da liberdade. Lutar pela unidade é, necessariamente, lutar contra o divisionismo.
É também necessário desmascarar e isolar pequenos grupos pseudo-revolucionários, grupos exteriores ao movimento operário e democrático, que tomam como alvos preferenciais da sua acção o P.C.P., o Governo Provisório e o M.F.A., e outras organizações democráticas, que em algumas empresas, em escolas, em toda a parte onde aparecem, conduzem uma actividade divisionista, de intriga e de provocação, utilizando por vezes métodos de chantagem, violência e intolerância próprios de fascistas. É de sublinhar que os maiores protectores, propagandistas e defensores do direito à actividade legal destes grupos situam-se na direita reaccionária, a quem objectivamente servem com a sua actividade irresponsável.
A política de unidade foi sempre uma constante na actividade do P.C.P. A unidade é para hoje e para amanhã. Estamos prontos a caminhar juntos e unidos com todos aqueles que queiram unir-se na luta pelos mesmos objectivos.
Nós não compreendemos a unidade como meras declarações de boa vontade e entendimento. Para o Partido, a unidade expressa-se, manifesta-se, consolida-se e desenvolve-se na actividade e na luta comum.
A luta popular é que ao fim e ao cabo determina o rumo dos acontecimentos. É impossível uma justa solução dos grandes problemas nacionais sem a participação, sem a luta das amplas massas populares. Na situação política actualmente existente, uma estreita cooperação entre o Governo Provisório, o M.F.A., estruturas estatais, autarquias locais, partidos políticos, sindicatos, ligas camponesas, cooperativas, organizações juvenis, femininas e outras tornará invencíveis as forças da democracia, tornará irreversível o processo revolucionário.
A aliança Povo-Forças Armadas não é uma aliança fugaz. Ela decide do presente e poderá decidir do futuro. A sua consolidação é indispensável no caminho até às eleições e, depois das eleições, para construir em paz uma nova sociedade.
Camaradas:
Este Congresso Extraordinário é bem um testemunho do papel do Partido na vida política actual. Trata-se, de facto, de um Congresso Extraordinário, extraordinário em tudo: no fim que visa, na forma e prazo da sua convocação, na sua preparação demasiado apressada e no que certamente virá a ser o desenrolar dos seus trabalhos.
Mas extraordinária é também a situação que vivemos. A vida política foge aos esquemas feitos e a vida do próprio Partido, respondendo às exigências da situação, toma também aspectos novos e originais.
O ponto único da ordem de trabalhos são as modificações ao Programa e Estatutos do Partido, tendo em conta que deixámos de lutar sob uma ditadura fascista para lutarmos numa situação de liberdade, deixámos de ser um partido clandestino para sermos um partido legal e de Governo.
Modificações ao Programa e Estatutos tornaram-se indispensáveis.
Nesta minha intervenção, feita em nome do Comité Central, foram indicadas as grandes linhas da orientação do Partido.
As ideias expressas abordam o tema do novo Capitulo II do Projecto do Programa inteiramente substituído. Como sabeis é um capítulo respeitante às tarefas imediatas. As tarefas imediatas no tempo da ditadura eram, como é óbvio, completamente diferentes daquelas que hoje temos para cumprir.
Inserimos no Programa uma Plataforma de Emergência posta à discussão no Partido antes do Congresso. Se for aprovada, será posta à apreciação do povo e das forças democráticas.
Nas alterações ao Programa, suprimiram-se ou modificaram-se certas expressões correntemente utilizadas na terminologia marxista. Não se deve atribuir ao facto qualquer significado ideológico.
A principal razão dessas alterações é que algumas expressões não são entendidas geralmente com o sentido que nós lhe damos. Têm na linguagem corrente um significado completamente contrário. A sua utilização nas condições actuais daria lugar a inconvenientes incompreensões acerca da nossa política e a uma especulação que, junto das forças democráticas e das massas, teria efeitos negativos.
É o caso, por exemplo, da ditadura do proletariado. Na terminologia marxista, ditadura é a forma do domínio de uma classe ou classes sobre outra classe ou classes. A mais livre das democracias burguesas é uma ditadura da burguesia. A ditadura do proletariado, em que o proletariado e os seus aliados detêm o Poder, pode ter muitas formas. Pode ser pluripartidária. Pode ter numerosas formas de organização do Estado. A ditadura do proletariado é um regime mais democrático que a mais democrática das democracias burguesas. Entretanto, a expressão ditadura, utilizada agora em Portugal depois de 50 anos de ditadura fascista, numa situação muito particular como a que atravessamos, não facilitaria a compreensão da política do Partido, nem facilitaria a realização das suas tarefas.
Nada alterámos nos nossos conceitos e na nossa doutrina. Que isto fique claro para evitar equívocos.
Este nosso Congresso não dará resposta a muitos e variados problemas novos que se colocam à actividade do Partido. Essa será a tarefa do próximo Congresso ordinário, que será realizado tão proximamente quanto possível.
Desde o 25 de Abril, o Partido reforçou-se consideravelmente. A sua organização estrutura-se à escala nacional, estando já abertos numerosos Centros de Trabalho. O número de membros do Partido, apesar do sentimento de insegurança que por vezes tem havido na situação política e apesar das dificuldades de adaptação a um sistema de registo de filiações, tem aumentado progressivamente. Dados parcelares indicam que, de Junho a Setembro, os efectivos devem ter duplicado, sendo 60 por cento proletários, a que se somam 18 por cento de empregados. Os organismos duplicaram.
O «Avante!» tem uma elevada tiragem e o mesmo se pode dizer das edições do Partido.
Temos, sem dúvida, andado para a frente. Entretanto, a vertigem do sucesso não nos deve subir à cabeça. Temos deficiências na nossa actividade de organização, de propaganda, de formação de quadros. É necessário corrigir e melhorar.
O Partido seguiu sempre como orientação a apreciação serena e objectiva da sua própria actividade, o estudo dos seus êxitos e experiências, a rectificação das debilidades, das faltas e dos erros. Esse estilo não enfraquece, antes fortalece o Partido.
O Partido Comunista Português é a vanguarda revolucionária da classe operária e das massas populares. É insubstituível o seu papel no curso democrático actual da política portuguesa. Da sua natureza e do seu papel decorre a sua alta responsabilidade perante as outras forças democráticas, perante o povo e o País.
Estamos certos, camaradas, de que os membros do Partido tudo farão para que o Partido esteja à altura das suas responsabilidades.
Viva a unidade da classe operária!
Viva a unidade das forças democráticas!
Viva a aliança do movimento popular com o Movimento das Forças Armadas! Viva o Partido Comunista Português!
Este texto foi uma colaboração |
Inclusão | 06/01/2012 |