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Vimos que há, entre os patrões, lutas encarniçadas e ininterruptas em torno do comprador, e que, nessas lutas, os grandes patrões triunfam sempre. Os pequenos capitalistas são vencidos e sucumbem, ao passo que o capital e a produção se concentram nas mãos dos maiores capitalistas (concentração e centralização do capital). Pouco depois de 1880, o capital já estava bem centralizado. Surgiram, então, em lugar dos antigos proprietários individuais, sociedades por ações (anônimas), que eram, bem entendido, sociedades de capitalistas. Que são essas sociedades? Qual a sua origem? A resposta não é difícil. Cada empresa nova devia dispor, desde o início, de um capital bem considerável. Uma empresa de pequeno crédito tinha poucas probabilidades de viver, porque era imediatamente bloqueada por poderosos rivais, os grandes industriais; se não quisesse morrer, mas viver e prosperar, a nova empresa deveria estar, desde o início, solidamente organizada. Isto só era possível se dispusesse, de pronto, de um grande capital. Tal é a origem da sociedade por ações. Ela se caracteriza pelo fato de grandes capitais explorarem os capitais de pequenos burgueses e mesmo a pequena economia dos não-capitalistas (empregados, camponeses, funcionários, etc.). Cada um deles contribui com uma ou várias partes e recebe em troca um ou vários pedaços de papel, uma ou várias “ações”, o que lhe dá o direito de participar de uma parte do lucro. Essa acumulação de somas fornecidas produz, de uma só vez, um forte capital por ações.
Quando surgiram as sociedades anônimas, certos sábios burgueses e, com eles, os socialistas conciliadores, declararam que uma nova era começava, que o capital não acarretava a dominação de um punhado de capitalistas, mas que, pelo contrário, cada empregado poderia, com suas economias, comprar uma ação e tornar-se capitalista. O capital ia tornar-se, assim, cada vez mais democrático e a diferença entre o capitalista e o operário iria desaparecer sem revolução.
Tudo isso era conversa fiada. O contrário é que se deu. Os grandes capitalistas não fizeram senão explorar os pequenos para os seus próprios fins, e a centralização do capital progrediu ainda mais ràpidamente do que antes, porque a luta se travou entre as grandes sociedades por ações.
É fácil compreender por que os grandes capitalista-acionistas fizeram dos pequenos acionistas seus auxiliares. O pequeno acionista, habitando quase sempre uma cidade distante, não pode percorrer centenas de quilômetros para assistir à assembléia geral dos acionistas. E ainda que os pequenos acionistas estejam presentes, não estão organizados. Em compensação, os grandes acionistas, que estão organizados e que sabem o que querem, chegam facilmente aos seus fins. A experiência mostrou que lhes é suficiente possuir um terço das ações para se tornarem senhores absolutos da empresa.
Mas, a concentração e a centralização do capital não param aí. Os últimos dez anos viram surgir, em lugar das empresas individuais e das sociedades por ações, agrupamentos de sociedades capitalistas, sindicatos (ou cartéis, e trustes). Suponhamos que, num ramo de produção — por exemplo, na indústria têxtil ou na indústria metalúrgica — os pequenos capitalistas já tenham desaparecido, só restam cinco ou seis empresas enormes que produzem quase todas as mercadorias desse ramo. Elas entram em luta, e, para fazer concorrência, baixam os preços, o que acarreta uma diminuição dos lucros. Suponhamos, agora, que algumas dessas empresas sejam mais fortes que as outras. Elas vão continuar a luta até que as mais fracas fiquem arruinadas. Mas, admitamos que haja um equilíbrio entre as forças em luta: elas têm o mesmo poder de produção, um número igual de operários, as mesmas máquinas, o mesmo preço de custo. Que acontecerá? A luta não dará a vitória a ninguém, esgotará cada empresa por igual, diminuirá o lucro de todos. Então, os capitalistas chegarão a esta conclusão: “Para que rebaixarmos mutuamente os preços? Não seria melhor unirmo-nos e saquearmos o público em comum? Se nos unirmos, não haverá mais concorrência, todas as mercadorias estarão em nossas mãos e poderemos elevar os preços à nossa vontade”. Assim nasce uma associação de capitalistas: um sindicato ou um truste.
O sindicato (ou cartel) distingue-se do truste. Quando formam um sindicato, os capitalistas combinam entre si que não venderão as mercadorias abaixo de certo preço, que dividirão entre si as encomendas ou os mercados. (“Tu só venderás em tal lugar, e eu em outro”, etc.). Mas a direção do sindicato não pode fechar nenhuma das empresas; cada uma faz parte da associação, guardando certa independência. Num truste, pelo contrário, as empresas se unem tão estreitamente que cada empresa perde toda a independência: a direção de um truste pode fechar uma usina, transformá-la, transferi-la, para outro lugar, se isto for vantajoso para o truste. O proprietário da empresa continua, evidentemente, a receber o seu lucro, que aumenta mesmo, mas tudo é dirigido pela união estreita e coerente dos capitalistas, pelo truste.
Os sindicatos e os trustes dominam quase inteiramente o mercado. Não temem a menor concorrência, abafaram-na completamente e a substituíram pelo monopólio capitalista, isto é, pela dominação do truste.
Assim, a concentração e a centralização do capital afastaram gradualmente a concorrência. A concorrência devorou-se a si mesma, porque quanto mais crescia, mais a centralização progredia, rapidamente, e mais rapidamente, também se arruinavam os capitalistas mais fracos. No fim de contas, a própria concentração do capital matava essa concorrência que a fizera nascer: O livre jogo da empresa, isto é, a livre concorrência foi substituída pelo domínio das empresas monopolizadas, dos sindicatos e dos trustes.
São bastante alguns exemplos para apreciar a força gigantesca dos trustes e dos sindicatos. Nos Estados Unidos, em 1900, a parte dos sindicatos era, na produção têxtil, de mais de 50%; na produção mineira, de 54%; no fabrico de papel, de 60%; na produção metalúrgica (salvo o ferro e o aço), de 84%; na produção do ferro e do aço, de 84%; na produção química, de 81%, etc. É escusado dizer que, no momento atual, sua parte cresceu desmedidamente. De fato, toda a produção americana, está, agora, concentrada nas mãos de dois trustes: o truste da nafta (petróleo) e o truste do aço. Destes dois trustes dependem todos os outros.
Na Alemanha, em 1913, 92,6% da produção do carvão na bacia do Ruhr estavam nas mãos de um só sindicato. O sindicato do aço produzia quase a metade do aço alemão. O truste do açúcar produzia quase 70% da venda interna e 80% da venda externa, etc.
Mesmo na Rússia, toda uma série de ramos já estava sob o controle completo dos sindicatos. O sindicato Produgol fornecia 60% do carvão do Donetz; o sindicato Prodamet, de 88 a 93% da produção metalúrgica; Krovlia, 60% da de folha de flandres. Produagon tinha centralizado 14 das 16 empresas de construção; o sindicato do cobre, 90%; o sindicato açucareiro, toda a produção do açúcar, etc.
Segundo os cálculos de um sábio suíço, no início do século XX, a metade dos capitais do mundo encontrava-se já nas mãos dos sindicatos e dos trustes.
Os sindicatos e os trustes não centralizam somente empresas da mesma natureza. Cada vez mais vemos surgirem “trustes” compreendendo ao mesmo tempo vários ramos industriais. Como se produz isso?
Todos os ramos da produção estão ligados entre si, antes de tudo, pela compra e pela venda. Tomemos a extração do minério do ferro e do carvão, que servem de matérias primas para as fundições e as usinas metalúrgicas. Por sua vez, essas usinas vão produzir, por exemplo, máquinas. Essas máquinas vão servir de meios de produção numa série de outros ramos, etc.
Suponhamos, agora, que possuíssemos uma fundição. Ela compra minério de ferro e de carvão, e tem interesse em comprar por preço módico. Sim, mas se o minério e o carvão se encontram nas mãos de outro sindicato?
Vai começar, então, entre os dois sindicatos, uma luta que terminará, ou pela vitória de um sobre o outro ou pela sua fusão. Num e noutro caso surge um novo sindicato unindo os dois ramos ao mesmo tempo. É claro que, 2, 3, 10 ramos, podem fundir-se desse modo. As empresas desse gênero chamam-se integradas, (ou combinadas).
Assim, os sindicatos e os trustes associam não só ramos particulares, mas fundem numa única organização produções heterogêneas, ligam um ramo a um segundo, a um terceiro, a um quarto, etc. Outrora, em todos os ramos, os proprietários de empresas eram independentes uns dos outros e toda a produção estava desmembrada entre centenas de milhares de pequenas fábricas. No começo do século XX, essa produção já estava concentrada em trustes gigantescos reunindo numerosos ramos de produção.
As uniões entre diferentes ramos da produção não são devidas unicamente à formação de empresas “combinadas”. É preciso ainda dirigir nossa atenção para um fenômeno mais importante do que essas empresas combinadas — a dominação dos bancos.
Mas, preliminarmente, é preciso dizer algumas palavras sobre os bancos.
Vimos que a concentração e a centralização, tendo atingido certo grau, a necessidade de capitais fez-se sentir para dar às novas empresas uma grande e rápida extensão. (Esta necessidade, seja dito de passagem, é que fez nascer as sociedades por ações). A criação de novas empresas exigiu, pois, capitais cada vez mais consideráveis.
De outro lado, observemos o que o capitalista faz de seu lucro. Sabemos que uma parte serve para sua manutenção, para o seu vestuário, em suma, é gasta consigo; mesmo o resto, porém, ele o “acumula”. Como assim? Pode ele, a todo instante, aumentar sua empresa, aplicando nela esta parte do lucro? Não porque o dinheiro lhe chega às mãos, continuamente, é verdade, mas pouco a pouco. Ele vende uma parte de sua mercadoria, cujo montante guarda em dinheiro, depois uma outra parte, e guarda uma nova soma de dinheiro. Mas, para o engrandecimento da empresa, é preciso que esse dinheiro represente certa soma, senão ele não pode ser utilizado, fica sem aplicação. Isto se passa, não só com um ou dois capitalistas, mas com todos. Entre eles, há sempre capital sem aplicação. Ora, nós vimos que existe também uma procura de capitais. De um lado, há capitais sem aplicação, e, do outro necessidade de dinheiro. Quanto mais se centraliza o capital, mais aumenta esta necessidade de capitais consideráveis, ao mesmo tempo que a quantidade de capital disponível. Foi essa situação que fez crescer a importância dos bancos. Para que seu dinheiro não fique sem emprego, o capitalista deposita-o num banco, que o empresta a industriais para o aumento de antigas empresas ou para a criação de novas. Os Industriais, com o auxílio do capital recebido, subtraem mais valia, dão uma parte dela ao banco, como juro de empréstimo; o banco, por sua vez, cede de sua parte um tanto para os depositantes e guarda o resto para si mesmo, na qualidade de lucro bancário. Assim roda a engrenagem da máquina.
Nestes últimos tempos, o papel, a importância, a atividade dos bancos, cresceram de modo prodigioso. Os bancos absorvem capitais cada vez maiores e colocam uma quantidade sempre mais considerável deles na indústria. O capital bancário “trabalha” continuamente na indústria, ele mesmo se converte em capital industrial. A indústria fica na dependência dos bancos que a sustentam e a alimentam com capital. O capital bancário enxerta-se no capital industrial. Esta forma do capital chama-se capital financeiro. O capital financeiro é, pois, o capital bancário enxertado no capital industrial.
O capital financeiro liga entre si, por intermédio dos bancos, todos os ramos da indústria, de um modo ainda maior do que as combinações. Por quê?
Tomemos um grande banco. Ele fornece capitais, não a uma só, mas a numerosas empresas ou a numerosos sindicatos: custeia-os, como se diz. Por isso, tem interesse em que as empresas não se devorem entre si: o banco liga-as umas às outras sua política constante visa realizar a fusão dessas empresas numa só, sob sua direção; o banco se assenhoreia de toda a indústria, de toda uma série de ramos de produção; os homens de confiança dos bancos tornam-se diretores dos trustes, dos sindicatos e das empresas.
Em suma, obtemos o quadro seguinte: toda a indústria de um país está reunida em sindicatos, “trustes”, e empresas combinadas, por intermédio dos bancos; à frente de toda a vida econômica, um punhado de grandes banqueiros dirige toda a indústria. E o Estado executa todas as vontades desses potentados dos bancos e dos sindicatos.
É o que, muito fàcilmente, pode ser observado na América. Nos Estados Unidos, o governo não passa de um servidor dos trustes americanos, O Parlamento tem por função homologar as decisões dos potentados dos bancos e dos sindicatos. Os trustes gastam somas enormes para a corrupção dos deputados, para as campanhas eleitorais, etc. Um escritor americano (Myers) conta que, em 1904, o truste de seguros Mutual gastou, nessa obra de corrupção, 364.254 dólares, o Equitable 172.698, a New-York 204.019, e assim consecutivamente. O genro de Wilson, o ministro das Finanças, Mac-Adoo, é um dos maiores banqueiros e administradores de sindicatos. Os senadores, os ministros, os deputados, simples empregados ou membros dos grandes trustes. O Estado na “livre República”, não passa de uma usina para despojar o público.
Assim, podemos dizer que um país capitalista, sob o domínio do capital financeiro, transforma-se inteiramente num enorme truste combinado, à frente do qual se encontram os bancos e cujo conselho de administração é o poder do Estado burguês. A América, a Inglaterra, a França, a Alemanha, etc., não passam de “trustes” capitalistas nacionais de organizações poderosas de potentados dos bancos e dos sindicatos, que exploram e dominam centenas de milhões de operários, de escravos assalariados.
O capital financeiro suprime, até certo ponto, em cada país, a anarquia da produção capitalista. Os proprietários individuais de empresas em luta fundem-se num truste de Estado capitalista. Mas, que se dá, então, com umas das contradições fundamentais do capitalismo? Dissemos, mais de uma vez, que este regime desaparecerá certamente: de um lado, por falta de organização, e, de outro lado, porque em seu seio reina a luta de classes. Mas, se uma dessas contradições (nota 6) desaparece, continua a ter fundamento a predição concernente à morte do capitalismo?
Na realidade, a anarquia da produção e a concorrência não são suprimidas; ou, mais exatamente, elas são suprimidas num lugar para manifestar-se em outros com maior acuidade. Examinemos este fenômeno detalhadamente
O capitalismo atual é um capitalismo mundial Todos os países dependem uns dos outros. Não há um só rincão da terra que não esteja hoje sob o tacão do capital; não há país que produza por si mesmo tudo quanto lhe é necessário.
Toda uma série de produtos só é obtida em determinados lugares; as laranjas não nascem em países frios e o minério de ferro não pode ser extraído dos terrenos graníticos. O café, o cacau, a borracha, só podem dar em países quentes. O algodão e colhido nos Estados Unidos, na Índia, no Egito, no Turquiestão, de onde é exportado para todos os países do mundo. Dispõem do carvão: a Inglaterra, a Alemanha, os Estados Unidos, a Checoslováquia, a Rússia; ao passo que a Itália, não o possuindo, depende inteiramente do carvão inglês ou alemão, etc. O trigo é exportado da América, da índia, da Rússia, da România, para todos os países.
Além disto, certos países são mais civilizados que outros. Sendo assim, todas as espécies de produtos da indústria urbana são lançadas por eles nos mercados dos países atrasados; os produtos metalúrgicos são fornecidos ao universo inteiro principalmente pela Inglaterra, pelos Estados Unidos e pela Alemanha; os produtos químicos eram fornecidos, antes da guerra, sobretudo pela Alemanha.
Cada país depende de outro. Até onde pode ir essa dependência, vê-se pelo exemplo da Inglaterra, que importa de 75 a 80% de seu trigo e a metade de sua carne, mas que, em compensação, é obrigada a exportar a maior parte de seus produtos manufaturados.
O capital financeiro suprime a concorrência no mercado mundial? E quando reúne capitalistas em tal ou qual país cria ele uma organização mundial? Não. A anarquia da produção e a concorrência num país determinado cessam mais ou menos, porque as maiores empresas individuais se reúnem num truste nacional. Mas, com maior encarniçamento, a luta se trava entre os próprios “trustes” capitalistas nacionais. É o que sempre se observa na centralização do capital, quando os pequenos proprietários de empresas desaparecem, o número de concorrentes diminui, porque só restam os grandes, mas estes combatem com meios poderosos e a concorrência entre fabricantes particulares cede lugar à batalha entre os trustes. Mas, o seu combate é, por isto mesmo, mais violento, mais encarniçado e mais destruidor. Quando os capitalistas de um país particular eliminam todos os pequenos concorrentes e se organizam num truste capitalista nacional, o número de concorrentes ainda diminui. Os concorrentes são unicamente potências capitalistas formidáveis. E sua luta é acompanhada de despesas e de devastações inauditas. A concorrência dos trustes capitalistas nacionais manifesta-se, em tempo de “paz”, pelo armamentismo, para terminar nas guerras devastadoras. Assim, o capital financeiro que suprime a concorrência em cada país, acarreta uma concorrência encarniçada, monstruosa, entre todos os países capitalistas.
Por que essa concorrência entre países capitalistas acaba sempre numa política de conquistas, na guerra? Por que esta concorrência não pode ser pacífica?
Quando dois fabricantes estão em concorrência, não se atiram um contra o outro armados de faca, mas procuram disputar entre si os compradores numa luta pacífica. Por que, pois, a concorrência, no mercado mundial, se tornou tão encarniçada e armada?
Examinemos como teve de modificar-se a política da burguesia, passando do capitalismo antigo, onde florescia a livre-concorrência, para o novo capitalismo, em que a hegemonia cabe ao capital financeiro.
Comecemos pelo que se chama a política alfandegária. Na luta entre os países, cada governo, que protege sempre os seus capitalistas, há muito tempo encontrou um meio de luta, nos direitos de alfândega. Quando, por exemplo, os fabricantes de tecidos russos temiam que seus concorrentes ingleses ou alemães introduzissem suas mercadorias na Rússia, concorrendo assim para a baixa dos preços, o governo czarista ao seu serviço aplicava logo impostos sobre os tecidos ingleses ou alemães. Isto entravava, evidentemente, a entrada na Rússia das mercadorias estrangeiras e os fabricantes declaravam que os direitos alfandegários eram necessários para a proteção da indústria nacional. Ora, nos diferentes países, podia verificar-se que eram diversos os desígnios que guiavam a uns e a outros. Era de notar que, sobretudo os capitalistas dos países maiores e mais poderosos, encabeçados pela América, é que reclamavam com maior energia e impunham impostos elevados. A concorrência podia realmente prejudicá-los?
Suponhamos que toda a indústria têxtil de um país esteja monopolizada por um sindicato ou um truste. Que acontecerá uma vez estabelecidos os direitos alfandegários? Os potentados dos sindicatos capitalistas desse país matam de uma cajadada dois coelhos: primeiro, livram-se da concorrência estrangeira; depois, podem, sem nenhum risco, aumentar o preço de suas mercadorias quase ao par do valor dos direitos alfandegários. Suponhamos que, sobre um metro de tecido, os direitos tenham sido aumentados de um rublo. Então os barões do sindicato têxtil podem, sem receio, aumentar de um rublo ou de 90 kopecks o preço do metro de tecido. Se o sindicato não existisse, a concorrência entre os capitalistas dentro do país faria imediatamente baixar os preços. Mas, o sindicato pode sem receio, operar esse aumento: o direito alfandegário é bastante elevado para que repila a concorrência estrangeira, e a concorrência interna é suprimida.
O Estado dos potentados do sindicato adquire rendas com os impostos alfandegários, e o próprio sindicato realiza um lucro suplementar, graças ao aumento dos preços. Os potentados, graças a esse lucro suplementar, podem exportar suas mercadorias para outros países e vendê-las com perda, com o único fito de afastar seus rivais desses países. Assim é que o sindicato russo dos refinadores de açúcar mantinha o açúcar na Rússia, a preços relativamente elevados, mas o vendia na Inglaterra a baixo preço, com o único intuito de eliminar seus concorrentes do mercado inglês. Chegou a ser provérbio, que, na Inglaterra, se alimentavam os porcos com o açúcar russo. Por conseguinte, com o auxílio dos direitos alfandegários, os potentados de um sindicato têm a possibilidade de saquear a fundo seus compatriotas e colocar sob o seu domínio os compradores estrangeiros.
As conseqüências de tudo isso são muito importantes. É claro que a mais-valia dos senhores do sindicato vai crescer com o número dos carneiros que se deixar tosquiar ao abrigo das barreiras alfandegárias. Se o país é vasto e muito povoado, o lucro será considerável; podendo lançar-se resolutamente no mercado mundial, todas as esperanças serão permitidas Mas, a fronteira alfandegária coincide, em geral, com a fronteira do Estado. Como alargar esta última? Como arrancar um pedaço de território estrangeiro e incorporá-lo ao território de sua própria nação? Pela guerra. O domínio dos senhores do sindicato está, pois, necessàriamente ligado às guerras de conquista. Cada Estado capitalista se esforça, pela pirataria, em alargar suas fronteiras: os interesses dos senhores dos sindicatos, os do capital financeiro, o exigem. Alargar as fronteiras é sinônimo de fazer a guerra.
Assim, a política alfandegária dos sindicatos e dos trustes, de acordo com sua política no mercado mundial, traz os conflitos mais violentos. Mas, outras coisas também concorrem para isso.
Vimos que o desenvolvimento da produção acarreta uma acumulação ininterrupta de mais-valia. Em cada país capitalista avançado, forma-se, pois, continuamente, capital em excesso, rendendo menos do que num país atrasado. Quanto maior for esse excesso de capital, maior é o esforço para exportá-lo e colocá-lo noutros paises. A política alfandegária favorece extremamente esse gênero de colocações.
Com efeito, os impostos alfandegários entravam a importação das mercadorias. Quando os fabricantes russos, por exemplo, fizeram taxar, com impostos elevados, as mercadorias alemães, os fabricantes alemães tiveram mais dificuldades para escoar suas mercadorias na Rússia.
Em vista disso, os capitalistas alemães encontraram outra saída: exportaram para a Rússia seus capitais, construíram usinas, compraram ações de empresas. Mas, os direitos de alfândega não são um obstáculo a essa exportação? De forma nenhuma. Longe de impedi-la favorecem-na, provocam-na. Com efeito, quando os capitalistas alemães criavam fábricas na Rússia, e quando, além disto, aderiram a algum sindicato “russo”, os direitos russos de importação os auxiliavam a embolsar mais-valia; eram-lhes tão úteis na sua empreitada de pilhagem do público quanto aos seus colegas russos.
O capital não é somente exportado de um Estado para outro a fim de fundar ou sustentar empresas; as mais das vezes é emprestado a juros a outro Estado, o que quer dizer que este outro Estado aumenta sua dívida pública e torna-se devedor do primeiro. Neste caso, o Estado devedor compromete-se, ordinàriamente, a efetuar todas as suas compras (sobretudo a compra de armamentos) com os industriais do Estado que lhe emprestou o capital. Assim se transpassam de um Estado para outro capitais formidáveis, colocados em parte em empresas e construções, em parte nos empréstimos do Estado. Sob o domínio do capital financeiro, a exportação dos capitais atinge proporções inauditas.
Eis, a título de exemplo, alguns números já velhos, mas suficientemente eloqüentes. A França, em 1902, tinha, em 26 Estados, 35 bilhões de francos colocados. Quase a metade era em empréstimos de Estados, dos quais a parte do leão cabia à Rússia com 10 bilhões. (Eis por que — seja dito de passagem — a burguesia francesa ficou tão furiosa ao anularmos as dívidas do czar e recusarmos pagá-las aos agiotas franceses). Em 1905 o montante do capital exportado excedia já de 40 milhões. A Inglaterra, em 1911, tinha no estrangeiro perto de 1.600.000.000 de libras esterlinas (uma libra esterlina, ao câmbio de antes da guerra valia aproximadamente 10 rublos ou 25 francos), e se tomarmos em conta as colônias inglesas, esta cifra passava de 3 bilhões de libras esterlinas. A Alemanha tinha no estrangeiro, antes da guerra, aproximadamente 35 bilhões de marcos. Em resumo, cada Estado capitalista exportava formidáveis capitais para saquear, assim, os povos estrangeiros.
A exportação do capital produz graves conseqüências. Os grandes Estados disputam entre si os países para onde exportar seus capitais. Isto se dá, porque, exportando os capitalistas seus capitais para um país estrangeiro, não arriscam algumas mercadorias, mas somas enormes, contando-se por milhões e bilhões. Daí, naturalmente, o desejo crescente de ter inteiramente ao seu dispor os pequenos países em que colocaram esses capitais e obrigar suas próprias tropas a fiscalizar essas colocações. Os Estados exportadores esforçam-se por submeter, a todo preço, esses países ao seu domínio, ou, melhor dizendo, por conquistá-los. E, como esses pequenos países, mais fracos, podem ser assaltados ao mesmo tempo por vários grandes Estados salteadores é claro que os Estados salteadores acabam por se chocarem mutuamente. E foi o que aconteceu. Por conseguinte a exportação do capital conduz igualmente à guerra.
Com os direitos impostos pelos sindicatos, a luta pelos mercados agravou-se terrivelmente. Nos fins do século XIX, quase que não havia mais territórios livres para onde exportar suas mercadorias e seu capital. E, ao mesmo tempo, os preços das matérias primas subiam, assim como os dos metais, da lã, da madeira, do carvão e do algodão. Nos anos que precederam a Guerra Mundial, dava-se uma competição louca pelos mercados; travava-se a luta por novas fontes de matérias primas. Os capitalistas viviam no mundo inteiro, à espreita de novas minas, de novas jazidas e de novos mercados para seus produtos metalúrgicos, seus tecidos e suas demais mercadorias, bem como de um público novo para roubar. Antigamente, várias casas podiam, quase sempre num mesmo país, fazer entre si uma concorrência “pacífica”, e se acomodavam bem ou mal. Com o domínio dos bancos e dos trustes, modificou-se a situação. Supúnhamos que se haviam descoberto novas jazidas de minério de cobre. Imediatamente, caem nas mãos de um banco ou de um truste que as açambarca inteiramente, fazendo de sua posse um monopólio. Para os capitalistas dos outros países, nada mais a fazer. Assim se dá, não só quanto às matérias primas, como também quanto aos mercados. Suponhamos que o capital estrangeiro penetra em algumas colônias distantes. Logo de início, o escoamento das mercadorias vai ser organizado em grande escala. Ordinàriamente é uma grande firma gigantesca que toma a direção da empresa, funda, imediatamente, filiais e se esforça, por uma pressão sobre o poder local e por mil tramóias e artifícios, por monopolizar a venda e afastar seus concorrentes. Está claro que a forma sindical se impõe ao capital monopolizador, aos trustes e aos sindicatos. Não se trata mais do “bom tempo antigo”, trata-se da luta no mercado mundial dos bandidos e dos saqueadores monopolistas.
O crescimento do capital financeiro agravou fatalmente a luta pelos mercados e pelas matérias primas e produziu os choques mais violentos.
No último quartel do século XIX, os grandes Estados salteadores anexaram a si territórios estrangeiros que pertenciam a pequenas nações. De 1876 a 1914, as “grandes potências”, como são chamadas, açambarcaram perto de 25 milhões de quilômetros quadrados; roubaram, dessa forma, territórios estrangeiros com uma superfície igual a mais do que o dobro da Europa. O universo inteiro ficou partilhado entre esses grandes saqueadores, que fizeram de todos esses países suas colônias, seus tributários e seus escravos.
Eis alguns exemplos: A Inglaterra, desde 1870, adquiriu, na Ásia, o Beluquistão, a Birmânia, Chipre, todo o norte de Bornéu Vei-Hai-Vei, Hong-kong; aumentou seus Estabelecimentos de Singapura; açambarcou a península de Sinai, etc. Na Oceania, ocupou toda uma série de ilhas, a parte oriental da Nova Guiné, a maior parte das ilhas Salomão, a ilha Tonga, etc. Na África, estendeu seu domínio ao Egito, ao Sudão com Uganda, à África Oriental, à Somália “britânica”, Zanzibar, Pemba; absorveu as duas Repúblicas dos Boers, a Rodésia, a África central “britânica”; ocupou a região do Niger, etc.
A França, desde 1870, submeteu o Anam, o Tonquim, o Laos, a Tunísia, as ilhas Canoras, Madagascar, grandes extensões no Saara, o Sudão e a Guiné; adquiriu terras na costa do Marfim, na Somália, etc. No começo do século XX, as colônias francesas eram quase 20 vezes maiores que a própria França. No que concerne à Inglaterra, suas colônias são 100 vezes maiores que a metrópole.
A Alemanha participou desses roubos a partir de 1884 e, em pouco tempo, conseguiu açambarcar vastos territórios.
A Rússia czarista praticou, igualmente, em grande escala, a Política de pirataria, sobretudo nestes últimos tempos, na Ásia, o que a conduziu ao conflito com o Japão, que desejava roubar a Ásia pela outra extremidade.
Os Estados Unidos apoderaram-se de muitas ilhas que rodeiam a América; depois, puseram-se a roubar o bem alheio no próprio continente. Particularmente odiosa é sua política de banditismo no México.
Essas seis grandes potências tinham, em 1914, 16 milhões de quilômetros quadrados de superfície, enquanto suas colônias abarcavam 81 milhões de quilômetros quadrados.
Essas incursões de bandidos atingiam, em primeiro lugar, pequenos países fracos e sem defesa. Estes eram os primeiros a sucumbir. Assim como na luta entre os fabricantes e os pequenos artesãos, estes últimos eram os primeiros a arruinar-se, assim também os grandes trustes de Estado, os grandes capitalistas, os bandidos, organizados destruíam primeiro os pequenos Estados e os submetiam. Assim se operava a centralização do capital na economia mundial: os pequenos Estados desapareciam, os grandes Estados saqueadores enriqueciam, ganhavam em extensão e em poder.
Mais uma vez, tendo sido saqueado todo o universo, ia continuar a luta entre eles: a luta de morte por uma nova partilha do mundo tornava-se fatal entre os Estados salteadores.
A política de conquista que o capital financeiro trava pelos mercados, pelas matérias primas, pela colocação de capitais, chama-se o IMPERIALISMO. O imperialismo deriva do capital financeiro. Assim como um tigre não pode alimentar-se de erva, assim o capital financeiro só pode ter uma política de açambarcamento de pilhagem, de violência, de guerra. Cada um dos trustes de Estados financeiro-capitalistas quer verdadeiramente conquistar o mundo inteiro, fundar um império universal em que deverá reinar, sem partilha, o punhado de capitalistas da nação vitoriosa. O imperialismo inglês, por exemplo, sonha com uma “Grã-Bretanha” de dominasse todo o universo, em que os potentados dos sindicatos ingleses tivessem, sob o seu chicote, os negros e os russos, os alemães e os chineses, os hindus e os armênios, em suma, centenas de milhões de escravos negros, amarelos, brancos e vermelhos. Este sonho não está longe de realizar-se. Comendo é que vem o apetite. Assim também, os imperialistas russos sonhavam com uma “Grande Rússia”, imperialistas alemães com uma “Grande Alemanha”.
Era claro que o domínio do capital financeiro precipitaria fatalmente toda a humanidade no abismo sangrento de guerras feitas em benefício dos banqueiros e dos sindicados industriais, guerras tendo por fim não a defesa nacional, mas a pilhagem de terras estrangeiras, a submissão do mundo ao capital financeiro do país vitorioso. Tal foi a Guerra Mundial de 1914-918.
A dominação do capital financeiro, dos banqueiros e dos sindicatos manifesta-se, ainda, por outro fenômeno notável: o crescimento inaudito das despesas com o armamento dos exércitos, das frotas marítimas e aéreas. E é muito natural. Nos tempos passados, nenhum desses bandidos teria pensado, mesmo em sonhos, num semelhante domínio universal. Agora, porém, os imperialistas esperam realizar seu sonho. Para este combate supremo, as grandes potências reúnem suas forças. Enquanto roubam o bem alheio, as bestas-feras se entreolham mutuamente, com medo de que umas finquem os dentes nas outras. Cada grande potência foi, pois, obrigada a organizar um exército, não só contra suas colônias e contra seus próprios operários, como também contra os seus concorrentes em pirataria. Toda vez que uma potência inaugurava um novo sistema de armamento, uma outra procurava ultrapassá-la para não ficar em condições inferiores. Assim começou a competição louca dos armamentos: uma potência arrastava outras. Vimos, há pouco, as empresas gigantescas e os trustes dos reis do canhão: os Putilov, os Krupp, os Armstrong, os Wichers. Esses trustes dos reis do canhão embolsam lucros enormes, estabelecem relações com os estados-maiores, e, por todos os meios, deitam também óleo ao fogo, aguçando cada conflito: da guerra depende a prosperidade de seus negócios.
Tal era o aspecto insensato da sociedade capitalista antes da guerra. Os trustes nacionais ouriçavam-se com milhões de baionetas; na terra, no mar, nos ares, tudo estava pronto para uma luta universal; entre as despesas do Estado, o orçamento da guerra, por exemplo, em 1875, as despesas militares orçavam por 38,6%, isto é, um pouco mais do terço, e em 1907-1908 por 48,6%, isto é quase a metade; nos Estados Unidos, em 1908, representavam 56,9%, isto é, mais da metade. Assim também nos outros Estados. O militarismo “prussiano” florescia em todos os grandes “Estados-trustes” Os reis do canhão enriqueciam-se. E o mundo inteiro corria com uma rapidez vertiginosa para a mais sangrenta das guerras, para a matança imperialista mundial.
Particularmente curiosa foi a rivalidade entre as burguesias inglesa e alemã. Em 1912, a Inglaterra decidiu construir três encouraçados toda vez que a Alemanha construísse dois. Em 1913, a Alemanha devia ter no mar do Norte, 17 couraçados, a Inglaterra 21; em 1916, a Alemanha 26, a Inglaterra 36, e assim consecutivamente.
As despesas com o exército e a marinha aumentaram da seguinte forma:
Países | Milhões Francos | |
1888 |
1908 |
|
Rússia | 546 |
1.222 |
França | 780 |
1.079 |
Alemanha | 468 |
1.053 |
Áustria-Húngria | 260 |
520 |
Itália | 195 |
312 |
Inglaterra | 390 |
728 |
Japão | 18 |
234 |
Estados Unidos | 260 |
520 |
No espaço de 20 anos, as despesas haviam dobrado; no Japão, eram treze vezes maiores. Imediatamente antes da guerra, a febre dos armamentos tornara-se insensata. A França gastava com a suas necessidades militares: em 1910, 1.305 milhões de francos; em 1914, 1.924 milhões; a Alemanha, em 1905, 1.242 milhões de francos; em 1914, 2.451 milhões, isto é, o dobro. A Inglaterra armava-se de modo ainda mais formidável. Em 1900, gastava 1.298 milhões de francos; em 1910, 1.804 milhões, e em 1914, 2.090 milhões; em 1913, a Inglaterra gastava, só com sua esquadra, mais do que todas as potências reunidas haviam gasto com as suas em 1886. Quanto à Rússia czarista, tinha gasto com suas necessidades militares: em 1892, 762 milhões de francos; em 1902, 1.904 milhões; em 1906, 1.376 milhões; em 1914, seu orçamento da guerra atingia 2.535 milhões de francos.
As despesas de armamentos devoravam uma parte enorme das receitas orçamentárias. A Rússia, por exemplo, consagrava-lhes quase um terço de suas despesas totais, e mais ainda, tomando em conta os juros de seus empréstimos.
Para cada 100 rublos, na Rússia czarista, eram gastos:
Com o exército, a marinha, o juro dos empréstimos.
40 rublos e 14 kopecks
Com a instrução pública (13 vezes menos)
3 rublos e 86 kopecks
Com a agricultura (10 vezes menos)
4 rublos e 6 kopecks
Com a indústria, as finanças, etc.
51 rublos e 94 kopecks
TOTAL
100 rublos
Assim também em outros países. Tomemos a “democrática Inglaterra”. Em 1904, sobre 100 libras esterlinas, despendia:
Com o exército e a marinha
53 libras e 80 shilling
Com a amortização das dívidas de Estado e o juro dos empréstimos
22 libras e 50 shilling
Com a administração civil
23 libras e 70 shilling
TOTAL
100 libras esterlinas
A política imperialista das “grandes potências” devia, mais cedo ou mais tarde, produzir um choque. É inteiramente claro que essa política de rapina de todas as grandes potências causou a guerra. Só os imbecis podem acreditar, atualmente, que a guerra explodiu porque os sérvios mataram um príncipe austríaco e porque a Alemanha invadiu a Bélgica.
No princípio da guerra, discutia-se muito para saber quem era responsável por ela. Os capitalistas alemães pretendiam que a Rússia havia atacado a Alemanha e os comerciantes russos que a Alemanha havia atacado a Rússia. Na Inglaterra, dizia-se que a guerra era feita para defender a pequena Bélgica infeliz. Na França, pela pena, pelo canto, pela palavra, celebrava-se a generosidade da França defendendo o heróico povo belga. E ao mesmo tempo, a Áustria e a Alemanha trombeteavam aos quatro ventos que se defendiam dos cossacos russos e faziam uma guerra santa de defesa nacional.
Tudo isso, do começo ao fim, não passava de tolices destinadas a enganar as massas operárias. A burguesia precisava dessas mentiras para arrastar os soldados. Não era a primeira vez que ela lançava mão desse meio. Já vimos como os sindicatos industriais introduziram direitos alfandegários para travar, com mais sucesso, a luta pelos mercados estrangeiros, saqueando os seus próprios compatriotas. Esses direitos eram, pois, para eles, um meio de agressão. Mas, a burguesia bradava que queria, dessa forma, defender a “indústria nacional”. Na guerra imperialista, feita para submeter o mundo ao domínio do capital financeiro, todos os participantes são essencialmente agressores. Atualmente, não é tão claro isso? Os lacaios do czar diziam que “se defendiam”. Mas quando a Revolução de Outubro arrombou os armários secretos do Ministério, ficou patente por documentos oficiais que o czar, assim como Kerensky, em comovedor acordo com os ingleses e os franceses, tinham feito uma guerra de banditismo, com o objetivo de se apoderar de Constantinopla, que não lhe pertencia, saquear a Turquia e a Pérsia, arrebatar a Galícia à Áustria.
Os imperialistas alemães também se desmascararam. Basta recordar o tratado de Brest-Litovsk, as pilhagens da Bélgica, da Lituânia, da Ucrânia, da Finlândia. A Revolução alemã fez, igualmente, mais de uma descoberta; sabemos agora, por documento autêntico, que a Alemanha se preparara para a agressão visando o saque e sonhando apropriar-se de quase todas as colônias estrangeiras e de muitos territórios inimigos.
E os “nobres aliados”? Inteiramente desmascarados também. Depois de vê-los, com a paz de Versalhes saquear a Alemanha, impor-lhe 132 bilhões de marcos-ouro de “reparações”, arrebatar-lhe toda a esquadra, todas as colônias, quase todas as locomotivas e as vacas leiteiras, ninguém acreditará mais na sua generosidade. Agora, saqueiam a Rússia de norte a sul. Também eles, por conseguinte, fizeram a guerra visando o saque.
Os comunistas (bolcheviques) disseram tudo isso, desde o início da guerra, mas bem poucos lhes deram crédito. Agora, qualquer homem, medianamente inteligente, sabe que eles falavam a verdade. O capital financeiro é um bandido rapace e sanguinário, seja qual for sua origem: russo, alemão, francês, japonês ou americano.
É, pois, ridículo dizer, no caso de uma guerra imperialista, que um imperialista é culpado, outro não; ou que certos imperialistas são os agressores, enquanto outros se defendem. Tudo isso foi inventado para iludir os trabalhadores. Na realidade, todos se atiram primeiro aos pequenos povos coloniais; todos tiveram o desígnio de se entregar ao saque do mundo inteiro e submetê-lo ao capital financeiro de seu próprio país.
A guerra tinha de transformar-se, fatalmente, numa guerra mundial. Estando o globo inteiro, então, dividido em pedaços e partilhado entre as “grandes potências”, e estando todas as potências unidas entre si por uma economia mundial comum, era inevitável que a guerra envolvesse quase todos os continentes.
A Inglaterra, a França, a Itália, a Bélgica, a Rússia, a Alemanha, a Áustria-Hungria, a Sérvia, a Bulgária, a România, o Montenegro, o Japão, os Estados Unidos, a China e dezenas de outros pequenos Estados foram arrastados no torvelinho sangrento. A população do globo eleva-se a cerca de um bilhão e meio de homens. Todos sofreram, direta ou indiretamente, com esta guerra imposta por um punhado de capitalistas criminosos, O mundo nunca vira exércitos tão imensos, engenhos de morte tão monstruosos. Nunca o mundo vira, também, semelhante poder do capital. A Inglaterra e a França obrigaram a defender seus cofres fortes, não só aos ingleses e franceses, como também milhares de seus escravos coloniais negros ou amarelos. Os bandidos “civilizados” não recearam empregar para os seus desígnios até os canibais. E tudo isso mascarado com as mais nobres fórmulas
A guerra de 1914 teve seus precedentes nas guerras coloniais. Tais foram: a campanha das potências “civilizadas” contra a China; a guerra hispano-americana; a guerra russo-japonesa de 1904 (pela Coréia, Porto Artur, Manchúria, etc.); a guerra ítalo-turca, em 1912, (pela colônia africana de Trípoli); a guerra anglo-bôer, na qual, no começo do século XX, a Inglaterra “democrática” estrangulou as duas repúblicas bôeres. Mais de uma vez, essas competições quase que atiçam um imenso incêndio. A partilha dos territórios africanos ameaçou provocar uma guerra entre a Inglaterra e a França (por Fachoda); depois, entre a Alemanha e a França (por Marrocos). A Rússia czarista por pouco não declarou guerra à Inglaterra pela partilha da Ásia Central.
Já nas vésperas da Guerra Mundial, os antagonismos de interesses salientaram-se fortemente entre a Inglaterra e a Alemanha pela predominância na África, na Ásia Menor e nos Bálcãs. E as circunstâncias fizeram, então, com que a Inglaterra marchasse com a França, que desejava arrebatar da Alemanha a Alsácia-Lorena, e com a Rússia, que desejava fazer os seus negociozinhos nos Bálcãs e na Galícia. O imperialismo alemão, rapace, tinha como aliado principal a Áustria-Hungria. O imperialismo americano só se ocupou com isto mais tarde, porque aguardava o enfraquecimento recíproco dos Estados europeus.
Além do militarismo, a arma mais empregada pelas potências imperialistas é a diplomacia secreta com seus tratados secretos, conspirações, e até assassínios, bombas, etc. Existiam tratados secretos, de um lado, entre a Inglaterra, a Franca e a Rússia, e, de outro, entre a Alemanha, a Áustria-Hungria, a Turquia e a Bulgária. O assassínio do arquiduque austríaco, em 1914, deu-se com o consentimento dos agentes secretos dos aliados. Mas, a própria diplomacia alemã não via nisso inconvenientes; o imperialista alemão Rohrbach escrevia: “Devemos considerar uma felicidade que, com o assassínio do arquiduque Francisco Fernando, tenha explodido antes do prazo prefixado, a grande conspiração contra a Alemanha. Dois anos mais tarde, a guerra para nós teria sido muito mais dura”. Os provocadores alemães estariam prontos a sacrificar um de seus príncipes para desencadearem eles a guerra.
A guerra imperialista não se distingue somente por suas proporções gigantescas e por sua ação devastadora, mas também pelo fato de que toda a economia do país em guerra fica subordinada aos interesses militares. Outrora, bastava o dinheiro à burguesia para fazer a guerra. Mas, a guerra mundial tomou tal amplitude e os países por ela englobados tinham tal extensão, que, o dinheiro só, não foi suficiente às suas necessidades. As fábricas de aço tiveram que fundir exclusivamente canhões cada vez mais monstruosos: a guerra absorveu todo o carvão extraído das minas, todos os metais, os tecidos, o couro, etc. Está entendido que entre os trustes capitalistas nacionais, aquele cuja produção e meios de transporte melhor correspondiam às necessidades da guerra, é que podia esperar a vitória. Como se fez essa adaptação? Pela centralização de toda a produção.
Era preciso que a produção caminhasse sem tropeços, que estivesse bem organizada, submetida às instruções diretas do estado-maior geral, a fim de que as ordens desses senhores “agaloados e de quepes estrelados” fossem pontualmente executadas.
Para isso, a burguesia nada mais fez do que colocar a produção privada e os diferentes sindicatos e trustes à disposição de seu Estado de rapina burguês. Assim se fez. A indústria foi “mobilizada” e “militarizada”, isto é colocada à disposição do Estado e das autoridades militares. “Mas, objetar-se-á, a burguesia perdeu seus lucros? Por que aceitou ela a nacionalização? Desde que tudo foi entregue ao Estado, qual foi o lucro da burguesia e como aceitou ela semelhante transação?” E, no entanto, a burguesia aceitou-a e não há nisto nada de espantoso. Os sindicatos particulares tudo entregaram, não ao Estado operário, mas ao seu próprio Estado imperialista. E que havia nisto de tão horripilante para a burguesia? Ela nada mais fazia do que passar suas riquezas de um bolso para outro, sem perder um real.
É preciso que nos recordemos constantemente do caráter de classe do Estado. O Estado não é, de forma nenhuma, uma espécie de terceiro poder colocado acima das classes; é, de alto a baixo, uma organização de classe. Sob a ditadura dos operários, o Estado é uma organização de operários. Sob o domínio da burguesia o Estado é uma organização de proprietárias de empresas, exatamente como um truste ou um sindicato.
Conseqüentemente, quando a burguesia colocou seus sindicatos privados nas mãos de seu Estado (não um Estado proletário, mas seu próprio Estado capitalista de rapina), ela nada perdeu com isso. Que o fabricante Antônio ou Pedro receba seu lucro na caixa de um sindicato ou na do banco do Estado, não é a mesma coisa? Não só a burguesia nada perdeu com isso, como, pelo contrário, ganhou. Graças a essa centralização, com efeito, a máquina militar andou melhor e assim cresceram as probabilidades de vitória nessa guerra de banditismo.
Assim foi que, durante a guerra, em quase todos os países capitalistas, um capitalismo de Estado tomou o lugar dos sindicatos particulares. A Alemanha, por exemplo, só pôde alcançar suas vitórias e resistir por tanto tempo ao assalto das forças inimigas, superiores em número, porque a burguesia alemã coligou-se, admiràvelmente, na organização desse capitalismo de Estado.
A passagem do capitalismo de Estado operou-se por diversas formas. Quase sempre, monopólios de Estado foram criados na indústria e no comércio, isto é, a indústria e o comércio passaram, em sua totalidade, para as mãos do Estado burguês. Essa passagem não se efetuava sempre de uma só vez, mas pouco a pouco como se dava quando o Estado comprava só uma parte das ações de um sindicato ou de um truste.
Então, essa empresa pertencia metade ao Estado, metade a particulares, e o Estado burguês fiscalizava-a. Mais ainda: mesmo nas empresas que ficavam nas mãos dos particulares, ele impunha, quase sempre, uma regulamentação rigorosa: assim, certas empresas eram obrigadas, por uma lei especial, a comprar produtos a outras empresas que, por sua vez, só deviam vender em quantidades determinadas e a um preço fixo; o Estado tornava, também, obrigatórios certos métodos de trabalho, certos materiais, impunha a caderneta de compra para todos os produtos importados. Assim, em lugar do capitalismo privado, desenvolveu-se o capitalismo de Estado.
O capitalismo de Estado substituiu as organizações particulares da burguesia particulares da burguesia pela sua organização única, seu Estado. Até a guerra, existia em cada país capitalista a organização do Estado burguês e, fora dela, sindicatos, trustes, consórcios de proprietários agrícolas, partidos políticos, associações de jornalistas, de sábios, de artistas burgueses, associações de culto, congregações, sociedades de guardas brancos, escritórios de policia particular, etc. Sob o domínio do capitalismo de Estado, todas, essas organizações particulares se fundem no Estado burguês, tornam-se suas filiais, excutam , seus planos, submetem-se a um “comando supremo”. Nas minas e nas usinas, executam-se as ordens do estado-maior geral; os jornais só publicam o que convém ao grande estado-maior; prega-se nas igrejas como convém a esses bandidos de galão; desenhistas, poetas, cançonetistas, submetem-se à sua censura; inventam-se as máquinas, os canhões, as munições. os gases de que o estado-maior tem necessidade. Dessa forma toda a vida é “militarizada” para assegurar à burguesia, seus lucros empapados de lama e de Sangue.
O capitalismo de Estado significa um reforço formidável da alta burguesia. Assim como, sob a ditadura do proletariado, a classe operária é tanto mais forte quanto mais estreita a colaboração no trabalho dos sovietes, dos sindicatos, do Partido Comunista, etc., assim também, sob a ditadura da burguesia, esta última, é tanto mais forte quanto ligadas umas às outras, por laços mais sólidos, estão todas as organizações burguesas. Centralizando-se e fazendo delas as engrenagens de uma só e única máquina, o capitalismo de Estado favorece o poder formidável do capital. A ditadura da burguesia celebra verdadeiramente, com isso, o seu triunfo.
O capitalismo de Estado surgiu, durante a guerra, em todos os grandes países capitalistas e mesmo na Rússia czarista (comitês de indústria de guerra, monopólios, etc.). Mas, em seguida, a burguesia russa, aterrorizada com a Revolução, temeu que a produção, com o poder do Estado, passasse às mãos do proletariado. Eis a razão por que, depois da Revolução de Fevereiro, ela se opôs à organização da produção.
Vimos que o capitalismo de Estado não suprime, de modo algum, a exploração, mas aumenta prodigiosamente o poder da burguesia. Não obstante isto, os partidários de Scheidemann, na Alemanha, e outros socialistas da união sagrada proclamaram que essa coerção no trabalho era socialismo; que, uma vez que tudo estivesse de posse do Estado, o socialismo se realizaria. Eles não viam que não se trata de um Estado proletário, mas de uma concentração do poder governamental nas mãos dos inimigos mais encarniçados e dos assassinos do proletariado.
Unindo e organizando a burguesia, e aumentando assim o seu poder, o capitalismo de Estado enfraquece a classe operária. Sob o seu domínio, os operários tornam-se escravos brancos de um Estado de rapina. Foram privados do direito de fazer greve, foram mobilizados; todos os que se declaravam contra a guerra eram logo condenados por crime de traição; em muitos países, foi-lhes retirada a liberdade de circular, o direito de passar de uma empresa para outra, etc.. O “livre” operário assalariado tornara-se um servo condenado — ou a morrer nos campos de batalha pela causa de seus inimigos, ou a trabalhar até o esgotamento, não para si mesmo, para seus camaradas ou para seus filhos, mas no interesse de seus opressores.
Assim, a guerra favoreceu a princípio, a centralização e a organização da economia capitalista. A obra que os sindicatos, bancos, trustes, empresas combinadas, não tinham podido terminar, o capitalismo de Estado esforçou-se em realizá-la. Criou toda uma rede de órgãos, regularizando a produção e a distribuição e preparando, assim, o terreno para que o proletariado pudesse empreender a grande produção centralizada, Mas, a guerra, cujo peso desabava sobre a classe operaria, ia desencadear, inevitàvelmente, a sublevação das massas proletárias. A guerra foi, antes de tudo, uma matança, como ainda não se vira na história. A produção dos cadáveres adquiria um desenvolvimento gigantesco.
O proletariado estava destinado ao extermínio nos campos de batalha. De acordo com alguns cálculos, o número dos mortos, feridos e desaparecidos, só até março de 1917, atingiam vinte e cinco milhões de homens; o número de mortos, em 1º de janeiro de 1918, era de cerca de oito milhões. Calculando o peso médio de um homem em 60 quilos pode dizer-se que os capitalistas produziram, de agosto de 1914 a janeiro de 1918, 480.000.000 de quilos de carne humana em putrefação. Para avaliar exatamente as perdas, será preciso acrescentar ainda milhões de doentes. Só a sífilis, que tomou, durante a guerra, uma extensão inaudita, infeccionou quase todo o gênero humano. Os homens, depois da guerra, haviam perdido os dois terços de suas forças; os elementos mais sadios, mais capazes de trabalhar, a flor das nações, foram exterminados.
E foram, evidentemente, os operários e os camponeses que mais sofreram.
Nos grandes centros dos Estados beligerantes, criaram-se mesmo pequenas aglomerações de soldados particularmente desfigurados e mutilados; o rosto coberto com uma máscara, reduzido à caixa craniana, vegetam esses infelizes frangalhos, testemunhos vivos da “civilização” burguesa.
Mas, o proletariado não foi somente imolado em selvagens combates. Encargos incríveis pesam nos ombros dos sobreviventes. A guerra exigiu despesas loucas. E, enquanto os fabricantes e os usineiros percebiam “lucros” fabulosos, lançavam-se sobre os operários impostos enormes, para pagar as despesas formidáveis da guerra. Em 1919, na Conferência da Paz, o ministro das Finanças da França declarou que a guerra havia custado às nações beligerantes um trilhão de francos. Poucas pessoas sabem o que significam semelhantes números dessa magnitude que se calculava a distância de uma estrela a outra. E, hoje, calcula-se com eles as despesas da matança celerada. Um trilhão são mil milhões de milhões. Segundo outros cálculos, as despesas da guerra foram as seguintes:
Milhões de francos
Primeiro ano
236
Segundo ano
254,9
Terceiro ano
532,2
Primeira metade do quarto ano até 31 de dezembro de 1917
399,1
TOTAL
1.522,2
Evidentemente, as despesas aumentaram, depois de 1917. Semelhantes despesas, para serem cobertas, exigiam receitas loucas. E, muito naturalmente, os Estados capitalistas puseram-se a aumentar mais os impostos da classe operária: quer sob a forma de impostos diretos, quer — para fazer a burguesia pagar também alguma coisa — pela alta patriótica dos preços. A carestia da vida acentuou-se. E os fabricantes — aqueles, sobretudo, que trabalhavam para a guerra — embolsaram lucros inauditos.
Os fabricantes russos elevaram seus dividendos a mais do dobro, certas empresas distribuíram-nos fabulosos. Eis alguns algarismos. A Sociedade da Nafta, dos irmãos Mirsolev, pagou 40% de dividendo; a sociedade por ações dos irmãos Danichevsky, 30%; a manufatura de tabacos de Kalfa, 30%, etc. Na Alemanha, o lucro liquido das empresas, que, de 1913 a 1914, para quatro ramos (química, explosivos, metalurgia, automóveis), era de 133 milhões, passou, em 1915-1916, a 259 milhões, isto é, dobrou num só ano. Nos Estados Unidos, os lucros do truste do aço triplicaram de 1915 a 1916. De 1915 a 1917, subiram de 98 milhões a 478 milhões de dólares! Os dividendos de 200% não eram raros. Igualmente formidável foi o aumento dos lucros dos bancos. Os grandes tubarões enriqueceram de modo incrível, os pequenos burgueses ficaram arruinados e o proletariado ficou sob o jugo dos impostos e da vida cara.
Durante a guerra, fabricaram-se, sobretudo, metralhadoras, granadas, dinamite, canhões, autos blindados, aeroplanos, gases asfixiantes, pólvora, etc. Nos Estados Unidos surgiram cidades inteiras construídas às pressas em redor de fábricas de pólvora, tão de afogadilho construídas, que quase sempre voavam pelos ares, tal era a pressa de fabricar pólvora e ganhar dinheiro. Os fabricantes de canhões e de obuses obtiveram lucros formidáveis. Mas, a situação do povo, por isto mesmo, só se tornava pior. Os verdadeiros produtos, os que servem para a alimentação, para o vestuário, etc., fabricavam-se cada vez menos. A pólvora e as balas podem servir para atirar e destruir; mas não para alimentar e vestir. E todas as forças econômicas estavam absorvidas pela fabricação da pólvora e dos instrumentos de destruição. A produção normal e útil cada vez mais desaparecia. A mão de obra passava para o exército e toda a indústria trabalhava para a guerra. As mercadorias úteis tornavam-se cada vez mais raras, acarretando a fome. Falta de pão, falta de carvão, falta de todos os objetos úteis, e, além disso, penúria mundial e esgotamento geral da humanidade tais são as conseqüências da criminosa matança imperialista.
Na França, a produção agrícola, nos primeiros anos da guerra, diminuiu da seguinte forma:
Produtos
Em quintais
1914
1916
Trigo
42.272.500
15.300.000
Plantas de raiz
46.539.000
15.260.000
Plantas industriais
59.429.000
20.448.000
Legumes
–
354.500
Na Inglaterra, os estoques de minérios eram avaliados:
Fins de
Toneladas
1912
241.000
1913
138.000
1914
108.000
1915
113.000
1916
3.000
1917
600
Na Alemanha a produção de metal fundido, que era, em 1918, de 19.800.000 toneladas, desceu, em 1916, para 18.300.000; em 1917, para 13.100.000; em 1918, para 12 milhões; e, em 1919, ainda menos.
A falta de carvão colocou toda a indústria mundial na situação mais desesperadora, Na Europa, o fornecedor de carvão era a Inglaterra. Mas, na Inglaterra, desde 1915, a produção havia diminuído de 13%; em 1917, as indústrias essenciais quase não tinham mais carvão; as usinas eletro-técnicas só recebiam a sexta parte do carvão necessário; as empresas têxteis, onze vezes menos do que antes da guerra. Por ocasião da Conferência da “Paz”, em Versalhes, quase todos os países sofriam uma terrível crise carbonífera; as fábricas fechavam por falta de combustível, a circulação nas estradas de ferro era reduzida, o que desorganizou toda a indústria dos transportes.
Na Rússia, a situação era a mesma, Já em 1917, graças à guerra, a extração do carvão fazia-se muito mal, A região de Moscou, tendo necessidade de 12 milhões de puds por mês, o governo Kerensky prometeu seis milhões (a metade).
Mas, na realidade, somente forneceu: em janeiro de 1917, 1.880.000 puds; em fevereiro, 1.300.000; em março, 800.000. A indústria russa, evidentemente, rolava para a morte. Na Rússia como no mundo inteiro, começa a desagregação do capitalismo.
Em 1917 (no tempo de Kerensky), eis o número das fábricas que fecharam:
Empresas
Operários
Março
74
6.646
Abril
55
2.816
Maio
108
8.701
Junho
125
38.455
Julho
206
47.764
A decadência precipitava-se.
Para ter uma idéia do encarecimento da vida, provocada pela insuficiência das mercadorias e pela abundância do papel-moeda, é bastante observar o país que, com a América, sofreu menos com a guerra, a Inglaterra.
Eis os preços médios dos cinco principais gêneros alimentícios:
Chá/Açúcar
Pão, carne, manteiga
Em 1901-1905
500
300
Fim de julho de 1914
579
350
Fim de janeiro de 1915
786
413
1916
946,5
465
1917
1.310
561
1918
1.221,5
681
Fim de maio de 1918
1.247
777,5
Durante a guerra, os preços, mesmo na Inglaterra, ultrapassaram o dobro, enquanto os salários só aumentaram 18%. Os preços aumentaram, pois, seis vezes mais que os salários. A situação piorou, sobretudo na Rússia, onde a guerra, devastando o país, fez dele, por obra e graça dos senhores capitalistas, um pobre mendigo em farrapos.
Mesmo na América, o país que menos sofreu com a guerra, o preço dos 16 produtos mais importantes aumentou, de 1913 a 1918 inclusive, de 160%, e os salários de 80% somente.
A falta de carvão, de aço, de todo o necessário, acabou por transtornar a própria produção de guerra. Todos os países, excetuados a América, empobreciam-se continuamente. A fome, a destruição, o frio, marchavam triunfalmente sobre a terra. E todos esses males feriam, sobretudo, a classe operária. Ela bem que tentou protestar, mas a guerra lhe opunha todo o poder capitalista do Estado de rapina. A classe operária, em todos os países, tanto monárquicos como republicanos, sofreu perseguições inauditas. Os operários não foram privados só do direito de greve, mas a menor tentativa de protesto foi implacàvelmente reprimida. A dominação do capitalismo conduziu, assim, à guerra civil entre as classes.
As perseguições aos operários durante a guerra são muito bem expostas na resolução da Internacional Comunista relativa ao terror branco: “Desde o começo da guerra — diz-se nela — as classes dirigentes que fizeram matar e mutilar, nos campos de combate, mais de 10 milhões de homens, implantaram, no interior de seus países, o regime da ditadura sangrenta da burguesia, O governo czarista russo fuzilou e enforcou os operários e organizou progroms judeus. A monarquia austríaca afogou em sangue a sublevação dos camponeses e dos operários ucranianos e tchecos. A burguesia Inglesa executou os melhores representantes do povo irlandês. O imperialismo alemão cevou-se no interior do país e os marinheiros revolucionários foram as primeiras vitimas dessa besta-fera. Na França, foram fuzilados os soldados russos que não queriam defender os interesses dos burgueses franceses. Na América, a burguesia linchou os internacionalistas, condenou os melhores elementos do proletariado a 20 anos de trabalhos forçados e fuzilou os operários em greve”.
O regime capitalista estalava por todos os lados. A anarquia da produção havia conduzido à guerra, e esta tinha provocado uma exasperação sem exemplo dos antagonismos entre as classes: assim, a guerra ia desembocar na Revolução. O capitalismo começou a desagregar-se em duas direções principais (nota 7). Começava a falência do capitalismo.
Examinemos de mais perto essa falência.
A sociedade capitalista estava inteiramente fundida num só molde: a usina era organizada exatamente do mesmo modo que um ministério ou um regimento; no alto, os ricos, que dirigem; em baixo, os pobres, os operários e os empregados, que obedecem; no intervalo, os engenheiros, os suboficiais, os empregados superiores. Vê-se que a sociedade capitalista só pode durar enquanto o soldado operário obedecer ao proprietário, general ou oficial saído da nobreza ou da burguesia, e enquanto o operário da fábrica executar a ordem do Senhor Diretor, regiamente pago, ou do fabricante, sugador da mais-valia operaria. Mas, assim que as massas trabalhadoras recusam ser simples joguetes nas mãos de seus inimigos, os fios que ligam o soldado ao general, o operário ao fabricante, começam a romper-se. Os operários deixam de obedecer aos patrões, os soldados aos oficiais, os empregados aos chefes. Dá-se a decadência da antiga disciplina, em que os ricos dominavam os pobres e em que a burguesia maltratava o proletariado. Este período durará, inevitàvelmente, até que a nova classe, o proletariado, subjugue a burguesia, obrigando-a a servir aos trabalhadores, e estabeleça a disciplina nova.
Esse período de confusão, em que, destruída a velha ordem, ainda não foi criada a ordem nova, só pode acabar pela vitória completa do proletariado na guerra civil.
A guerra civil é uma luta de classes exasperada, que se transforma em revolução. A guerra imperialista mundial entre diferentes grupos da burguesia, por uma nova partilha do mundo, foi levada a cabo com o auxílio dos escravos do capital. Mas, impôs aos operários tamanhos encargos, que a luta das classes começou a transformar-se numa guerra civil dos oprimidos contra seus opressores, guerra que Marx já considerava como a única justa.
É perfeitamente natural que o capitalismo tenha acarretado a guerra e que a guerra imperialista entre Estados burgueses tenha sido seguida da guerra civil. Nosso partido predissera isso, desde 1914, quando ninguém pensava na Revolução. Era claro, no entanto, que o proletariado, oprimido pelos encargos enormes da guerra, acabaria por levantar-se e que a burguesia não poderia realizar uma paz duradoura, devido aos antagonismos insuperáveis entre os grupos nacionais de piratas capitalistas.
Nossa previsão realiza-se integralmente hoje. Aos terríveis anos de carnificina, de bestialidade e de selvageria, sucedeu a guerra civil contra os opressores. Começou com a Revolução russa, em março e em novembro de 1917; as Revoluções finlandesa, húngara, austríaca e alemã continuaram-na; depois, a Revolução começou em outros países... E, ao mesmo tempo, a burguesia mostrou-se incapaz de fazer uma paz duradoura. Os aliados venceram a Alemanha em novembro de 1918; só sete meses mais tarde, eles assinaram, em Versalhes, a paz de rapina. Todos sentem que esta não pode durar; depois dela, atacaram-se os iugoslavos e os italianos, os letões e os alemães. E todos os Estados burgueses atacaram a República dos operários russos vitoriosos. Sendo assim, a guerra imperialista termina pela guerra civil, da qual o proletariado sairá necessàriamente vitorioso.
A guerra civil não é produto do capricho de um partido ou do acaso, é uma manifestação da Revolução, tornada inevitável, porque a guerra dos piratas imperialistas abriu, definitivamente, os olhos das massas operárias.
Uma revolução sem guerra civil é tão quimérica como uma revolução “pacifica”. Os que assim pensam (os mencheviques, por exemplo, que deblateram contra a guerra civil) recuam de Marx para os socialistas antediluvianos, que acreditavam poder, convencer os capitalistas. O mesmo é querer, à força de carinhos, convencer o tigre a alimentar-se de ervas e deixar em paz as mansas gazelas. Marx era partidário da guerra civil, isto é, da luta armada do proletariado contra a burguesia. Ele escrevia, a propósito da Comuna de Paris, de 1871, que os comunardos não tinham sido bastante resolutos; no manifesto da I Internacional, redigido por Marx, está escrito em tom de censura: “Os próprios policiais, em lugar de serem desarmados e presos, como se devia fazer, encontravam amplamente abertas as portas de Paris para que pudessem, sãos e salvos, retirar-se para Versalhes. Não só os homens da ordem (os contra-revolucionários) não foram incomodados, como puderam reunir-se e apoderar-se manhosamente de mais de uma posição forte, no próprio centro de Paris... Repugnava ao Comitê central continuar a guerra civil que Thiers (o Denikin francês) tinha provocado, por seu ataque noturno contra Montmartre. Ele cometeu, nessa ocasião, a falta principal, decisiva, de não marchar contra Versalhes, então sem defesa, e perdeu, assim, oportunidade de liquidar a conspiração de Thiers e dos seus Rurais. Além disso, o partido da ordem pôde ainda experimentar sua força nas urnas eleitorais, em 26 de marco, dia da eleição da Comuna”. Marx pronuncia-se, pois, claramente pelo esmagamento armado dos guardas brancos na guerra civil.
Como se vê, os mestres do socialismo levaram muito a sério a Revolução. Compreendiam que o proletariado não pode convencer a burguesia e deve impõe sua vontade nela guerra civil, conduzida com o auxílio das baionetas, das carabinas e dos canhões, até a vitória final.
A guerra civil colocou, face a face, armas na mão, as classes da sociedade capitalista cujos interesses são opostos. É fato que a sociedade capitalista está dividida em duas partes, que ela é formada, na realidade, de duas sociedades pelo menos — mas este fato, em tempos normais, ficava invisível. Por quê? Porque os escravos obedeciam, silenciosamente, aos seus senhores. Mas, com a guerra civil, a parte oprimida da sociedade insurge-se contra a parte opressora. Não é preciso dizer que, nessas condições, nenhuma “vida comum”, nenhuma “união pacífica” entre as classes é possível; o exército divide-se em guardas brancos saídos da nobreza e da burguesia, e intelectuais e soldados vermelhos, saídos da classe operária e camponesa; torna-se impossível qualquer Assembléia Constituinte em que tomarão lugar, ao mesmo tempo, fabricantes e operários; como poderiam eles sentar-se “pacificamente” na mesma Constituinte, quando se fuzilam nas ruas? A guerra civil na Rússia e em outros países (na Alemanha e na Hungria) confirma isso inteiramente. Hoje, só é possível uma de duas coisas: ou a ditadura do proletariado ou a da burguesia e dos generais. O governo das classes médias e de seus partidos (socialista-revolucionário, menchevique, etc.) não passa de uma ponte de ligação. Quando o governo dos Sovietes, na Hungria, foi derrubado com o auxilio dos mencheviques, substituíram-no por uma “coligação”, que veio depois da reação. Quando os socialista-revolucionários constitucionais conseguiram apoderar-se, por algum tempo, da Ufa, na outra margem do Volga, e da Sibéria, foram repelidos, 24 horas depois, pelo almirante Koltchak, apoiado pela alta burguesia e pelos grandes proprietários de terra. E Koltchak colocou a ditadura dos grandes proprietários e dos burgueses no lugar da ditadura dos operários e dos camponeses. A vitória decisiva contra o inimigo e a realização da ditadura proletária são o resultado inevitável da guerra civil mundial.
A época das guerras civis foi inaugurada pela Revolução russa, que constituiu, apenas, uma manifestação parcial, o começo da Revolução universal. Na Rússia, a Revolução explodiu mais cedo do que nos outros países, porque ali começou mais cedo a desagregação do capitalismo. A burguesia e os proprietários de terras que, cobiçando Constantinopla e a Galícia, tinham preparado, com seus comparsas franceses e alemães, a matança, sangrenta de 1914, foram os primeiros a voar pelos ares, em conseqüência de sua fraqueza e desorganização; na Rússia é que, em primeiro lugar, apareceram a desordem e a fome. Por isto mesmo, foi mais fácil ao proletariado russo liquidar seus inimigos, alcançar a vitória em primeiro lugar e realizar, antes dos outros, sua ditadura.
Não se deve concluir disso, absolutamente, que a Revolução comunista russa seja a mais perfeita revolução de mundo e que o comunismo possa realizar-se tanto mais cedo num país quanto menos desenvolvido é ali o capitalismo. Se assim fosse, o comunismo devia realizar-se, primeiro, na China, na Pérsia, na Turquia, países muito pouco capitalistas, onde o proletariado quase não existe. Toda a doutrina de Marx seria falsa.
Raciocinar assim é tomar o começo pelo fim, o qual só dá à Revolução o seu caráter. A Revolução na Rússia explodiu mais cedo devido ao fraco desenvolvimento do capitalismo. Mas, a fraqueza do capitalismo em países atrasados, como a Rússia, onde dominam os artesãos e os lojistas, onde o proletariado está em minoria, etc., torna precisamente mais difícil a passagem para a organização comunista.
Na Inglaterra, a Revolução declarar-se-á mais tarde. Mas ali, depois da vitória, o proletariado poderá organizar mais rapidamente o comunismo, porque ele forma a imensa maioria e habituou-se ao trabalho em comum. Ali, a produção está incomparavelmente mais centralizada. Na Inglaterra, a Revolução começará mais tarde, mas será mais perfeita do que na Rússia.
Muitas pessoas pensam que a crueldade da guerra civil é conseqüência do “asiatismo” russo, de uma cultura atrasada, Os adversários da Revolução na Europa Ocidental não se cansam de repetir que na Rússia floresce o “socialismo asiático” e que nos países civilizados a Revolução se dará sem crueldade. Parolagem estúpida. Num país capitalista, há de ser maior a resistência da burguesia; os seus intelectuais (técnicos, engenheiros, oficiais) estão ligados mais fortemente ao capital e serão, por conseguinte, mais hostis ao comunismo. A guerra civil será, pois, inevitavelmente, mais violenta aí do que na Rússia. Na Alemanha, por exemplo, a Revolução demonstrou que, nos países de pronunciado desenvolvimento capitalista, a luta reveste formas ainda mais sangrentas.
Os que se queixam do terror dos bolcheviques esquecem que a burguesia, para conservar suas burras, não recua diante de nada. Eis o que, a esse respeito, diz a resolução do Congresso comunista internacional: “Quando a guerra imperialista começou a transformar-se em guerra civil e, diante das classes dirigentes mais criminosas que já viu a história da humanidade, apareceu, muito próximo, o perigo de desmoronar-se a sua dominação sangrenta, tanto mais cruel foi a sua ferocidade”.
Os generais russos, essa viva encarnação do regime czarista, organizaram e ainda organizam fuzilamentos em massa de operários, com o apoio direto ou indireto dos social-traidores (socialistas). Durante o domínio, na Rússia, dos socialista-revolucionários e dos mencheviques, milhares de operários e de camponeses enchiam as prisões; e os generais exterminavam, por insubordinação, regimentos inteiros. Hoje, Krasnov e Denikin, com o concurso benevolente das potências aliadas, trucidam e enforcam operários às dezenas de milhares, fuzilam “um soldado em cada dezena”, chegaram mesmo ao ponto de deixar, três dias, balouçando na forca, os cadáveres dos enforcados, a fim de aterrorizar os vivos. No Ural e no Volga, as matilhas brancas dos tchecoslovacos cortavam aos prisioneiros os pés e as mãos, afogavam-nos no Volga, enterraram-nos vivos. Na Sibéria, os generais mataram os comunistas aos milhares e exterminaram um número considerável de operários e de camponeses.
Os burgueses alemães e austríacos e os social-traidores deram largas aos seus instintos de canibais, quando, na Ucrânia, enforcaram, em forcas de ferro transportáveis, os operários e os camponeses, que eles exploravam outrora, e os comunistas, seus compatriotas, que são nossos camaradas austríacos e alemães.
Na Finlândia, país de democracia burguesa, auxiliaram a burguesia finlandesa a fuzilar 13 ou 14.000 proletários e a matar pela tortura, nas prisões, mais de 15.000. Em Helsingfors, punham diante de si, como escudos contra as metralhadoras, mulheres e crianças. Graças ao seu concurso, os guardas brancos finlandeses e seus auxiliares suecos conseguiram celebrar sangrentas orgias à custa do proletariado finlandês vencido. Em Tammerfors, obrigaram as mulheres e as crianças condenadas à morte a cavar sua própria sepultura; em Viborg, exterminaram milhares de russos, homens, mulheres e crianças.
No interior do país, os burgueses e os social-democratas alemães atingiram o supremo grau do furor reacionário na repressão sangrenta da insurreição comunista operária, no assassínio feroz de Liebknecht e de Rosa Luxemburgo, no extermínio dos operários espartaquistas. O terror branco em massa e individual é a bandeira sob a qual marcha a burguesia.
O mesmo quadro nos outros países. Na Suíça, democrática, está tudo pronto para o massacre dos operários que ousarem tocar na lei capitalista. Na América, a prisão, o linchamento e a eletrocussão são os mais altos símbolos da democracia e a da liberdade. Na Hungria e na Inglaterra, na Checoslováquia e na Polônia, por toda a parte, sempre a mesma coisa. Os assassinos burgueses não recuam diante de nenhuma atrocidade. Para consolidar seu domínio, desencadeiam o nacionalismo e organizam contra os judeus monstruosos progroms, cuja crueldade deixa muito distante os progroms organizados pela polícia czarista... E quando a canalha reacionária e “socialista” polaca massacrou os representantes da Cruz Vermelha russa, isto foi apenas uma gota de sangue no oceano dos crimes e atrocidades cometidos diariamente pelo canibalismo burguês acuado.
À medida que a guerra civil se desenvolve, reveste novas formas. Quando o proletariado está oprimido em todos os países, a guerra civil toma a forma de insurreições contra o poder do Estado da burguesia, Mas eis que, neste ou naquele país, o proletariado venceu e tomou conta do poder político. Que sucederá? O proletariado dispõe do poder do Estado, do exército proletário, de todo o aparelho do poder. A burguesia organiza, então, contra ele, conspirações e insurreições. Ele tem de lutar, ao mesmo tempo, como Estado, contra os Estados burgueses. Neste caso, a guerra civil toma outra forma, a de uma verdadeira guerra de classe, em que o Estado proletário luta contra os Estados burgueses; aqui, os operários não se revoltam somente contra a burguesia de seu próprio país, mas fazem, como Estado operário, uma guerra em regra aos Estados imperialistas. Essa guerra não é feita para saquear o bem alheio, mas em favor do comunismo, em favor da ditadura da classe.
Foi, na realidade, o que se deu. Depois da Revolução de Outubro, todos os Estados capitalistas — Alemanha, França, América do Norte, Japão, etc. — atiraram-se, de todos os lados, contra o poder dos Sovietes. Quanto mais o exemplo da Revolução russa agia sobre os operários dos outros países tanto mais estreitos eram os laços do capital internacional, procurando atirar contra o proletariado a coligação dos bandidos capitalistas.
Embora a América do Norte, obedecendo a razões que em nada destroem o juízo a formular sobre a Sociedade das Nações se tenha afastado dela, foi ela quem a idealizou. A América do Norte enriqueceu-se formidàvelmente durante a guerra. Atualmente, é a credora de todos os Estados burgueses da Europa. Provém sua força, além disso, de possuir matérias primas, combustíveis e cereais. Pode atrair, assim, todos os outros bandidos.
Curioso é notar como os Estados Unidos encobriram com nobres palavras a sua política de banditismo. Entraram na guerra de rapina sob a divisa da “salvação da humanidade”, etc. Era favorável, para os Estados Unidos, existir uma Europa despedaçada, fracionada em dezenas de Estados, aparentemente “independentes”, mas na realidade dependendo da América. Dissimularam sua luta pelo interesse particular com a nobre máscara do “direito de livre disposição dos povos”. A gendarmeria capitalista, a guarda branca e a polícia, que, de acordo com o plano de Wilson, serviriam para sufocar a Revolução onde quer que surgisse, eram destinados — oh! que linda frase! — a castigar a “ruptura da paz”. Em 1919, todos os imperialistas, adversários da véspera, tornados subitamente pacifistas, puseram-se a gritar que os verdadeiros imperialistas e adversários da paz eram os bolcheviques. O estrangulamento dos revolucionários escondia-se, aqui, sob a máscara do “amor à paz” e da “democracia”.
A Sociedade das Nações já se revelou como um gendarme e um carrasco internacional. Seus delegados sufocaram a República dos Conselhos na Hungria e na Baviera. Ela procura continuamente estrangular o proletariado russo: as tropas inglesas, americanas, japonesas, francesas, etc., colaboram, no Norte, no Sul, no Oeste e no Leste da Rússia, com os carrascos da classe operária. A Sociedade das Nações açulou, mesmo, escravos de cor contra os operários russos e húngaros (Odessa, Budapeste). A quanta infâmia podem chegar, mostraram-no esses bandidos enluvados ao sustentarem uma “Liga de Assassinos” encabeçada pelo general Iudenitch, chefe do chamado “governo do Noroeste” da Rússia. A Sociedade das Nações incita a Finlândia, a Polônia, etc., contra a Rússia dos Sovietes, organizando conspirações com o auxílio dos cônsules das potências estrangeiras; seus agentes fizeram voar pontes, mataram comunistas à bomba de dinamite. Não há infâmia de que não seja capaz a Sociedade das Nações.
Essa tentativa foi feita pelos capitalistas, sob a iniciativa de Wilson, o hábil e velhaco chefe do capital americano, na pretensa “Conferência da Paz”, de Versalhes. Chamaram a essa associação de bandidos a “Sociedade das Nações”, isto é, os “Estados Unidos dos Povos”. Mas, na realidade, não se trata de uma Sociedade dos Povos e sim de uma sociedade dos capitalistas internacionais e de seus governos.
Essa sociedade procura criar um truste mundial formidável que açambarque todo o nosso planeta, explore o mundo inteiro e reprima em toda a parte, do modo mais feroz, a classe operária e a Revolução. As alegações que emprestam a essa sociedade intuitos de paz são pura balela. Seu verdadeiro fim é duplo: a exploração implacável do proletariado mundial, das colônias e dos escravos coloniais, e o estrangulamento da Revolução mundial em marcha.
Quanto mais forte é a pressão do proletariado mais estreitos são os laços da quadrilha capitalista. No Manifesto Comunista, Marx e Engels escreviam em 1847: “Um espectro aterroriza a Europa — o espectro do comunismo. Para persegui-lo unem-se, numa Santa Aliança, todas as potências da velha Europa: o papa e o czar, Guizot e Metternich, os radicais da França e os policiais da Alemanha”. Muitos anos decorreram depois disto. O espetro do comunismo revestiu-se de carne e osso. E contra ele partem em campanha, não só toda a velha Europa, como todo o universo capitalista. Entretanto, a Sociedade das Nações não será capaz de cumprir sua dupla tarefa: a união, num só “truste”, de toda a economia mundial e o estrangulamento da Revolução mundial. A América opõe-se ao Japão, e estas duas potências continuam a armar-se. Seria ridículo pensar que a Alemanha esmagada alimenta sentimentos fraternais em relação aos saqueadores “desinteressados” da Entente. Também desse lado existe uma brecha. Guerreiam-se os pequenos Estados. Mas — o que é mais importante ainda
— as insurreições e as guerras começam nas colônias: na Índia, no Egito, na Irlanda, etc. Os países escravizados levantam-se contra seus opressores “civilizados”. À guerra civil, guerra de classe que atira o proletariado contra a burguesia imperialista, juntam-se, nas colônias, insurreições que continuam a minar e a destruir o domínio do imperialismo mundial. Assim, o regime imperialista estala sob a pressão do proletariado que se levanta, das guerras das repúblicas proletárias, das sublevações e das guerras das nações escravizadas pelo imperialismo, e graças às discórdias entre as grandes potências capitalistas. Em vez de uma “paz duradoura”, o que existe é o caos completo; em lugar da pacificação do proletariado mundial, a guerra civil exasperada. Nessa guerra civil, crescem as forças do proletariado e diminuem as forças da burguesia. No fim de tudo, dar-se-á, inevitàvelmente, a vitória do proletariado.
Certamente, a ditadura proletária não vencerá sem sacrifício. A guerra civil, como qualquer outra guerra, acarreta perda de homens e bens. Toda revolução acarreta perdas semelhantes. Além disso, nos primeiros tempos da guerra civil, agravar-se-á mais a desagregação econômica originada pela guerra imperialista. Isto porque os operários, em vez de trabalhar e organizar a produção, deverão ficar na linha de frente, empunhando a carabina, e defender-se dos proprietários e generais, com prejuízo evidente para a vida das fábricas. Mas, isso é inevitável em toda revolução. Na Revolução burguesa de 1789-1793, quando a burguesia francesa derrubava os proprietários de terras, a guerra civil era acompanhada de grandes destruições. No entanto, depois da derrota da propriedade feudal, a França entrou numa época de rápido progresso.
Qualquer pessoa compreenderá que, numa revolução tão formidável como a Revolução mundial do proletariado, quando desaba um regime de opressão edificado durante séculos, as perdas possam ser particularmente grandes. A guerra civil assume hoje, proporções mundiais; converte-se, em parte na guerra dos Estados burgueses contra os Estados proletários. Os Estados proletários, que se defendem dos bandidos imperialistas, fazem uma guerra de classes, uma guerra verdadeira, justa, mas que exige sacrifícios de sangue. E quanto mais se estende a guerra, maiores são os sacrifícios, mais aumenta o caos.
O custo elevado de uma revolução nada prova contra ela. O regime capitalista, edificado durante séculos, acarretou o sangrento mar de sangue da monstruosa matança imperialista. Que guerra civil poderá comparar-se com essa carnificina selvagem e com essa destruição de tantas riquezas acumuladas pela humanidade? É preciso que a humanidade acabe, de uma vez por todas, com o capitalismo. E só isso é bastante para nos conservarmos firmes nas guerras civis, a fim de abrir caminho ao comunismo, que curará todas as feridas e dará um rápido impulso às forças produtivas da sociedade humana.
A Revolução em curso é mundial, pelas mesmas razões que fizeram da guerra imperialista uma guerra mundial. Os principais países, simples elos da economia mundial, foram quase todos arrastados para a guerra, que os ligou num só bloco, de um modo ou de outro. A guerra causou terríveis devastações em todos os países, provocou a fome, a escravização do proletariado, a decomposição progressiva e a decadência do capitalismo, o fim da disciplina de “chibata” nos exércitos, nas fábricas e nas usinas, e, com a mesma necessidade implacável, desencadeará a Revolução comunista do proletariado.
Desde que comecem, a decomposição do capitalismo e o desenvolvimento da Revolução comunista, não podem ser contidos. Qualquer tentativa que vise repor a sociedade humana no antigo caminho capitalista está votada, antecipadamente, a um completo fracasso. A consciência das massas proletárias atingiu tamanha altura, que elas não podem nem querem mais trabalhar ou trucidar-se mutuamente em prol dos interesses do capital e das conquistas coloniais. O exército de Guilherme não se pode reconstituir na Alemanha. Mas assim como não se pode restabelecer a disciplina imperialista no exército, obrigando o soldado proletário a submeter-se ao jugo do general burguês ou nobre, não mais se pode restabelecer a disciplina capitalista do trabalho e obrigar o operário a trabalhar para o capitalista ou o proprietário de terras. O novo exército só pelo proletariado pode ser criado. A nova disciplina de trabalho só pela classe operária pode realizar-se.
Só existem duas possibilidades: ou uma decadência geral, um caos completo, uma confusão sangrenta, uma selvageria crescente, a desordem e a anarquia — ou o comunismo. Todas as tentativas de restauração do capitalismo, num país onde as massas já estiveram no poder, o confirmam. Nem a burguesia francesa, nem a burguesia húngara, nem Koltchak, nem Denikin, nem Skoropadsky, puderam organizar a vida econômica e estabelecer sua ordem sanguinária.
A única solução para a humanidade é o comunismo. E como o comunismo só pelo proletariado pode ser realizado, só ele pode salvar a humanidade dos horrores do capitalismo, da exploração bárbara, da política colonial, das guerras contínuas, da fome, da selvageria, da bestialidade e de todos os horrores do capital financeiro e do imperialismo. Daí a grande importância histórica do proletariado. Ele pode sofrer derrotas parciais, mas sua vitória é inevitável, tão inevitável quanto a derrota da burguesia.
Resulta claramente do que precede que todos os grupos, todas as classes e todos os partidos que podem restaurar o capitalismo ou imaginam que o tempo do socialismo ainda não chegou, desempenham, na realidade, um papel contra-revolucionário, reacionário, queiram ou não queiram, tenham ou não consciência disso. Tais são os partidos social-democratas.
Notas:
6) Ver o § 13 – Contradições Principais do Regime Capitalista (voltar ao texto)
7) Ver o § 13 – Contradições Principais do Regime Capitalista (voltar ao texto)
Inclusão | 06/06/2005 |