ABC do Comunismo
Nikolai Bukharine e E. Preobrazhensky

Capitulo II – Desenvolvimento do Regime Capitalista


§ 14. — Luta entre a pequena indústria, entre a propriedade individual ganha pelo trabalho e a propriedade capitalista, adquirida sem trabalho.

a) Luta entre a pequena e a grande produção na indústria.

As grandes usinas, que contam às vezes, mais de dez mil operários, com suas máquinas gigantescas, monstruosas, nem sempre existiram. Elas nasceram do desaparecimento gradual e quase completo do pequeno artesanato e da pequena indústria. Para compreender esta evolução, é preciso primeiro observar que a propriedade privada e a produção de mercadorias tornam inevitável a luta pelo comprador: a concorrência. Quem triunfa nesta luta? Aquele que sabe conquistar para si o comprador e separa-lo de seu concorrente (seu rival). Ora, o comprador é atraído principalmente pelo preço mais baixo das mercadorias (nota 3). Mas quem pode vender em melhores condições? É claro que o grande fabricante pode vender mais barato que o pequeno fabricante ou o artesão, porque a mercadoria lhe custa menos. A grande indústria dispõe, com efeito, de uma infinidade de vantagens.

Em primeiro lugar, o grande proprietário da empresa capitalista está em condições de instalar melhores máquinas, de empregar melhores instrumentos e melhores aparelhos. O artesão, o pequeno patrão, ganham penosamente a vida; trabalham, ordinariamente, com máquinas movidas à mão; não se atrevem a pensar, por falta de recursos, nas grandes e boas máquinas. O pequeno capitalista, igualmente, não está em condições de introduzir as máquinas mais modernas.

Consequentemente, quanto maior for a empresa, masi aprefeiçoada é a técnica, mais produtivo é o trabalho — mais baixo é o custo da mercadoria.

Nas grandes usinas da América e da Alemanha, existem mesmo laboratórios científicos que descobrem continuamente novos aperfeiçoamentos, unindo assim a ciência à indústria; essas invenções constituem o segredo da empresa e só a ela servem.

Na pequena indústria e no artesanato, um mesmo operário fabrica o produto quase inteiro; no trabalho à máquina com numerosos operários, um faz uma parte, outro uma segunda, outro uma terceira e assim seguidamente. O trabalho vai muito mais rápido assim; é o que se chama a divisão do trabalho. Podemos avaliar as vantagens alcançadas desta forma, segundo um inquérito americano de 1898. Eis os resultados a que ele chegou:

Para a fabricação de dez arados, o trabalho à mão exige 2 operários, cada um fazendo 11 operações diferentes, trabalhando, ao todo, 1.180 horas e ganhando 54 dólares; o mesmo trabalho feito à máquina, exige 52 operários, 97 operações diferentes (quanto maior for o número de operários, mais eles são especializados), trabalhando 31 h. e 28 minutos e ganhando 7.9 dólares (por conseqüência, a perda de tempo foi infinitamente menor e o trabalho se tornou consideravelmente mais barato). Para a fabricação de 100 rodas de relógio, o trabalho à mão exige 14 operários, 453 operações diferentes, 341.866 horas de trabalho e 80.822 dólares; com máquinas: 10 operários, 1.088 operações, 8.343 horas de trabalho e 1.794 dólares. Para fabricação de 500 jardas de um tecido de xadrez, o trabalho à mão exige 3 operários, 19 operações, 7.534 horas, 135,6 dólares; o trabalho à máquina: 252 operários, 43 operações, 84 horas, 6,81 dólares. Poder-se-ia ainda, citar grande quantidade de exemplos semelhantes. De outro lado, toda uma série de ramos de produção, que necessitam uma alta técnica, tais como a construção de vagões, de couraçados, as minas, ficam, pode se dizer, inacessíveis aos pequenos patrões ou aos artesãos.

A grande indústria economiza em tudo: nos edifícios, nas máquinas e nas matérias primas, na iluminação e no aquecimento, na mão de obra e na utilização dos restos, etc. Suponhamos, com efeito, mil pequenas oficinas e uma única grande fábrica que produz sozinha, tanto quanto estas mil oficinas; é mais fácil construir um só edifício grande do que mil pequenos; maior é o gasto de matérias primas nas mil pequenas oficinas; há mais imperfeição, mais desperdício; é mais fácil iluminar e aquecer uma só grande fábrica do que mil pequenas oficinas; é, igualmente, mais fácil mantê-la, limpá-la, fiscalizá-la, repará-la, etc. Em resumo: uma grande empresa, além de tudo isto, poderá poupar-se ou, como se diz comumente: economizar.

Na compra das matérias primas e de tudo o que é necessário para a produção, a grande indústria ainda leva vantagem. Em grosso é que se compra a melhor mercadoria e a preços melhores; de resto, o grande fabricante, conhecendo melhor o mercado, sabe onde e como comprar mais barato. Na venda de suas mercadorias, igualmente, a pequena empresa sempre fica em situação inferior. O grande patrão sabe melhor onde pode vender mais caro (tem, para este fim, seus viajantes, está em relações com a Bolsa onde estão centralizados os dados sobre a procura de mercadorias; comunica-se com quase todo o mundo). Mas, sobretudo, pode esperar. Se, por exemplo, os preços de suas mercadorias estão muito baixos, ele pode guardar essas mercadorias no depósito e esperar o momento em que elas hão de subir. O pequeno patrão não o pode fazer. Ele vive do que vendeu. Uma vez vendida a mercadoria, ele precisa logo viver do dinheiro recebido: não tem dinheiro guardado. Assim, é obrigado a vender por qualquer preço do contrário, é homem morto. É claro que, com isso, sofre grande prejuízo.

Enfim, a grande indústria encontra ainda vantagens no crédito. Quando o grande patrão tem necessidade urgente de dinheiro, pode sempre tomar emprestado. Qualquer banco emprestará a uma “casa séria” e com um juro relativamente pequeno. Mas, quase ninguém terá confiança num pequeno patrão. E, mesmo que ele inspire confiança, emprestar-lhe-ão dinheiro com juros de agiota. Assim, o pequeno industrial cai fàcilmente nas garras do agiota.

Todas essas vantagens da grande indústria explicam-nos porque a pequena indústria desaparece inevitàvelmente na sociedade capitalista. É morta pelo grande capital, que lhe arrebata o comprador, arruiná-a e transforma seu proprietário em proletário ou em mendigo. É evidente que o pequeno patrão procura defender-se. Ele luta com tenacidade, trabalha por si mesmo e faz trabalhar seus operários e sua família além de suas forças, mas, finalmente, vê-se obrigado a ceder terreno ao capital. Quase sempre, um pequeno patrão, na aparência independente, depende completamente, de fato, de um capitalista, trabalhando para ele, caminhando graças a ele. O pequeno industrial quase sempre depende do agiota; sua independência é ilusória; na realidade, só trabalha para este sanguessuga; ora depende do açambarcador que lhe compra as mercadorias, ora do armazém para o qual trabalha (ainda neste caso, só na aparência é independente; na realidade, tornou-se um assalariado do comerciante capitalista); acontece, também, que o capitalista é quem lhe fornece as matérias primas e a ferramenta (é muitas vezes o caso dos que trabalham a domicílio); é fácil verificar que o trabalhador a domicílio nada mais é, então, do que um apêndice do capital.

Existem outros modos de subordinação pelo capital: na vizinhança das grandes empresas, instalam-se, quase sempre, pequenas oficinas de reparação; neste caso, elas não passam de uma pequena engrenagem da fábrica, nada mais. Também estas são independentes apenas na aparência. Vemos, por vezes, pequenos patrões, pequenos artesãos, trabalhadores a domicílio, pequenos comerciantes, pequenos capitalistas, eliminados de um ramo da indústria ou do comércio, passar para outro ramo onde o capital ainda não é tão poderoso.

As mais das vezes, os pequenos patrões arruinados tornam-se pequenos retalhistas ou mesmo vendedores ambulantes, etc. Assim, o grande capital, em toda a parte, exclui, gradualmente, a pequena indústria; cria enormes empresas, que contam até milhares e mesmo dezenas de milhares de operários. O grande capital torna-se o dominador do mundo. A pequena propriedade, adquirida pelo trabalho, desaparece e é substituída pela grande propriedade capitalista.

Os trabalhadores a domicílio podem servir de exemplo demonstrativo da decadência da pequena indústria na Rússia. Alguns deles trabalhavam com matérias primas próprias (forradores, cesteiros) e vendiam suas mercadorias à vontade. Mais tarde, o operário a domicílio põe-se a trabalhar para um capitalista (chapeleiros de Moscou, fabricantes de brinquedos, de escovas, etc.). Depois, recebe do capitalista comprador as matérias primas, e cai numa verdadeira escravidão (serralheiros de Pavlosk e de Burmakino). Finalmente, é pago por peça (ferreiros de Tver, sapateiros de Kimry, cuteleiros de Pavlovsk, esteireiros de Makarievo). À mesma servidão chegam os tecelões a domicilio. Na Inglaterra a pequena indústria moribunda recebeu o apelido de sweating-system (suadouro) tão má era a sua situação. Na Alemanha, de 1882 a 1895, o número das pequenas empresas diminuiu de 8,6%, as empresas médias (6 a 60 operários) aumentaram de 64,1% e as grandes empresas de 90%. A partir de 1895 desapareceu uma quantidade considerável de empresas médias. Na Rússia também, a fábrica excluiu bem ràpidamente o trabalhador a domicílio. Um dos mais importantes domínios da produção na Rússia, é o da indústria de tecidos (a tecelagem). Se compararmos, na indústria algodoeira, o número dos operários de fábrica e o dos operários a domicílio, vemos a rapidez com que a fábrica excluiu o trabalhador a domicílio, o kustar:

Anos Operários trabalhando
Nas Fábricas A domicílio
1866
94.566
66.178
1879
162.691
50.152
1894-95
242.051
20.475

Em 1866, para 100 pessoas trabalhando na indústria de algodão, 70 trabalhavam a domicílio; em 1894-95 elas não passavam de 8. Na Rússia, a grande indústria se desenvolveu muito mais depressa porque o capital estrangeiro fundava grandes empresas. Já em 1902, as grandes empresas ocupavam quase a metade (40%) dos operários de indústria.

Em 1903, as fábricas de mais de cem operários representavam, na Rússia Européia, 17% do número total das fábricas e das usinas, e ocupavam 76,6% o número total dos operários de indústria.

A vitória da grande indústria em todos os países tem como resultado os sofrimentos dos pequenos produtores. Por vezes, regiões industriais e mesmo profissões desaparecem por completo (por exemplo, os tecelões da Silésia, na Alemanha, os tecelões da Índia, etc.).

b) Luta entre a pequena e a grande produção na agricultura.

A luta entre a pequena é a grande produção que se trava na indústria existe igualmente, sob o regime capitalista, na agricultura. O proprietário administrando seu domínio, como o capitalista administra sua fábrica, o camponês rico, o camponês médio, os camponeses pobres que são diaristas do grande proprietário de terras ou do grande fazendeiro e, enfim, os proprietários agrícolas — tudo isto, é a mesma coisa do que, na indústria, o grande capitalista, o pequeno patrão, o artesão, o trabalhador a domicílio, o operário assalariado. No campo como nas cidades, a grande propriedade está melhor organizada do que a pequena.

O grande proprietário pode lançar mão de uma boa técnica. As máquinas agrícolas (arados elétricos, arados a vapor, ceifadoras, enfeixadoras, semeadoras, batedeiras, etc.) são quase sempre inacessíveis ao pequeno agricultor ou ao camponês. Assim como não há razão para instalar uma máquina custosa na pequena oficina do artesão (porque ele não tem meios para comprá-la e ela não o indenizaria da despesa feita com a sua aquisição), assim também o camponês não pode adquirir um arado a vapor; e mesmo que o comprasse, de nada lhe serviria: para que uma máquina tão importante pague seu custo, é preciso muita terra e não uma pequena nesga, apenas suficiente para que uma galinha a cisque e encontre nela o seu sustento.

A completa utilização das máquinas e dos instrumentos depende da quantidade de terra disponível. Um arado de tração animal trabalhará com êxito num terreno de trinta hectares. Uma semeadora, uma ceifadora, um debulhador ordinário, em 70 hectares; um debulhador a vapor em 200, um arado a vapor em 1.000 hectares Nestes últimos tempos, são usadas máquinas agrícolas elétricas, mas somente nas grandes explorações.

A irrigação, a drenagem dos brejos, a drenagem, a construção de estradas de ferro de bitola estreita, etc., são realizáveis quase exclusivamente pelo grande proprietário. A grande lavoura, como a grande indústria, economiza nos instrumentos, nos materiais na força de trabalho, no combustível, na iluminação, etc.

Nos grandes domínios, é menor a necessidade, por hectare, de fossos, porteiras, cercas; desperdiçam-se menos as sementes.

Além disto, um grande proprietário pode contratar engenheiros agrônomos e administrar cientificamente seu domínio.

Do ponto de vista do comércio e do crédito, o grande proprietário agrícola, exatamente como o grande industrial, conhece melhor o mercado, pode esperar, comprar por melhor preço tudo o que lhe é necessário, vender mais caro. O pequeno proprietário só tem um recurso: lutar com todas as forças. É pelo trabalho intensivo, pela limitação das necessidades e pela subalimentação, que se mantém a pequena propriedade agrícola, sob o domínio do capitalismo. O que caracteriza sua ruína é a enormidade dos impostos. O Estado capitalista impõe-lhe uma carga imensa: basta recordar o que eram para o camponês os impostos, no tempo dos czares: “Vende tudo, mas paga os teus impostos”.

Pode dizer-se, em geral, que a pequena produção melhor se defende na lavoura do que na indústria. Nas cidades, os artesãos e os pequenos empreiteiros desaparecem muito ràpidamente, mas, em todos os países, a lavoura camponesa se mantém um pouco melhor. Se há, também, aí empobrecimento do maior número, é ele, muitas vezes menos aparente. Parece, por vezes, que uma lavoura não é muito grande, a julgar-se pela superfície do terreno, mas na realidade ela é muito grande pelo capital aplicado e pelo número de operários (por exemplo, a horticultura, nos arredores das grandes cidades). Por vezes, acreditamos, pelo contrário, tratar-se de numerosos pequenos proprietários, completamente independentes; na realidade, quase todos são operários assalariados, que alugam seus serviços, ora na propriedade vizinha, ora como biscateiros nas cidades. Com os camponeses acontece, em todos os países, o que sucede com os artesãos e trabalhadores a domicílio. Um pequeno número deles se transforma em aproveitadores (os taberneiros, os agiotas, que, pouco a pouco, aumentam os seus haveres); os outros vegetam, ou, arruinados definitivamente, vendem sua vaca, seu cavalo; depois, desaparecido por sua vez o pedacinho de terra, emigram para sempre para a cidade ou se convertem em operários agrícolas. O camponês sem cavalo torna-se assalariado, o camponês que aluga operários transforma-se em proprietário ou capitalista.

Assim é que uma grande quantidade de terras, de instrumentos, de máquinas, de gado, constitui a posse de um punhado de grandes capitalistas-proprietários, e que milhões de camponeses dependem deles.

Na América, onde o capital agrícola é mais desenvolvido, existem grandes propriedades em que se trabalha como nas fábricas. E, como nas fábricas, só um produto é feito nelas. Há grandes terrenos plantados exclusivamente de morangueiros ou árvores frutíferas; há explorações especiais de animais domésticos; lá, o trigo é cultivado por meio de máquinas. Numerosos ramos estão concentrados em poucas mãos. É assim que existe um “rei das galinhas” (um capitalista em cujas mãos está concentrada quase toda a produção de galinhas), um “rei dos ovos”, etc.

§ 15. — A Dependência do proletariado, o exército da reserva, o trabalho das mulheres e das crianças.

Massas cada vez maiores da população transformam-se, sob o regime capitalista, em operários assalariados. Artesãos arruinados, trabalhadores a domicílio, camponeses, comerciantes, capitalistas médios em falência, em suma, todos os que foram jogados à margem ou encurralados pelo grande capital, caem nas fileiras do proletariado. À medida que as riquezas se concentram nas mãos de um punhado de capitalistas, o povo se transforma cada vez mais em escravo assalariado dos primeiros.

Graças à ruína contínua das camadas e classes médias, há sempre mais operários do que precisa o capital. Por isso é que o operário está acorrentado ao capital. Ele é obrigado a trabalhar para o capitalista. Se não o quer, há cem outros para tomarem-lhe o lugar.

Mas, essa dependência não se consolida somente pela ruína de novas camadas da população. O domínio do capital sobre a classe operária cresce ainda com o fato de serem atirados continuamente à rua, pelo capital, os operários de que ele não precisa mais, constituindo-se, assim, uma reserva de força de trabalho. Como se dá isto? Já vimos que cada fabricante procura reduzir o preço líquido das mercadorias. Para isto, ele introduz, cada vez mais, novas máquinas. Mas, a máquina, em regra geral, substitui o operário, torna inútil uma parte dos operários. Uma nova máquina numa fábrica quer dizer que uma parte dos operários é despedida e fica sem trabalho. Mas, como novas máquinas são introduzidas continuamente num ramo da indústria ou noutro é claro que no regime capitalista, há sempre, fatalmente, operários sem trabalho. Isto porque o capitalista não se preocupa em dar trabalho a todos os operários, nem, tão pouco, em fornecer mercadoria a todos, mas em obter o maior lucro possível. Naturalmente, ele porá na rua os operários que não são mais capazes de lhe dar o mesmo lucro que antes.

E, efetivamente, nas grandes cidades de todos os países capitalistas, sempre vemos grande número de desocupados. Nelas se acotovelam operários chineses ou japoneses, antigos camponeses arruinados, vindos do fim do mundo para procurar trabalho, antigos lojistas ou pequenos artesãos; mas, aí encontramos também metalúrgicos, tipógrafos, tecelões, que, havendo durante longo tempo trabalhado nas fábricas, foram delas expulsos pelas novas máquinas. Tomados em conjunto, formam uma reserva de forças de trabalho para o capital, ou, como o disse K. Marx, o exército industrial de reserva. A existência desse exército, a permanência da falta de trabalho, permitem aos capitalistas aumentar a dependência e a opressão da classe operária. O capital, graças às máquinas, consegue subtrair, de uma parte dos operários, mais ouro do que antes; quanto aos outros, ficam na rua. Mas, mesmo na rua, eles servem, aos capitalistas, de chicote para estimular os que trabalham.

O exército industrial de reserva oferece casos de embrutecimento completo, de miséria, de fome, de grande mortalidade, de criminalidade mesmo. Aqueles que, durante anos, não puderam encontrar trabalho, tornando-se gradativamente bêbados, vagabundos, mendigos, etc. Nas grandes cidades: em Londres, em Nova York, em Hamburgo, em Berlim, em Paris, existem bairros inteiros habitados pelos sem trabalho dessa espécie. O mercado de Chitrov, em Moscou, pode servir de exemplo. Em lugar do proletariado, forma-se uma nova camada desabituada ao trabalho. Essa camada da sociedade capitalista chama-se, em alemão, Lumpenproletariat: lumpemproletariado (proletariado ocioso).

A introdução das máquinas fez surgir, igualmente, o trabalho das mulheres e das crianças, trabalho mais econômico e, portanto, mais vantajoso para o capitalismo. Antes das máquinas, era necessária certa habilidade manual; algumas vezes, era preciso fazer uma longa aprendizagem. Agora, certas máquinas podem ser dirigidas até por crianças, que só têm de levantar o braço ou mover o pé até que se cansem. Eis porque as máquinas difundiram o trabalho das mulheres e das crianças. É preciso acrescentar que as mulheres e as crianças oferecem menos resistência ao capitalismo do que os homens. São mais dóceis, mais tímidas, em presença dos padres e das autoridades. Esta a razão de o fabricante substituir, quase sempre, os homens por mulheres e transformar em lucro o sangue das crianças.

Em 1913 o número de operários e empregados era: na França, de 6.800.000; na Alemanha, de 9.400.000; na Áustria-Hungria, de 8.200.000; na Itália, de 5.700.000; na Bélgica, de 930.000; nos Estados Unidos, de 8.000.000; na Inglaterra e no País de Gales, de 6.000.000. Na Rússia, o número de operárias cresceu continuamente. Em 1910 seu número representava 25% de todos os operários e operárias de fábricas; em 1903, 31%; e em 1912, 45%. Em certos ramos de produção, as mulheres constituem a maioria: por exemplo, na indústria têxtil, em 1912, entre 870.000 operários havia 453.000 mulheres, isto é, mais de 52%. Nos anos da guerra, o número das operárias aumentou consideràvelmente.

Quanto ao trabalho das crianças, floresce em muitos países, mau grado a proibição. No país capitalista mais avançado, na América do Norte, ele é encontrado a cada passo.

A conseqüência disto é a desagregação das famílias operárias. Desde que a mulher e, por vezes, a criança, são absorvidas pela fábrica, não há mais vida em família!

Quando uma mulher se torna operária de fábrica, ela sofre, como o homem, todos os horrores da falta de trabalho. Ela também é posta no olho da rua pelo capitalista; entra, também, nas fileiras do exército industrial de reserva; pode, assim como o homem, descer até as condições de vida mais infamantes. Entrega-se à prostituição, isto é, vende-se ao primeiro homem que encontra na rua. Nada tendo para comer, sem trabalho, expulsa de toda a parte, vê-se obrigada a traficar com o corpo. Mesmo quando tem trabalho, o salário é tão miserável que é obrigada a aumentá-lo dessa maneira. E afeiçoa-se ràpidamente à nova profissão. Assim é que se forma a camada das prostitutas profissionais.

Nas grandes cidades, a prostitutas são muito numerosas. Cidades como Hamburgo ou Londres contam dezenas de milhares dessas infelizes. O capital faz delas uma fonte de rendas, com a criação de grandes lupanares organizados de forma capitalista. Existe um largo comércio internacional de escravas brancas, de que são centro as cidades da Argentina. A mais atroz prostituição é a das crianças, que floresce em todas as cidades da Europa e da América.

Assim, na sociedade capitalista, à medida que se inventam novas máquinas, mais aperfeiçoadas, e se constroem fábricas cada vez maiores e cresce a produtividade aumentam paralelamente a pressão do capital, a miséria e os sofrimentos do exército industrial de reserva, a dependência da classe operária para com os seus exploradores.

Se não existisse a propriedade e se tudo pertencesse a todos, o quadro seria muito diverso. Os homens reduziriam, muito simplesmente, o seu dia de trabalho, poupariam suas forças, diminuiriam seu sofrimento, pensariam no repouso. Mas, quando o capitalista introduz as máquinas, só pensa no lucro; não reduz a jornada de trabalho, porque perderia com isto. No domínio do capital, a máquina não liberta o homem, torna-o escravo.

Com o desenvolvimento do capitalismo, uma parte cada vez maior do capital é destinada às máquinas, aparelhos, construções de toda a sorte, aos enormes alto-falantes, etc.; pelo contrário, uma parte cada vez menor vai para o salário dos operários. Quando se trabalhava a domicilio, a despesa com os bancos de carpinteiro e outros utensílios não era grande: quase todo o capital se incorporava ao salário. Agora, é o contrário: a maior parte é destinada aos edifícios e às máquinas. E isto significa que a procura da mão de obra aumenta menos rapidamente do que o número das pessoas arruinadas, convertidas em proletários. Quanto mais se desenvolve a técnica, sob o capitalismo, mais aumenta a pressão do capital sobre a classe operária, porque se torna cada vez mais difícil encontrar trabalho.

§ 16. — A Anarquia da produção, a concorrência e as crises.

A miséria da classe operária cresce na medida do desenvolvimento da técnica que, sob o capitalismo, em lugar de ser útil a todos, traz lucro para o Capital, mas conduz à falta de trabalho e à ruína de muitos operários. E esta miséria aumenta ainda mais por outras razões.

Vimos, mais acima, que a sociedade capitalista está muito mal construída. Nela domina a propriedade privada, sem nenhum plano geral. Cada fabricante dirige sua empresa independentemente dos outros. Ele, pelo contrário, disputa o comprador aos outros: está em “concorrência” com eles.

Essa luta aumenta ou diminui com o desenvolvimento do capitalismo? À primeira vista, pode parecer que diminui. Com efeito, o número dos capitalistas diminui sem cessar; os grandes devoram os pequenos; outrora, dezenas de milhares de proprietários, de empresas lutavam entre si, a concorrência era feroz; hoje, poderia crer-se que os rivais, sendo muito menos numerosos a luta deveria ser menos encarniçada. Na realidade, nada disto se dá. O contrário, justamente, é que é verdadeiro. É verdade que os rivais são menos numerosos, mas cada um deles se tornou maior e mais poderoso. E sua luta não diminuiu, mas aumentou; não se acalmou, mas se encarniçou ainda mais. É bastante que, em cada país, não exista mais que um punhado de capitalistas para que entre estes países capitalistas rebente a luta. Chegamos finalmente a este ponto. A rivalidade se dá, atualmente, entre enormes associações de capitalistas, entre seus Estados. E não lutam somente por meio da baixa dos preços, mas também pela força armada. A concorrência, à medida que se desenvolve o capitalismo, só faz diminuir o número dos rivais, mas se torna sempre mais encarniçada e mais destruidora.

É necessário frisar ainda um sintoma: as crises. Que são essas crises? Eis o que são: Um belo dia, percebe-se, que tais mercadorias foram produzidas em quantidade excessiva. Os preços baixam, porque não há escoamento. Os armazéns ficam abarrotados de produtos que não podem ser vendidos: não há compradores para eles; e, ao lado disto, há muitos operários famintos, só recebendo salários miseráveis e podendo comprar menos ainda do que de ordinário. Então, é a miséria. Num ramo de produção, primeiro são as médias e as pequenas empresas que abrem falência e fecham as portas; depois, chega a vez das grandes. Mas, cada indústria depende de uma outra, todas são clientes uma das outras. Por exemplo, as empresas de confecção compram o pano aos grandes atacadistas e estes às fábricas de tecidos. Falidas as empresas de confecção, e como não há mais ninguém para comprar aos grandes fabricantes de tecidos, a indústria têxtil periga. Em toda a parte, começam a fechar-se fábricas e usinas; dezenas de milhares de operários são atirados à rua, a falta de trabalho aumenta desmedidamente, torna-se pior a vida dos operários. E, no entanto, há grande quantidade de mercadorias e o chão dos armazéns ameaça ceder sob seu peso. Deu-se isto, quase sempre, antes da guerra; a indústria prosperava, os negócios dos fabricantes caminhavam admiràvelmente; de repente, era a falência, a ruína, a falta de trabalho, a estagnação dos negócios; depois, a situação melhorava, os negócios tornavam a ser brilhantes; depois, do novo a falência, e assim consecutivamente.

Como explicar esta situação insensata em que os homens, entre as riquezas e o supérfluo, se tornam mendigos?

A resposta é simples. Já vimos que, na sociedade capitalista, reina a desordem, a anarquia na produção. Cada patrão produz por sua conta, correndo os riscos e os perigos. Cedo ou tarde, com tal modo de produção, há excesso de mercadorias produzidas (superprodução). Quando se fabricavam produtos e não mercadorias, isto é, quando a produção não se destinava ao mercado, a superprodução não era perigosa. Mas, a coisa muda de figura na produção de mercadorias. Nela, cada fabricante, para comprar as matérias necessárias à sua fabricação ulterior, deve vender primeiro suas próprias mercadorias. Se a máquina para num só lugar, há, graças à anarquia na produção, repercussão imediata de um ramo noutro. Declara-se uma crise geral.

Essas crises são muito destruidoras. Destrói-se grande quantidade de mercadorias. Os vestígios da pequena indústria são como que varridos por uma vassoura de ferro. Mesmo as grandes empresas não podem resistir e parte delas desaparece.

Certas fábricas fecham completamente, outras reduzem a produção, não trabalham todos os dias da semana; outras, enfim, fecham momentaneamente. O número dos sem-trabalho aumenta. Cresce o exército industrial de reserva, aumentando a miséria e a opressão da classe operária. Durante a crise, a condição da classe operária, que já era má, torna-se ainda pior.

Eis alguns algarismos sobre a crise de 1907-1910, que abrangeu a Europa e a América, numa palavra todo o mundo capitalista. Nos Estados Unidos, o número dos sem-trabalho que faziam parte dos sindicatos aumentou da seguinte forma: em junho de 1907, 8,1%; em outubro, 18,5%; em novembro; 22%; em dezembro, 32,7% (na construção: 42%; na confecção: 43,6%; no fumo: até 55%); está compreendido que a falta de trabalho total (nela incluídos os operários não organizados) foi ainda maior. Na Inglaterra, o número dos sem-trabalho constituía, no verão de 1907, 3,4% a 4%; em novembro, atingia 5%; em dezembro, 6,1%; em junho de 1908, elevava-se a 8,2%. Na Alemanha, mais ou menos em janeiro de 1.908, o número dos sem-trabalho era o dobro dos anos precedentes. Assim também nos outros países.

No que diz respeito à redução da produção, a fabricação de aço caiu, nos Estados Unidos, de 26 milhões de toneladas em 1907 para 16 milhões de toneladas em 1908.

Durante a crise os preços baixam. Então, os senhores capitalistas, para não perderem o lucro, recorrem à sabotagem. Na América, por exemplo, deixavam apagarem-se os altos-fornos. Ainda mais curioso é o modo de proceder dos fazendeiros de café, no Brasil. Para manter os altos preços, atiravam ao mar sacas de café. Na hora presente, o mundo inteiro passa fome e ressente-se da falta de produtos; isto é o resultado da guerra engendrada pelo capitalismo. Ora, em tempo de paz, o capitalismo afogava-se na abundância dos produtos que não podiam ser úteis aos operários, por falta de dinheiro nos bolsos destes últimos. De todo esse supérfluo, só uma coisa obtinha o operário: a falta de trabalho com todos os seus horrores.

§ 17. — O Desenvolvimento do capitalismo e as classes; o acirramento dos antagonismos de classes.

Vimos que a sociedade capitalista padece de dois males essenciais: 1º é “anárquica” (falta-lhe organização); 2º compõe-se de duas sociedades (classes) inimigas.

Também vimos que, com o desenvolvimento do capitalismo, a anarquia da produção, que se manifesta pela concorrência, acarreta uma sempre crescente exacerbação da competição, uma desorganização, uma ruína sempre maiores. A desagregação da sociedade, longe de diminuir, aumenta. Da mesma forma se alarga e se aprofunda o fosso que divide a sociedade em duas partes, em classes. De um lado, nas mãos dos capitalistas, acumulam-se todas as riquezas da terra; do outro, nas classes oprimidas, só há miséria, sofrimentos e lágrimas. O exército industrial de reserva compreende camadas de homens desanimados, embrutecidos, sem recurso de espécie alguma. Mas, mesmo aqueles que trabalham se distinguem, por seu modo de viver, cada vez mais dos capitalistas. A diferença entre o proletariado e a burguesia não cessa de crescer. Outrora, havia todas as espécies de capitalistas médios e pequenos, dos quais muitos estavam bem perto dos operários e pouco melhor viviam do que eles. Hoje, não se dá mais isto. Os grandes sobas vivem como ninguém o poderia imaginar antigamente. É verdade que a situação dos operários, com o desenvolvimento do capitalismo, melhorou; até o começo do século XX, os salários, em geral, iam aumentando. Mas, nesse mesmo lapso de tempo, o lucro do capitalismo crescia ainda mais rapidamente. Atualmente, a massa operária se encontra tão distanciada do capitalista quanto a terra do firmamento. Quanto mais o capitalismo se desenvolve, mais se eleva o pequeno punhado de capitalistas riquíssimos, e mais profundo se torna o abismo entre esse punhado de reis sem coroa e os milhares de proletários escravizados.

Afirmamos que, se o salário aumenta, o lucro aumenta muito mais ràpidamente, e que, por conseguinte, o fosso entre as duas classes se alarga sempre. Entretanto, desde o começo do século XX os salários não sobem mais; pelo contrário, baixam. Neste mesmo tempo, os lucros aumentaram como nunca, de sorte que, nestes últimos tempos, a desigualdade social se agravou com uma rapidez extraordinária. Esta desigualdade crescente não podia deixar de produzir, cedo ou tarde, um conflito entre operários e capitalistas. Se a diferença entre eles fosse diminuindo, se a situação material dos operários se aproximasse da dos capitalistas, a paz poderia reinar, um dia, sobre a terra. Mas, de fato, na sociedade capitalista, os operários não se aproximam dos capitalistas, mas deles se afastam todos os dias. E isto significa que a luta de classes entre o proletariado e a burguesia só pode agravar-se irremediàvelmente.

Os sábios burgueses tinham combatido fortemente este ponto de vista. Queriam provar que a situação dos operários, na sociedade capitalista, melhorava cada vez mais. Depois, os socialistas da direita trombetearam a mesma coisa. Uns e outros pretendem que os operários se enriquecerão pouco a pouco e poderão tornar-se pequenos capitalistas. Esta opinião logo se revelou falsa. Na realidade, a situação dos operários, confrontada com a dos capitalistas, tem ido de mal a pior. Eis uma prova disto, por um exemplo tirado do país capitalista mais adiantado, os Estados Unidos. Se avaliarmos em 100 a força aquisitiva do ganho operário (isto é, a quantidade de produtos que o operário pode comprar), levando em conta os preços dos gêneros, nos anos de 1890-1907, o poder aquisitivo do salário foi sucessivamente de:

Ano Poder Aquisitivo
1899
98,6
1895
100,6
1900
103,0
1905
101,4
1907
101,5

Isto significa que o nível de vida dos trabalhadores quase não se elevou, mas ficou quase estacionário. O operário comprava tantos gêneros alimentícios, roupas, etc., em 1890, como nos anos seguintes. Seu poder aquisitivo subira, muito pouco: 3%. Mas, ao mesmo tempo, os milionários americanos (os maiores industriais) amontoavam lucros enormes e a mais-valia que embolsavam aumentava desmedidamente. Naturalmente, o nível de vida dos capitalistas crescia, também, ao mesmo tempo.

A luta de classes baseia-se nos antagonismos de interesses entre a burguesia e o proletariado. São tão irreconciliáveis como os existentes entre os lobos e os cordeiros.

Qualquer pessoa compreenderá fàcilmente que é do interesse do capitalista fazer trabalhar os operários o mais tempo possível e pagar-lhes o mais barato possível; pelo contrário, o operário tem todo o interesse em trabalhar o menos possível. Por isto, desde o aparecimento da classe operária, a luta não podia deixar de travar-se pela elevação dos salários e a redução da jornada de trabalho.

Esta luta nunca cessou e nunca cessará completamente. Entretanto, ela não limitou seu objetivo a alguns tostões de salário a mais. Em qualquer lugar, onde se desenvolveu o regime capitalista, as massas chegaram à convicção de que era necessário acabar com o próprio capitalismo. Os operários começaram a refletir sobre um meio de substituir este regime detestado por um regime de trabalho justo e fraternal. Nasceu, assim, o movimento comunista da classe operária.

A luta operária foi sempre acompanhada de derrotas. Mas, o regime capitalista traz dentro de si mesmo a vitória final do proletariado. Por quê? Porque o desenvolvimento capitalista engendra a transformação em proletários de largas camadas populares. A vitória do grande capital é a ruína do artesão, do comerciante, do camponês; ela aumenta sem cessar as fileiras dos operários assalariados. O proletariado aumenta em número a cada avanço do desenvolvimento capitalista. Mas o desenvolvimento deste regime arruína dezenas de milhares, milhões de pequenos patrões e de camponeses calcados aos pés pelos capitalistas. Por isto mesmo, aumenta o número de proletários, dos inimigos do regime capitalista. Mas, a classe operária não se torna somente mais numerosa, ela se torna, além disto, sempre mais solidária, porque, ao mesmo tempo em que o capitalismo, se desenvolvem, também, as grandes fábricas. E cada grande fábrica reúne, em seus muros, milhares, e às vezes, dezenas de milhares de operários trabalhando lado a lado. Eles vêem como o patrão os explora. Percebem que o operário é, para outro operário, um amigo e camarada. No trabalho, os operários, reunidos pela fábrica, aprendem a agir em comum. Torna-se mais fácil porem-se de acordo. Eis porque com o desenvolvimento do capitalismo, aumenta não só o número, mas a solidariedade da classe operária.

À medida que as fábricas se multiplicam e que o capitalismo se desenvolve, os artesãos e os lavradores arruínam-se, e as cidades enormes, de milhões de habitantes, crescem mais ràpidamente. Por fim, numa extensão relativamente pequena — nas grandes cidades — aglomeram-se grandes massas populares, cuja imensa maioria é formada pelo proletariado das fábricas. Ele enche os bairros sujos e enfumaçados, enquanto o punhado de senhores que possui tudo habita luxuosos palácios. Este punhado torna-se cada vez menos numeroso. Os operários se multiplicam e se ligam entre si cada vez mais estreitamente.

Nestas condições, o acirramento inevitável da luta terminará, necessàriamente, pela vitória da classe operária. Cedo ou tarde, a classe operária entrará em conflito agudo com a burguesia, precipitá-la-á de seu trono, destruirá seu Estado de rapina e edificará uma ordem nova, a ordem do trabalho, a ordem comunista. Assim, o capitalismo, em se desenvolvendo, vai dar inevitàvelmente na Revolução comunista do proletariado.

A luta de classe do proletariado contra a burguesia tomou formas diversas. As três formas principais da organização operária que surgiram nesta luta; os Sindicatos que agrupam os operários de acordo com a sua profissão; as cooperativas, sobretudo as cooperativas de consumo, que têm por fim a supressão dos intermediários; enfim, os partidos políticos da classe operária (socialistas ou social-democratas e comunistas) que inscrevem em seu programa a luta pelo poder político da classe operária. Quanto mais se agravava a luta entre as classes, mais se deviam unir estas formas do movimento operário para atingir o fim comum: a derrubada do domínio da burguesia. Os chefes do movimento operário que melhor analisaram a situação foram sempre pela união estreita e pela colaboração de todas as organizações operárias. Eles diziam, por exemplo, que era necessária a unidade de ação entre os sindicatos e o partido político do proletariado e que, por conseqüência, os sindicatos não podem ser “neutros” (isto é., indiferentes em matéria política), e sim devem marchar com o partido da classe operária.

Nestes últimos tempos, o movimento operário criou novas formas, muito importantes, com os conselhos de operários (sovietes). Deles falaremos mais adiante.

Dessas observações sobre o desenvolvimento do regime capitalista, podemos, sem nos arriscarmos a um engano, deduzir o que se segue:

O número dos capitalistas diminui, mas eles se tornam cada vez mais ricos e cada vez mais poderosos; o número dos operários cresce continuamente e sua solidariedade aumenta ao mesmo tempo, mas as proporções não são as mesmas; a diferença entre o operário e o capitalista torna-se cada vez maor... por conseqüência, o desenvolvimento capitalista conduz a um conflito inevitável dessas classes, isto é à Revolução Comunista.

§ 18. — A Concentração e a centralização do capital são condições de realização do regime comunista.

Como vimos, é o próprio capitalismo que cava a sua sepultura, engendrando os seus próprios coveiros: os proletários; quanto mais se desenvolve, mais multiplica o número de seus inimigos mortais, e mais os reúne contra si mesmo. Mas, ao mesmo tempo, prepara o terreno para uma nova organização econômica, fraternal e comunista.

Com efeito, vimos mais atrás (§11. O Capital) que o capital cresce sem cessar. Uma parte da mais-valia que o capitalismo arranca ao operário junta-se ao capital, que se torna assim maior. Mas o capital, uma vez aumentado, pode alargar-se a produção. Este aumento do Capital, seu crescimento nas mesmas mãos, chama-se acumulação ou concentração do capital.

Vimos também (nota 4) que, à medida que o capitalismo se desenvolve, a pequena e a média produção são liquidadas; os industriais e os comerciantes pequenos e médios são arruinados, sem falar dos artesãos: todos são devorados pelo grande capital. O que possuíram os pequenos e médios capitalistas — seus capitais — escapam-se-lhes das mãos, e, por diversos caminhos, se concentram nas dos grandes salteadores, aumentando assim o capital destes últimos. Assim, o capital, dividido outrora entre vários possuidores, reúne-se numa só mão, num só punho vitorioso. Esta concentração do capital, antigamente disperso, chama-se centralização do capital.

A concentração e a centralização do capital, isto é, sua acumulação num pequeno número de mãos, não significa, ainda, a concentração e a centralização da produção. Suponhamos que o capitalista tenha comprado, com a mais-valia acumulada, a pequena fábrica de um vizinho e a tenha posto a trabalhar como o fazia antes. Há, de fato, acumulação, mas a produção fica no que era. No entanto, comumente, o capitalista transforma a produção, estende-a e aumenta as próprias fábricas. Neste caso, não há mais, somente, aumento do capital, mas também da própria produção. A produção torna-se enorme, emprega grande número de máquinas, reúne milhares de operários. Acontece que uma dúzia de fábricas muito grandes satisfaz as necessidades de todo um país. Neste caso, os operários produzem para toda a sociedade; o trabalho, como se diz, é socializado. Mas a direção e o lucro pertencem ao capitalista.

Essa centralização, e essa concentração da produção tornam, igualmente, possíveis uma produção verdadeiramente fraternal, mas só depois da Revolução Proletária. Com efeito, se essa concentração da produção não existisse e se o proletariado tomasse o poder, com a produção dispersa entre centenas de milhares de pequenas oficinas onde só trabalhassem dois ou três operários, seria impossível organizar essas oficinas numa base social. Quanto mais desenvolvido é o capitalismo, mais centralizada é a produção e mais fácil é ao proletariado, depois de sua vitória, dirigir a produção.

Por conseguinte, não só o Capitalismo engendra seus inimigos e conduz à Revolução Comunista, como também cria a base econômica para a realização do Regime Comunista.

 


Notas:

3) Trata-se, aqui, da situação anterior à guerra; em decorrência das destruições da guerra, não é o vendedor que procura o comprador, mas é o comprador que procura o vendedor. (voltar ao texto)

4) Ver o § 14 – Luta Entre a Pequena Indústria, Entre a Propriedade Individual Ganha Pelo Trabalho e a Propriedade Capitalista, Adquirida Sem Trabalho (voltar ao texto).

Inclusão 06/06/2005